1. Spirit Fanfics >
  2. Prelúdio das Cinzas >
  3. Apostas

História Prelúdio das Cinzas - Apostas


Escrita por: rubiconvenus

Capítulo 9 - Apostas


Fanfic / Fanfiction Prelúdio das Cinzas - Apostas

Capítulo 08: Apostas

Caio para trás com o peso da maça boleada e com cravos, que segundos atrás tentei erguer para golpear uma melancia em cima da mesa. A grama ampara a queda, diminuindo o estrago em meus ossos e fico sentado, com o porrete parado atrás de mim.

O Imperador segura a boca e de braços cruzados, contém a gargalhada, sentado em uma poltrona, ao seu lado, Benjamin servindo uma jarra de suco em seu copo de cristal, na mesa ao lado, com canapés e trouxinhas com geleia.

Não que Lorde Kaiser esteja querendo ser gentil ao segurar a risada, apenas, ele já riu demais e talvez tenha um limite para um Imperador rir no dia. Antes do porrete o treinador me fez testar uma espada com um escudo, atirar adagas… e melhor eu nem contar como foi quando me fizeram testar a alabarda!

-- Você é um desastre planetário, Eydwen. - Trovan diz com um sorriso sarcástico no rosto, com as duas mãos na cintura por cima de sua armadura simples e túnica marrom de treinamento. Ele é um ìncubo, mas está em sua forma humana: um rapaz que aparenta ser mais jovem do que é, de barba rala, cabelos castanhos claros jogados por cima dos olhos verdes. -- Achei que com a maça-estrela seria mais fácil, é só levantar com as duas mãos e martelar para baixo, sem segredos… E olha, nem era um mangual!

Meus dias caíram nessa rotina: acordo antes do anoitecer, me apronto e espero o Imperador me chamar. Normalmente ele me ignora, enquanto toma seu café da manhã e mal toca na comida servida - parece que vampiros comem comida de verdade, mas não sobrevivem sem tomar sangue -, e lê o seu jornal com todas as notícias do mundo dos seres sobrenaturais. Eu não sei porque ele sempre faz questão de olhar para mim ao acordar, mas é isso. Depois, ele me libera e eu posso ficar com a minha irmã na cozinha, ajudando-a com os afazeres. Ele só manda me chamar se precisa beber sangue, o que ocorre uma vez a cada três dias e tem pedido para eu cortar o braço e deixar escorrer em um copo. Estou com os meus dois braços machucados por causa disso e não consigo segurar uma maça-estrela.

-- Posso testar o arco? - Ergo-me do chão como se precisasse de um guindaste. Estou tão cansado! Meus cabelos estão grudados com suor no rosto, na testa, na nuca e minhas costas estão encharcadas. Enquanto respiro ofegante, um vapor branco escapa da minha boca e nariz.

-- Esqueça o arco. - Trovan estendeu as mãos abertas para frente e fez sinal de basta.

-- Eu quero o arco! - Insisti. -- Por que não pode ser o arco?

-- Porque o arco é uma arma avançada, Eydwen. - O Imperador me olha com desdém. -- É necessário agilidade, braços fortes para erguer a arma, inteligência na batalha já que o arqueiro fica sempre posicionado passos atrás e mais para cima dos soldados… Rapidez, boa mira, antecipar os passos dos inimigos… São coisas que você não tem. Coloque-se em seu lugar.

-- Meu lugar? - Pergunto revoltado. -- Então eu teria que ser um cachorro, ganindo aos seus pés.

-- É uma ideia que me agrada, talvez, se não encontrarmos uma boa arma, eu deva mandar forjar uma coleira e te trazer sempre em uma corrente. - Lorde Kaiser envia um olhar penetrante e intenso, como quem está falando sério, acompanhado daquele sorriso sádico em seu rosto. -- É só você dizer que quer desistir.

Aprendi nesses dias que estou morando no castelo que apesar de estarmos para cima das nuvens, quando o sol está brilhando, a pele queima muito com a falta de proteção da atmosfera, o ar é mais difícil de respirar para os humanos e é muito frio. Embora faça muito calor de dia, quando anoitece, nossa, parece que vamos congelar! Essa mudança de temperatura acabou com a minha resistência, acho que estou ficando gripado.

Odette me disse que muitas coisas aborrecem o Imperador, mas que a pior delas é ficar doente. Ela me fez comer mais que o que eu comeria normalmente, para ganhar um pouco de peso e ser capaz de doar sangue melhor. Ela teme que eu esteja anêmico e quando estive visitando minha irmã por esses dias, me analisou como uma verdadeira médica.

Sabe o que acontece se você fica doente e incapaz de doar sangue? Atiram você da ilha e boa sorte quando encontrar o chão lá embaixo sem um paraquedas! Ficar anêmico é um problema maior do que pegar pneumonia, por exemplo, embora as duas situações sejam mortais para os que vivem se remédios como antigamente.

O mundo acabou. As fábricas fecharam. Quem sobreviveu aos ataques dos Anjos vivem de roubo, morte, canibalismo… O Chão, como aprendemos a chamar, é como o inferno. Vivemos o que a bíblia previu, nós que sofremos vivemos o juizo final e fomos condenados. Deus não nos perdoou.

Tenho dificuldades de entender isso. Eu tinha treze anos quando o juízo começou e minha irmã, tinha acabado de fazer oito. Como ela, uma criança, pecou? Por que Deus não nos salvou? Enfim, não tenho respostas e os oradores das cidades dizem que temos que ter fé, que ainda não é tarde para sermos perdoados.

Os anjos caçaram todos e os que não morreram por suas espadas luminosas, morreram entregues às pragas do apocalipse. Muitos desistiram, se mataram… Mas eu não desisti. Eu estava lá embaixo vivendo aquele inferno, afogando-me na miséria e na falta de sorte.

-- Não vou desistir. - Comprimo os lábios, franzo a testa, a sugestão do Imperador era loucura. -- Eu vou testar o arco. - Viro para Trovan.

-- Ah! Um persistente lutador! - O Imperador gargalha.

-- Deixe-me ver. - Trovan cerrou os olhos me avaliando. Ergeu a mão para frente, esticando o braço na altura de seu ombro e mediu a minha altura, tendo que abaixar um pouco a mão, um ângulo pequeno. -- Talvez você alcance a altura exata dentro de dois anos. Talvez. Mas se não tem força para erguer a maça-estrela, como fará para segurar o arco na posição correta por tanto tempo antes de atirar? O arco pesa mais de vinte quilos, é como segurar uma criança de cinco anos com o braço esticado… Sem contar no peso dos pulmões, quando você os esvaziar para mirar.

-- Deixe-me tentar! - Peço. Olho para trás para o Imperador, ele afana a mão como se me dispensasse, mas dizendo que eu poderia ir. Mostro um sorriso. -- Eba!

-- Certo, mas terá que ser o arco composto, idêntico aos que os militares usam. - Trovan foi até a mesa de armas e tirou de cima dela um arco grande, não muito longo e apenas uma flecha, todo equipado com mira.

-- O arco composto não é o que minimiza o esforço do arqueiroa para atirar? - O Imperador perguntou lá do fundo.

-- Tem essas roldanas que ajudam, sim, senhor. - Trovan explicou, mostrando as roldanas que cruzavam as linhas da corda. O Imperador não se importou e o treinador virou para mim. -- Um tiro. Essa será sua chance, se puder acertar… - Olhando para longe, estreitando os olhos, sorrindo. -- Está vendo aquela bandeira vermelha ao longe?

Viro a cabeça para olhar na direção ordenada e coloco as mãos ao redor dos olhos, forçando as vistas. A bandeira estava longe, mas eu via bem o mastro e a flâmula do tecido, exibindo o símbolo da Casa Ingwor, dos dragões, em amarelo. Era longe. Bem longe.

-- Sim.

-- Bem ao lado, mais para baixo, tem uma cerca de madeira. - Trovan se aproximou de mim. Fui descendo os olhos pelo mastro e vi a cerca, pintada de amarelo, separando o jardim do Imperador com o centro de treinamento Ingwor. -- Acerte uma melancia colocada na primeira das pilastras ao lado do mastro, da cerca, e o arco é seu.

-- Vai valer se eu acertar em qualquer lugar?

-- Tão otimista. - O Imperador fala, interferindo um comentário amargo. -- Crianças. Não sabem mesmo seus limites.

-- Vai ser fácil. - Enviei um olhar de tédio para o Imperador. -- Tem as roldanas.

-- Sua arrogância não vai te ajudar em nada, mas já que está confiante, que tal apostarmos alguma coisa? - Lorde Kaiser dá um sorriso bonito, daqueles que me faz perder as forças no joelho e eu respiro fundo, tentando não me abalar.

-- Claro. O que vamos apostar? - Pergunto.

-- A coleira. Se errar, será meu cachorro por uma semana, terá que latir, brincar com a bola e tudo o mais, de quatro. - Lorde Kaiser tirou o seu copo da mesinha de ferro ao seu lado e deu um gole em seu suco de tomate.

-- E se eu ganhar? - Quis saber.

-- Você não vai ganhar. - Lorde Kaiser riu e colocou o copo em cima da mesa novamente. Um dos escravos pega a melancia e vai correndo pelo campo de grama até o fundo, para colocar a melancia na cerca. Enchi as bochechas de ar com a ofensa, O Imperador riu de novo e pensou melhor. -- Certo, quer um incentivo para se sentir melhor? Vou mostrar a você como posso ser motivante e generoso quando quero… - Ele olhou suas unhas por um tempo pensando e ergueu os olhos para mim. -- Deixo você escolher uma coisa que eu tenho que fazer. - Ele fez o número um com o dedo.

-- Qualquer coisa? - Animo-me, com um sorriso, mordendo a boca.

-- Que não seja algo impossível e louco, claro, avaliarei se o pedido é válido ou não, mas você terá direito a ter um pedido realizado. - O Imperador bate os cílios grandes com impaciência, como se eu fosse delirar com um pedido infantil. -- Mas para conquistar o direito do meu incentivo, terá que usar o arco recurvo.

Demorei um pouco pensando. Devia ser um truque do Imperador. Olhei para Trovan e ele balançou a cabeça dizendo para eu negar a proposta, mas se eu negasse e ganhasse, eu não poderia pedir nada.

-- Tá bom, aceito. - Concordo balançando a cabeça.

-- Ótimo. - O Imperador sorri vitorioso.

Trovan vai até a mesa, pega um arco recurvo simples e sem nenhum acessório instalado, aproxima-se me entrega o arco. Pego o arco com uma mão e depois a flecha. Viro para o mastro e respiro fundo.

-- Vou te mostrar como deve fazer. - Trovan diz.

-- Ah, não, deixe o menino fazer sozinho. Ele disse que seria fácil.

-- Isso é loucura. - Trovan parece ao mesmo tempo preocupado e confuso. -- Ele pode acabar acertando a própria mão, Majestade.

Olho para o Imperador, mas ele não parece mudar de ideia ou se preocupar com isso, ao contrário, ele dá um sorriso:

-- Por sua conta e risco, Eydwen. A menos é claro, que queira desistir. - Provoca sadicamente.

-- Não vou desistir. - Respondo rapidamente.

-- Muito bem. - O Imperador abre a mão sorrindo, me liberando.

-- Segure o arco com o braço direito, cuidado com o estalo da corda, você vai atirar sem protetor. - Trovan diz, dando um passo para trás e tomando distância.

-- Se quiser desistir… - O Imperador tenta novamente me persuadir. -- Pense bem, atirar assim, sem saber mexer com um arco, sem protetor no braço, pode ferir sua mão.

-- Não vou ferir a mão.

O Imperador venta, rindo e debochando da forma como falei, mas fica quieto. Eu viro de frente para o mastro e meu corpo todo está tremendo. Trovan cobre o rosto com a mão, perdendo coragem de ver e os poucos funcionários que nos cercam, cochicham coisas como “que pena” e “que idiota”, se referindo a mim, Benjamin rindo e torcendo pela minha morte, claro. A flecha balança com o tremer da minha mão e quase não consigo posicioná-la.

-- Tudo bem, criança, eu deixo você dar um passo a frente. - O Imperador diz, rindo, abanando a mão.

-- Quanta benevolência, meu senhor. - Dou um passo a frente, como ele disse e depois, um passo para trás. -- Mas aposta é aposta, não irei abusar de sua boa-fé em mim.

-- Tem razão, já ganhou muito do meu incentivo. - O Imperador diz. -- Não se arrependa depois, porque eu não vou. Dê um passo para trás, como castigo por sua ingratidão, criatura. - A voz dele soa até amarga.

-- Claro, majestade. - Dou um passo para trás e olho para o mastro, pode ser que nem faça diferença, mas ele parece ainda mais distante agora. -- Posso atirar, meu senhor? - Pergunto impaciente.

-- Quando quiser.

Posiciono a cauda da flecha na corda, o vento balança meus cabelos atirando-o à esquerda e eu respiro fundo, ficando na posição que considero perfeita para um tiro, ergo o arco por causa da distância, puxo a corda e solto o tiro. A corda explode com força no meu braço, abrindo as feridas mais recentes.

São dois ou três segundos em que a flecha voa para o alto e desce, cravando em cheio a melancia. Eu giro, colocando o arco para trás do corpo, sorrindo feliz.

Tá, eu conto para vocês o meu segredo: Quando os anjos atacaram eu tinha treze anos e estava no aeroporto despedindo-me de minha mãe e minha irmã. Os vôos foram cancelados e sobrevivemos escondidos em um dos hangares de manutenção… Eu ainda não tinha ideia da gravidade do que estava acontecendo com o mundo naquele momento, mas eu já tinha consciência de que não ia chegar a tempo para disputar a final do campeonato e conseguir uma vaga para disputar o campeonato nacional… de arco e flecha. Eu tinha acabado de aprender a atirar, mas eu era tão bom que meus treinadores achavam que eu fosse ganhar. Eu vivi três anos naquele inferno do chão, sobrevivendo com o que era capaz de caçar, ratos, pássaros, esquilos, peixes… A necessidade leva você ao seu extremo.

Eu ainda estava sorrindo quando o Imperador se levantou, andou até onde eu estava e me deu um tapa no rosto, me fazendo ir ao chão.

-- Insolente!

-- Ai! - O arco escorregou para longe e senti a face arder, mas o que me preocupou mesmo foi ver o meu braço direito sangrando, grudando a manga da farda marrom de treinamento.

-- A próxima vez que você me humilhar na frente de meus funcionários eu vou mandar chicotear suas costas até elas rasgarem! - Ele berra, segurando nos meus cabelos no alto da cabeça e me fazendo ficar em pé. Benjamin estava de canto, com a mão na boca, rindo. -- Sou um homem de palavra e a prova está no fato de que você pode escolher o que quiser, ainda que tenha sido um jogo sujo.

Limpo as lágrimas antes que elas escorressem de meus olhos, eu não estou me sentindo humilhado por levar um tapa, na verdade, eu estou me sentindo ótimo por ter vencido a aposta. Seguro o meu braço tentando amenizar a dor, o Imperador abaixa os olhos vendo o sangue na roupa, mas não se importa.

-- Anda, diga logo! - Ele está com aquela expressão horrível de braveza.

-- Meu desejo é que o senhor dê uma galinha do seu galinheiro para cada escravo desse castelo.

O Imperador gargalha.

-- Ficarei sem galinhas no meu galinheiro, mas se esse é o seu desejo, claro. - Ele acena para um escravo se aproximar. -- Você, vem aqui. - E o escravo corre rapidamente até ele. -- Providencie para que todo escravo desse reino receba uma galinha hoje. Ofereça dez moeda de cobre para todos aqueles que quiserem vendê-la de volta a mim, duas de prata para os que não quiserem. - Ele sorri satisfeito, eu sabia que muitos venderiam a galinha de volta e ele estava esfregando na minha cara que o dinheiro nunca foi problema. -- Vá para seus aposentos, Eydwen, vou mandar um médico para costurar isso no seu braço e um ferreiro forjar sua coleira, seu cachorro.

Saí imediatamente ele mandar, tremendo e chorando. Quando estava entrando no castelo pela lateral, cruzei com Odette que estava espanando a sala. Ela arregala os olhos:

-- Meu Deus menino, o que aconteceu?

-- Odette, você passa um recado a minha irmã? - Minha voz está chorosa e trêmula, como todo o meu corpo.

-- Claro, meu querido, o que é?

-- Diga a ela para ficar com a galinha e vender os ovos daqui uns dias. Se você for esperta, faça o mesmo com a sua. Com licença. - Passo atravessado pela sala.

-- Galinha? Ovos? - Odette ficou sem entender, no centro da sala.

(Continua)

 


Notas Finais


Por favor, deixe comentários.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...