História Presa a um pesadelo - Prólogo

Isaura caminhava, cheia de medo, pelo corredor escuro da casa grande. Ela trabalhava na casa, mas sabia que esse corredor era proibido a qualquer escravo, principalmente aquela hora da noite.
Abriu a porta escolhida, vagarosamente, tentando impedir o barulho. A garota na cama estava coberta até a cabeça, e a vela embaixo da cama soltava fumaça, denunciando o fogo recente. O livro escondido embaixo do travesseiro era cor de sangue e tinha o título na capa em dourado.
– o livro é bom? - perguntou a escravinha, que não era alfabetizada, e nem sequer pudera ler o título.
Verônica abriu os olhos muito azuis e sentou-se na cama, ajeitando o vestido. Vestia um lindo vestido azul-escuro rendado até os pés, e seus longos cabelos loiros e lisos caíam sobre os ombros.
– Que susto, Isaura! - exclamou Verônica, piscando para tentar se acostumar a escuridão do quarto - Eles estão prontos?
Isaura assentiu, olhando carinhosamente a melhor amiga. Elas se conheciam desde sempre, dividiram o mesmo peito quando bebês, brincavam quando crianças e hoje dividiam seus maiores segredos.
Aliás, era mesmo um grande segredo. Isaura apaixonara-se pelo irmão mais velho de Verônica, e futuro herdeiro daquelas terras. E a outra, por sua vez, tinha um romance com Eugênio, que havia vindo da África recentemente.
– Vamos de uma vez! - alertou Verônica, levantando-se de um salto e fazendo a frente, com Isaura logo atrás.
A negrinha observou a outra enquanto caminhava. Ainda lembrava da infância, quando as duas brincavam com as bonecas de porcelana de Verônica, e o pai via e sorria, considerando a escrava como mais um brinquedo.
Hoje, se fossem vistas juntas, o pai passava o sermão na filha e mandava a outra para o tronco, claro.
Desceram aos passos curtos. Os dois rapazes as esperavam ao pé da escada. Ângelo sorria, brilhando os olhos claros. Pegou a mão da menina moça, e a abraçou carinhosamente.
– Obrigada por atender meu recado, Isaura - agradeceu Ângelo, educado.
Isaura sorriu. No meio da tarde, levara café a Ângelo e o pai, que conversavam seriamente. Ele lhe deixara o bilhete na bandeja, discreto, e agradecera, sendo ralhado pelo pai.
O tímido Eugênio cumprimentou a outra com um gesto de cabeça e tocou os dedos da menina branca.
– Olá, sinhazinha - e sorriu, fracamente.
Todos silenciaram, atentos ao assunto de Ângelo.
– O que tem a nos dizer, irmão? - perguntou Verônica, cheia de curiosidade - Nosso pai nos descobriu?
O outro negou com a cabeça, tristemente.
– Isaura - ele disse, angustiado - Vou me casar nos próximos dias.
Silêncio entre os dois casais. O mais velho deixou-se levar pela notícia, sem perceber o olhar atônito da escravinha.
– É com Isabella, das terras vizinhas - declarou - Eu sinto muito.
E deixou que Isaura corresse, aos prantos.