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História Primavera de Rulim - Era para ter acabado aqui.


Escrita por: yuriPsouza

Notas do Autor


Olá, capítulo novo chegando!
É o começo oficial da história.
A fic vai ser dividida em 3 partes.
Essa primeira se chama "O Fim do Inverno" e terá 18 capítulos.
Boa leitura :)
...
Ah, antes que eu me esqueça.
Se gostarem da ideia, leiam ouvindo Clarisse, do Legião Urbana (ia linkar, mas não pode)!
Ps. o capítulo a seguir pode te emocionar! Prossiga com cautela xD

Capítulo 2 - Era para ter acabado aqui.


Fanfic / Fanfiction Primavera de Rulim - Era para ter acabado aqui.

O dia é 20 fevereiro de 2014, e eu não sabia os motivos dela, estava me esforçando, quer dizer, não éramos perfeitos juntos, mas eu tenho certeza que me esforçava para fazer o melhor possível. Não que meu melhor fosse o bastante, claro.

— Acabou — Ela disse, desviando o olhar. Hora de saída da escola.

Eu lembro de chorar muito, soluçava enquanto o nariz se enchia e eu tentava parar para não parecer ainda mais infantil e nojento, mas não conseguia, sempre fui o que chora fácil.

Elise estava com o cabelo longo e preto preso em um rabo de cavalo simples, os olhos castanhos comuns me encaravam de forma inexpressiva. Era estranho porque no dia anterior os mesmos olhos estavam cheios de sentimentos. O que mudou?

Tínhamos ficado na sala justamente por causa disso, ela havia dito “precisamos conversar, espera a sala esvaziar” em uma bolinha de papel. Nosso meio de comunicação off-line. Então quando a professora mandou a gente sair, nos levantamos, saímos e a professora saiu, então demos a volta no corredor e voltamos para a sala.

— Elise, eu posso melhorar, se você me disser... eu fiz… Claro, quer dizer, desculpa se eu fiz…

— Para com isso, Lucas. Para de se desculpar por tudo o que você não fez. Só não tá mais dando certo. Você sabe que não tá! — Ela não parecia nervosa, não parecia chateada, parecia apenas falar sobre algo comum, como se fosse apenas uma história na roda de amigos. Ela raramente parecia triste, não sei por que esperei que parecesse triste dessa vez.

Eu sabia? Eu tinha certeza que dei meu melhor, que fiz tudo da melhor forma que pude, eu tentei de verdade, mas o que aconteceu de errado, o que aconteceu que “eu não fiz” que eu deveria ter feito?

Tentei me aproximar dela, levantei os braços para segurá-la mais uma vez, e olhar no fundo dos olhos e inspirar emoção naquele vazio, mas Elise recuou em resposta e levantou os próprios braços balançando as mãos fazendo que não com a cabeça. Então me apoiei em uma mesa, abaixando a cabeça, sem entender mais nada.

— O que a gente fez foi errado, eu acho. Estava tudo bem antes, e eu pensei que fosse funcionar essa coisa toda da gente junto, mas não é fácil assim, Lucas, você entende?

— Não. — Eu respondi, meu rosto deveria estar inchado e vermelho e minha aparência devia ser digna de inspirar dó.

— Eu não devia ter dito sim, você é um amor de pessoa, mas a gente não funciona assim. É isso, só isso, não é culpa de ninguém. Vamos voltar a ser amigos, não? Eu não quero deixar você no passado e fingir que nunca aconteceu, Lucas, eu te amo, de verdade, mas não assim. — Ela balançou os braços gesticulando, com quem quer dizer “namorados” no lugar de “assim”. — E não quero fingir que nada aconteceu e que você passou, como se fosse só uma fase, porque não foi só isso.

Eu fiquei calado, engolindo aquilo lentamente como se fosse vomitar a cada palavra. Era estranho porque Elise nunca foi de me julgar, ela sempre me apoiou, sempre me deu suporte e sempre me ajudou, mas, de repente, as coisas começaram a mudar e eu era quem deveria fazer isso. Acontece que não sei fazer isso, e, mesmo assim, tentei, mas pelo jeito não foi o bastante. E agora estava tudo acabado.

— Eu… — Disse, mas não havia outras palavras além desta única. Eu soluçava, começava a sentir raiva.

— Vamos continuar sendo amigos, Lucas — Ela terminou, me encarando, então desviou o olhar e limpou o que poderia ser uma lágrima, só naquele instante que eu me toquei, nunca tinha visto Elise chorar a não ser quando assistíamos filmes ou quando ela leu “a culpa é das estrelas”, ou seja, nunca tinha visto ela chorar de verdade. — Você vai ver! Eu prometo ser sua amiga, sempre! E você?

Senti-me a pessoa mais idiota do mundo naquele instante, era o perfeito idiota de todo filme romântico estúpido.

Eu e Elise já éramos amigos muito antes da minha estúpida ideia de namorarmos, então porque não voltar ao ponto onde tudo estava bem como um computador sendo restaurado? Talvez porque diferente das máquinas, nós não poderíamos simplesmente ignorar o que já tinha acontecido. Mesmo assim respondi:

— Prometo.

E foi assim que tudo acabou, eu, ela, nosso relacionamento, minha felicidade, minhas emoções, minha vida. Tudo.

 

Os dias então se arrastaram. Dia 20 de fevereiro nossa relação acabou com 80 dias de duração, e a semana seguinte eu não fui para a escola, não queria ter que ver Elise, que sequer respondia minhas mensagens, talvez ela também tivesse sido afetada pelo termino e quisesse um tempo sozinha.

E então mais tempo passou, e afundei lentamente em eu mesmo. Lembro de ouvir minha mãe falando que eu tinha que superar isso, ela falou isso em fevereiro, repetiu em março, começou a desistir em abril.

Eu ainda fazia tudo o que pediam, eu lavava a louça nas quintas e sextas-feiras, eu ia na igreja todo domingo, eu me confessava, mas já não pecava, não que soubesse, como alguém que não faz nada com ninguém pode pecar?

Além disso eu me isolava e distanciava cada dia mais. Na escola eu nunca fui o popular, tinha três amigos e duas amigas e uma delas era Elise e a outra era mais amiga da Elise que minha, mas depois do término eu só ia à escola porque minha mãe me obrigava, e lá mantinha minha cabeça abaixada me limitando a ouvir as explicações das matérias. Eu queria entender o que sentia por Elise naqueles dias em março, mas não sabia ao certo.

— Lucas, você quer vir conversar… — Um dia ela disse perto de mim. Não tinha visto ela se aproximando, de cabeça baixa entre os braços meu mundo se resumia a escuridão com feixes de luz pelos vãos da blusa de manga comprida que sempre usava.

Mas quando ouvi a voz dela tão próxima, tão amigável, como se nada tivesse acontecido (fazia tanto tempo que, de fato, isso era normal, o problema era eu), alguma coisa se revirou dentro de mim e eu senti meus olhos se encherem de água, pouco a pouco eu perdia o controle.

— Lucas. — Elise então colocou a mão no meu ombro e balançou, tentando chamar minha atenção.

Eu queria entender o que sentia por ela, mas naquele momento tudo que sentia era raiva pela ação que ela tomou, mas também não pude entender o motivo da minha raiva.

Então explodi.

— SAI! — Me levantei e berrei contra o rosto dela, meu rosto muito provavelmente vermelho novamente, sentia meus dedos tremendo enquanto espremia as bordas da mesa atrás de mim para me segurar a algo.

A sala irrompeu em risos e eu em lágrimas enquanto Elise recuava com uma expressão assustada e se sentava ao lado da nossa (dela) amiga, Karla.

— Mas o que foi… — A professora de português me chamou. — Lucas.

Sentia meu maxilar tremendo enquanto virava a cabeça olhando para a professora e os risos e bochichos aumentavam. Só eu em pé.

— Vocês, fiquem quietos. Lucas, está tudo bem? — Ela perguntou, e é estranho porque quando você está prestes a chorar (no meu caso, já chorando) e alguém pergunta isso, você tende a chorar mais ainda.

E foi o que eu fiz.

Agarrei meu celular de cima da mesa e sai andando (quase correndo) da sala, atravessei as fileiras, e Igor, um dos valentões, colocou o pé no corredor entre as cadeiras. Eu poderia ter virado e socado ele com a raiva que estava, mas não sem apanhar muito mais em resposta, então apenas desviei do idiota e segui meu caminho para fora da sala.

Percebi o quanto estava tremendo quando tentei discar, meus dedos acertavam todos os números na tela touch do smartphone.

Respira Lucas.

Disse para mim mesmo, inspirando e expirando, colei as costas na parede do corredor enquanto chorava, mas percebi que não podia ficar ali, exposto, então fui para o banheiro enquanto chorava tentando parar, mas falhando nisso também, me tranquei em uma das divisórias para as privadas.

Quando finalmente consegui ligar para minha mãe vir me buscar a porta do banheiro se abriu e alguém entrou.

— Alô? — Ouvi a voz dela do outro lado da linha. — Jorge, meu bem? Tá aí? O que foi? Está chorando?

As perguntas eram seguidas de pequenas pausas por espera de uma resposta, ela e meu pai não me chamava de Lucas e sim de Jorge, eu preferia o Lucas, como todos costumavam me chamar. Mantive o celular contra a orelha enquanto ouvia ela me questionar e o choro aumentar, não falei nada porque sabia que assim que abrisse a boca ia perder o controle e voltar a soluçar e chorar e engasgar e fungar, então mantive-me em silêncio. Ouvi a descarga na divisória ao lado, e quem tinha vindo já tinha ido (pelo tempo que levou, foi sem lavar as mãos).

Quando a porta do banheiro bateu eu senti o coração se rachando.

— Mãe, vem me buscar! — Explodi em lágrimas, e raiva, e fúria, e dor. Mas foi a última vez que isso aconteceu.

(Foi?).

 

Depois disso eu nunca mais tive uma crise sentimental tão grande. Claro, passei mais uma semana sem ir à escola, me neguei a passar pela vergonha das risadas, olhares e dedos apontando, mas era inevitável, quando eu voltasse, e teria que voltar, isso aconteceria. Tinha cogitado pedir para mudar de escola, mas já era quase meio do ano, e isso não seria fácil, além disso essa era a escola mais perto da minha casa com Ensino Médio que fosse de qualidade, as outras escolas públicas eram (são) questionáveis.

Elise me mandou várias mensagens no celular durante os dias que sumi, eu não abri nenhuma, apenas deletei sem me dar a curiosidade de lê-las, ignorando a reviravolta que isso teria muito em breve, e ignorando que eu mesmo havia mandado várias mensagens para ela quando terminamos e ela não havia me respondido.

Em junho tivemos as provas e eu tive péssimas notas em todas elas, apenas em redação de texto consegui tirar 6 e ficar na média.

Em casa ouvi as reclamações de meu pai todo dia que trazia uma nota nova, e chorava todo dia no meu quarto, com a cabeça enfiada no travesseiro porque eu não era mais o que sempre fui, e tudo que havia ficado era decepção e tristeza misturado com as lembranças que antes me faziam rir.

Quando as provas acabaram e as férias de meio de ano vieram eu fiquei de recuperação junto da escória: José, João, Igor e a turma da bagunça. Então todo dia era uma humilhação diferente, mas no final eu sinceramente já não me importava mais. Nem quando tiraram a serpente do aquário no laboratório e colocaram na minha bolsa eu me incomodei, sequer contei para minha mãe, só joguei a serpente em cima de uma mesa no laboratório, e sai de lá sem que me vissem.

Então parei de chorar, as lágrimas secaram como as emoções haviam secado depois de berrar com Elise, que depois de ser ignorada parou de tentar me contatar.

É interessante notar isso, quando eu estava sentindo as coisas, tudo doía, tudo me feria, tudo era ruim. E quase como uma benção, quando não tinha mais nada de bom na minha vida, apenas dor e sofrimento, eu parei de me importar, e então esses sentimentos ruins presentes no meu dia a dia deixaram de ser sentidos, e isso é um alívio para o corpo, eu me desgasto menos, mas é igualmente horrível a inexistência de sentimentos, o vazio completo quando nada pode te afetar, seja com um sorriso ou com uma lágrima. As vezes chegava a sentir falta de querer chorar, mas não conseguir.

Era dia 7 de julho de 2014 quando eu peguei a caixa de remédios no quarto da minha mãe e fui tomar banho. Enchi a boca com todos os tipos de comprimidos, antialérgicos, calmantes (tomei todos os calmantes que tinha), antibióticos, analgésicos, e até um de uso veterinário, de quando tínhamos cachorro. Foi ruim, o gosto dos vários comprimidos na boca embrulhou o estômago quando mordi para quebrar as capsulas, mas engoli eles mesmo assim, e então entrei no chuveiro, esperando acontecer. Talvez assim fosse mais fácil que a alternativa dos pulsos.

Nesse momento sozinho em baixo d'água eu percebi que eu não falava com mais ninguém. Não saia de casa para a rua, não saia com meus pais para a casa dos familiares ou dos irmãos da igreja, eu não ia mais à igreja fazia três semanas para evitar ter que conversar, e escondia coisas da minha mãe. Eu estava me desgastando e me destruindo, me isolando e expulsando um por um do meu mundo, e embora no começo eu tivesse culpado Elise, agora ela não significava nada além de uma história a mais, um detalhe a mais, mais uma pessoa expulsa do meu mundo. A culpa, no final, era apenas minha, era minha escolha, e quando tomei os remédios para morrer eu queria isso, não foi culpa de ninguém se não minha, eu sabia o que estava fazendo e sabia as consequências, e mesmo assim fiz. Por quê? O vazio é ótimo para não sentir, é verdade, mas não sentir nada… destrói qualquer propósito de existência, então por que continuar existindo?

Acho que fiquei uns trinta minutos, sentado no chão do chuveiro esperando, enquanto sentia a dor aumentar de intensidade e a necessidade de vomitar, meu corpo ainda lutava para viver quando não entendia o óbvio: Eu não queria mais viver!

Tudo foi muito confuso quando começou, eu vomitei, e acho que me debati, porque o vidro do box trincou, a porta, que deixei trancada, deve ter sido aberta pela chave mestra da minha mãe, depois do desespero dela, lembro de ser puxado, nu, para fora do banheiro e colocado no carro enrolado em toalhas, cabelo pingando, cabeça apoiada no colo dela enquanto vomitava engasgando sem ar, lembro de ouvir minha mãe chorando e se culpando por aquilo, como se de alguma forma fosse culpa dela. E por fim lembro de ouvir ela pedindo a Deus que levasse ela no meu lugar.

Eu não tenho como explicar como isso me destruiu, porque foi nesse momento pouco antes de desmaiar que eu percebi: na verdade eu ainda sentia.

 

Dois dias depois eu acordei em um hospital após passar por uma lavagem estomacal. Minha barriga doía muito e o médico disse que eram as feridas que o medicamento fez e o mal-estar devido os tubos que entraram pela minha boca até o estômago (imaginar isso me fez vomitar, aliás, vomitei muito naquele dia). O médico recomendou um psiquiatra para minha mãe me passar, e, por fim, fui liberado para casa. “Ele pode tentar de novo, é melhor ficar de olho e tirar dele tudo que possa ser usado para infligir dor, a dor é uma saída… Não sou profissional nessa área, mas é um conselho” o médico tinha informado minha mãe na saída.

Quando chegamos em casa eu me tranquei no quarto sem dar explicações e sem ser questionado. Para minha surpresa meu quarto havia sido revistado e qualquer coisa que pudesse me oferecer riscos havia sido confiscada, canetas, minhas ferramentas de robótica, meu remédio para o problema de respiração, o compasso e régua, o estilete e o meu barbeador. Olhei para meus braços, já fazia mais de dois meses que só usava camisetas com mangas longas e por um motivo. As cicatrizes eram feias, mas era a única forma que eu tinha de tentar sentir alguma coisa, não me cortava para morrer, não os cortes, com eles eu queria ver até onde conseguia chegar, se ainda sentia… E quanto mais cortava menos me importava, menos sentia, menos doía, física e mentalmente, então precisava cortar mais fundo para sentir de novo, e cortes fundos geram cicatrizes mais feias. E só então percebi que os cortes eram a forma errada de sentir. Lembrei da minha mãe, do que ela pediu a Deus. Naquela noite eu chorei muito, e pela primeira vez foi com motivo real, pela primeira vez minhas lágrimas tinham uma razão; minha mãe e a dor que eu infligi nela (só então cogitei como ela teria ficado se eu estivesse morto).

E sobre o psiquiatra indicado: não fui em nenhuma sessão, mesmo com a insistência da minha mãe (meu pai acha que psiquiatria é mentira).

Então dia 26 de julho de 2014, num sábado, eu estava no meu quarto terminando de ler o último livro de Jogos Vorazes, ainda tão isolado dos outros quanto antes, quando ouvi minha mãe no quarto dela do outro lado do corredor, no telefone.

— Eu sei, Elise, minha querida, mas ele está me preocupando demais, não sei mais o que fazer e vocês sempre…

Joguei o livro na cama sem marcar a página e sai correndo para a sala, meu pai assistia ao jogo de algum time contra outro qualquer quando puxei a tomada com o benjamim e televisão, modem da internet, TV a cabo e o telefone (sem fio) desligou, encerrando a conversa da minha mãe com Elise.

— Jorge. — Meu pai questionou abrindo os braços sem entender minha ação, no corredor minha mãe surgiu com o telefone na mão.

Eu começava a ficar vermelho, olhos enchendo d'água

— O que Diabos você acha que…

— Não fala assim comigo! — Ela disse com a voz firme em resposta, telefone na mão.

— Você não decide quem chamar! — Berrei, me aproximando, abusando, mão erguida apontando o dedo para ela. Normalmente nesse instante eu teria apanhado, mas ela estava muito preocupada com meu estado para me bater.

— Jorge, abaixa esse tom…

— Pro Inferno! — Berrei para eles olhando para meu pai, então avancei contra minha mãe e tomei o telefone da mão dela, que se encolheu em resposta, surpresa com minha ação, joguei no chão e o aparelho se abriu no meio. — Vocês não entendem… Eu Não Quero Ajuda! — Barrei e corri para o quarto batendo a porta com violência atrás de mim. Então bati a cabeça contra a porta. De novo. Outra vez. As pancadas me fizeram sentir gosto de sangue no céu da boca e tudo tremer, cada pancada e eu gemia, sentindo a dor penetrar.

— Eu vou ter que ir aí? — Meu pai berrou da sala, ele sequer havia levantado, e eu agradecia por isso. Sua voz era um trovão poderoso, ele trabalhava na igreja então precisava deste vozeirão, mas quando ficava nervoso a voz forte e grave assustava.

Eu tremia, punhos fechados, então arranhei meu próprio rosto repetidas vezes chorando por terem feito aquilo, por terem ligado para Elise. Não tinha nada para me mutilar além das unhas, mas não conseguia arrancar a minha própria pele.

Por que eu não podia me bater? Não é com eles, não tem nada a ver com eles! Eles deviam me deixar fazer o que eu quero fazer.

Agarrei meu edredom no guarda-roupa e me joguei na cama, chorando e soluçando e assoando o nariz fazendo uma pilha de papel higiênico sujo no chão enquanto a vontade de automutilação só aumentava, deixei o tempo passar ali deitado, tentando trabalhar o autocontrole.

Diriam que é para chamar a atenção, mas as vezes, se eu pudesse só bater em alguma coisa até toda essa frustração passar, estaria tudo bem, mas é a impotência somada com o vazio, as vezes dói mais do que eu posso aguentar, e não tenho nada onde descontar tudo isso, então desconto em mim mesmo, mas nem isso eu posso mais, e isso só aumenta a impotência.

Então alguém bateu à porta. Nem me mexi, irrelevante quem fosse, minha mãe ou meu pai. Não atenderia. Meu rosto ardia, devido os arranhões.

De novo. Uma terceira vez então, batidas sequenciais, um padrão.

— VAI EMBORA! — Berrei da cama.

Mas minha mãe não desistia, continuou batendo e batendo.

— Mas que inferno de vida, vocês são chatos pra caralho. — Disse com raiva, sabia o quanto minha mãe odiava palavrões, e eu mesmo não falava nenhum na frente dela ou do meu pai, mas isso era exceção, eu estava explodindo.

Girei a chave na maçaneta (deveria ter sabido que se fosse minha mãe, ela teria usado a chave mestra), abri, e quem estava no corredor não era sequer meu pai. Quem dera fosse ele.

Elise me olhou por alguns segundos enquanto eu pensava: Não vá chorar. E desta vez creio que deu certo, mas porque não possuía mais lágrimas para derramar, a vontade de chorar existia, mas nada escorreu dos meus olhos secos.

Ela tinha uma expressão assustada olhando meu rosto arranhado.

— Oi. Eu vim…

Fechei a porta na cara dela. Depois de tanto tempo ela falou como se nada tivesse acontecido (assim como na escola, tempos atrás), como se no dia anterior eu e ela estivéssemos juntos conversando normalmente. Como se nada tivesse acontecido, como se eu não tivesse sofrido e sangrado e quase morrido. Ela estava novamente indiferente, mas porque ela era normal e não doente como eu!

Então com a porta fechada ela disse algo que me quebrou novamente, e percebi que tudo aquilo, aquele vazio e aquela dor incompreendida estava contida em algo, algo que se quebrou naquele instante.

— Você prometeu que seriamos amigos, Lucas. Eu to precisando do meu amigo!



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