Quarto Capítulo:
Todos nós ficámos surpresos. Ele parecia tudo menos cego. Ficámos realmente espantados com aquele facto.
- Devem estar de boca aberta, espantados, certo? - Ele riu. E alto. – Não precisam de responder, eu sei que sim, sinto isso.
Mary, que até então tinha estado lá connosco, deixou-nos para ir tratar de certos papéis, provavelmente relacionados com BamBam.
- Sempre foste cego? – Jackson perguntou, curioso como sempre.
- Não, eu nasci normal. Mas um médico deixou-me cair e isso afetou a minha visão. Os meus pais desesperaram. Eles não eram pobres, mas também não eram ricos, então a minha mãe desistiu do emprego para me ajudar enquanto eu fui crescendo. Eu não consigo ficar chateado com eles. Eles fizeram de tudo para eu crescer com o pensamento que isto não me deveria deitar a baixo. Ela ensinou-me a utilizar todos os meus sentidos a meu favor, principalmente a audição. Eu consigo habituar-me facilmente aos sítios. Só vou precisar de um pouco da vossa ajuda no começo, por favor. A minha mãe ensinou-me também a ler Braile, mas, por exemplo, um telemóvel para cegos é muito caro e eles não me conseguiam comprar isso. – BamBam ia continuar, mas foi interrompido por Yugyeom.
- Como são esses telemóveis?
- As teclas são diferentes e emitem sons. – BamBam explicou. - Recentemente, o meu pai ficou doente, então deixou de entrar dinheiro em casa. Eu não posso trabalhar. Primeiro porque sou cego, e segundo ninguém empregaria um adolescente de treze anos. A minha mãe falou-me de não ter a possibilidade de cuidar de mim. Eu não estava à espera de a minha mãe me levar à escola e já não me ir buscar. Quando Mary apareceu lá eu fiquei assustado. Mas ela explicou-me tudo e vocês são simpáticos! – O sorriso de BamBam nunca desapareceu e nunca tirou os olhos de nós como se realmente nos pudesse ver.
Antes que alguém pudesse falar ou perguntar algo, Júnior entrou em casa.
Uma felicidade enorme surgiu dentro de mim, não ver Júnior deixava-me desesperado, mas ao mesmo tempo fiquei desiludido. Júnior só aparecia quando queria.
Ele estava cá para ver BamBam.
Ele olhou para BamBam e saiu em direção ao quarto.
Suspirei.
Logo a seguir ele desceu e deixou a casa.
- Quem quer que seja, sofre muito.
BamBam disse baixinho ao meu lado, e os outros distraídos na conversa, não ouviram.
- Como sabes?
- Como eu disse anteriormente, desenvolvi muito todos os meus sentidos e a capacidade de analisar tudo à minha volta. A minha mãe também me ensinou como lidar com os sentimentos. Acreditava que era fácil enganar um cego, então ensinou-me tudo isso. Todos se calaram quando ele entrou, o clima ficou tenso. Tu ficaste agitado demais, contente mas relutante, tens medo que ele te rejeite. Tu queres conhecê-lo. Tens de ir com calma. E não fiques muito contente com o que te vou dizer. Ele vai abrir-se para ti. Tenho quase cem por cento de certeza.
Sem me deixar intervir, Jackson pôs-se logo a falar.
- Vamos mostrar-te a casa. – Jackson propôs.
- Claro! – BamBam respondeu sorridente. – Digam-me tudo o que estiver no caminho e afastem-se.
- Eu acho que temos um probleminha... existem escadas para o quarto. - Deduzi porque devia ser perigoso.
- Para mim, escadas não são um problema.
Decidimos mostrar primeiro o piso de baixo. Apesar de ser cego, ele andava com convicção.
Lentamente, fomos dizendo tudo o que estava no caminho. BamBam apalpava tudo, e eu tinha quase a certeza que ele contava os passos que dava.
Eu começava a gostar de BamBam. Ele parecia uma pessoa sábia apesar de ser mais novo.
Aos poucos, mostramos tudo a BamBam até chegarmos finalmente ao quarto.
- A tua cama é a última. Segue sempre em frente e depois vira ligeiramente para a direita.
BamBam seguia todas as instruções dadas por Jackson e Yugyeom.
Enquanto tal acontecia, subi para a minha cama, esperando encontrar o que procurava.
E encontrei.
Como sempre em cima da prateleira repousava o post-it. Sorri ao vê-lo e peguei nele.
Como sempre era breve.
‘’15 anos
Música’’
Talvez ele escrevesse músicas. Teria de tirar isso a limpo.
Do bloco tirei um post-it. Não sabia o que escrever e eu queria muito conhecê-lo, mas tinha passado apenas um dia nesta troca de bilhetes.
Mary chamou-nos então para ir para a mesa.
Eles foram para a sala de jantar enquanto eu tentava decidir o que escrever.
Uma ideia maluca veio à minha cabeça. E eu estava a arriscar-me a que ele nunca mais me escrevesse nada.
Escrevi no pedaço de papel:
‘’És um ano mais novo que eu.
Posso parecer indelicado, mas porque não falas?
E porque não gostas que mexam nas tuas coisas?‘’
Pronto. Agora nunca mais iria receber nenhuma resposta.
Deixei o pedaço de papel em cima da cama e fui ajudar os outros.
A meio do jantar comecei a ficar assustado. Eu não queria que ele parasse de falar comigo. Tudo menos isso. E então veio o arrependimento. Queria voltar atrás e pensar duas vezes antes de ter deixado lá o papel. Mary, que se sentava do meu lado esquerdo, já que o direito era de Júnior, percebeu a minha inquietação.
- O que foi, Mark? - Perguntou-me baixinho.
- Desculpa o termo, acho que fudi com a minha vida...
- Porquê?
- Perguntei-lhe o porquê de ele não falar. – Ela olhou para mim, totalmente espantada.
- Eu não sei, se te arrependes vai buscá-lo.
Olhei para ela e ela assentiu com a cabeça.
Saí da sala e subi os degraus, quase caindo. Claro está que se corresse bem eu não me chamava Mark Tuan. Quando cheguei lá ele já o tinha levado.
Desci as escadas, visivelmente desiludido. Quando ele o tinha ido buscar?
Sentei-me de novo à mesa e continuei a jantar, calado.
Não consegui falar com ninguém até acabarmos de arrumar tudo. Como normalmente eu não falava muito eles não estranharam.
Eu estava a fazer uma tempestade num copo de água. Eu ainda nem tinha recebido resposta, e talvez não a recebesse, mas eu estava muito ansioso e na mesma proporção estava arrependido.
Kai estava sentado no sofá a ver televisão e o resto do pessoal estava nos quartos.
- Kai? – Chamei por ele.
- Diz, Mark. – Perguntou-me com um sorriso gentil, mas quando olhou para mim a sua cara mudou um bocado. – Está tudo bem?
- Não está muito bem. A Mary, onde está?
- Acho que ela foi à cozinha, mas não tenho a certeza.
- Obrigado.
Fui até à cozinha, devagar.
Quando entrei na cozinha, Mary estava encostada à bancada enquanto saboreava um pedaço de chocolate.
- Oh, apanhaste-me no meu crime... – Ela riu, mas parou ao ver a minha cara séria.
- Mary... eu estou super preocupado. Quando cheguei lá ele já ido buscar o papel e eu nem sei quando... acho que estou arrependido.
Eu comecei a andar de um lado para o outro.
- Calma. Vai lá fora apanhar um pouco de ar. Tudo vai correr bem!
Segui o conselho que ela me deu e fui lá para fora.
Não estava frio nem calor, passava um vento breve, mas estava agradável.
Não devia, mas do meu bolso das calças tirei um cigarro e um isqueiro.
Levei-o até à boca. Fiz proteção contra o vento com a mão esquerda e acendi-o. Deixei o fumo sair lentamente pela boca, sorri.
Ao longe, vi alguém encostado numa árvore. Coloquei as mãos nos bolsos e segui até lá. Quanto mais me aproximava, mais aquela silhueta me parecia familiar. Tal não foi o meu espanto quando percebi que era Júnior. Estava receoso, não sabia se era boa altura para ir lá.
Quando estava quase a ir embora, vi a mão de Júnior ir de encontro com a relva e deu dois toques nela, como quem dizia para me sentar lá. Não sei se tinha sido impressão minha, mas decidi ir.
Sentei-me e encostei os joelhos ao peito. Voltei a deixar o fumo sair da minha boca.
Sem olhar para mim, Júnior estendeu-me a mão e entregou-me o post-it. Não quis ler logo. Então guardei-o num pequeno bolso que tinha na camisola.
Júnior juntou todos os seus pertences. Quando eu achava que ele ia embora ele ajoelhou-se à minha frente, tirou o cigarro da minha boca e largou-o no chão. Depois levantou-se e pisou-o. Logo a seguir saiu, deixando-me a olhar para as suas costas.
Eu ri, e depois gargalhei. Júnior nunca saia da minha cabeça e finalmente tinha conseguido estar perto dele.
Fiquei lá durante um tempo com um sorriso estampado no rosto.
Quando comecei a ficar com sono levantei-me e fui em direção à casa.
Entrei e subi para o quarto.
Ao entrar no quarto, deparei-me com o Júnior sem camisola, a vestir o pijama.
Quando ele levantou os olhos e me viu, o seu rosto tornou-se totalmente vermelho.
Virei-me logo de costas, dando-lhe privacidade.
- Desculpa Júnior, foi sem querer, não tive intenção, nem sabia que estavas aqui e...
Fui interrompido ao sentir um dedo sobre os meus lábios, nem me tinha apercebido quando tinha fechado os olhos. Abri-os.
Júnior levou o dedo, que antes estava nos meus lábios aos seus como se me mandasse calar e apontou para a cama do BamBam. Em seguida saiu do quarto.
Tirei do bolso o papel e vesti o pijama.
Subi para a minha cama e depois de me deitar e cobrir-me, abri-o.
“Eu gosto da minha privacidade.
Deixei de falar há tanto tempo que já me esqueci o porque.
Porque estás cá? (orfanato)”
Ele queria conhecer-me ou era apenas impressão minha?
Peguei num pedaço de papel e escrevi:
‘’Isso é vontade de me conhecer?’’
Dobrei esse papel em forma de avião e mandei para a cama de Júnior. Fechei os olhos, estava pronto para dormir.
Ouvi a porta do quarto abrir.
Graças à luz de presença, que Yugyeom e Jackson insistiam em ter, pude ver Júnior aproximar-se da cama e agarrar no papel para o ler.
Quando acabou de fazê-lo, olhou para mim e acenou afirmativamente com a cabeça.
- Acredito que queiras dormir, tu levantas-te sempre mais cedo. Amanhã podemos conversar melhor.
Enquanto eu dizia isso, Júnior deitava-se e virava-se para o lado contrário a mim.
- E os meus pais morreram cá. Eu era de Los Angeles, Ámerica. Boa noite.
Fechei os olhos, mas o sono tinha desaparecido completamente e só restava ficar acordado mesmo que me sentisse cansado.
Levantei-me da cama e fui para o andar de baixo. Sentei-me no sofá e liguei a televisão. Coco veio ter comigo e aninhou-se no meu peito. Não sei quando, mas adormeci. Quando acordei era relativamente cedo. Coco já não estava comigo. A manta que tinha a tapar-me estava no chão e eu tinha um post-it na testa.
‘’Obrigado.’’
Dizia apenas.
Não sabia o porquê disso, eu não tinha feito nada para que ele se sentisse na obrigação de me agradecer. De qualquer maneira, sorri e fui em direção à cozinha.
Eu tinha o objetivo de conhecer Júnior, e iria cumpri-lo.
Fui até ao frigorífico com o intuito de arranjar alguma coisa para comer. Estava a morrer de fome, já que ontem não tinha comido devido á ansiedade criada pela situação.
Enquanto comia, decidi ler o livro que Júnior me tinha emprestado.
Não era um ‘’expert’’ no que toca a livros, mas este era bastante interessante e tinha um bom enredo.
Mary entrou na cozinha.
- Bom dia, Mark.
- Bom dia.
Como já tinha acabado de comer, decidi ir para o quarto vestir-me. Quando cheguei lá, já todos estavam acordados.
- Hoje que tal irmos dar uma volta? - Youngjae sugeriu.
- Eu tenho que ir à loja de música. A corda da minha guitarra partiu-se e eu queria comprar uma nova.- Jaebum informou.
No final decidimos ir os seis à loja e depois passear pela cidade.
Como todas as sextas-feiras, Mary, antes de sairmos de casa, entregou a cada uma 30 euros para usar no fim de semana e no resto da semana.
Apesar de não dizermos uns aos outros, notava-se que ansiávamos pela tarde que com certeza chegaria devagar graças às aulas.
Fomos andando devagar. Apenas BamBam não nos acompanhava, já que ele andava numa escola diferente. No final, encontrar-nos-íamos com ele em casa para então irmos nos divertir.
Ao entrarmos na escola cada um seguiu o seu caminho.
Como esperado, o tempo durante as aulas demorou bastante. Quando finalmente a última aula do dia acabou, quase me apeteceu festejar.
Fomos para casa.
Enquanto esperávamos por BamBam, que ainda não tinha chegado, eu decidi tomar banho.
Durante o banho pensei o pouco que tinha conquistado de Júnior. Apesar de ser pouco eu sabia que era muito para ele, então apenas de saber isso, eu já me encontrava feliz.
Depois de alguns minutos no banho, saí da casa de banho e fui escolher a roupa que usaria. Umas calças pretas justas e uma camisola preta, para completar, uns ténis pretos básicos.
Basicamente tudo preto.
Guardei a carteira com os trinta euros no bolso de trás das calças.
Se soubessem que tenho dinheiro suficiente para comprar dois apartamentos e três carros bons, guardado numa caixa no armário, eu não sei como é que iriam reagir a isso.
Deixei esses pensamentos de lado e desci as escadas.
Quando pus o pé no último degrau das escadas, BamBam entrou em casa. Pouco tempo depois saímos.
Jackson enrolou o seu braço com o de BamBam para auxiliá-lo em tudo o que fosse necessário.
A pedido de BamBam, descrevíamos tudo o que víamos. Apesar de BamBam nunca ter tido a possibilidade de ver, adorava poder imaginar isso da sua própria maneira.
No caminho, entramos num parque, já que era o caminho mais rápido para a loja de música.
Era final de agosto, um vento leve pairava por nós e fazia com que as árvores abanassem. Era uma paisagem linda.
BamBam estava feliz. Ele tinha-me contado que ter amigos era gratificante, e via-se na sua cara que estava a adorar aquilo.
Jackson a meio do caminho parou, apanhou uma pequena flor e pôs na orelha de BamBam.
Rimos todos com aquela atitude.
Ultimamente, eu estava bastante feliz. Toda a minha vida, vivia á base de mentiras e falsidade por parte das pessoas com quem me dava, era bom poder ser eu mesmo.
Finalmente, chegamos á loja de música.
O empregado era nosso amigo. Era um primo distante de Kai, tinha vinte e quatro anos e tinha como nome Kihyun. Logo que entramos, fomos recebidos por ele.
- Youngjae, quero ouvir-te a tocar piano. Da outra vez não tivemos oportunidade.
Como o dono era ele, nós tínhamos a oportunidade de tocar os instrumentos.
Youngjae foi com um sorriso largo no rosto e começou a tocar. Quando acabou, aplaudimos todos.
BamBam sussurou algo a Jackson, este que o levou para perto do piano, onde o ajudou a sentar-se no banco.
Olhávamos todos curiosos para o que ele iria fazer.
Ele levou as mãos ao piano, onde começou a tocar de uma forma perfeita, contudo mais rápida. A sua própra versão da música ‘’River flows in you ‘’ de Yiruma.
Apesar de não precisar, fechou os olhos. Quando acabou, Kihyun aplaudiu muito.
- Vejo que aprendes-te a tocar piano cego. Nós temos aulas aqui.
- O que é piano cego? - Perguntou Jackson.
- Tocar com uma venda nos olhos.
- Não. Eu sou cego. - BamBam disse simplesmente.
O dono da loja ficou de boca aberta a olhar para BamBam.
- Como conseguiste aprender tudo sem uma partitura?
- Fui ajudado pela minha mãe. E depois simplesmente decorei as teclas e como devia colocar as mãos para tocar, e foi assim...
Fomos surpreendidos por um Jackson excitado.
- Eu quero aprender a tocar piano cego.
Nesse dia eu percebi que definitivamente admirava BamBam.
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