Angely
Paguei o taxista e sai do carro, sentindo a brisa balançar meus cabelos. Os pneus cantaram atrás de mim e eu apenas suspirei.
“Mais um dia aqui.”-pensei, subindo as escadas da entrada.
O guarda se prontificou a abrir a porta de vidro, me dando passagem.
Dei um sorriso singelo e falso.
“Com os mesmos olhares toscos…”- algumas pessoas abriram passagem para mim. Me contive em não revirar os olhos.
Apertei o botão do elevador assim que entrei nele.
-E as mesmas pessoas interesseiras e falsas.-estalei a língua, encolhendo os ombros.
Mesmo depois de dias, ainda me sinto uma traidora por estar andando na maior tranquilidade dentro do território inimigo.
As portas do elevador se abriram e voltei a caminhar pelo corredor até minha mesa. Depositei minha bolsa sobre a mesma e chequei o telefone que minha avó havia me dado.
Nenhuma ligação. Ela não me dera nenhum retorno.
Bufei, tirando uma mecha de meu rosto.
“Não quero nem ver quando ela me ligar…”-deixei o telefone ao lado do teclado e escutei o elevador abrindo.
Pensei ser meu chefe, mas me surpreendi ao ver Arlette chegando pelo corredor.
-Bom dia, querida. -ela sorriu, colocando a bolsa sobre o sofá vermelho e vindo me abraçar.
-Bom dia, Arly.-retribui o abraço e dei um beijo estalado em sua bochecha. -Como vão as coisas?
-Eu que te pergunto.- colocou as mãos na cintura. -As coisas por aqui têm corrido bem?
-Sim, sim.- suspirei. -O senhor Collins sempre chega tarde e com um péssimo humor…-revirei os olhos. -Tirando ontem, tudo foi normal. Estou me adaptando.
-O que aconteceu ontem?-arqueou uma sobrancelha, curiosa.
-Bom…- me preparei para dizer, mas ela se antecipou.
-Vou preparar um chá, assim você me conta, tudo bem?-me olhou, com ternura. Assenti, apenas.
Ela não demorou muito. Voltou para a sala com uma bandeja com biscoitos, um bule e duas xícaras.
Me sentei no sofá, sendo servida rapidamente.
-Obrigada. -sorri, tomando um gole.
-Então, do que estávamos falando?- mexeu um pouco o chá com a colher, me olhando.
-Ontem, por volta da hora do almoço, conheci o Senhor e a Senhora Collins. -engoli em seco. -Claro, de súbito, eu me assustei, mas não foi difícil notar que eram os pais dele.-ela apenas assentia. -A Senhora Collins me olhava um tanto assustada e, quando questionei se havia algo errado, ela… Uh…-travei, não sabendo como dizer aquilo de forma mais polida. -Perdão pelas minhas palavras, mas ela enlouqueceu.
-Enlouqueceu? Como assim? - Arlette levou um susto, quase derrubando seu chá.
-Ela me disse que eu havia morrido…- minha voz acabou saindo baixa. Não gostava de pensar naquilo. Arlette pareceu ficar ainda mais confusa. -Ela disse que eu era a Yuno Nagashaghi.
-Jesus Cristo…- colocou o nariz e boca entre as mãos. O olhar estava meio vago.
-Arlette? Está tudo bem? - me preocupei.
-Sim…-piscou algumas vezes. Olhou para mim, me analisando. -O que ocorreu depois?
-Bom…- engoli em seco. “Não irei preocupá-la com os meus ‘problemas’”-pensei. -Eu consegui conversar com ela depois de um tempo. Estamos bem agora, eu acho. -sorri fraco. -Arlette… Eu realmente me pareço com Yuno Nagashaghi?
-Mais do que você imagina. -depositou sua mão sobre a minha.
-Ok, chega de pensar sobre o passado.- balancei a cabeça. -Tenho uma proposta pra você.
-Uma proposta? -me olhou. -Que tipo de proposta?
-Eu e você, amanhã, vamos ter um dia só para nós! -me levantei. -Sem preocupações com garotos mimados ou papelada. Apenas compras e tratamentos de beleza.-ela riu. -E, à noite, nós vamos jantar num desses restaurantes chiques.
-Você parece ter planejado tudo.-estava espantada.
-Aprendi desde cedo que nunca deve-se perder tempo.-dei uma piscadela. Ela ficou meio receosa. -Vamos? Por favor....-juntei as mãos, suplicando.
-Ok, ok! Pare de fazer essa cara pidona-se levantou. -Eu aceito.
-Isso! -comemorei. -Uma pergunta: lírios brancos ou copo de leite?
-Copos de leite são maravilhosos, mas prefiro lírios. -respondeu. -Por quê?
-Por nada.-sorri, indo para a minha mesa, fingindo arrumar algumas pastas.
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Olhei o relógio em meu pulso pela milionésima vez em dois minutos.
-Caralho! Caralho! Caralho! Caralho! Caralho! Caralho! Caralho! -repeti a mesma palavra, só que em sete línguas diferentes. -Eu vou matá-lo.
-Não precisa exagerar.-Kentin falou.
-O que será que aconteceu? -Nathaniel coçou o queixo.
-Provavelmente ele está vagabundeando por aí. -revirei os olhos, pegando a minha bolsa.
-Você está se precipitando. -Kentin riu.
-Ele está atrasado três horas, vinte minutos, e doze segundos, Kentin.-olhei-o. -E o relógio não para.-bufei. -Ele teve sorte que eu consigo ser bem persuasiva. Mas isso vai ficar caro!- apertei a ponte do nariz. -Volto em duas horas. Se ele estiver aqui quando eu voltar, eu vou espancá-lo.
-Não acho que você consiga fazer algum dano a ele.-Nathaniel disse.
-Não me subestime.- o encarei, sem emoção. Ele se assustou. -Beijinhos.- abri um sorriso para Arlette e sai andando.
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-Desculpe o atraso. - quis me apoiar nos joelhos, cansada.
O restaurante era a duas quadras do edifício onde eu trabalhava, mas correr de saltos entre as milhares de pessoas que, provavelmente, saiam para almoçar também, foi meio difícil.
-Sem problemas.- Patrick sorriu. -Você está bem?
-Estou…-arfei, me abanando levemente. -Só não é fácil correr de saltos.-ele riu. -E você ri? Use um desses durante algumas horas.
-Ok, desculpe.- ergueu as mãos, rendido. -Vamos entrar?
-Sim, sim.-assenti. Ele abriu a porta e me deu passagem.
Nos sentamos numa mesa perto da janela e fizemos os pedidos rapidamente.
-Gostei desse lugar, é aconchegante. - ele falou, olhando os detalhes em volta.
-Concordo.- sorri. -E os outros? Onde estão?
-Aparentemente, estavam todos com compromisso hoje, menos eu.-deu de ombros. -Parece irônico.
-É irônico. -ajeitei os cabelos para trás. -Completamente irônico.
Ficamos calados por alguns instantes, até ele se pronunciar.
-Realmente, não é uma mentira.-ele parecia ter comentado acidentalmente, pois tapou a própria boca.
-O quê? -arqueei uma sobrancelha, curiosa.
-O fato de você ser a cópia da Yuno Nagashaghi. -disse.
-Você já disse isso.-apoiei minha cabeça na mão.
-É que, olhando mais de perto, a semelhança é ainda mais incrível. -ele aproximou seu rosto do meu. -Você até tem a mesma falha castanha nos olhos.-eu conseguia sentir a respiração dele contra o meu rosto. Corei e me afastei, assustada.-D-Desculpe.
-Tudo bem.- mordi o lábio inferior, olhando-o. Ele estava corado. Ri com a expressão tímida dele.
Antes que ele pudesse dizer algo, nossos pedidos haviam chegado.
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-Mas eu ainda prefiro “Summertime Sadness.”- ele disse.
-Um clássico. -concordei. - “I got my red dress on tonight (Estou de vestido vermelho esta noite)”
-”Dancing in the dark in the pale moonlight (Dançando no escuro, à luz pálida da lua)”-ele continuou, me fazendo sorrir mais.
-Completando minha fala?-gargalhei. Ele corou. Neguei com a cabeça, abrindo minha bolsa e pegando o meu celular. Foi aí que notei. -Ah, merda.
-O que foi?- arqueou as sobrancelhas.
-Esqueci algo na minha mesa no serviço. -bufei.-Não posso andar sem aquilo. -Cruzei os braços. -Tem algum problema se voltarmos lá? É que é algo muito importante.
-Claro que não tem problema. - ele sorriu.
-Ok, vamos.- ele assentiu.
Passamos no caixa e ele pagou a conta -depois de muita insistência.
O puxei pela mão até o grande edifício espelhado e subi as escadas correndo.
-Oe, Debby, acalme-se!-pediu, mas eu continuei a andar rapidamente pelo hall de entrada até o elevador. -Como você corre com esses saltos?
-Uso saltos desde os oito anos.-dei de ombros. Ele se espantou.
-O que você tinha na cabeça? - ele fez uma careta. Apertei o botão com o número cinquenta e seis.
-Nascida e criada no luxo, com direito a aulas de etiqueta no nível “princesa”-comentei, engolindo em seco. -Aprendi tudo o que sei com a Sra. Carter, mãe do Elliott.
-Incrível. -ele refletiu.
-Se te perguntarem, isso não saiu da minha boca.- olhei-o. -Mas a Madame Carter era o demônio na Terra.
-Exigente ao extremo?- indagou.
-Com toda a certeza. - confirmei.
- Que pena de você. - falou quando as portas do elevador se abriram.
Caminhei um tanto rápido, os meus saltos fazendo barulho.
-Eu sabia que tinha deixado ele aqui.- sorri ao ver o aparelhinho em cima da mesa.
-E por que você precisa disso?-ele encarou o aparelho em minhas mãos.
-Se minha avó descobre que perdi isso, vai achar que eu morri. -fiz piada. Apesar de ser verdade.-Vamos logo!-o puxei pela mão de volta ao elevador.
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-Perfeito!- bati palminhas, animada ao ver o local. -Não poderia ter feito escolha melhor.
-Concordo com você, senhorita.- o homem sorriu para mim.
-Ok, então, vamos aos detalhes. - peguei o bloco de notas na bolsa. -Infelizmente, não irei estar aqui para receber tudo, então devo deixar um encarregado. -suspirei.
-Eu fico, não tem problema.-Patrick se ofereceu. -A banda tem de passar o som, então eu já fico aqui, depois só vou para casa me arrumar.
-Obrigada, Patrick.-sorri para ele. -A decoração vai chegar às sete. As flores e o buffet por volta das oito e meia. Os seguranças e o fotógrafo às dezoito e meia. E os convidados irão começar a chegar por volta das dezenove.-fui checando tudo. -Consegue se lembrar de tudo?
-Acho que consigo.-coçou a nuca.
-Eu deixo tudo anotado para você. -ri. -Aqui está a metade, como combinado, senhor.- dei um envelope na mão do homem.-A outra metade lhe darei na segunda-feira, sem falta.
-Certamente, senhorita.-assentiu.
-Acabamos por aqui, Patrick. - olhei para ele. -Amanhã ele irá pegar a chave com o senhor.-apontei Patrick. O homem mais velho apenas assentiu. -Muito obrigada.- agradeci, andando para fora.
-Você parece feliz.-apontou o meu sorriso no rosto.
-Eu estou. -assenti. -Tive pouquíssimo tempo para planejar essa comemoração. Vendo tudo dar certo é motivo para sorrir. -parei, me virando para a frente de Patrick. -Obrigada.
-Pelo que?- arqueou uma sobrancelha.
-Por estar me ajudando com tudo e por ter aceitado trazer sua banda para tocar.- o abracei. Acho que ele se surpreendeu, pois demorou alguns segundos para retribuir. -Bom, eu tenho de voltar para o meu serviço.- me separei dele. -Nos vemos a noite, na aula.-dei um beijo na bochecha dele e sai andando em seguida.
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Fechei minha porta com força, arrancando os tênis dos pés e abanando a camiseta, completamente empapada de suor.
Fora um dia e uma noite agitada, e eu só queria descansar um pouco.
Andei até o meu quarto e quando pensei em me jogar na cama, um barulhinho insistente me atrapalhou.
Olhei para a mesa em frente a minha cama e vi a aquele celular de teclas piscar.
Rapidamente, atendi.
-Angely?-ouvi a voz de minha avó e pareceu que tudo o que eu havia reprimido durante um dia inteiro havia voltado só com a menção de meu verdadeiro nome.
As lágrimas começaram a cair, sem permissão e incessantemente.
Os soluços atravessavam minha garganta, ficando mais altos a cada respiro.
Assim, eu cai no chão, aos prantos, com os chamados de minha avó do outro lado da linha.
-Mãe....-foi a última coisa que eu disse, antes de cair no sono.
Moço, ninguém é de ferro
Somos programados pra cair
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