História P s i q u e - Capítulo I

A conheci num período calmo da minha vida. Um dos únicos, pra ser sincero. Eu era jovem, saudável, e, inclusive, a minha saúde mental era equilibrada, ao contrário da dela. Seu nome, Alice. Embora bonita, simpática e incrível, era perceptível o veneno impregnado nos seus olhos e o tinir das moedas presente no entoar da sua voz indiscreta, cheia de dinheiro. Encanto inexaurível esse, que por si só era Alice.

A conheci quando estava em seu melhor estado, e foi o suficiente para me enganar.

O dia estava nublado e um sereno preenchia os espaços no ar antes de cair sobre nós, me encantei com a sua imagem e não pude deixar de me perder. Sempre houve uma parte romântica em mim, embora escondida, se mostrava apenas em momentos solitários, em momentos que ninguém descobriria esse meu lado.

Ela estava sentada em um dos balanços da pracinha infantil do condomínio onde eu morava. Nunca a tinha visto antes. Havia um sorriso torto estampado nos seus lábios e um par de olhos quase escondidos pela franja reta e escura. Enquanto passava por ela acabei perdendo a noção de espaço até que esbarrei em algo... Ou alguém?

- Ei! Peterson!? Olha por onde anda!!

- Karol-?!... Desculpa, eu não te-... – Desviei o olhar e me interrompi, preferindo ficar quieto assim que seu senho franziu, mas logo foi perceptível o pequeno sorriso antes de ela esticar-se e beijar-me no canto dos lábios. Envolveu os braços no meu pescoço antes de ser intermitida por uma voz levemente rouca atrás de mim.

- Karoline, se a sua mãe sonha com isso...

A morena arregalou os olhos antes de olhar por cima do meu ombro, abrir um largo sorriso e rir em seguida

- Alice! – Karoline soltou-me e riu,indo até o lado da outra garota ao tempo que  eu a reconhecia e desviava os olhos. O “motivo do esbarro” estava logo ali.

- Pete, essa é Alice, estudamos juntas por um tempo! – Sorri bem sutilmente antes de assentir e enfim olhar de volta para elas. Os cabelos sobre o rosto de Alice davam a impressão de seu olhar ser calmo. Pacífico. Seu corpo esguio e de porte ereto se aproximou um pouco mais do meu antes de me acertar um tapa – não tão fraco como se espera de alguém que parecia frágil em um primeiro momento –.

- Peterson, hein? O famoso? – Alice abriu um sorriso torto, bem marcado pelo batom escuro, antes de olhar de volta para Karoline que riu corada, assentindo com frequência logo depois.

- Vamos sair hoje, eu estava te procurando pra saber se vai querer vir com a gente, mas não conseguia te achar – Levou uma das mãos até a minha e a apertou de leve.

Arqueei uma das sobrancelhas e não consegui evitar de desviar o olhar a Alice, agora ela já não fitava nenhum de nós, parecia perdida em um universo particular  dentro de si mesma.

Talvez eu devesse ter aceitado, mas por algum motivo, me senti desconfortável.

Karoline e eu estávamos juntos há alguns meses, não era nada muito sério, eu acho, mas ela fazia parecer. Era uma garota robusta e de estatura média, não suportava sentir-se em desvantagem, portanto procurava sempre ter controle das coisas. Era inteligente e bonita – muito bonita – mas eu não havia me apaixonado. Ficava com ela por pura luxúria. Ficava com ela pra suprir meus desejos mais supérfluos e carnais. Ela era uma oportunista e eu também. Logo acreditei que, assim como eu, não havia se apaixonado.

Voltei para casa logo que ela e Alice saíram. Karol comentou que ligaria ou apareceria por ali quando voltasse, o que levou algumas horas para que enfim acontecesse, mas, novamente, ela não estava sozinha.

Logo que abri a porta, Karoline me abraçou e pude ver Alice por cima de seus ombros. Tentei disfarçar um pouco quando me deparei direto com os seus olhos claros e penetrantes.

- ... Vocês vão entrar...?

- Sim! – Karol assentiu abrindo um sorriso – Vamos comer! Eu comprei (...)

Acabei por desviar o olhar novamente a Alice e me perdi, parando de prestar atenção em Karoline de imediato. Ela ainda me fitava, dessa vez esboçando um sorriso sutil, os lábios escuros aproximaram-se apenas centímetros mais logo que Karoline entrou, moveram-se como em câmera lenta ao me cumprimentar novamente, sua voz era baixa, sonora... Sorri de volta e assenti.

Sempre tive um pouco de dificuldade em “cumprimentar adequadamente”, principalmente pessoas como ela. Afastei-me um pouco para que entrasse e voltei a olhar um pouco para o lado contrário. Idiota! Quantos anos eu tenho mesmo?

- Vou para a cozinha arrumar a mesa, se algum dos dois quiser me ajudar... – Karol riu e eu logo fechei a porta atrás de mim antes de logo começar a ir em direção à cozinha. Teria continuado, mas...

 - Então... - A voz de Alice parou-me subitamente a poucos passos do meu destino, virei-me um pouco em direção a ela, que apoiou as mãos no sofá, permanecendo de costas para o mesmo. – Algo contra cigarros? – ergueu uma das sobrancelhas e semicerrou um tanto os olhos enquanto me fitava.

- Não, não. – Sim. Pelo menos naqueles tempos, sim.

A morena riu baixo pelo nariz antes de tirar um cigarro e um isqueiro do bolso dos shorts, que expunham pelo menos ¾ das suas pernas pálidas.

- O que você faz, Sr. Desinteresse?

-... Estudo Biologia... Sr. Desinteresse? – Alice assentiu sutilmente antes de tragar com vontade, marcando o cigarro com seu batom escuro.

- Sei lá, você tem cara de quem não dá uma foda pros outros – Franzi o senho antes de soltar um riso baixo – Verdade! Tem cara de descontente. A não ser que esteja se recuperando de uma ressaca, aí tem desculpa. – voltou os olhos para mim, ao mesmo tempo que exprimiam uma serenidade questionável, manifestavam certa toxicidade irrevelada.

- Quer dizer que eu tenho cara de infeliz? Bem, você também tem. – Foi perceptível, mesmo que por de trás da sua franja, ver suas sobrancelhas erguerem-se.

- Que... Sincero...! – riu curto, interrompendo-se por alguns instantes ao desviar o olhar antes de aproximar as coxas do sofá, apoiando-se nas costas do mesmo.

- Obrigado – Assenti com a cabeça enquanto sorria levemente.

- Definitivamente, não foi um elogio. Señor Biólogo. – Aproximou o cigarro dos lábios e prendeu o mesmo entre os dentes enquanto sorria um pouco mais que anteriormente.

- Que pena... – Dei um tempo e desviei o olhar antes de voltar-me a ela, que permanecia me fitando com os olhos entreabertos – E você Srtª. Cara-De-Infeliz? Faz alguma coisa da vida? – Ela sorriu e deu de ombros antes de desviar os olhos.

- Atuo, faço curso de Teatro... E antes que pergunte, nada de faculdade não... Não é a minha praia.

- Uau. Que... Contemporânea? – Ri novamente no mesmo tom anterior

- Isso foi uma pergunta? – Rimos juntos pouco mais alto antes de sermos interrompidos por um pigarro proposital e um tanto alto. Virei um pouco o rosto e olhei por cima dos ombros, Karoline estava atrás de mim com uma ótima imitação de sorriso nos lábios.

- Eu já arrumei tudo – Pendeu o rosto levemente para o lado enquanto me fitava, como se agora eu a devesse algo – Sozinha.

-... Então vamos comer-? Eu tô morta de fome – Alice deu uma piscadela para Karol antes de desencostar-se do sofá e seguir até a janela, apagando o cigarro na parede do lado de fora.

Logo depois mais uma gama de momentos indiferentes inundaram outra parte do dia. Antes de ir embora, Alice nos convidou para alguma hora visitarmos o teatro ou até mesmo a Companhia, que inclusive, eram bem próximos dali. Aceitamos o convite, claro, mas eu não tinha intenção de ir. Não sou muito do Teatro...

Enfim...

Logo que Alice saiu senti o drama que seria, com certeza Karoline iria encrencar.