História Qual seu número? - Miojo

Gisele desce as escadas correndo, fazendo um esforço para não cair de cara e estragar o penteado que nem tinha dado tanto trabalho pra fazer. Cumprimenta o porteiro antes de passar pela porta dupla preta que rangia toda santa vez que era usada, saindo de seu prédio. Ela levanta a cabeça com um suspiro para admirar o céu por um breve segundo antes cruzar na faixa, atravessando a rua. Começa a cantarolar, desfilando na calçada, por pura espontaneidade, shake it off ,dando passos preguiçosos até chegar ao restaurante entrando pela porta dos fundos, que a levava para o vestiário aconchegante. Ela adorava ficar vendo as diversas fotos do staff coladas na parede azul, e por mais que ela sempre conseguisse sair com as piores caretas possíveis, ela adorava se ver lá.

     Estava atrasada, mas não parecia dar a mínima. Abre seu armário, guardando seu celular e casaco. Dançando com os quadris, veste o avental rosa bunda de bebê, deixando a música a levar:

- ...Heartbreakers gonna break, break, break...

 Ela não cantava bem. Mas o que dói sonhar? Quando se vira para ir até a cozinha, dá um encontrão com uma pessoa, a fazendo dar um gritinho e um pulo para trás.

- Ei, calma... – com um sorriso tranquilo, ele segura nos ombros dela, puxando-a de leve para trás.

- Ai meu deus senhor, me perdoa! – ela se recompõe do susto, se afastando dele, que apoia com uma mão no armário de alumínio, se inclinando:

- Relaxa. – o loiro pausa, olhando de um jeito estranho pra ela. Coça sua barba mal feita e continua - Escute, após seu expediente, minha sala.

-... o... Oquê? Fiz algo errado? – surpresa, ela pergunta fazendo bico, mas é quase ignorada pelo        seu chefe que em resposta, dá meia volta saindo do vestiário, fazendo tchauzinho pra ela:

- Não se atrase!

Dando de ombros, para por um momento encarando o chão tentando se lembrar do que estava fazendo, antes de levar outro susto, dessa vez pelo cozinheiro gritando, o Big Joe. Um cara enorme, que ninguém sabe como passa pela portinha da cozinha. Aparenta ser muito bravo, mas á no fundo tem um coração enorme. Há rumores que ele já cozinhou para um mafioso, Al Capone ou algo do tipo...mas isso não vem ao caso.

-Gisele! Suco de laranja pra mesa 2! – Ele berra de trás das portas da cozinha, fazendo cara feia pra ela.

Murmurando frustrada um ‘’ tudo eu, tudo eu! Gisele isso, Gisele aquilo!’’ ela começa a trabalhar. Depois de servir o maldito primeiro cliente da mesa 2 com o maldito suco de laranja, liga a radio para tocar uma musica lounge e com uma pegada indie aleatória, molha as plantas e sobe na cadeira para borrifar pelo ar aqueles spray aerossol de maçã e canela, dando uma fungada antes de sentir sua rinite atacando.

 A chuva começava a cair lentamente, escorrendo pelo teto e janelas de vidro do restaurante. De repente, outra garçonete chama Gisele, alegando ter alguém no telefone querendo falar com ela.

- GIGI,meu amo! Não atende o celular nunca...Você vem hoje né? – sua irmã parecia empolgada, do outro lado da linha.

- Hã? – seu cérebro leva um tempo até se lembrar do que aconteceria hoje.

- minha despedida! De casamento. – Ela explicou, e Gisele deu risada ao ouvir tanto enfoque em ‘’despedida’’ e uma pausa antes de ‘’casamento’’. Responde,afinal:

- é...Eu tinha esquecido...

Após um tempo, a mais velha convence sua irmã de ir, explica direito o endereço do bar e desliga.

Depois servir inúmeras vezes café ou pão com manteiga pra diversas mesas que teimavam depois de ver aquele enorme cardápio com opções orgânicas e todas essas frescuras, concluir um simples ‘’ah, me vê só um cafezinho mesmo’’, ela sente um arrepio correr todo seu corpo ao ouvir o sininho anunciando fim do expediente da manhã.

‘’Fudeu,fudeu,fudeu.’’

Tenta entrar com o maior charme , engolindo em seco antes de se sentar de frente para a mesa de madeira na cadeira de plástico que a deixava com sentimentos confusos. Confortável, mas não confortável por ser na sala do gerente. Não era bem uma sala, era apenas um puxadinho mal feito na lateral, mas ainda sim conseguia ser amedrontadora. O rapaz na frente dela estava curvado, escrevendo em um caderno. Quando percebe sua presença, se endireita, ajustando sua gravata e indo pra frente com a cadeira de rodinha que fazia um barulho engraçado, estendo as mãos, começando a falar com ela com a maior calma do mundo:

- Eu..odeio ter que fazer isso....

‘’É hoje’’

-... Mas recentemente houve uma enorme corta de gastos...

Embora estivesse prevendo o que iria acontecer, ela começa a balançar suas pernas finas nervosamente em baixo da mesa.

Ele conclui:

- ....Teremos que dispensá-la.

Com uma risadinha irritada, punhos cerrados e jogando o cabelo pro lado, pergunta:

- Quem mais vai ser demitido?

- ...Lamento que só você querida. – ele finge um desapontamento erguendo as sobrancelhas.

- Ok, vou pegar minhas coisas.

Pisando forte ao sair da lanchonete, com a cara de criança emburrada mais adorável do mundo, chama atenção de todo mundo. Aproveita aquele seu ultimo momento para sussurar ‘’vadia’’ para a tal de Nicole que roubava suas gorjetas, deixar seu whatssap com o cozinheiro aprendiz e dar um beijo na bochecha de big Joe, que fedia a frango frito.  Com um brado de orgulho, ergue o peito encarando principalmente seu chefe, tão bonito que era, lhe olhando de trás do balcão. E profere, antes de sair carregando uma bolsa com seu uniforme e todas as tralhas que escondia no armário:

- Au revouir, fils de pute. – com todos os erros de pronuncia que se tinha direito.

Os pés de Gisele praticamente louvaram um ‘’Gloria a deus, aleluia’’ quando se livraram daqueles malditos saltos que por algum motivo tinham uma ponta afinada, ilogicamente tentando arruinar a vida de qualquer pé normal que não fosse no formato de um triangulo, se jogando à liberdade ao sentir o confortável chão de madeira do apartamento novamente. Andaram até a cozinha, se esticando para a loira conseguir alcançar o pote de biscoitos do armário alto.

- o que você está fazendo aqui ainda? – indaga de boca cheia, com os olhos semicerrados atentos à ele.

- Esperei você voltar oras – se debruça no balcão, de frente para ela, dessa vez vestido. Com uma camiseta escura com uma caveira estampada beeem coladinha e calça jeans beeem coladinha, mas pelo menos era alguma coisa. Ela ri sarcasticamente, arrancando com força e gosto as meias ¾ ao se virar para ir até seu quarto.

- O que tem de almoço? – ele insiste observando Gisele andar com os braços levantados para passar os dedos nos sininhos do teto do corredor, cantarolando novamente.

- Miojo! – ela grita antes de bater a porta com tudo para poder se trocar.