“Te querer foi uma estupidez total
Um passo além do bem e do mal
Uma tempestade de dor, uma história de terror
Um sonho rosa que hoje é cinza, palavras sem valor
Sei que fui ingênua e me senti
Pendurando borboletas no céu
E hoje eu estou tentando voltar para o chão
Fui ingênua e dei a você meu ar
E hoje a vida é um deserto
Por te amar de coração aberto
Tentarei reconstruir minha paz
Queimar seus beijos, não olhar para trás
Te dei o meu oxigênio, minha voz
Fiz um mundo para dois."
-Dulce Maria
Robin
Recuperar minhas memórias fora perturbador. Ao pensar que em outrora eu tive a chance de recomeçar e me tornar outro homem que se sentia frustrado, pelo tipo de pessoa que eu havia me tornado. Fazendo de tudo para apagar ou consertar a imagem que eu havia criado.
Dessa vez, no entanto, eu sinto duas partes distintas tentando ocupar o mesmo espaço. Dois homens vivendo dentro de mim.
Na última semana, fui subitamente tomado por uma diversidade de emoções. Dias desde que acordei transcorreram, acompanhado de novos sentimentos, bons e ruins.
Apesar do conflito que eu sentia aprofundar-se dentro de mim, ambas partes desejavam com deveras a visita de minha esposa, com tamanha expectativa, a mesma que esvanecia à medida que o tempo passava. Um almejo extremamente irracional, visto que Regina sequer ousaria me procurar. Em nossa última discussão, ela pediu para que eu lhe esquecesse, certamente deveria tentar fazer o mesmo em relação a mim.
Fora fácil para ela me acusar sem minhas memórias, delatar um homem que não podia argumentar o quanto fora estarrecedor perder a noiva e o filho devido a um erro médico -, certa parte de mim divagava com o orgulho ferido.
Todavia, aquela fração boa, cuja “julgada”, ajudará a se formar, era capaz de justificar, ao contestar que Regina fora machucada horrorosamente. Uma vítima diante do meu desejo sórdido de vingança.
Eu me sinto perdido dentro do meu próprio labirinto emocional, conclui que ambas opiniões têm razão. Eu não sei o que fazer, pior ainda, eu não sabia que lado escolher. Diante de tantas incertezas, apenas algo era coerente: eu amei duas vezes a mesma mulher.
X X X
Depois de passar dias internado, eu ganhei alta, estou retornando para casa. Amanhã irei até a delegacia responder o interrogatório dos policiais, os mesmos, desde que souberam que eu havia recobrado a consciência, me intimaram para tal. Ainda há muito a ser revelado.
Apesar de muita insistência de Zelena para que eu ficasse com ela alguns dias, eu neguei. Optei por ficar no único lugar que queria estar. Adentramos o recinto que cheirava a umidade, devido ao tempo que passara fechado, logo minha irmã abriu as janelas deixando que o ar percorresse pelos aposentos.
Uma parte de mim sentia-se reconfortante por voltar ao ambiente acolhedor, e a outra – a mais obscura –fora surpreendida, acredito que seja pela chegada de belos sentimentos que a casa transmitia. Apesar da solidão de entrar pela porta e não ser mais recebido pelo abraço caloroso de minha esposa.
Eu sei que ela não se encontra aqui, não há vestígios de sua presença, porém, eu preciso averiguar. Me encaminhei até o quarto em passos largos, abrindo o roupeiro em seguida, para meu desalento, as roupas dela não estão aqui.
-Eu lhe disse que ela havia ido embora, Robin –dissera minha irmã, enquanto eu permanecia estagnado fitando o guarda roupa –Tudo bem...?
-Eu não sei... uma parte de mim se entristece, a outra se sente aliviada, é complicado –me sentei na ponta da cama, colocando as mãos na cabeça –Sinto como se dois homens vivessem dentro de mim. Eu não consigo controlar qual deles quero e devo ser.
-Você acha que está dividido –Zelena afagou meu ombro –Você sabe, mas tem medo.
Suas palavras me deixaram intrigado.
-Um conselho meu irmão, enquanto você se redescobre, não procure por Regina, dê um tempo para vocês, tudo está recente.
-Mas... eu sinto falta dela –confessei, o que no passado eu jamais admitiria.
-Se vocês se encontrarem agora será pior.
Após conversamos por alguns minutos, até minha irmã partir. Me deixando na casa que um dia fora repleta de alegria e que agora não passa de uma simples moradia.
Vaguei pelos aposentos da residência ao mesmo tempo em que era tomado por recordações. Um período em que realmente fui feliz, sem o tormento da culpa como em outrora. No passado eu fingia sentir uma alegria que não me pertencia, o que não passava de uma atuação, no entanto, antes que eu pudesse perceber, meus sentimentos tornaram a ser reais, já não era mais fingimento, o que fora o desespero mais virtuoso que eu enfrentei em minha vida, naquelas ocasiões.
Com o intuito de espantar estes pensamentos, me deitei – o que foi uma péssima ideia -, pois instantes depois, o aroma encantador de Regina adentrou minhas narinas me inebriando, despertando em mim a saudade que sinto de minha esposa. Fazendo com que eu tomasse uma súbita decisão.
X X X
Cindy Lauper- True colors (Instrumental)
Com o coração acelerado, a cabeça latejando, as pernas cambaleando ainda enfraquecidas, o punho fechado batia na porta, aflito. Estava prestes a executar o movimento pela terceira vez, entretanto, a porta fora aberta possibilitando que eu vislumbrasse os olhos tempestuosos de Regina.
Sua aparência é deplorável, sua pele está pálida o olhar fundo, escurecido, acompanhado por olheiras, o cabelo negro desgrenhado. Um abrigo cinza seguido de uma blusa branca lhe veste, os pés, descalços.
Fitamos um ao outro por um longo período de tempo. Até eu não conseguir mais encarar minha mulher nos olhos, é difícil acreditar que eu possa ter feito esse mal a ela.
-Regina, eu... –dizia afrontando o chão.
No entanto, antes que eu pudesse prosseguir, a mesma rapidamente movimenta a porta tentando fechá-la, o que eu com minha força impedi que ocorresse, logo após, adentrei o recinto.
O cheiro de álcool predominava no local, apavorado encarava o ambiente desvanecido que seu apartamento havia se tornado. Havia uma vasta quantidade de garrafas vazias, algumas até mesmo com resquícios de bebida, sob seus móveis, outras pelo que vejo haviam sido arremessadas contra a parede, os cacos de vidros espatifados sob o chão, onde permanecem.
Regina voltara a beber compulsivamente, por minha culpa.
-O que está fazendo aqui? Pensei que estivesse internado no hospital.
Constatou levando o par de mãos à cabeça deslizando pelos cabelos.
-Eu estava –pigarreei –Esperei pela sua visita.
Revelei. Logo um riso fingido por parte dela fora repercutido pelo cômodo.
-O quê?! Nós não temos mais qualquer ligação um com o outro...
Regina proferia com raiva, suas palavras praticamente foram cuspidas contra meu rosto, o que realmente não me agradou, afinal eu acabei de confessar que necessito de sua presença. Porém, meu outro eu, sabia que ela tinha o direito de reagir dessa maneira.
-Você ainda é minha esposa!
-Se dependesse de mim, eu não estava mais casada com você! –afirmou convicta, eu pude vislumbrar o desprezo reluzir em seus olhos –Vá embora, agora!
-Não! –respondi no mesmo tom, irritado –Foi fácil para você me acusar naquela noite, sem saber como eu me sentia em relação a tudo isso que aconteceu...
-COMO VOCÊ SE SENTE? OLHA PARA MIM, ROBIN, OLHA PRA MIM!
Gritou exasperada a voz embargada logo foi acompanhada por lágrimas, enquanto a mesma encarava a si própria, detestando o que vislumbrava. Um pranto agonizante ressoava no recinto.
Desde que acordei, não consigo controlar meus sentimentos, devido a isso, meus olhos marejaram –o que fora causado pela minha parte boa, obviamente, afinal meu outro lado não se permitia chorar na frente de ninguém que não fosse eu mesmo refletindo no espelho.
“Você, com os olhos tristes
Não fique desanimada
Oh, eu sei
É difícil criar coragem
Num mundo cheio de pessoas
Você pode perder tudo de vista
E a escuridão que está dentro de você
Pode te fazer sentir tão insignificante
Mas eu vejo suas cores reais
Brilhando por dentro
Eu vejo suas cores reais
E é por isso que eu te amo
Então não tenha medo de deixá-las aparecerem
Suas cores reais
Cores reais são lindas
Como um arco-íris
Mostre-me um sorriso, então
Não fique infeliz, não me lembro
Quando foi a última vez que vi você sorrindo...”
Regina
-OLHA PARA MIM, ROBIN! OLHA O QUE VOCÊ FEZ COMIGO!
Eu afirmava encarando ao redor, as garrafas de bebida, e minha própria aparência. Inferiormente e exteriormente destruída.
-Regina, eu sinto muito...
-Como você pode sentir algo que não lembra? –Perguntei ríspida.
-As minhas memórias voltaram...
Estagnei por segundos, limpando as lágrimas que insistiam em escorrer.
-Ah, agora que você se afastou de mim, suas memórias voltaram? –inquiri com escárnio –Será que um dia você as perdeu de fato?
-Como?! Você está insinuando que... Eu não menti quando disse que perdi minha memória!
Esbravejou com severidade.
-Olha só, pelo visto você está de volta mesmo, aquele Robin insípido que acreditava que aumentando o tom de voz é capaz de amedrontar alguém –a aversão aumentava a cada palavra proclamada, meu olhar comprovava isso –Um homem que mentiu para mim durante tanto tempo, poderia facilmente ter fingido perder a memória. Fica difícil saber o que foi verdadeiro entre nós –ri com ironia –Se teve algo sério.
-É claro que sim! Amor, paixão, as pernas cambaleando, o estômago embrulhando, o coração disparando... –minha parte mais fraca tentava convence-la.
-Faltou citar ódio, vingança, o manicômio. Você não precisa mais atuar, Robin, não acha que me enganou o suficiente?
-Eu não estou fingindo!
-Eu não acredito em você –murmurei decepcionada.
-Se você soubesse, Regina, o quanto foi doloroso perder minha noiva, meu filho –ele me revelava –Eu sofri tanto. Decidi me vingar quando tive a oportunidade, eu só não imaginava me apaixonar por você.
-O meu amor competiu com o seu desejo de vingança? É isso que você está querendo dizer?
-Sim... eu pude conhecer você e foi inevitável não me encantar.
-Eu não consigo entender por quê você me usou dessa maneira, por quê? Eu já havia sido presa, meu pai pagou a fiança, depois passei a pagar a indenização estipulada pelo juiz para o irmão dela...
-É isso que você considera justiça? Uma quantia mensal em dinheiro e tudo está resolvido?
Ele esbravejou raivoso.
-Eu jamais pensaria dessa maneira –as lágrimas tornaram a voltar –E você acredita que usar alguém para obter vingança é justiça, Robin?
-Eu fiz o que meu coração acreditava ser justo na época...
-O seu coração é escuro, eu não sei como pude enxergar bondade em você.
-Você fala como se fosse perfeita...
-Você tem razão, eu não sou. Matei o amor da sua vida, seu filho... Mas você ainda tem a chance de se vingar –funguei –Seus planos de me mandar para um manicômio deram errado, mas ainda pode se encarregar de me colocar na cadeia, -o homem a minha frente parecia confuso –agora você sabe que eu estava BÊ-BA-DA –proferi pausadamente –Não foi somente um erro médico, ISSO É HOMÍCIDO CULPOSO, ROBIN! Por que você não me denúncia? Acaba de arruinar a minha vida, destrói minha carreira. Termine o que você começou. ME LIVRE DESSE INFERNO –olhei a nossa volta, pousando o olhar sob nossas fotografias, peguei o porta retrato e o lancei contra a parede –ME LIVRE DESSAS RECORDAÇÕES FALSAS!
Berrei, atônita.
-ME ACUSE, vamos, me acuse! Afinal, eu sou uma assassina, não é? Era isso que você fazia questão de afirmar naqueles bilhetes... VAMOS, DIGA! –Gritei –ASSASSINA! DIGA QUE EU SOU UMA ASSASSINA, DIGA ROBIN!
Aturdido, ele colocou as mãos nos ouvidos, provavelmente uma tentativa falha de evitar me escutar. Robin parecia refletir se devia ou não, falar. Como se lutasse contra ele mesmo.
-PARE, REGINA, PARE, EU NÃO VOU DIZER ISSO!
-DEIXE DE SER COVARDE, TENENTE! DIGA, VAMOS, SEJA HOMEM! Diga que sou uma assassina, chega de bilhetes –comecei a bater em Robin, depositando tapas em seus braços, enquanto lágrimas banhavam meu rosto –DIGA QUE EU SOU UMA ASSASSINA – as agressões aumentavam –COVARDE!
-ASSASSINA!
Ele gritou me acusando do que tanto atormentava ambos. Eu pude vislumbrar a dor misturada ao arrependimento resplandecer em seu olhar, como se o mesmo se reprendesse pelo que dissera. Eu pedi ferozmente para que ele manifestasse seus reais sentimentos, com o intuito de me fazer despertar desse amor que me consume por inteiro e permanece em minha pele. Eu preciso ser ferida, pois somente assim serei capaz de esquecê-lo, eu quero ser magoada, para que eu me decepcione e possa deixar de amá-lo, infelizmente isso ainda não aconteceu.
-Regina... –Robin tentou se aproximar.
-NÃO ENCOSTE EM MIM!
Fugi do mesmo, seguindo até a mesa onde uma garrafa de uísque me aguardava, sorvendo um gole farto da bebida. Antes que eu pudesse tomar outro, sinto um dos braços de Robin firmarem minha cintura, enquanto o outro arrancava a garrafa de vidro bruscamente de minha mão.
-EU PROMETI QUE JAMAIS DEIXARIA VOCÊ VOLTAR A BEBER!
Gargalhei sentindo o álcool arder em minha garganta, uma risada de desespero, falsa.
-Como se você se importasse...
-É claro que eu me importo!
-Mentiroso, você me odeia!
-NÃO! Regina, eu... eu –ele gaguejava.
-Você não consegue dizer, porque não aprendeu a amar.
Ele me fitou com o olhar aturdido e lacrimejado acompanhado por repreensão. Após soltou o meu braço.
-Eu vou provar que você está errada.
Dito isso saiu porta a fora, eu estava só, novamente. Perdida em meu próprio caos tomada por desilusões, e palavras que machucavam minha alma, acometida por uma dor que eu acredito, jamais ser capaz de findar.
Meu corpo deslizou pela porta que a figura transtornada de meu marido acabara de partir. Sentada sob o chão, deixei que meu pranto sôfrego ecoasse pelo ambiente. Em seguida as chamadas do telefone que não fiz questão de atender se fizeram presentes. O mesmo tocou até cair na caixa postal, que trouxe consigo uma mensagem tenebrosa.
-Senhora Mills, sou a doutora encarregada do tratamento do senhor Henry, infelizmente as notícias não são agradáveis, a Alzheimer agravou-se nas últimas semanas. Seu pai, está...morrendo. Ele tem um último pedido para lhe fazer. Venha logo, só lhe restam alguns dias.
Robin
Dia seguinte
A sala abafada me causava suor. Eu era encarado por dois pares de olhos curiosos. O nervosismo me acometia, todavia, nem este fora capaz de me fazer perder algum argumento contra a autoridade que me questionava a cada frase proferida no depoimento. Tomado por perguntas precisas e respostas prevalentes.
Expliquei a ambos que além de Neal, o irmão de Victória, também me ajudará a planejar a vingança, este que meu antigo amigo não tinha conhecimento de participar do esquema. Fora ele que pagara meu parceiro para que seguisse com o plano enquanto eu havia perdido minhas memórias, era ele que eu havia esbarrado certa noite em frente ao apartamento de minha esposa.
Havia me tranquilizado, até a próxima inquisição; uma que poderia mudar o rumo de minha história para sempre.
-O senhor tem algo a mais para declarar?
Subitamente a sugestão de Regina me veio a mente.
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