História Queda Livre - Kiran

A noite foi longa, mas nem tanto quanto Adele previu. Depois de algumas garrafas tudo parecia mais divertido.

A galera de Michaela era realmente divertida. Rachel tinha vinte anos e trabalhava como telefonista numa central de atendimento ao cliente. Jackie tinha vinte e três anos e trabalhava como assistente administrativo numa distribuidora gráfica. Melissa era a mais velha, tinha trinta e um anos, formada em Relações Internacionais, trabalhava como representante comercial de uma multi nacional no ramo de cosmética e estava noiva. Gail, a mais nova, com dezoito anos, morava com os pais e estava mais focada em arrumar um par essa noite.

Adele não conseguia tirar os olhos de Kiran. À essa altura já não sabia mais se era o efeito "Michaela lhe empurrando alguém" ou se era o álcool que lhe havia subido à cabeça.

Kiran realmente era interessante. Tinha vinte e sete anos, trabalhava como cozinheiro em um restaurante gourmet e praticava alpinismo nas horas vagas. Sobre ele, Adele reuniu todas as informações que pôde, prestando atenção e bebendo cada palavra que saía de sua boca. Agnóstico teísta, órfão, morou com a avó até que esta morreu de câncer há um ano. Já havia viajado para muitas cidades do país, mas não para o exterior, ainda.

Adele estava encantada. "Amor à primeira vista. Não, espera. É a bebida". Riu-se.

- Está rindo à toa 'miga'. Disse Michaela. É bom te ver feliz. Kiran, eu não te disse que ela era linda?

- Realmente. Disse Kiran com um sorriso surgindo no canto da boca e um rubor passou pelo rosto de Adele.

- M. 

- Calma amiga, só comentei.

- Acho que já está na hora de ir, está tarde e preciso trabalhar amanhã.

- Tem razão Del, todos nós precisamos, menos a... ué, onde está a Gail?

Todos se viraram a tempo de ver Gail saindo com uma jovem de cabelos longos castanho-claros agarrada a ela pela cintura. Adele engasgou e colocou mais cerveja na boca para disfarçar seu constrangimento. "Gail é lésbica? Acho que esse pessoal é descolado demais para mim".

- Podem deixar, eu pago. 

Kiran pegou sua carteira e olhou de soslaio para Adele. Um fio gelado subiu por sua espinha. "É a bebida, é a bebida, é a bebida...". Adele estava se sentindo estranha, jamais havia sentido aquilo.

Ao saírem do bar, todos se despediram com beijos e abraços. Já passavam das onze e meia, a noite estava abrindo as portas para a madrugada.

- Kiran, eu não vou para o mesmo lado que você e Del, poderia acompanhá-la para mim?

Adele deu seu olhar ameaçador para a amiga, mas Michaela ignorou como de costume. Kiran fez que sim com a cabeça, mas pareceu desconfortável com a ousadia de Michaela. "Será que algum dia ela vai mudar? Não, acho que não". Adele sorriu em seus pensamentos.

- Vejo vocês depois. Michaela deu aquele abraço apertado em Adele que a fazia esquecer qualquer raiva que estivesse sentindo pela amiga naquele momento. Era assim que Michaela ganhava qualquer discussão, um abraço amigo apertado e sincero, a quem mais Adele teria nessa vida?

***

Kiran longe dos amigos era mais calado. Caminharam por pelo menos dois quarteirões sem trocarem uma palavra sequer. Adele decidiu quebrar o gelo:

- Então... Você sempre morou em Los Angeles?

Kiran despertou de seu devaneio:

- Hã? Ah, não, não. Eu nasci em Nevada, me mudei para cá quando meus pais morreram. E você?

- Eu sou daqui mesmo, nunca fui a lugar algum. Acho que vou morrer aqui.

- E teria algum problema nisso?

- Como? Adele não entendeu a pergunta.

- O importante não é a morte, nem o local onde ela acontece e sim, o que você fez enquanto vivo naquele lugar.

Adele continuava sem entender. Kiran captou a mensagem e explicou:

- Meus pais nasceram e morreram em Nevada. No verão, íamos a Spider Rock no Arizona para praticar alpinismo. O tempo muitas vezes árido não atrapalhava em nada nossa diversão. As melhores lembranças que tenho são de lá. Entende agora? Não importa onde você nasce ou morre, e sim, onde você cria histórias. Meus pais não revolucionaram o mundo, não foram os reis do alpinismo, mas deixaram a lembrança de um esporte que se tornou a minha paixão, hoje um hobby que não pretendo abandonar.

Adele estava encantada e ficou sem graça ao perceber que estava literalmente boquiaberta. "Ele realmente é encantador".

Caminharam mais um quarteirão até chegarem ao apartamento de Adele. Era um apartamento pequeno e nada aconchegante em Crenshaw, um bairro simples de Los Angeles.

- Bom, eu fico por aqui. Obrigada pela caminhada.

- Por nada, quando precisar de companhia para caminhar, é só me chamar.

Kiran se despediu de Adele com um beijo no rosto e ela sentiu novamente aquele frio correr pela espinha, se encontrasse Kiran mais algumas vezes, essa sensação começaria a se tornar familiar. "O cheiro dele é tão bom", refletiu. Ambos sorriram e seguiram seus rumos, Adele abriu a porta e ficou encostada no batente vendo Kiran sumir na escuridão. "Realmente foi uma noite agradável".