História Querida Marge - Apenas o melhor

Querida Marge,
   Já faz um tempo que não escrevo uma carta, isso porque as coisas vão razoavelmente bem e eu não sentia que precisava colocar alguma coisa no papel. Então pensei que isso é um pouco mórbido de minha parte; compartilhar apenas os maus momentos.
   Mas, Marge, se você fosse uma pessoa real e soubesse como é ser essa pessoa cheia de agonia, você também iria querer guardar todos os bons momentos consigo. Porque em meio à essa tensão e todo o medo de estragar as coisas, eu sinto como se tivesse que manter tudo de precioso que me acontece no mais absoluto segredo. Porém, lembrei que você não é uma pessoa real e eu não tenho que guardar segredos.
   Primeiramente, eu gostaria de dizer que Normani Kordei é uma pessoa excepcional. Ela não é apenas a melhor amiga da garota que eu admiro, ela é incrível, ela é hilária, ela é inspiradora. Outro dia, depois do ensaio, ficamos apenas Ally, Normani e eu no auditório. Lauren havia faltado naquele dia, o que obviamente tinha deixado Normani bem chateada.
   Sendo honesta, eu não faço a mínima ideia de como os assuntos surgiram, mas logo nós conversávamos como se fóssemos três amigas íntimas de longa data. Tenho a impressão de que a nossa conexão era a dor. Ally se abriu sobre como foi ser rejeitada várias vezes pelo antigo núcleo do coral e Normani falou sobre o racismo.
   Não é engraçado como as pessoas podem ser ridículas? Porque Normani é uma das garotas mais bonitas que conheci -por dentro e por fora- e tudo o que uma mente limitada pode reconhecer é a cor de sua pele. Eu queria que eles pudessem ver como ela é preciosa. Eu queria que você pudesse ser uma pessoa real, Marge, e ouví-la falar com todo aquele empoderamento, como se nada pudesse levá-la ao chão e mantê-la lá por muito tempo. Ela inspira confiança. Se realmente tudo o que podem ver quando a olham é a sua cor de pele eu gostaria que eles ao menos reconhecessem o quanto ela é bonita.
   E claro que ela não deixou de perguntar qual era a minha dor. Entre tantas opções, eu escolhi comentar como foi ruim receber todos aqueles olhares tortos por ser Cubana e não uma genuína cidadã americana. Porque eu tenho tempo suficiente nesse país para me naturalizar e nem lembrar como Cuba realmente é, mas tudo o que as pessoas pensam de mim é em como o meu inglês era péssimo quando cheguei aqui e em minhas raízes latinas.
   Eu tenho muito orgulho de ser latina, mas lamento isso ter sido um problema um dia porque eles não paravam de me infernizar pelos meus antecedentes. Você não sabe como os americanos são patriotas até ser um latino no meio deles. Mas eu sei e eu digo: é um inferno. Em todos os lugares estão mensagens do tipo: "Seja um orgulhoso cidadão americano e não se atreva a se misturar com pessoas de outros países." E eu sinto muito que as crianças tenham que respirar e absorver essa maldita pressão.
   Sou muito grata a esse país que me acolheu e a diversos tipos de pessoas que existem por aqui e ainda me fazem acreditar que a humanidade vale a pena. Mas eu não sei quem dissemina todo esse patriotismo ou por que essa gente sente como se tivesse que ser absoluto o tempo todo. América não é sequer um país; é um continente. E eu gostaria que os norteamericanos pudessem se livrar dessa preocupação pesada.
   Mas por que eu fico relembrando esse tipo de coisa quando hoje eu decidi escrever apenas o que há de bom? Espero não ser muito tarde para pedir desculpas. Espero não ser um precedente de loucura pedir desculpas à uma folha de papel.
   Marge, se eu decidi falar das coisas boas, eu preciso falar da garota de olhos verdes. Normani me revelou que Lauren também tinha raízes latinas, o que eu poderia supor pela maneira como ela pronunciou seu sobrenome. Mas ouvir a confirmação de sua melhor amiga foi algo que não sei descrever. Não tem nada como ter algo em comum com uma pessoa tão importante. Sabe, quando nós assistimos ao ensaio juntas e vez ou outra comentamos alguma bobagem eu sinto como se estivéssemos firmando uma espécie de compromisso. No dia em que ela faltou, eu senti um enorme vazio e, embora sua falta fosse confirmada, eu continuava olhando para o assento ao meu lado em que ela não estava esperando que ela aparecesse do nada e preenchesse aquele vago dentro de mim.
   No outro dia, quando ela voltou, sua voz estava mais rouca que o normal, seu nariz estava vermelho e ela parecia não ter se importado em pentear o cabelo. Durante o ensaio, ela não parava de tremer e isso me atordoou de um modo que eu não pude resistir em oferecer meu casaco à ela. Por um momento, achei que ela fosse recusar, mas aí ela me deu um sorriso e se agasalhou. No dia seguinte ela me disse que não devolveria meu casaco.
   -Seu cheiro é muito bom e foi ótimo para me fazer dormir- Ela disse -Eu até acho que isso me fez melhorar.
   Ela sorriu e seus olhos brilharam. Marge, eu não sei distinguir meu cheiro de outras coisas, mas isso não explica por que eu fiquei tão feliz e corada quando ela disse aquilo. Eu apenas senti como se estivesse no espaço e nada pudesse me derrubar.
   O casaco que está com Lauren é um de meus preferidos e eu fico estranhamente feliz de não o ter recebido de volta. Isso me lembra de quando Dinah levou minhas roupas para casa e me devolveu vários dias depois. De qualquer maneira, eu espero que Lauren não faça o mesmo. É bom saber que tenho um pedaço meu preferido ao alcance dela.
   Com amor, Camila