CAPÍTULO III
“As marcas que as pessoas deixam são,
com frequência,
cicatrizes.”
(John Green – A culpa é das estrelas)
Fazia um tempo, que vinha pensando no fim. Na síntese do que haveria depois dele. Havia lido diversas ideias e teses sobre o assunto. Intenso demais. Dramático demais que a simples ideia de perde-la, me levasse a contemplar o pós-morte. Não seria o fim do mundo. Não é como se Sakura estivesse infimamente ligada a algum ponto vital de meu corpo, e que ao ser afastada, levar-me-ia a sofrer uma hemorragia e posteriormente, morte.
Mesmo assim, eu poderia listar diversos motivos em que perde-la, me levaria imediatamente ao fim.
Poderia começar, explicando não ser capaz de existir sem ela, minha completa existência, parecia indubitavelmente entrelaçada a sua.
E poderia terminar com a crença de que realmente, nossos corações estariam interligados, de forma física e intangível... em todos os sentidos possíveis. Não duvidava que um dia sem sua presença costumeira, geraria um infarto ou algo do gênero, meu coração se negaria a bater.
A conhecia a minha vida inteira, separados por alguns meses e depois, nunca mais. Eu havia nascido na primavera e Sakura nascera meses depois, durante um dos piores invernos do país. Desde então, meu berço fora ocupado por ela. Depois minha cama.
Sakura tinha apenas seis anos quando percebeu ser capaz de pular o muro entre nossas casas e assim, invadir meu quarto durante as noites revoltosas em que o sono não a encontrava. Ela era a razão para que não trancassem a porta da mansão e nunca mudarem os turnos dos seguranças, pois os noturnos sabiam de sua escapatória. O motivo para aquela ala da residência ser a de baixa segurança.
Sakura nunca se importou em me tirar do sono e eu de fato, nunca reclamava de ter de abraçá-la durante horas. Ela era meu porto-seguro, tanto quanto eu o era para si.
Não me lembrava de um dia em que Sakura não estivesse presente. Ela estava sempre lá, todos os dias e todas as noites.
Eu respirava Sakura Haruno.
Apesar de termos sido criados juntos, Sakura nunca fora uma irmã para mim, como era para Itachi. Eu havia tentado, por muito tempo, enxergá-la dessa forma e falhara. Quando crianças, já a chamava de esposa e até mesmo nos casamos uma vez, não passava de uma brincadeira infantil, mas de novo... talvez, eu estivesse provocando os deuses sobre minha cabeça.
Agora mais velho e menos ingênuo, e Sakura não sendo mais a menina desastrada e perdida, que as curvas a tornavam uma mulher atraente a qualquer olho curioso, meu corpo parecia seguir o rumo natural de desejá-la. E meu coração, tendo sido seu submisso a vida inteira, entregava-se de vez.
Eu não negava mais o que sentia por ela, já havia superado esta fase.
Suspirei profundamente. Mais uma vez, meus pensamentos sufocavam o sono e mantinha-me desperto. Seria uma longa noite.
Dormir com Sakura havia deixado de ser um ato inocente há meses. E agora, atentava-me a cada movimento que fazia. As pernas nuas entrelaçadas as minhas. As mãos em meu corpo, acariciando-me junto a sua respiração constante. O seu cheiro que parecia me inebriar. Tornava-me seu súdito.
Eu duvidava que Sakura tivesse qualquer mínima noção do que vinha me causando.
Ela dormia, tão profundamente que nem parecia sofrer de insônia severa.
Na cama imensa, seu corpo pressionado ao meu era quase um crime.
Eu era obrigado a respirar fundo e impedir que o sangue corresse para baixo, para que o tesão se reunisse sob minha pele e nublasse a minha razão. Sakura costumava ter o poder de me fazer perder o controle, não podia permitir fazê-lo, não nesse quesito.
Havia tanto a perder.
Um perfeito covarde. Sakura já teria tomado uma decisão, jamais ficava sobre o muro, jamais se permitia coagir pela probabilidade.
Éramos um perfeito oposto. Yin Yang.
Diferente do que os outros sempre supunham, Sakura era a parte obscura. Comparava-se as longas noites de inverno congelante, forjada por gelo. Completamente linda por fora, mas cortante por dentro. Eu conhecia bem as partes irregulares e quebradas que ela escondia tão bem. Havia sido aquele a juntar os cacos, mais de uma vez. Ergue-la e mantê-la de pé, fazê-la sobreviver mais um dia. Era Sakura quem rosnava para os estranhos e que tomara como missão de vida, proteger-me.
Hoje, a ideia de ser ela a protetora, parecia quase cômica. Sakura mantinha sua altura desde os quinze anos, um metro e sessenta e o rosto angelical. Tinha uma incrível força muscular nos braços, mas fora isso, não era ameaçadora.
Eu havia crescido e meu corpo desenvolvera-se naturalmente. Altura e músculos, e com o tempo, eu havia dominado a habilidade de usá-los. E de ser eu a protegê-la, mas sempre seria Sakura a rosnar e avançar.
Eu sempre fui a parte serena, a parte mais tranquila e que normalmente, evitava os conflitos. Talvez por Sakura ser tão explosiva. Alguém deveria manter o equilíbrio.
Eu achava engraçado, pois ninguém nunca estava preparado sobre quem atacaria.
Encarei o rosto sereno, as bochechas levemente coradas...
Aquela situação devia ser algum tipo de punição por um crime em vida passada.
Amar tanto uma pessoa... e ela ser tão alheia a isso.
Ela dormia tranquilamente, ignorante as batidas falhas de meu coração. Refugiava-se em meu quarto, em meu corpo.
Encarei o teto, as pequenas estrelas luminosas e os desenhos que formavam. No dia em que as colocou lá, Sakura dissera que se inspirara nas constelações dos dias em que nós dois nascemos. E que de certas formas, elas pareciam se encontrar. De novo, infimamente ligados e unidos pelo universo e o que quer que o rege. Eu ri, desacreditado de ter deixado me convencer aquilo, mas jamais admitiria que aquela infantilidade, parecia cuidar-me nas noites em que Sakura me tirava o sono. Dar-me o conforto que ela desejava ao colocá-las lá.
Por isso, eu jamais atrevi-me a remove-las, mesmo que agora eu fosse quase adulto. E um homem que teria de explicar e fortalecer a masculinidade dependendo quem as visse... Não que precisasse me preocupar com isso. Sakura era a única mulher a dormir em minha cama.
Mais uma vez, acompanhei o nascer lento do sol. O céu assumindo diversos tons quentes e aos poucos, o quarto ser iluminado pela luz natural.
Sakura mexeu-se lentamente, escondendo seu rosto em meu pescoço. Suspirei.
Punição divina.
Moveu-se brutalmente, assustando-me. Movi-me rapidamente a fim de impedir sua queda. Seus grandes olhos se abriram, arregalados, focaram-se em mim, lendo minha alma e meus segredos mais obscuros. Exceto aquele, cujo Sakura parecia ignorar.
Algumas vezes, Sakura acordava sobressaltada, sendo perseguidas pelos costumeiros pesadelos, os quais nem mesmo eu era capaz de afastar. Seu olhar assustado e cansado me diziam o suficiente, mesmo que aparentasse imensa num sono tranquilo, havia sido o oposto.
A culpa rasgou meu peito. Deveria ter percebido.
Era tão acostumada aos próprios demônios, que estes não mais a faziam chorar. Ela acordava assustada, então reconhecia o ambiente ao seu redor e por fim, refugiava-se em meus braços, sempre prontos para ela.
Seu calor retornou a minha pele e inspirei seu cheiro, obrigando-me a me acalmar também. Feria-me tê-la tão frágil e ferida. Gostaria de ser capaz de protegê-la contra a própria mente.
- Qual foi desta vez? – sussurrei.
- O ruim.
Havíamos classificados seus pesadelos há anos: o menos ruim, o ruim, o péssimo e “aquele que não deve ser nomeado”. Normalmente, o último a fazia acordar aos gritos.
O ruim era o nível intermediário.
- Quer que eu toque para você? – perguntei, acariciando suas costas.
Ela sorriu contra meu peito e novamente, meu coração tropeçou.
Devagar, levantei-me, deixando-a sentada em minha cama, entre os lençóis bagunçados, com o sol aos poucos alcançando sua pele. A vi arrumar os fios rebeldes e a camisa em seu corpo – minha camisa. Ela arrumou sua postura e me seguiu com os olhos.
Peguei o violão e ocupei um espaço a sua frente, dedilhando lentamente as cordas. Procurando a melodia suave que sempre parecia lhe acalmar.
Sakura gostava de música. Amava arte. Era um dos poucos momentos, em que parecia em paz. Completamente e como seu súdito cego, eu me esforçava para criar momentos assim.
Ela sorriu, reconhecendo a melodia e começando a cantarolar. A voz baixa e rouca, ainda despertando do mundo dos sonhos que a prendia até pouco.
Eu toquei, até que seu corpo fosse seu novamente. Até que não houvesse resquícios da noite mau dormida e tudo o que restasse diante de mim, fosse ela, minha melhor amiga. A mulher que eu amava.
----- * -----
Não sabia por que infernos havia me deixado convencer aquilo.
Meu corpo e minha mente rejeitavam o salão lotado.
Com a chegada do fim de semana, o pior lugar do mundo era um clube como aquele. Resumido a música alta, corpos suados, álcool e drogas.
No entanto, mesmo que cada célula e cada neurônio, me mandasse tomar o caminho contrário, ir para casa, ou para o bar, onde poderia beber sem aquele tumulto, a mão envolta da minha, mantinha-me ali.
Sakura obrigava-me a ficar sem esforço.
Novamente, a medi da cabeça aos pés.
Daquele ângulo, tinha perfeita visão de sua bunda perfeitamente redonda no vestido apertado. As pernas delineadas sobre o salto scarpin. Aquele havia sido um incentivo. Eu não sabia se ela estar usando aquele traje vulgar, havia me levado a concordar por medo ou por tesão. Talvez um pouco dos dois.
Metade de meu tempo ocupava-me em olhar feio para todos os homens que a desejavam descaradamente e a outra metade, era ser um deles.
Sakura não notava. Sempre alheia a cobiça.
No meio da pista lotada e agitada, Sakura finalmente parou e pude encontrar seus olhos. O verde parecia brilhar na luz colorida da boate.
Por alguns segundos, deixei de ouvir a batida.
Seu sorriso também era um incentivo. Ela estava feliz por fazer algo ilegal e de certa forma, fiquei feliz também.
Seu corpo começou a se mover, seguindo a melodia. Sakura dançava desde pequena, focando-se em todos os tipos de arte que podia dominar, mas aquela Sakura a minha frente, não ligava para as regras da dança, ela só queria descarregar.
Havia passado o dia sendo assombrada pela noite mau dormida.
A dança era selvagem, mas completamente sensuais.
Meu corpo não demorou a correspondê-la.
Eu sorri quando a rosada me puxou, colando suas costas a meu peito e se esfregando em mim. Como disse, completamente alheia ao que me causava.
Minhas mãos envolveram a cintura fina, acariciando a pele quente. Havia algo prazeroso em ser o único a toca-la daquela forma, mesmo que estivesse longe de ser a forma como desejava. Eu era o mais próximo dela, o mais íntimo. Conhecedor de seus segredos, medos e sonhos. E seu protetor.
E ela... era tudo.
Segura-la, era como segurar meu mundo na palma das minhas mãos. Novamente, dramático e intenso demais para uma pessoa de dezessete anos. Mas eu sentia, em meu peito, que aquilo não era passageiro. Eu havia nascido com essa confirmação. O conhecimento de que era ela e sempre seria ela.
Novamente os olhos verdes me encontraram e Sakura envolveu meu pescoço.
Sorriu e então, repousou a cabeça em meu peito frenético.
Sua mão acariciou meu pulso, exatamente sobre a tatuagem e a cicatriz. Eu não precisava olhá-la, sabia o que significava o nosso toque. Um lembrete. Uma promessa.
Sempre...
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