Parte de mim ainda é a mesma quando chego a meu bairro.
A única diferença é que minhas lágrimas secaram e meu cabelo está ainda pior, porque minha cara esteve socada na janela do táxi durante todo o caminho de volta.
Mas eu ainda estou carregando meus sapatos em mãos como se fosse uma mulher bêbada.
Todo o dinheiro que eu tinha foi dado para o táxi que me levou até lá, algumas horas mais cedo. Eu achava que voltaria com Deidara amanhã, por isso, tudo que tenho comigo são alguns trocados que não são o bastante para pagar a volta.
Por isso ele está me esperando no lobby. O taxímetro ligado.
Eu achava que a minha noite não podia possivelmente ficar pior até o momento em que pisei em meu andar. Uma batida de hip-hop preenche meus ouvidos, e eu sinto que se ainda estiver assim no momento em que eu voltar, vai haver policiais aqui em breve.
Tirando as chaves do sutiã, eu entro em meu apartamento. A porta atrás de mim está aberta, mas com a movimentação lá dentro, ninguém parece perceber que eu estou aqui.
Jogo meus saltos para o alto e exploro o imóvel em busca da minha bolsa.
Quando eu saio, é com minha carteira em mãos. E a penúltima pessoa que eu gostaria de ter que lidar agora está me esperando na entrada.
Percebo seus olhos interesseiros me observando por completo, e quando fecho a porta atrás de mim, fitando-o, ele sorri.
Seus cabelos loiros estão arrepiados, e ele está cheirando a cigarro e pizza. “Eu estava me perguntando quando você ia chegar.” Ele dá um sorriso charmoso e libertino, me fazendo lembrar do quanto o desprezo.
“Enfie todas as suas perguntas na bunda. Eu não estou para brincadeiras hoje.” Dito isso, eu o ignoro e começo a caminhar de volta à escadaria.
A risada atrás de mim é perversa. “Você nunca está, Mike Tyson”
O apelido me faz trincar os dentes, eu sei que ele está falando da surra que dei em seu amigo e odeio que trate isso como uma brincadeira. Voltar até ele me passa pela cabeça por alguns segundos. De alguma forma consigo manter a calma e concluo o que devo fazer.
Quando retorno, Naruto não é o único na porta.
Aliás, ele está em minha porta, a cabeça enfiada na fresta, bisbilhotando o meu apartamento, enquanto Karin permanece parada ao lado da porta de Sasuke.
Eu realmente não estou com paciência para lidar com essas pessoas agora. Tudo que eu preciso é ficar confortável, sozinha. O que eu preciso é abrir a geladeira e ver se tenho alguma bebida forte lá, qualquer uma que me faça esquecer por alguns momentos o dia terrível que eu tive.
E que ainda não acabou.
Quando o relógio marcar meia-noite, se o som continuar, eu vou desligar toda a energia do apartamento dele.
Eu empurro Naruto para fora da minha porta no momento em que chego, ele cambaleia para trás, os olhos alarmados me observando como se eu estivesse minimamente errada e ele não merecesse a agressão. “Ai!”
Sua irmã ri, tomando um gole da garrafa long neck em sua mão.
“Oi, Sakura!” Ela acena para mim, sorrindo de forma amigável. Ela provavelmente obteve o meu nome por meio dele.
Qualquer outra noite. Qualquer outra noite e eu não agiria como um touro, mas é impossível. Tudo que aconteceu está bem acima do meu bom senso e eu só gostaria de sumir. Levar uma vida que não fosse a minha.
Eu fecho a porta atrás de mim, passando a chave.
Dou alguns passos, poucos, em direção ao sofá, e o meu corpo desmorona ali. Meu rosto pressionado contra a superfície macia, e é nesse estado que eu fico por tempo indeterminado.
Os pensamentos, todas as memórias da época que passamos juntos invadem a minha mente, e eu não sei discernir quanto tempo fiquei nesse estado vegetativo.
Eu acordo do que parece ser um cochilo, meus olhos pesados e inchados do choro de antes e o sono de agora observam o ambiente ao meu redor. A minha casa.
A música lá fora continua exatamente como me lembro de tê-la ouvido.
Procuro o relógio na parede da cozinha, e percebo assustada que passa de uma hora da manhã.
São uma hora e dezessete da manhã, e o barulho lá fora continua.
Possuída, eu alcanço a gaveta que guarda meus talheres e pego uma faca. No momento seguinte estou pisando duro em direção ao fim do corredor, onde está o contador de energia.
Usando a faca, eu corto o fio estreito que o mantém fechado. O fio que eu coloquei ali, de um fone de ouvido antigo. Limpo minha visão embaçada antes de observar as chaves de energia. Todas ligadas.
Eu puxo a dele para baixo, e o som imediatamente para. Ouço uma balbúrdia de gritinhos vindos de lá e empurro a porta fechada, correndo o caminho de volta até o meu próprio apartamento. Fecho a porta vagarosamente para não fazer barulho, e giro a chave na tranca.
Silêncio. Exatamente o que eu estava precisando.
Uma vez em casa, eu abro a geladeira em busca do alívio alcoólico que eu quero, mas não há nada ali além de leite e água.
Não o tipo de água que eu estou precisando.
Tento ignorar a movimentação que estou ouvindo no corredor. A mistura de vozes, das quais três me soam familiares.
As batidas na minha porta em seguida não são uma novidade para mim, e mesmo que eu decidisse ignorá-las, não tinha o menor interesse em ser incomodada durante o resto da madrugada.
Eu decido que me fingir de desentendida é a melhor saída. Destranco a porta, puxando-a aberta para encontrar a imagem de Sasuke, segurando um celular em mãos com a lanterna ligada, apontando-a para mim e me deixando cega por alguns segundos.
“Tire essa porcaria do meu rosto!” Reclamo, e seus olhos aborrecidos descem até o aparelho. Seus dedos se arrastam pela tela, e segundos depois, a única coisa clareando a ele e as pessoas apreensivas atrás de si é a iluminação da minha sala.
Os olhos de Sasuke observam por cima do meu ombro, e quando olha de volta para mim, há um aspecto tedioso em seu rosto. “O que você fez?”
É muito óbvio que sua primeira opção é achar que se trata de uma obra minha. Eu tenho energia em minha casa.
“Nada.” Minha resposta é vazia, lacônica. Ele estreita os olhos, nada convencido.
Olhos vermelhos, de seja lá o que infernos estava fazendo dentro daquele apartamento. “Qual é, testa...”
Meu cenho se franze. Estou custando a acreditar no que acabei de ouvir. “Do que você me chamou?”
Ele ri, e é apenas o necessário para confirmar minhas suspeitas de que está sob o efeito de alguma coisa. “Testa.” Seus ombros desnudos se sacodem com mais risadas, “A sua ocupa metade do seu rosto.”
Ouço algumas risadas das pessoas atrás dele.
O comentário faz com que meus olhos se encham de lágrimas. Normalmente levaria muito mais do que isso para me fazer chorar, mas eu estou sensível.
Eu odeio isso. Felizmente ele não percebe.
As pessoas atrás dele parecem impacientes, mas não mais que o próprio.
“Eu não fiz nada, Sasuke.”
Ele anui, fungando. “Então eu acho que vamos ter que trazer a festa para sua casa, onde tem energia.”
Sei que não está falando sério, mas eu fecho a porta atrás de mim no momento em que termina a frase. Agora sem nenhuma fonte de iluminação, tudo está escuro.
Não consigo mais vê-lo, apenas senti-lo em minha frente.
“Que tal se nós fizermos de outro jeito? Eu prometo que não vou ligar a música outra vez e você desfaz o que quer que tenha feito com a minha energia?
“Não”
“Ah, Sakura, por que você me trata assim?” Sua voz soa incrivelmente manhosa, e por alguns momentos, fico em estado de alerta. “O violão do Naruto não está aqui, ele não vai cantar hoje.”
Isso me faz reconsiderar.
Contanto que não haja barulho me incomodando, eles podem fazer o que quiserem. Pelo tempo que quiserem.
“Nem violão nem qualquer instrumento musical. Nem cantorias à capela, nada. Silêncio.”
“Sim”
“Você dá a sua palavra?”
Ele suspira, “Sim, pode ir.”
Com isso, eu retorno até o contador de energia no fim do corredor, que está muito escuro, então eu simplesmente tateio a parede em busca da portinha enferrujada de ferro, e ela range no momento em que a abro.
“Quer levar um choque?” O timbre barítono de sua voz soa novamente ao meu lado, e logo em seguida, uma forte luz branca provinda da lanterna de seu celular ilumina o local em que estamos novamente. A portinha tapa a imagem de seu rosto, por isso não posso ver suas feições no momento “Ao menos ligue a energia do meu apartamento antes de morrer”
Eu não perco tempo respondendo a nada disso.
Ele aponta o aparelho em direção ao contador, e eu observo todas as chaves do andar. Rapidamente empurro a dele para cima, e as vozes das pessoas que ficaram na porta soam em frases desconexas, comemorando o feito.
Eu fecho a portinha, e assim, o seu rosto fica visível para mim.
Sasuke está me observando em silêncio. Eu expiro bruscamente, e faço contato visual com ele.
Nós dois ficamos calados durante alguns momentos, e eu continuo o observando. Geralmente não faria isso, mas foi ele quem começou a encarar e eu quero ver quem de nós dois vai ser o primeiro a desviar.
Quando ele muda de posição, apoiando o ombro esquerdo à parede ao lado do contador, sou eu quem desvia. Mas os olhos escuros ainda me observam com um afinco que não posso compreender, e estou prestes a voltar quando ele quebra o silêncio: “Tudo bem?”
Fico sem reação.
Os meus olhos estão avermelhados e inchados, estive chorando durante a última hora, e qualquer pessoa em sã consciência podia perceber isso apenas olhando para mim.
Mas eu não tenho certeza que a sua pergunta foi direcionada apenas a isso. Acredito que queira saber como estou lidando com o que aconteceu hoje de manhã, e a resposta dele é a mesma que eu daria se estivesse se referindo a minha atual conduta: nada bem.
“Sim.”
Sasuke anui. Eu não fui convincente e ele não está convencido, mas isso não importa.
Tudo de ruim que está acontecendo comigo é culpa dele.
A música retorna exatamente de onde parou, e ele balança a cabeça levemente ao ritmo dela. “Eu não tive a chance de dizer mais cedo, você dormiu bem rápido, mas o que aconteceu hoje definitivamente não vai acontecer de novo.” Ele molha os lábios com a língua, os olhos me observando enquanto espera por minha resposta.
É realmente surpreendente como parece diferente agora. De manhã eu cobrei uma atitude dele, e sua resposta fora simplesmente que não podia controlar os atos de outras pessoas, imediatamente tirando o peso de suas costas.
E eu me acostumei a isso. Mas afirmar algo assim, agora, definitivamente é puxar a responsabilidade de volta para si mesmo, e não é algo que combine com ele.
Responsabilidades.
“Porque ficou claro hoje de manhã que você realmente tem controle sobre os seus sócios... Eu deveria acreditar em você? Foi uma tentativa de fazer eu me sentir melhor?” Eu solto uma risada amarga, “Oh, o Sasuke me disse que não vai se repetir, então eu já posso parar de me preocupar em não morrer”
“Eu sei que não tem motivos para acreditar nisso─”
“Cala a boca!” Eu vocifero, “Vocês dois estão acabando com a minha vida aos poucos. Minha paz, minha liberdade, minha segurança” Sasuke parece estar tão estressado como eu agora, sua mandíbula está tensa e as sobrancelhas unidas, demonstrando o quão aborrecido está por ouvir reclamações de mim, mas foi ele que quis puxar assunto comigo, então eu não podia me importar menos “Meu namoro.”
Ele suspira, “Por que continua agindo assim? Você faz tudo mais difícil.”
“Eu faço tudo mais difícil porque não quero distribuir sorrisos para dois agressores? Duas pessoas que eu sequer conheço? Então, sim, eu quero continuar fazendo tudo mais difícil.”
“Você continua esperneando ao invés de aceitar a realidade. Você não vai conseguir voltar no tempo e nunca ir até aquela faculdade naquela quinta-feira, por mais que queira, e já passou da hora de aceitar. Colocar a culpa em alguém não vai diminuir o que aconteceu. Esta é a porra da sua vida agora, viva com isso”
“Obrigada pela informação, mais alguma coisa que quer discutir?”
Ele fica em silêncio, ainda parecendo chateado. Eu tomo isso como o fim da discussão e simplesmente vou embora. Uma lição de moral da pessoa que me colocou neste aperto é tudo que eu não precisava ouvir.
“Lamento pelo que aconteceu”
Sua voz soa um pouco mais baixa e mais distante agora que estou voltando. Tão baixa que tenho a impressão de que se tratou de algo da minha cabeça, mas não. Ele realmente disse, não que tenha importância, porque eu sei que não é verdade.
E fingir que sim é como jogar um copo de água dentro de um vulcão.
Ele obviamente se referiu ao meu namoro.
Naruto está parado no meio do caminho, e eu olho em seus olhos ao passar por ele. Sem dúvidas estava ouvindo a nossa conversa, e isso me irrita mais. Eu podia simplesmente puxar os cabelos para fora de minha cabeça, mas incrivelmente, ele não tem aquela feição cínica no rosto quando passo por ele.
Pelo contrário, eu não sei dizer o que vejo.
“Hmmm,” ouço os seus passos atrás de mim “desculpe, querida, eu não pude evitar ouvir o que vocês estavam conversando, e... Você agora é uma mulher solteira?”
Deidara. Eu não aguento mais pensar nele.
E é apenas uma questão de tempo até nos encontrarmos outra vez.
“Você não parece realmente ter ouvido tudo”
“Eu ouvi,” ele limpa a garganta “O Sasuke tem razão.”
Não bastava um deles querer me dar lições de moral, o outro decide fazer a mesma coisa.
Eu paro diante da minha porta. “Como é?”
“O que eu falei.” Ele dá alguns passos até estar parado perto de mim, e eu me viro para observá-lo “Você está tão dedicada a encontrar alguém para culpar que não percebe que na verdade não é culpa de ninguém...”
“Como não?! Você e ele─”
“Pouco importa o que Sasuke e eu fizemos com o Gaara, você o conhece o bastante para dizer se ele merece ou não o que aconteceu com ele?”
Ele tem um sorriso estampado nos lábios, e eu não sei distinguir se está zombando de mim ou tentando de alguma forma me confortar e provar seu argumento.
Naruto leva o copo em suas mãos em direção aos lábios para sorver mais um gole.
“Ninguém merece entrar em coma de tanto apanhar”
“Você sabe que isso não é verdade.” Ele dá de ombros, “Algumas pessoas merecem. Algumas pessoas merecem até morrer”
“Não cabe a você ou ao Sasuke decidirem isso”
“Em teoria não, mas fomos nós dois que decidimos manter você viva.”
Eu prendo a respiração. Sinto uma forte desconfiança e a fala dele distorce tudo que eu tinha como verdade segundos antes.
Não sei mais o que pensar sobre eles, ou quem de nós dois está errado.
Eu estou cansada de pensar, na verdade.
“Você está querendo que eu o agradeça por isso?”
“Estou dizendo que você deveria. Mas, sabe, você não é obrigada a nada” A rapidez com a qual suas feições mudam me surpreende. Em um segundo ele estava sério e agora está sorrindo outra vez.
Eu perco a concentração nele quando Sasuke passa por nós e volta até seu apartamento. Ele não olha para nós dois, apenas passa e fecha a porta atrás de si com brusquidão.
Restam apenas Naruto e eu aqui fora. Ele olha para mim e ergue as sobrancelhas de forma convidativa, e eu não entendo sua atitude. “Quer entrar um pouco?”
“Não.”
“Você não é nada divertida.” Ele torce os lábios, “Eu ia oferecer algo muito bom para afogar as suas mágoas...”
Meus braços envolvem meu próprio corpo, e eu me abraço. Não sei se deveria dar continuidade a isso, gastar tempo conversando com Naruto após dizer tudo que eu disse ao Sasuke.
“O que?”
“Agave-azul.” Ele toma mais um gole. Eu faço uma careta, e ele continua: “Misturado com um pouco de álcool... Bastante álcool...”
Estreito os olhos, e ele estica o braço para tocar a ponta do meu nariz com o dedo indicador. “Você provavelmente conhece como Tequila.”
Eu me afasto, o orgulho gritando dentro de mim para não me deixar levar por isso.
Mesmo que eu queira tanto beber alguma coisa para tentar esquecer o compilado de erros que foi o meu dia, a minha cabeça ainda se desfaz enquanto analiso minhas opções, e meramente analisar algo que receberia um ‘não’ imediato para mim já é demais.
Eu deveria provavelmente voltar para minha cama e dormir enquanto ainda é ‘cedo’.
Mas uma dose de tequila não cairia mal. Realmente não.
“Você vai me dar?” Eu arrisco, e ele anui. “Certo...”
“Então você quer?”
“Eu gostaria”
“Isso não é uma resposta, querida. Você quer?”
A pior parte é que não estou resistindo a nada.
Me sinto como um búfalo enfurecido livre de amarras, porque o meu corpo está em termos com minha consciência, e eu definitivamente preciso beber hoje.
O problema não é a bebida, ou o fato de que surgiu a oportunidade de consegui-la com um bando de jovens do apartamento da frente, e sim porque dois destes jovens são Sasuke e Naruto. Mesmo que eles não se sintam culpados, eu ainda os responsabilizo indiretamente com o término do meu namoro e com o fato de que quase morri ontem de manhã.
Talvez a minha mente esteja pregando peças em mim, e eu vou me arrepender de dizer ‘sim’ quando o sol raiar, ou talvez eu não me arrependa, porque a dor que estou sentindo não dá sinais de que vai se dissipar rapidamente assim.
A impressão que tenho é de que não vai se dissipar, como um término de namoro deve ser, porque eu estou abraçada a ela. Completa e miseravelmente a mercê dela, a ponto de deixar que guie minhas decisões.
E eu digo sim.
“Eu quero.” Suspiro profundamente, tentando disfarçar os traços de tensão que estou sentindo. Naruto apenas ri de mim, percebendo toda a burocracia que coloquei ao redor de uma simples resposta.
Talvez simples para ele.
“Legal.”
“O que você trouxer está bom, eu aceito qualquer coisa.” Digo, meu tom é baixo, embora convicto. Estou me esforçando para soar um pouco mais amigável, visto que ele está prestes a saciar a minha grande vontade no momento, então acho que posso abrir uma exceção.
Mas meus sentimentos em relação a ele não mudaram em nada.
“Trouxer? Eu estou vestido como um garçom?” Ele passa por mim em direção a porta fechada; seu pulso gira com a maçaneta, e ele abre uma pequena brecha, virando-se em minha direção “Se você quer a sua bebida, venha buscar.”
Eu odeio isso.
Meus ombros caem, “Eu vou entrar, pegar a bebida que você prometeu, e sair”
“Claro que vai” Ele me oferece um sorriso, apontando em direção a porta.
Ele me passa a impressão de que eu devo entrar primeiro, e eu faço isso.
Eu poderia rir por ter acontecido mais rápido do que eu esperava, mas ao contrário disso, estou em pânico. Porque no momento em que coloco o pé dentro do apartamento, eu me arrependo.
“Merda” Reclamo comigo mesma. Que decisão horrível.
Receosa, eu me viro um pouco para observar Naruto, e ele está fechando a porta. Meu olhar finalmente passeia ao redor do local, e eu estou surpresa que isso aqui um dia foi um imóvel bonitinho e organizado, que Konan limpava todos os finais de semana.
Porque agora se parece com um galpão. Eu estou sendo gentil, na verdade. Galpões são vazios, e a última coisa que esse lugar é, é vazio.
Duas pessoas, bebidas e algumas cartas de baralho estão espalhadas pelo chão. Uma caixa de pizza está ocupando dois assentos de um sofá pequeno, enquanto cinco pessoas se encolhem em um sofá maior, de três assentos.
O ar aqui dentro é esfumaçado e úmido, apesar das janelas abertas. Há cigarros acesos por toda parte, e a coleção de garrafas de bebida, de todas as cores e para todos os gostos, ocupam toda a mesa de centro.
Eu me pergunto se alguém arrumou este lugar, ou se tudo isso ainda são os restos da primeira festa que deu aqui.
Risadas e vozes preenchem o local. A diversão deles não parece ter sido afetada pela falta de som, e eu francamente lamento ter percebido isso.
Eu fico parada no centro da sala de estar, e ninguém parece me notar. Naruto passa por mim em direção ao banheiro, e fico horrorizada por ter sido deixada sozinha.
Engulo em seco, observando o ambiente ao meu redor como uma forma de me distrair, e uma cabeça vermelha encolhida dentre outras quatro pessoas no sofá maior atrai minha atenção. Karin está rindo enquanto disputa espaço com as outras pessoas, e a bebida azulada em suas mãos despenca aos montes para fora do copo quando o faz, mas ela não parece se importar com isso.
Meu corpo sobressalta com um calor atípico em meu tornozelo, e olho para baixo, em alerta, percebendo que um homem de cabelos compridos está me segurando. Quando faço contato visual com ele, o homem sorri. Seus olhos escuros observando minhas pernas de perto, até que eu decida acabar o seu ‘show’ e me afastar dele.
“Nossa, você está mesmo aqui?” Meus ouvidos captam a voz familiar, e meus olhos buscam por ela. Karin está olhando para mim com uma feição ensolarada e sorridente. “Eu quero sair!” Ela grita, e após mais uma porção de brincadeirinhas, as pessoas ao redor dela parecem liberá-la.
Ela anda em minha direção, os pés descalços esquivando dos copos no chão quando o faz. “Oi!”
“Oi.”
Karin balança a cabeça, e é quando percebo que não há bem um assunto entre nós. Sequer nos conhecemos de verdade.
Eu não conheço ninguém aqui de verdade. Eu não deveria estar aqui.
Sasuke surge através do corredor, e infelizmente, eu sou a primeira coisa que vê.
Por sorte, ele faz pouco caso e desvia o olhar de mim como se minha presença aqui fosse natural quando é tudo, menos isso.
Mas eu não desvio a atenção dele, pelo contrário, eu o observo dos pés a cabeça, agora sob uma boa iluminação. Seus pés também estão descalços, e não está usando uma camisa. A calça preta pende abaixo de seus quadris estreitos e fortes, e o cabelo escuro está inutilmente amarrado em um rabo de cavalo baixo, os fios curtos demais deslizam para fora da amarração, emoldurando seu rosto esculpido e pálido.
Eu percebo que estou o encarando quando ele fecha a caixa de pizza e a joga no chão, para enfim poder se acomodar no sofá menor. Seu corpo desaba ali, e com as pernas abertas preguiçosamente, ele ocupa os dois assentos.
Uma vez sentado, seus olhos escuros me procuram, e durante o breve contato visual que fazemos, ele estreita os olhos para mim. Deixando muito claro o quão esquisito é que eu esteja aqui dentro, e o quão hipócrita as minhas palavras de antes soam por causa disso.
E tenho plena consciência que sim. Mas estou aqui pela bebida.
Cruzo os braços sobre o peito, sentindo um pouco de alívio quando Naruto empurra a porta do banheiro aberta e sai de lá secando as mãos nas calças.
“Você falou com ele?” A questão de Karin soa ao meu lado, e eu a observo rapidamente, voltando em direção a Naruto, e logo em seguida a Sasuke, que agora está tampando os olhos com o próprio pulso.
“Quem?”
“Com o seu amigo.” Ela dá uma risadinha, “O que vai me levar para sair.”
“Oh,” eu ergo as sobrancelhas, surpresa pela forma desinibida como está levando a atração de Suigetsu por ela. Sua reação fora bem mais indiferente ontem, e eu desconfiei que estivesse apenas fingindo pouco caso.
Mas uma pergunta assim não é um sinal de pouco caso.
“Não, ainda não tive tempo.” Eu suspiro, “Meu dia foi cheio”
Ela dá leves tapinhas em meu ombro, “Você definitivamente esteve chorando... Dá para ver.”
Eu não tento negar, porque seria ridículo.
Naruto se aproxima de nós, e fico aliviada por sua chegada tornar a continuação desse assunto inconveniente desnecessária. Enquanto isso, os dois começam a se observar em silêncio, e tudo que eu posso fazer é observá-los, enquanto ele arqueia as sobrancelhas loiras para ela, parecendo levemente irritado, e Karin responde com um breve sacudir de ombros.
“Ok, eu já entendi tudo. Vou sair.” Ela ergue as mãos na altura de sua cabeça em um ato de redenção e sai. Sem mais nem menos.
Quando olho para ele outra vez, minhas feições falam por mim, e ele se justifica antes mesmo que eu possa vocalizar minhas dúvidas. “Ela sempre rouba minhas amigas.” Ele franze os lábios.
“Eu não sou sua amiga”
Uma risada curta e volúvel é a sua reação, e ele me observa completamente maravilhado. “Ah, Sakura... Você é um achado.” Ele faz um gesto de mãos em seguida, e dá as costas para mim quando começa a andar em direção à cozinha.
Nós passamos por Sasuke, e ele permanece em seu estado de inércia. Parcialmente deitado, com as pernas abertas demais e o pulso cobrindo uma parte de seu rosto.
Ele definitivamente está sob efeito de alguma coisa, e observando as costas de Naruto em minha frente, eu me pergunto se ele também está.
Então eu me pergunto se Karin também está, recordando da forma descontraída e atípica como conversou comigo, em contraste a seu comportamento mais centrado de ontem, e percebo que provavelmente ninguém aqui, exceto eu, está sóbrio.
Eu também não estou 100%. Tomei algumas taças de vinho e mesmo que não seja nada potente o suficiente para me embriagar, eu sinto que isso está prestes a mudar.
A cozinha não está tão desorganizada quanto a sala. Aliás, parece minimamente decente. Alguns copos de plástico ocupam a mesa redonda, e a pia está vazia. Limpa.
O fogão permanece intocado, e confirmo minhas suspeitas de que Sasuke sequer cozinha para si mesmo. Provavelmente gasta dinheiro com refeições prontas, e isso me diz muito sobre ele.
Basicamente, que é um inútil e preguiçoso. Como se minha coleção de adjetivos negativos já não fosse grande o suficiente.
Naruto boceja ao abrir a porta da geladeira, e eu sinto vontade de bocejar também. Ele não parece perceber, apenas inclina levemente a parte superior de seu corpo para observar o interior do eletrodoméstico. “Que tal um chá?” Seus olhos azuis me observam com interesse, o queixo apoiado a seu bíceps enquanto me observa com atenção.
Eu cruzo os braços sobre o peito. Estou incomodada por estar aqui, na casa do Sasuke, com essas pessoas; em pé no meio da cozinha dele esperando por uma bebida. É como se eu estivesse jogando minha dignidade no lixo.
Sua pergunta, no entanto, soa absurda para mim. “Por que eu me daria ao trabalho de vir até aqui para beber chá?”
Uma risada escapa de seus lábios, e ele volta a observar o interior da geladeira, “Não é um chá comum, querida. Você entende?”
Instantaneamente me calo. Sinto-me inocente e ultrapassada por achar que ele me ofereceria algo como chá, e esperar que realmente fosse chá.
“Bem, de qualquer forma, é melhor não... Quem sabe mais tarde.”
O fato de que ele espere que eu fique até ‘mais tarde’ me pega de surpresa. Provavelmente é melhor que eu esclareça a situação de uma só vez para que não crie expectativas, não que eu ache que ele vá longe ao ponto de tê-las em relação a mim.
Antes que eu possa falar, o baque da garrafa fria contra a mesa soa interrompendo meus pensamentos, e com uma faca em mãos, Naruto corta um limão ao meio e alcança um pote que presumo ser de sal, colocando tudo sobre a mesa.
Ele puxa uma das cadeiras, sentando-se e usando um daqueles copos de plástico para servir uma dose para si próprio.
Eu permaneço parada, com plena consciência de que ele espera que eu me junte a ele e sirva uma dose para mim, mas eu não quero ficar.
Também não quero cometer a gafe de pedir para levar a garrafa para casa, porque é completamente ridículo, além de grosseiro.
Uma pessoa me oferece bebida, eu aceito, entro em sua casa para então pedir para levar a garrafa completa até minha casa porque não desejo estar em sua companhia.
É absolutamente ridículo. Mas a vantagem que tenho agora é a ausência de pudor em ser remotamente grossa com qualquer um dos dois.
Simplesmente não me importo em passar uma má impressão, porque tiro trocado não dói.
Seus olhos azuis me perscrutam de relance, e lambendo um pouco de sal do dorso da mão, Naruto pergunta: “Mudou de ideia?”
Eu limpo a garganta, observando o rótulo amarelo de José Cuervo na garrafa, que propositalmente não estava cheia. Muito pelo contrário, apenas metade dela estava ocupada pelo líquido alaranjado, e embora eu tenha lamentado por alguns segundos, não me importo com isso agora, porque ainda serviria uma meia dúzia de doses tranquilamente, e isso é tudo que preciso.
Algumas doses de tequila, e minha cama em seguida. Eu iria poder chorar em paz, sozinha, pensar o quão ingrato é meu ex o quanto quisesse até finalmente dormir.
Não posso fazer nada disso aqui. Não posso verdadeiramente afogar minhas mágoas.
“Eu quero beber sozinha. Será que... Bem, será que eu podia levar essa garrafa para minha casa?”
Naruto não reage de início. Eu tenho certeza de que me ouviu, mas sua única atitude é inclinar a cabeça para trás, virando a dose de uma vez, e me fitando com o rosto muito sereno em seguida, olhos convidativos, me mostrando o que estou perdendo por continuar parada aqui, e eu me pergunto quando serei capaz de dizer algo cruel o suficiente para realmente afetar os dois.
Porque eu disse com todas as letras que queria que Sasuke morresse ontem, e a resposta dele foi: que gracinha.
Naruto começa a chupar a fatia de limão e tenho certeza que seu silêncio é uma forma de me mostrar o quão realmente excêntrico é o meu pedido de uma forma vergonhosa, e ele consegue. Eu me sinto encabulada por ter sequer posto isso em palavras.
Ele não faz uma careta enquanto chupa o limão, e isso me impressiona um pouco, devo admitir. Suas mãos alcançam a garrafa novamente, e ele serve uma nova dose para si mesmo, enquanto eu assisto, reclusa e sentindo inveja.
“Você realmente é um achado...” Ele reflete em voz alta, pontuando a frase com um riso nasalado que me leva a crer que está zombando de mim. “Eu diria sim, mas, agora também estou com vontade de beber tequila, e bem... Eu não vou para sua casa. Mas você tem todos os meios para me convencer do contrário, e eu sinto que não preciso explicar como.” Ele me oferece um sorriso presunçoso.
Meu rosto se contorce em uma careta de nojo, mas ele não vê, porque está ocupado demais derramando mais sal em sua mão.
“Não,” eu caminho em direção à mesa, puxando a cadeira e me acomodando sobre ela. Estou cansada de apenas olhar. “Não precisa.”
“Então vamos apenas dizer que seria realmente maldoso da sua parte sair daqui sem sequer gastar um pouco de tempo com quem está a proporcionando bebida, ao menos por... Gratidão, talvez?”
Ele lambe a linha de sal em sua pele, e eu seguro a garrafa entre meus dedos, pegando um dos copos empilhados para servir a minha primeira dose. Eles são largos e compridos demais, realmente inconvenientes para uma bebida de shots como tequila, mas isso é relevante.
“Desde quando isso é importante?” Questiono, observando a bebida olorosa cair em generosas quantidades dentro do copo. Não me sinto bem em simplesmente sentar e me servir, mas ele não deu o menor sinal de que tinha intenções de me servir uma dose, então eu mesma o faço.
Ele não demonstra sinais de estar incomodado com isso também.
“Desde que você ficou solteira.” Ele ri de sua própria ousadia, sorvendo de uma só vez todo o conteúdo do copo e colocando-o sobre a mesa de forma mais bruta.
O sorriso some de seus lábios, e com uma feição neutra, ele observa o meu rosto sério; as sobrancelhas ainda erguidas, enquanto eu me recupero do que acabei de ouvir.
“Isso não muda nada, eu jamais iria me envolver com al─”
“Você também se lembra o motivo que usou para negar o meu convite?” Ele me interrompe no meio da sentença, e eu suspiro, prendendo a respiração para virar o copo inteiro de uma só vez, e é o que faço.
Minha garganta arde um pouco, e minhas pálpebras se fecham para conter o súbito umedecimento dos meus olhos. “Que convite?” Eu pergunto genuinamente, enquanto me recupero da dose.
“A suruba”
Lembrar disso trás uma corrente de desgosto por todo o meu corpo, e eu solto um gemido de pura agonia enquanto corrijo minha postura sobre a cadeira. “Vocês admitiram que era só uma brincadeira para me irritar logo depois que eu disse não”
“Não foi um ‘não’, você apenas disse que tinha um namorado. Logo, esse foi o motivo: o namorado que você não tem mais”
Ele não parecia afetado em nada por trazer o assunto à tona. O vergonhoso convite ou mesmo o recente término e o quão óbvio é que deveria haver mais cautela ao lado de alguém que acabou de passar por um rompimento tenso, não... Ele não parece se incomodar com nada disso.
E eu podia quebrar aquela garrafa no rosto dele por causa disso.
“Quanta insensibilidade...” Eu sussurro enojada, e ele escuta.
“E mesmo depois disso, você ainda não disse um ‘não’ propriamente dito, você falou: vocês são gays” Ele afina a voz, levando o limão à boca outra vez.
“Eu estava mortificada pela porcaria de proposta e a capacidade de vocês dois em me perguntar algo do gênero...”
“Eu estou falando que você nunca disse não, apenas isso.”
Enquanto eu sirvo mais uma dose para mim, meus dentes trincam.
“NÃO.” Vocifero, e o tom mais alto de minha voz parece surpreendê-lo. “É o suficiente? Não. Não. Não.”
Em resposta, ele ri, espreguiçando-se sobre a cadeira. “É apenas uma brincadeira. Acalme os seus nervos”
Só que é tarde demais e eu já estou profundamente aborrecida com isso, ser feita de idiota porque ‘é engraçado’.
Principalmente hoje, não estou com paciência para isso hoje.
Cinco segundos depois e o meu copo está vazio outra vez, e o cara sentado à mesa junto comigo dá uma risada no momento em que eu me sirvo novamente. Não entendo o motivo. É para isso que estou aqui, em primeiro lugar.
“Hm. Será que você conseguiria quebrar o recorde do Idate?”
Arqueando uma sobrancelha, eu o observo, “Que recorde?”
“Vinte shots em duas horas, sem desmaiar”
Eu pisco, surpresa. Naruto continua rindo. “Não é possível... Eu duvido que alguém seja capaz disso.”
Ele ergue os ombros, “Bem, a parte de beber não é tão difícil de conseguir quanto a de não desmaiar. Ele conseguiu dezenove e apagou depois disso, nós jogamos a vigésima na cara dele, e ele acordou para vomitar. Será que você consegue?”
“Uma pessoa em coma por mês não é o bastante para você?”
“Bem, o coma alcoólico é uma das consequências que se abraça ao tentar. Gaara também abraçou as consequências dele”
“Eu não quero mais ouvir você falando da situação dele como se não fosse nada” Grasno, mais uma vez abismada pela insensibilidade.
“Então não traga o assunto à tona, Sakura. Não pode ser tão difícil”
Antes que eu possa responder ouço passos se aproximando, e minha atenção diverge de Naruto até a entrada da cozinha, por onde Sasuke passa.
O único barulho é o das pessoas conversando no outro cômodo, porque aqui, tudo fica silencioso com a chegada dele, até mesmo Naruto. Sasuke me observa com indolência, seus olhos bem fixados aos meus enquanto faz seu caminho ao redor da mesa, e no momento em que passa por trás de seu amigo, ele passa o braço esquerdo ao redor do ombro dele, o oferecendo um cigarro já aceso, que o loiro aceita sem hesitar.
Quando Naruto prende o cigarro entre os lábios, eu percebo que não é apenas um cigarro. É um baseado.
Sasuke abre a porta de sua geladeira e se inclina. Enquanto isso, eu me concentro em tentar não inspirar nem um pouco da fumaça adocicada que tomou o ar do local em que estamos, e prendo a respiração.
Inclinando a cabeça para trás, Naruto passa alguns segundos sem se mover. Aproveito que Sasuke ainda está de costas e me estico um pouco para observá-lo, vendo que está de olhos fechados.
Sasuke recolhe uma garrafinha long-neck e empurra a porta vermelha da geladeira com o pé. “Quem trouxe?”
“Idate”
Naruto ergue o baseado acima de sua cabeça quando Sasuke passa atrás de si, e em silêncio, eu sirvo mais uma dose para mim.
Ouço uma risadinha provir do loiro, e com os quadris, ele empurra a cadeira na qual está sentado para trás, piscando para mim: “Já volto”
Eu solto uma rajada de ar, do fôlego que estava prendendo, e o assisto ir embora.
O que me surpreende, no entanto, é que Sasuke não vai atrás dele. Pelo contrário, ele puxa a cadeira à minha frente e se senta ali. A cerveja em uma mão, o cigarrinho em outra.
Eu o observo, mas ele está encarando a pilha de copos de plástico como se fossem algo mais interessante do que realmente são, os olhos escuros piscando lentamente quando puxa uma longa tragada de seu baseado.
Fico um pouco desconfortável. Meu olhar baixa em direção ao copo em minhas mãos, e eu inclino a cabeça para trás, sorvendo tudo de uma só vez. Quando volto, o olhar de Sasuke está preso em mim.
Ele continua me observando em silêncio, e enquanto isso, eu sirvo mais uma dose de dois dedos para me ocupar.
Penso nas coisas que estão passando por sua cabeça, e chego a conclusão de que realmente não devem ser agradáveis. Ironicamente, eu não estou muito incomodada com isso, e se ele me enxotasse de volta para minha casa, já estaria satisfeita.
De repente, eu estou mais entorpecida do que ele, mas em minha própria imaginação, “O que está fazendo aqui?” e sua voz é um barítono suave quando tira os pensamentos da minha cabeça.
Os meus pensamentos sobre o que ele está pensando.
Estou tentando parecer o mais casual possível quando o encaro, percebendo o quanto suas sobrancelhas estão franzidas e a feição em seu rosto é algo muito distante de satisfação. É óbvio que ele não está satisfeito com a minha presença.
“Eu estou tomando tequila.” É a minha simples resposta.
Sasuke me analisa em silêncio por alguns segundos, “Então você me odeia e quer que eu morra, mas não o suficiente para ainda tomar da minha tequila, na minha casa?”
Eu não podia ter definido de uma forma melhor.
Sinto vontade de rir disso, talvez o álcool circulando em minhas veias falando mais alto, mas consigo conter. Talvez não rápido o suficiente, percebendo pela forma como ele pressiona os lábios em uma linha dura.
“Precisamente.”
Minha resposta não parece satisfazê-lo. Eu não sei mais se a esta altura ele ainda espera um bom comportamento da minha parte, algo doce e sutil como: ‘não foi isso que eu quis dizer, foi morte no sentido figurado’, mas eu o considero esperto o bastante para esperar que não.
Sasuke muda sua postura, inclinando a parte superior de seu corpo para frente e apoiando os dois cotovelos à mesa. A fumaça do baseado em suas mãos tomando todo o ambiente, e de repente, eu desisto de evitá-la.
Eu torci que de alguma forma houvesse ficado ofendido por minhas palavras, mas a forma como o canto de seus lábios se ergue em um sorriso perverso no segundo seguinte, eu sei que não.
É óbvio que ele não está ofendido.
“Você é tão...” Ele subitamente para, suas íris escuras vasculhando diferentes partes do meu rosto além dos meus olhos, e eu posso arriscar que está procurando uma palavra. Sasuke umedece furtivamente os lábios entreabertos, “Instigante.”
A reação em meu rosto é rápida, involuntária. Minhas sobrancelhas estão franzidas antes que eu perceba, mas isso não é um problema, porque eu realmente não esperava ouvir algo assim dele.
Instigante. O que isso quer dizer?
Eu sei o significado da palavra, mas não o que quer dizer. Não quando se trata da pessoa sentada à minha frente, tampouco se é bom ou ruim ser considerada ‘instigante’ por ele.
“Eu acho que vou ficar entediado se você começar a me tratar bem”
Outra frase que eu absolutamente não esperava.
Aliás, eu não sei o que esperar dele agora. Sasuke está sob o efeito de maconha, e eu não sei ao certo o que ela faz com as pessoas... Isso provavelmente é uma mentira. Ou talvez funcione como bebida e ele está apenas cuspindo uma verdade que não diria sóbrio.
Mas ele não tem papas na língua, então eu acredito em suas palavras.
Não que isso melhore em nada a excentricidade que acabou de verbalizar, algo completamente inesperado e insólito.
Que tipo de pessoa fica entediada por ser tratada bem?
“Argh. Você por acaso é masoquista?” A pergunta sai fora de meu controle, e quando eu pisco, já foi. Eu já disse isso, e ele está olhando para mim com um aspecto divertido nos olhos.
Ele realmente ri em resposta a minha pergunta, e isso faz meus nervos borbulharem, porque Naruto foi embora e mesmo assim estou servindo de chacota outra vez.
“Porra...” O palavrão é um mero sussurro quando ele volta de seu breve acesso de risos.
O rosto dele me parece facilmente, tortuosamente socável agora. Os músculos dos meus dedos pressionam o copo com mais força, e eu o encaro com a mandíbula apertando, enquanto ele traga mais uma vez seu baseado. A fumaça esbranquiçada e redonda escapando de seus lábios, agora abertos, em direção à suas narinas, que a aspiram com uma experiência que desperta interesse em olhar.
É isso, ele está chapado. Não dá a mínima para o que está falando, ou mesmo minhas respostas. Isso só piora o que estou sentindo.
“Sabe... Ontem você sugeriu que nós dois brigássemos,” eu faço uma pausa, o observando para tentar absorver uma reação, mas ele está de olhos fechados. Provavelmente ocupado demais com todas as substâncias novas em seu corpo. “ainda está valendo?”
Eu olho para ele, e nenhum músculo ali se move. Parece imerso em um torpor particular, e sinto um pouco de inveja. Eu queria sentir isso. Esquecer todas as minhas frustrações, tudo que deu errado ontem, e substituir tudo isso pelo completo abandono de estar bêbada, mas o que estou sentindo agora que a tequila está começando a fazer efeito não é nada em comparação ao que estou assistindo diante de mim, e por um momento, penso que se ele me oferecesse, eu aceitaria.
Uma breve e aleatória risada emana dele, e lentamente, suas pálpebras se abrem um pouco. Seus olhos semi-cerrados me fitando enquanto ele continua a achar graça do que quer que seja tão engraçado para ele agora.
“Agora que o seu namoro acabou você quer relaxar batendo em mim?”
A forma direta como ele pôs as coisas me pega desprevenida. Eu não teria usado tais palavras caso ele me questionasse o motivo de trazer esse assunto à tona outra vez após negá-lo veementemente menos de 24 horas atrás.
Mas, sim, é basicamente isso. O rosto dele de fato implora por uns bons socos a cada vez que ri de mim, e eu realmente aproveitaria a sensação de bater na pessoa que considero responsável pelo fim do meu namoro, em primeiro lugar.
Bater em Sasuke seria... terapêutico.
Eu bebo toda a dose em um piscar de olhos, “Se você quiser entender dessa forma, que seja”
“Não precisa negar”
“Não estou negando. Estou dizendo para você entender da forma que quiser, que achar melhor... Para mim é indiferente”
Ele anui, e eu não entendo bem o motivo. Se está respondendo minha pergunta ou mostrando que entendeu o que eu disse.
“Hm, é, eu acho, tanto faz... Se você quiser, sim.”
“Eu quero” Afirmo, resoluta.
Ele anui, enquanto sua boca puxa um pouco de fumaça outra vez. Meu rosto cai sobre minhas mãos, e apoio o meu queixo a elas, silenciosamente observando-o levar a garrafa de cerveja em direção aos lábios. Ele morde a tampa, e com excelsa agilidade, consegue abrir a garrafa usando apenas os dentes.
Sasuke vira a cabeça e cospe a tampinha, que cai ao chão com um ruído agudo. Ele toma um gole rápido, suspirando, “O que fez você mudar de ideia?”
Uma pergunta que eu não sinto a menor vontade de responder, porque ele sabe bem o que é, e inclusive já a respondeu por mim.
As últimas duas horas foi o que me fizeram mudar de ideia. Mas apenas dou de ombros, “Nada em especial”
“Então vai ser uma espécie de Clube da Luta?” Ele ri sozinho, “Acabei de quebrar a primeira regra...”
Eu entendo sua referência ao filme, mas não é tão engraçado para mim quanto parece ser para ele, então apenas o observo calada enquanto seus ombros se sacodem levemente com risadas.
“Eu vou pensar sobre isso, Sakura”
Minhas sobrancelhas se juntam, e o observo atentamente. Não é a resposta que eu estava esperando, principalmente porque ele parecia convencido ontem a ir adiante com uma sugestão que não foi minha, e sim sua.
“Não faz o menor sentido─” Meu protesto é interrompido pelas vozes que chegam à cozinha. Os olhos de Sasuke imediatamente se desviam de mim em direção a entrada, e eu faço o mesmo.
Naruto e sua irmã estão aqui, e eu suspiro ao ouvir as risadas dos dois. Posso perceber que estão no meio de uma história que está sendo contada por ele, e quando acaba, os risos tomam toda a cozinha.
Sasuke parece ocupado demais em manter os olhos abertos para se importar, já eu... Bem, eu não me importaria com um pouco de silêncio.
“Ei, Sasuke...” Naruto o cutuca algumas vezes, sem a menor delicadeza. “Sasuke”
“O que?”
“Posso pegar um pouco de dinheiro na sua carteira e dar para minha irmã? Ela quer ir embora e eu não posso ir agora... Hum... Não quero ir levar ela”
Karin acerta um empurrão em suas costas, e o corpo mole de Naruto cai sobre Sasuke, que protege o cigarrinho aceso em suas mãos como se fosse o santo graal.
Ela ri enquanto eles discutem, e olhando ao redor, parece finalmente detectar minha presença aqui. Seus olhos se arregalam, e ela acena para mim como se eu houvesse acabado de chegar. “Pelo visto veio buscar as respostas da fonte!”
Dou de ombros, sem saber o que responder. Ela ri, os olhos se desviando de mim em direção aos dois, que ainda trocavam insultos por causa do empurrão, que sequer fora culpa deles.
Ela revira os olhos, “Agora eu entendo porque ela achava que vocês dois eram namorados, sinceramente... Quem pode culpá-la?”
E isso é o bastante para fazer Naruto calar a boca. Seus olhos azuis me observam com um brilho de malícia, e ele sorri para mim, sem desviar os olhos ao questionar sua irmã “É mesmo?”
“Sim...” Ela cruza os braços sobre o peito, rindo.
“Então você sabe agora?” Ele ergue as sobrancelhas, e percebo que está falando comigo.
Suspiro, levantando os ombros com indiferença. “Não é como se eu fosse demorar a descobrir,”
Sasuke levanta a cabeça “E você foi perguntar a ela?”
Enquanto Naruto parecia mais atento ao fato de que a brincadeira fora descoberta, Sasuke se ateve ao que parecia mais importante. O fato de Karin saber que eu achava que eram gays.
E então, por causa disso, eu me preparo para receber algumas perguntas.
“Sim, eu fui” Assumo. Não parece inteligente tentar esconder algo que já é tão explícito.
“Quando?” Naruto quis saber, e meus olhos se desviam de Sasuke até ele.
“Ontem, quando vocês dois foram embora da lanchonete”
Parece bem simples para mim. Eu não vejo um problema nisso, mas eles parecem ver, e eu chego a esta conclusão vendo a forma como a feição no rosto de Naruto fica séria. Sasuke apenas ergue os quadris, puxando uma carteira de seu bolso traseiro e colocando-a sobre a mesa. Ele prende o baseado entre os dentes para que seus dedos fiquem livres, e então, puxa duas notas de vinte, apontando-as para Karin, que as aceita sem pestanejar.
“Nossa, obrigada, Sasuke... É muito gentil da sua parte. Eu vou pedir ao Naruto para devolver assim que receber meu pagamento da semana.”
Ele apenas anui, em silêncio. E de repente, Karin é a única falando na sala.
Quando ela percebe, parece pouco confortável, e então abraça seu irmão caçula, deixando um beijo em sua bochecha que Naruto não retribui, e ela não parece esperar que o faça quando dá a volta ao redor da mesa para fazer o mesmo com Sasuke. “Então, eu vou indo...” Quando passa atrás de mim, ela bagunça um pouco os cabelos no topo da minha cabeça “Tchau, Sakura! Não se esqueça de contar ao seu amigo, ok?”
“Não vou” Forço um sorriso, e ela acena para nós três, deixando a cozinha.
“Ligue para mim quando chegar” A voz de Naruto soa um pouco mais alta, mas eu não consigo ouvir uma resposta da parte dela.
Provavelmente porque estou tensa demais pelo que vem a seguir, a atmosfera do local obviamente mudou após a interferência de Karin, e eu estou suspirando com indisposição enquanto sirvo mais alguns dedos de tequila para mim.
Já perdi a conta de quantos tomei.
Naruto caminha ao redor da mesa, voltando a seu assento. E antes mesmo que ele se sente, Sasuke lança a pergunta que eu, de certa forma, estava esperando: “O que mais perguntou a ela?”
Tomo todo o tempo possível, atrasando a resposta pelo máximo que posso, enquanto tomo goles do meu copo. Chega a ser vergonhoso, porque não é comum tomar tequila em goles, e eu estou fazendo isso agora para ganhar tempo. “Vamos, Sakura” Naruto me apressa, e eu limpo a garganta antes de virar o copo de uma só vez.
Essa dose em especial desce com um pouco mais de dificuldade. Não porque estou sendo pressionada, mas porque para meus padrões, já estou bebendo demais. Meus lábios estão um pouco amortecidos, e já estou me sentindo zonza. A memória do meu ex algo distante até que eu pense nele outra vez.
Um ano e cinco meses. Eu perdi um ano e cinco meses da minha vida me dedicando a ele.
Eu fungo, alcançando a garrafa outra vez. Pela quantidade ali dentro, presumo que eu só tenha o suficiente para mais uma dose, no máximo duas, e então me sirvo.
“Perguntei mais sobre vocês dois... Só isso”
Não estou olhando diretamente para eles, mas noto que a cabeça de Naruto se move em direção a do amigo, e então, se entreolham.
“E o que exatamente foi?”
“Nada especial. Nada útil”
“Defina útil” Sasuke me pressiona.
Eu suspiro, e meus ombros caídos uma prova do quanto estou indisposta a falar agora, não sobre isso, mas sobre qualquer coisa. Eu não quero falar, gostaria apenas de beber calada e sofrer em paz agora que os momentos mais felizes que tive com o Deidara estão se repetindo em minha cabeça como em um maldito carrossel.
“Eu sei que o seu pai morreu em um acidente de moto, e que você viu acontecer” Meus olhos encontram os azuis de Naruto, e a expressão em seu rosto desmorona.
Então eu olho para Sasuke. Ele está furioso, eu posso ver a raiva em seus olhos, como se já soubesse exatamente o que eu vou dizer. “E eu sei que o seu irmão está morrendo”
Sasuke cerra os punhos, e seus olhos se estreitam em mim com um toque nada sutil de todo seu furor, mas eu não estou me sentindo culpada ou tampouco ameaçada por todo o ódio que está dirigindo a mim.
Seus olhos se desviam até Naruto, “Se eu soubesse disso um minuto antes, a sua irmã teria caminhado para casa”
O loiro não parece ofendido pelas palavras dele, pelo contrário, ele apenas aquiesce, e então olha para mim: “Isso não é útil para você?”
Comprimo os lábios, balançando a cabeça negativamente “Nem um pouco” Eu sirvo mais tequila para mim. A última dose extraída da garrafa agora vazia, e eu espero alguns segundos, enquanto os últimos pingos caem dentro do meu copo. “Eu não me importo com as famílias de vocês, embora eu, bem, lamente as histórias tristes, não é do meu interesse saber disso. As perguntas que tenho são outras.”
Um longo momento de silêncio se estende após minha confissão. Não vou falar nada, então apenas aguardo em silêncio que qualquer um dos dois diga alguma coisa.
Eu bebo o último copo, e percebo que devo ir embora. Já fiz o que vim fazer, e não existem mais motivos para ficar.
Coloco minhas duas mãos sobre a mesa, usando o apoio de algo fixo para ficar em pé. “Bem, eu agrade─”
“Então pergunte.” Naruto me corta. Ele certamente sabe melhor do que Sasuke o que eu pretendia fazer antes de ser interrompida, tendo em vista o pedido ridículo que o fiz antes. “Eu acho que há muita coisa a ser dita entre nós três, essa é uma boa oportunidade. Nenhum de nós está sóbrio”
Isso é o bastante para atrair meu interesse. A chance que está sendo apresentada diante de mim seria irresistível se eu não soubesse que, sem dúvidas, eles não iriam responder os tipos de pergunta que eu queria fazer.
Como não responderam em nenhuma das outras vezes.
“Vocês não vão querer responder o que eu vou perguntar.”
“Talvez não.” Naruto estica o braço, abrindo a geladeira vermelha e puxando de lá uma garrafa. Desta vez cheia, de algo que sem dúvidas não é tequila, visto que tem uma cor verde clara e um rótulo chamativo. O rosto de Sasuke se contorce visivelmente ao observar o objeto nas mãos dele, e eu estreito os olhos, confusa “Quem não responder vai ter que beber um pouco disso”
‘Não’ é a palavra que explode em minha cabeça ao ouvir a sugestão, e eu teria dito em voz alta se não estivesse curiosa em relação à bebida e a reação de Sasuke. “O que é isso?” Eu pergunto.
Ele sorri, “Oh, é só uma bebida baratinha que comprei numa feira herbal perto da casa da minha irmã. Me custaram dois ienes, é caseira, tem um teor alcoólico de quarenta e oito por cento e sabor artificial de maçã verde. É feita a partir de uma erva chamada Artemísia.” Ele desvia o olhar do rótulo no qual estava lendo para Sasuke em seguida, “Essa bomba está na geladeira do Sasuke há cerca de um mês, porque ninguém quis tomar, mas pelo visto ele gosta muito dela, porque trouxe junto com a mudança, não é?”
“É horrível” Ele resmunga, fazendo seu amigo rir.
E eu não duvido dele. O rótulo sequer tem um nome, apenas a estampa do desenho de uma maçã verde e as letras miúdas que constituem a composição dela atrás. Uma bebida barata como essas e caseira não me inspira nada além de medo.
“Não, obrigada. Eu vou para casa”
“Ah, qual é, Sakura... Vai perder a sua chance?” Anuo positivamente, “Nenhum de nós quer tomar isso, vamos responder tudo que você perguntar”
“Então para quê usar essa bebida, se eu posso simplesmente sentar aqui e fazer minhas perguntas?”
Ele levanta os ombros, “Para deixar as coisas mais interessantes, e nos forçar a responder”
Eu observo os dois, e não tenho certeza se devo aceitar.
Naruto é o único olhando para mim. Sasuke está mais ocupado em lamber os dedos e apertar o fim de seu baseado. Eu me pergunto se não queimou os dedos ao fazer isso, mas ele não demonstra quaisquer sinais de ter sentido dor, apenas joga os restos de papel queimado fora.
“Sei” resmungo, e com os olhos convidativos, Naruto aponta com o queixo em direção à cadeira vazia na qual eu estava sentada.
Desconfiada, eu me sento de volta. Ainda não estou totalmente convencida, mas eles entendem meu gesto como uma afirmação de que estou aceitando. “Certo, então, verdade ou desafio, Sakura?”
“O que?” Minha voz sai mais alta do que eu posso controlar, e com os olhos arregalados, eu olho para Naruto completamente espantada “Não!”
“Eu tenho um pouco de curiosidade em relação a você, qual é o problema em perguntarmos também?”
“Todo! I-Isso não foi o que você propôs... E por que ‘desafio’?”
“Eu não tinha concluído a minha proposta. E se não quiser encarar o desafio, basta escolher verdade” Ele explica, como se fosse a coisa mais simples do mundo, e eu olho para Sasuke, que está em silêncio, tomando um gole de sua cerveja.
“É uma via de mão dupla, querida.” Ele diz, seus olhos me observando sobre a garrafa quando a mantém parada perto de sua boca, “Se quiser perguntar, vai ter que responder”
“E se eu não quiser responder?”
Naruto ergue a garrafa verde em suas mãos, balançando-a um pouco, e eu imediatamente entendo o que vai acontecer. Inclino meu corpo sobre a mesa, tomando a garrafa de suas mãos, e a destampo apenas para cheirar rapidamente o conteúdo.
O aroma faz meu estômago embrulhar, e os dois riem um pouco da minha careta. Eu inspirei talvez forte demais, e meu nariz está ardendo, o que faz com que meus olhos lacrimejem. O cheiro é ácido, ácido demais em uma mistura de muito álcool e maçã verde que faz meus interiores se contorcerem. “Argh,” eu gemo, o devolvendo e pegando uma mecha de meus cabelos para cheirar o meu próprio xampu enquanto espero que a ânsia que me subiu à garganta assente.
“Verdade ou desafio, Sakura?”
Não penso duas vezes, “Verdade” respondo, minha voz embargada.
“Por que o seu namoro acabou?”
Sasuke é o autor da pergunta. Sua expressão é neutra, mas os olhos dele estão fixos em mim com curiosidade enquanto aguarda pela resposta.
Eu engulo. Se a bebida não fosse tão nojenta, eu certamente teria a escolhido para evitar responder.
“Mentiras.” Eu digo. As memórias voltando para me desestabilizar novamente, “Muitas mentiras. E ele cansou.”
Sasuke parece satisfeito com a resposta. E alguns segundos se passam antes que Naruto chamasse a responsabilidade para si “Ok, minha vez. Verdade.”
Não há qualquer consenso sobre quem fará as perguntas, não é uma garrafa girando, e isso me deixa confusa.
Estou pensando em como devo fazer a pergunta que tenho em mente quando Sasuke quebra o silêncio. “Como foi o seu dia?”
Faço uma careta, totalmente irritada, e enquanto isso Naruto sorri largamente, me observando de relance para recolher minha revolta ao que acabou de acontecer. “Muito bom. Obrigado por se preocupar comigo, meu amigo”
Eles estão trabalhando em conjunto para evitar minhas perguntas e estou sendo abertamente passada para trás – mesmo quando tenho uma nítida vantagem, afinal, tenho a chance de fazer perguntas aos dois, enquanto eles precisam se revezar para fazer a mim.
Ou seja, preciso ser mais rápida.
É a vez de Sasuke. Estou em total estado de alerta, e ele resmunga sua escolha “Verdade”
Naruto abre a boca, mas eu sou mais rápida: “Por que vocês dois fizeram aquilo com o Gaara?”
O jogo acaba de começar para mim.
Sasuke cruza os braços firmes sobre o peito desnudo. Ele parece um pouco pensativo, mas sua feição é imperturbável, como se a pergunta não houvesse o surpreendido nem um pouco. “Ele me deve muito dinheiro.”
Meu ímpeto é imediatamente perguntar do que se trata esse dinheiro, mas sei que agora é a minha vez, e decido esperar pela chance com Naruto, depois de mim.
“Verdade.” Eu escolho.
Naruto sorri, “Qual é o seu tipo de homem, Sakura?”
A pergunta me surpreende, porque eu esperava outras tão difíceis quanto a primeira, mas acho que eu sou a única aqui com questões complexas a fazer.
Quanta sorte.
Mas a pergunta me faz pensar. Qual é o meu tipo?
Eu tenho um tipo?
Em minha cabeça seria mais fácil de responder, mas o resultado são alguns minutos de meditação. É uma pergunta complicada, mas não profunda. Não me põe em risco, mas estou sentindo dificuldades a respondê-la mesmo assim.
“Não sei. Eu não tenho um tipo... Não é tão fácil assim. Gostar do cara sempre foi o suficiente para mim, e continua sendo. Alguém que não seja um idiota mentiroso, talvez?”
Naruto ri, “Cara, ela acabou de exterminar nossas chances ao mesmo tempo”
Eu não consigo enxergar a graça, e a princípio, Sasuke também não; mas quando Naruto abaixa a cabeça para rir, isso parece fazê-lo rir também.
“Não que algum dia vocês tenham tido alguma”
Naruto segura o riso ao ouvir isso. Ele e Sasuke se entreolham rapidamente. “Verdade” Ele diz.
Novamente, eu me apresso antes que Sasuke possa inventar alguma coisa: “A dívida que ele tinha com o Sasuke... De que era?”
Os olhos azuis me observam instigados, e pela primeira vez, ele pensa antes de responder. Lançando um olhar rápido ao seu amigo, ele me encara de novo, dando de ombros. “Remédios.”
“Remédios?” Eu ecôo.
Remédios. Eu não esperava isso. Gaara é um homem jovem, por que ele toma remédios?
Quando penso em remédios, eu penso nos comprimidos para pressão alta que meu pai tomava, ainda toma, e é algo que parece tão... Velho. Eu não consigo imaginar pessoas jovens usando remédios, e sei que é uma visão completamente errada.
Em resumo, estou confusa. “Que tipo de remédios?”
“Uma pergunta por vez” A voz de Naruto soa um pouco mais séria e sombria agora, e eu engulo em seco. Meus olhos se desviando até Sasuke, ansiosa.
Eu preciso perguntar a ele.
Ele prende o lábio inferior entre os dentes, olhando para mim. Não sei no que está pensando, mas eu sinto um pouco de medo.
“Desafio”
Filho da puta!
“Filho da puta” Eu não consigo me segurar, e a reação dele é sorrir.
Mas ele está sorrindo porque não tem consciência do que acabou de escolher. “Volto logo” Imediatamente eu tenho uma ideia, então empurro a cadeira para trás e me apresso em direção à porta de saída.
Eu não deixaria Naruto escolher o desafio e pegar leve com ele, quando eu posso fazer pior. Muito pior.
Corro até o meu apartamento, em direção ao banheiro. Abro a gaveta acoplada a pia, e após pegar o que preciso, eu corro de volta para o apartamento de Sasuke.
Duas pessoas estão se beijando no corredor, e eu sinto um pouco de vergonha ao passar, mas simplesmente ignoro e entro outra vez. As duas garotas estão dormindo em um canto da sala, e os três caras restantes estão jogando conversa fora.
Retorno até a cozinha, e Naruto e Sasuke me observam com curiosidade ao voltar. Eles não reconhecem de primeira o que estou segurando, obviamente. Então eu coloco o objeto sobre a mesa, e eles ainda não reconhecem.
Provavelmente porque as luzes da cozinha estão desligadas, e a iluminação que vem da sala proporciona uma meia-luz agradável que é mais do que o suficiente.
Sasuke parece juntar as peças, e ele me observa em um misto de assombramento e incredulidade que fazem minha noite. “Sua cadela...”
“Que porcaria é essa?” Naruto questiona.
“Cera fria.”
Eu assisto a expressão no rosto de Naruto se contorcer de confusão à entusiasmo em um segundo. E então, ele está de pé, completamente afoito: “Sakura, eu te adoro. Não faz ideia do quanto” Seus olhos empolgados rapidamente observam o Sasuke “A arma biológica está fora de questão.” Ele se apressa, agarrando a garrafa verde entre seus braços, “Eu não vou deixar você beber. Você vai ter que cumprir o seu desafio. Se você beber, eu vou te chamar de frango para o resto da vida”
Sasuke dá um suspiro irritado, e não custa esforço algum, apenas um breve olhar em seu rosto para saber o quão irritado está. Ele olha para mim, e depois para Naruto, “Não escolha desafio” ele aponta o dedo indicador para o rosto de seu amigo, em um aviso. E Naruto ri, pouco amedrontado pela ameaça.
Em seguida, Sasuke coloca a sua panturrilha esquerda sobre a mesa, silenciosamente rolando a perna de suas calças e me dando um acesso de mais ou menos um palmo acima de seu pé.
É o suficiente. Eu desgrudo duas das tiras de cera e as esfrego entre minhas mãos por alguns segundos, espalhando a substância pegajosa enquanto Naruto continua freneticamente se movendo ao meu lado, ansioso.
Sasuke toma um longo gole de cerveja quando eu coloco a tira sobre sua pele, meus dedos espalhando mais o conteúdo sobre os pelos de sua canela, e parece ser quando ele nota que não há mais volta a partir daqui.
A tira foi colada e vai precisar sair.
“Faça o seu pior” Ele me desafia, como se eu precisasse de mais algum estímulo além do que já tenho para machucá-lo como eu pudesse.
Seguro uma das bordas entre meus dedos, meus olhos encontrando os dele, “Pronto?”
Quando ele abre a boca para responder, eu puxo a tira com toda força que posso acumular. Ela sai de uma só vez, rápido, forte, e doloroso. “CARALHO!” Ele grita, recuando a perna. Suas mãos pressionando o pedaço liso de pele.
Eu não me lembro de ter rido com tanta vontade há um bom tempo quanto estou rindo agora. Olho para Naruto, que está vermelho.
“Agora você vai ter que tirar tudo.” Provoco.
“Vá à merda” A resposta sai entre seus dentes, enquanto ele rola o tecido de suas calças de volta ao normal e se senta. “Sente-se, agora é a sua vez.”
Isso me assusta um pouco. Sabe-se lá o tipo de pergunta que ele pode fazer, principalmente agora que está irritado comigo.
Eu me sento, recolhendo o pacote com as tiras de cera e colocando-o em meu colo. “Verdade” Eu escolho. É óbvio.
“Se fosse para transar com algum de nós dois, quem você escolheria?”
Merda.
Eu não posso responder isso.
Estalo a língua, sem paciência. Por que Naruto tinha que insistir nesse tipo de pergunta?
Eu olho para Sasuke, cujos olhos escuros continuam me escrutinando por cima da garrafa pela qual bebe, enquanto eu me ajeito sobre o assento, inquieta.
Nunca pensei muito nisso, para falar a verdade. Eu acho os dois bonitos, belezas muito diferentes, mas há alguma coisa sobre Sasuke que eu não consigo colocar em palavras, e eu senti vontade de olhar para ele e ver sua reação no momento em que ouvi a pergunta.
Ele permanece inexpressivo.
Eu não posso responder isso, porque não sei a resposta.
Porque o meu namoro acabou há poucas horas e eu não posso sequer conceber a possibilidade de transar com outra pessoa agora, quando estive fazendo isso com a mesma pessoa durante um ano e cinco meses.
E agora nada disso existe mais.
Pego o copo de plástico vazio no qual estava bebendo tequila e o empurro com a ponta dos dedos em direção a Naruto.
“Você realmente não é divertida” Ele reafirma sua frase anterior, mas eu não podia me importar menos com sua opinião sobre o que eu sou ou não.
Ele abre a tampa e me serve uma dose longa. Meu fígado está prestes a receber uma porção de crueldade maior do que a que eu estava o proporcionando com a tequila, mas isso é menos pior do que responder àquela pergunta.
Naruto me devolve o copo, agora um pouco mais pesado. Eu olho o conteúdo dentro antes de qualquer coisa. O líquido é verde, ralo, e quando eu aproximo minha boca da borda, me sinto enjoada pelo cheiro antes mesmo de bebê-lo.
Tampo o meu nariz, virando a cabeça para trás e bebendo tudo de uma só vez. O sabor é reduzido, mas sinto que liberei o meu nariz cedo demais, e mesmo com a boca vazia, o gosto retorna à tona. É azedo demais, azedo como o inferno, e eu sinto como se estivesse bebendo vinagre com um gosto forte de álcool e maçã, só que pior. Pior do que pior.
Sorrindo, Naruto levanta as sobrancelhas, “Que tal?”
“Eu acho que está corroendo meus órgãos.”
“Bom” Sasuke comenta, e quando meus olhos procuram seu rosto, seu olhar é mortífero.
Eu juro que ele podia me matar de onde está sentado, só pela forma como está me olhando.
“Verdade” Naruto interrompe o clima pesado que se instaurou aqui.
“Por que na faculdade? Por que vocês fizeram aquilo na faculdade? Qualquer um podia ter visto vocês, haviam estudantes no laboratório” Eu emendo no mesmo segundo em que ele termina.
Naruto corre os dedos pelos cabelos loiros, e cruzando os braços sobre o peito, percebo uma postura defensiva de sua parte.
Não tem como ele dar uma resposta breve a isso como fizera com as outras, e se der, eu ainda tenho Sasuke.
“Ele não quis ir até a casa do Sasuke acertar as coisas por bem. Nós estivemos o ligando por meses, eu fui até o dormitório dele, o pedi incontáveis vezes para quitar de vez a sua dívida, mas ele achava que Sasuke não teria coragem de tocá-lo, porque Sasuke foi expulso da Kappa Akatsuki e sua entrada é proibida lá. Ele achou que estava seguro no prédio.” Eu olho para Sasuke, que permanece inexpressivo e age como se não estivéssemos falando sobre ele. Estou assustada que a resposta é tão prolongada, mas eu não o interrompo em nenhum momento, pelo contrário “Mas eu ainda sou de lá.” E dizendo isso, um sorriso puxa o canto de seus lábios.
“Por pouco tempo” Sasuke comenta baixo, mas eu consigo ouvir.
Isso faz surgir outras mil perguntas em minha cabeça, e eu quero perguntar todas. Eu acho que se os dois passassem horas comigo, ainda não seria suficiente para suprir todas as minhas dúvidas.
“O Gaara não quis ir até o Sasuke, então o Sasuke foi até ele. E o resultado foi o que você viu. Eu sei que não foi o melhor lugar, que alguém podia ter visto, e viu” Ele me observa sorrateiramente “Mas quando tudo começou não dava para simplesmente puxar ele para outro lugar, nós tivemos que terminar lá”
Eu suspiro, estou tensa.
Eles são perigosos, e eu estou dividindo a mesa com eles como se fôssemos amigos. Sasuke foi expulso de uma fraternidade e não pode sequer pisar lá. De repente, isso me assusta.
Essa pessoa, com todos os desafetos que certamente tem, está morando em frente a minha casa.
Solto um outro suspiro, e meu olhar desliza para longe de Naruto, porque eu estou ocupada demais pensando na figura esquálida de Gaara em cima daquela cama. E minha visão é completamente parcial, mas mesmo depois de saber tudo isso, eu ainda não consigo me sentir melhor por sua condição.
Eu sinto o peso dos olhos de Sasuke em mim, e engolindo o nó em minha garganta, eu o observo de volta. Ele tem olhos intensos, perfuram como adagas, e quando não olha para longe e segura o contato visual, eu sinto como se estivesse olhando dentro de mim. Seu olhar é frio e... quente. Eu não sei explicar, mas ele parece se entreter com o medo que sabe que as descobertas estão me causando.
Descobertas sobre ele. Logo, medo dele.
Mas eu me recuso.
Corrijo minha postura, e a feição em meu rosto. Eu me recuso a dá-los esse prazer, de verem que me assustam. “Verdade ou desafio?”
“Verdade” Responde, serenamente.
“Que tipo de,” eu faço uma pausa, porque não tenho certeza do que vou falar. “remédios Gaara comprava a você?”
Sasuke fecha um dos olhos, parecendo recapitular alguma coisa. “Ele gostava de oxy e benzo. Oxicodona e benzodiazepina.”
“O que é isso?”
Ele olha para Naruto, e para mim em seguida. Não tem obrigação de responder essa pergunta, porque eu já fiz uma, e tecnicamente agora é a minha vez.
Mas ele não parece fazer questão, “Sedativos, relaxantes musculares...”
Estou começando a ficar nervosa. “Não é preciso uma prescrição médica para comprar esse tipo de coisa?”
Um sorriso puxa o canto de seus lábios, “Sua vez.”
Minha respiração é completamente entrecortada quando recupero o fôlego. Espero me lembrar dos nomes que ele disse em outro momento, porque tenho muita pesquisa a fazer.
Solto um suspiro trêmulo. “Verdade”
Naruto apóia os cotovelos à mesa. “Se fosse para transar com um de nós dois, quem você escolheria?”
“Fala sério...” Faço uma careta, estou realmente aborrecida. Enquanto isso, Naruto e Sasuke riem por causa da minha reação. “Eu quis dizer desafio”
“Não, querida. Se não quiser responder, já sabe o que fazer”
Frustrada, e completamente impaciente, eu empurro o copo em sua direção. “Não quero mais jogar!”
Não quero continuar bebendo a cada vez que escolher verdade, porque Naruto insiste em me perguntar a mesma coisa que definitivamente não irei responder. E não irei optar por desafio quando Sasuke está aqui, com um quadrado liso na perna, esperando por uma chance de revidar o transtorno.
Parece que a brincadeira acabou por aqui.
Naruto ri, servindo mais uma dose para mim, e estou tão apressada para ir embora que simplesmente viro tudo de uma só vez, o gosto ruim fazendo meu rosto se contorcer outra vez, e depois de uma tosse, eu me despeço deles: “Estou indo embora”
“Poxa, Sakura. Fica mais um pouco”
“Não!”
Com meu levantar brusco, o pacote com a cera cai no chão, e eu me abaixo para pegá-lo. Eu aceno para eles, empurrando a cadeira de volta a seu lugar.
“Sakura” Ouço Sasuke me chamar quando dou as costas, e eu paro.
“O que é?”
“Eu pensei no que você disse... Eu aceito.”
Minhas sobrancelhas se unem e eu não entendo nada do que está falando. Levanto os ombros, o observando com um olhar interrogativo, até que sou arrebatada por nossa conversa de antes.
E sei exatamente a quê está se referindo.
Meu exercício terapêutico. Nós vamos brigar.
“Legal”
“Hoje à noite, quando nós dois chegarmos da faculdade. Eu vou estar esperando você aqui depois do jantar”
De repente, eu mal posso esperar para as horas passarem.
“Combinado. Até mais tarde”
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