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História Quid Pro Quo - Halcion


Escrita por: cryomancer

Notas do Autor


Olá.
Demorei um pouco menos para atualizar aqui. "Menos" nos meus padrões, obviamente bsajhsbjhbhj, mas vou tentar atualizar de forma mais recorrente, quem sabe de duas em duas semanas(?), eu aviso a vocês.
Bem, de qualquer forma, eu quero agradecer muito pelo feedback, sério, vocês são incríveis. Isso me estimula bastante a prosseguir.

Como sempre, eu espero que gostem. Boa leitura!

Ah, e, estou usando um word antigo no momento, por isso se vocês virem alguns 'tremas' ao longo do texto, acontece que: o word corrige a palavra automaticamente e eu fico sem paciência para tirar todos na hora, me iludo em achar que consigo achar todos depois e corrigir, mas não consigo encontrar todos eles. Vou revisar este capítulo depois, e como não é nada que afete a leitura, decidi postar mesmo assim. Por ora vão ficar, até eu revisar.

Capítulo 4 - Halcion


 Parte 3

 

Eu desci na Estação Asakusa pela primeira vez durante à tarde da segunda-feira, e caminhei dois blocos a pé, carregando um pequeno vaso de flores silvestres nas mãos. No entanto, cheguei à recepção pouco depois das quatro horas e meia da tarde, e não pude entrar. Não era um horário de visitas.

Então eu voltei para casa, me sentindo desolada.

A primeira tentativa deu errada, eu não soube se devia interpretar isso como um sinal de que eu não deveria voltar até lá, mas se parasse para pensar de forma prudente, o caminho ideal seria até a delegacia, e não ao hospital.

Eu desço na Estação Asakusa pela segunda vez nesta semana, com o mesmo vaso em mãos. As flores provavelmente estariam murchas quando ele acordasse, mas isso não me impede de levá-las de volta mesmo assim, é algo decente a fazer, um pequeno gesto.

As instalações do hospital são gigantescas, um enorme prédio espelhado em um bairro nobre e mais afastado do grande centro urbano. A estação Asakusa é a última na zona azul; só é possível ir além, em direção a outras cidades por meio de trens.

Ele provavelmente não foi trazido para cá de imediato, existem outras unidades de pronto atendimento mais próximas da universidade. A família dele, certamente de condições, deve ter optado por transferi-lo até aqui para receber um tratamento melhor.

Eu repenso minha decisão em ir até o fim com tudo isso quando uma das enfermeiras na recepção me passa uma prancheta para que eu assine o meu nome. Penso em escrever um nome falso, mas ela pede um documento de identificação, e só me resta ir com a verdade.

Não vou poder mentir sobre isso, caso seja usado contra mim no futuro, de alguma forma. Mas não posso perder tempo com arrependimentos, se já fiz. Eu já assinei, as câmeras já registraram a minha imagem. Não há mais nada que eu possa fazer.

Com isso, sigo as instruções da enfermeira em direção a um dos elevadores, que me leva rapidamente até o quarto andar. Ele está em um dos leitos da unidade de tratamento semi-intensivo, nas quais são permitidos, no máximo, dois acompanhantes por paciente.

Eu me sinto desconfortável ao sair no corredor. Há um cartão em branco entre as flores, sem dedicatória e esperando por minha boa vontade em escrever algo, qualquer coisa. Mesmo assim, eu não sei o que escrever.

Talvez um ‘melhoras’, ou ‘fique bom logo’ seja o bastante, eu nem mesmo sei se ele leria estes cartões algum dia e nós dois não somos exatamente amigos. Eu o conheci por meio de uma tragédia.

Entro na sala que me foi indicada, e meu maxilar aperta. Estou tão tensa que repenso mais uma vez a opção de ir embora.

Respiro profundamente, levantando o queixo. Eu posso fazer isso.

Gaara está deitado em uma maca, com lençóis cobrindo seu corpo até o peito. Duas agulhas estão enfiadas em seu antebraço, mantendo-o medicado com soro ou remédios. A parte inferior de seu rosto está coberta por um respirador, mas eu posso ver arranhões, agora secos, em sua testa. Os ferimentos foram tratados, o olho esquerdo dele está roxo, e há alguns hematomas em seus braços pálidos.

Ele parece morto.

Aproximo-me da maca, ouvindo os bipes provenientes do monitor cardíaco ao meu lado.

O lugar é frio; abraço meu próprio corpo, e esfrego a superfície da minha pele, tentando mantê-la aquecida, ainda o observando.

Sinto uma mistura de sentimentos que embrulha meu estômago, estou envergonhada, com raiva, medo, me sentindo responsável e ao mesmo tempo impotente, omissa. Duas pessoas das quais confio me disseram que ele é uma pessoa ruim, que de alguma forma mereceu o que lhe aconteceu, e mesmo assim eu não consigo compartilhar do sentimento.

Eu tentei, ainda estou tentando ver as coisas do mesmo ponto de vista que Konan e Suigetsu viam, mas é impossível. Não consigo vê-lo com maus olhos.

De alguma forma esquisita, eu quero protegê-lo. Entender o que aconteceu com ele.

  O ar fica preso em minha garganta quando ouço a maçaneta da porta girar, e mantenho minha posição.

“Quem é você?” Ouço uma voz feminina soar em minhas costas, e imediatamente me viro em direção a porta. Uma mulher loira e de meia idade me observa; o rosto abatido – agora hostil – me encara, os dedos pressionando a maçaneta com apreensão. “Afaste-se do meu filho!”

“Eu...”

“Mãe, o que está havendo?” Agora é uma voz masculina que me interrompe. Um homem chega logo em seguida; ele é jovem, alguns anos mais velho que eu, mas ainda jovem. Me olha com o mesmo ar repressivo que ela. O pequeno alívio que ainda consegui sentir com sua chegada se esvai. “Quem é você?”

“Eu me chamo Sakura,” suspiro, dando dois passos para o lado, criando uma pequena distância da maca. Não vou abusar da boa vontade deles; se ficar afastada de seu filho os faria, de alguma forma, confiar mais em mim, eu não hesitaria. “Sou uma amiga próxima do Gaara, estudamos na mesma universidade.”

Eles se entreolham, em silêncio.

“Eu estou arrasada com o que aconteceu. Sinto muito, de verdade. Eu corri para cá assim que descobri o nome do hospital, precisava saber como ele está.” continuo. “Ver ele desse jeito... eu... eu nem mesmo sei o que falar.”

“Oh, e você, como amiga, sentiu necessidade de ter notícias dele somente após três dias?” Ela acusa, sem pestanejar. Comprimo os lábios, ainda em silêncio.

Antes que eu possa pensar no que responder, ele interfere. “Mãe,” sua mão toca o braço dela, um gesto cuja intenção era acalmar seu embuste. “eu não me lembro de nenhuma Sakura. Nenhum de nós lembra, na verdade.”

Levanto os ombros, pronta para cuspir a primeira mentira que eu pudesse inventar. Novamente sou interrompida pela chegada de outra pessoa, desta vez uma mulher. Ela parece ter a mesma faixa de idade do homem moreno parado ao lado da mãe, mas se veste de forma mais jovial, com meias coloridas cobrindo os tornozelos. “O que está acontecendo?”

“Temari, você já viu esta garota alguma vez?” Ele a questiona, apontando o dedo indicador em minha direção.

Engulo, tentando disfarçar da melhor maneira possível o meu desconforto. “Não, quem é?”

“É o que estamos tentando descobrir...” a mulher mais velha parece prestes a chamar a segurança a qualquer momento, e isso me desestabiliza.

“Ela disse que é amiga do Gaara.”

Temari me observa da cabeça aos pés, enquanto mastiga o canudo de um copo de milk shake. “Seja bem-vinda.” Ela caminha em direção a maca, e para a meu lado. “Gaara tinha mais amigos do que eu tenho cabelos na cabeça, se vocês acham que conhecem todos eles,” ela se inclina sobre a maca para passar os dedos carinhosamente entre os cabelos dele. “estão iludidos.” Ela ergue um par de olhos azuis escuros em minha direção, “Desculpe por eles.”

“Não tem problema.” Eu só consigo sorrir, sem conseguir olhar na direção das duas pessoas na porta, mas sei que estão me comendo viva.

Temari parece ter grande cuidado por Gaara, então imagino que seja a namorada dele. No entanto, a forma como respondeu as acusações implícitas da mãe e irmão inspirava intimidade e conforto, coisas que uma agregada dificilmente teria.

Ela está muito à vontade, além de não demonstrar sinais clássicos de preocupação com a situação de Gaara. Eu não a conheço, e não deveria estar pensando nisso, desclassificando seus sentimentos em relação a ele, mas sua linguagem corporal e comportamento são muito diferentes de toda a aflição que vejo nos olhos da matriarca.

Ou talvez ela apenas encare a situação de forma mais madura.

“Estou liberada até o resto do dia, então vou poder passar a tarde aqui. Kankuro, mamãe, vocês podem ir para casa almoçar. Devem estar famintos.”

Mamãe

Então ela também é irmã do Gaara, o que explica totalmente o raciocínio que montei momentos antes.

Suspiro, cruzando os braços sobre o peito, enquanto meus olhos se desviam dela até o homem parado na porta, ao lado de sua mãe. É incrível como, mesmo sendo todos irmãos, não existe nenhuma semelhança física entre eles.

Isso me intriga por um momento, até que a conversa deles tome a minha atenção outra vez. “Tem certeza?” Kankuro a testa, e ela maneja a cabeça positivamente, enquanto puxa o cobertor branco para que cubra os pés outrora expostos de Gaara.

“Sim. A qualquer mínimo sinal de mudanças, eu ligarei para vocês.”

“Tudo bem.”

“Estarei de volta amanhã cedo.” A mulher mais velha informa, antes de adentrar a sala e pairar sobre Gaara, observando-o com um ar lastimoso antes que beije a testa pálida. Ela sussurra algumas palavras contra os fios ruivos do filho antes de partir.

Eu estou sozinha na sala com Temari. Ela caminha ao redor da maca, olhos atentos ao irmão, procurando qualquer imperfeição em seu leito.

Enquanto isso, eu permaneço imóvel, me sentindo cada vez mais desconfortável.

Talvez a melhor coisa a fazer agora seja partir.

Eu suspiro profundamente, “Acho que... Eu acho que vou embora agora. Foi um prazer conhecer vocês, e poder ver o Gaara.”

“Não.” Ela diz, sem parar o que está fazendo. “Não precisa ir agora, você acabou de chegar. Ainda não trocamos números, e eu ainda não sei qual é a sua.”

Ótimo. Ela também não acredita em mim.

“Se não acredita em mim, por que me defendeu para sua família?”

“Eu não a defendi, apenas falei a verdade. Gaara realmente tem muitos amigos,” ela se senta sobre a poltrona; com um controle remoto entre os dedos, estica o braço para ligar uma televisão embutida à parede atrás de mim. “mas nenhum do tipo que viria o visitar no hospital em um momento desses. Você está namorando com ele?”

Um baque e tanto no meu bem-estar.

“Não,” eu dou alguns passos em direção a porta, observando o corredor por meio de um pequeno cubo de vidro. “nós somos amigos.”

“Sim, claro.” Ela suspira, enquanto procura canais no menu do receptor. “Você sabe... Alguém fez isso com o meu irmão. Alguém podre, que eu quero muito ver preso.”

Isso fazia duas de nós. Mesmo que eu não estivesse fazendo todo o possível para que acontecesse.

O maior problema é que eu não quero esta responsabilidade. Não quero sair da minha vida tranqüila e confortável. Eu gosto de saber exatamente como cada dia da semana será, eu gosto de não ter medo do dia de amanhã.

O que eu vi na quinta-feira à noite acabou com tudo isso. E me provou que nem sempre estarei certa sobre como os meus dias terminarão.

“Eu entendo. Sinto-me da mesma forma.”

Os momentos que se seguem são de completo silêncio. Eu me sinto constrangida, em pé, observando Gaara imóvel e ferido diante de mim, sem poder fazer nada.

Os olhar dela parecem perdido, envolto por um aspecto triste que absorvo com a maior facilidade. Temari parece reviver memórias, e quando percebo uma umidade surgir em seus olhos, viro-me de costas.

Este parece ser um momento tão particular, que me sinto mal em interrompê-lo.

Vir até aqui foi uma má ideia.

“Os médicos dizem que foi mais de uma pessoa.” Ela volta a falar, e o fato não me surpreende nem um pouco, mas olho em sua direção por um momento com as sobrancelhas erguidas, tentando transparecer o contrário. “O número de lesões é muito grande para ter sido apenas um. Ele teria revidado, caso fosse só uma pessoa, estaria menos machucado.

Eu não o vi revidar durante o momento em que presenciei tudo. No entanto, o que eu vi foi só um breve momento. Gaara continuou apanhando não só antes, como depois da minha intromissão.

“Ele despencou de alguns degraus. Bateu a cabeça diversas vezes, e talvez isso tenha causado o traumatismo crânio-encefálico que sofreu.” A este ponto, eu já tinha tido o suficiente. Não quero mais ouvir sobre o prognóstico. “Também sofreu algumas fraturas na costela. Teve lesões graves nos rins, e passou por uma cirurgia bem-sucedida há dois dias. O corte na cabeça não foi tão profundo, mas mesmo assim, ele levou três pontos no couro cabeludo.”

A tremura em sua voz é nítida. Ela está realmente abalada, e disfarçou relativamente bem diante de sua família.

Eu levo seu desabafo para o lado pessoal. Acho que se sente à vontade comigo, de alguma forma, e por isso está se abrindo.

Não consigo articular uma resposta, é tudo tão violento, fruto de uma covardia e frieza sem tamanho. Isso me revolta.

“O meu nome é Temari, caso esteja se perguntando.”

“Sakura.” Eu dou dois passos adiante, parando em frente à mesa, na qual vários jarros e buquês de flores estão dispostos. Abro a bolsa que carrego à tiracolo para procurar uma caneta, e escrever algo no cartão. “Gostaria que houvéssemos nos conhecido sob circunstâncias diferentes.”

Os momentos a seguir passam sem que o silêncio me incomode, afinal, estou ocupada o suficiente pensando no que escrever. Talvez eu deva desejar melhoras sem me identificar, afinal, não somos próximos. Literalmente nos conhecemos naquele momento de desespero, e só.

Ele provavelmente não se lembrará de nada ao acordar.

Inclino-me sobre a mesa, pronta para escrever o que acredito ser adequado.

“Onde você estava?” Temari questiona, trazendo meus olhos de volta a ela por um breve segundo.

“O que?”

“Onde você estava na quinta-feira à noite?”

Pressiono meus lábios e olho para o pequeno cartão ainda em branco. “Eu, bem—”

“Não estou desconfiando de você. É apenas uma pergunta.”

“Hum, tudo bem. Eu preciso ir embora.” Eu digo, enquanto escrevo uma pequena dedicatória.

“Desculpa, foi invasivo.”

“Não, não foi invasivo. Eu só realmente tenho coisas da faculdade para fazer, e preciso voltar.”

Enfio o cartão fechado entre os galhos, e guardo a caneta na bolsa. Eu me viro na direção dela, e comprimo os lábios em um sorriso tímido

“Claro, claro. Tudo bem. Só... bom, eu gostaria que me passasse o seu número de celular.”

Engulo, tentando reprimir minhas emoções desenfreadas. “Por quê?”

“Apenas para manter o contato.” Ela sorri, e se levanta da poltrona, vindo em minha direção com o próprio celular em mãos.

Depois de não responder sua pergunta, negar o número do meu celular seria bem mais esquisito.

“Certo." Eu anuo.

 

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Preciso assumir que o horário em que saí da estação corrobora com a teoria de que ir visitar Gaara foi um erro.

Eu não estou arrependida ou não teria ido, caso pudesse voltar atrás. Pelo contrário, eu não faria nada diferente. Talvez ter inventado alguma mentira sobre o meu paradeiro na quinta-feira à noite, ao invés de mudar de assunto descaradamente e ir embora.

Mas agora são quase sete horas, eu tenho três mensagens de texto do Deidara perguntando onde estou, algumas ligações não atendidas dele e do Suigetsu, estou com fome e medo de percorrer o meu próprio bairro durante a noite, além disso, preciso pensar qual será a grande desculpa que darei ao meu namorado para justificar minha ausência.

Eu odeio mentir para ele, mas certamente o farei.

Por acaso já mencionei o quão terrível é o lugar onde moro?

A única coisa entre o prédio onde moro e a linha do metrô é um muro branco de tijolos. Por isso, de quinze em quinze minutos eu ouço um barulho terrível de ferro velho e engrenagens em movimento. O dia inteiro. Fazendo uma pausa de míseras quatro horas e meia, porque o primeiro metrô passa às quatro da manhã, para transportar os funcionários de uma usina.

Graças à existência desta usina, eu desisti há tempos de manter o meu apartamento limpo o tempo inteiro, e precisei abrir mão da minha própria sede por limpeza absoluta quando percebi que não era viável, visto que, pelo menos vinte minutos após a minha limpeza, tudo já está empoeirado outra vez, e o chão, cheio de fios de carvão.

O preço que se paga por me recusar a cair de joelhos às presidente da fraternidade feminina ou ao presidente da fraternidade mista e conseguir um dormitório.

Ao menos, minha estadia aqui foi o que garantiu a minha amizade com Konan. E por causa disso, morar em um bairro industrial, com fluxo de homens fardados o tempo todo durante o dia, e fluxo nenhum durante a noite deixou de fazer diferença.

Eu suspiro aliviada quando puxo os portões de ferro da entrada do prédio. Não demoro a encontrar Teuchi. Ele está apontando uma mangueira para os canteiros de mato – quase mortos – de seu pseudo-jardim. Ele parece ter roubado a grama de um cemitério, e todas as poucas flores que cria são conservadas dentro de baldes de tinta que ele reutilizou, e estão superficialmente secas.

Algo que tem fortes tendências a piorar, com o péssimo cuidado que ele as dedica.

“Sakura!” ele me cumprimenta ao perceber que tenho planos de passar direto por ele em direção às escadarias.

“Sim?”

“Espere um pouco, ratinha.

Eu paro exatamente onde estou, sentindo o meu maxilar trincar. Esse apelido.

Conversei com Teuchi dezenas de vezes, e em todas elas eu pedi a ele que parasse de me chamar assim. “Teuchi...”

“Venha até aqui, criança.” Ele gesticula com as mãos enluvadas para que eu me aproxime dele, e sem a menor paciência, eu o faço. “Como está?”

Eu cruzo os braços e ergo os ombros. “Bem.”

“E a Morca? Como está se saindo em terras africanas?”

“Bem.”

Morca é o apelido que ele deu à Konan. Ratinha é o apelido que deu a mim. Teuchi dá apelidos a todos os seus inquilinos, e de acordo com ele, são tantos que tentar memorizar todos os nomes seria loucura. Por isso, ele usa apelidos.

No entanto, não parece ter problemas de esquecimento com eles, o que é controverso.

“Então, o que você quer?” Eu o observo jogar o par de luvas laranjas sobre o ombro esquerdo, e esfregar as mãos cheias de terra. Ele é realmente folgado, tomando todo este tempo para dizer o que quer e achando que tenho todo o tempo do mundo.

Ele suspira. “Como está a relocação do apartamento?”

“Ótima.” Eu minto.

“Alguma pretendente?”

A pergunta faz com que eu franza as sobrancelhas. Em momento algum deixei que visse minha lista de requerimentos, então não havia como ele saber que especifiquei o gênero da futura moradora.

A menos que Deidara tenha o contado algo, o que duvido, visto que Deidara não o suporta.

“É um charlatão. Nojento, faz qualquer coisa por dinheiro. Basta olhar para ele.” Já cansei de ouvi-lo usar estes adjetivos para classificar Teuchi.

“Não. Por quê?”

Ele corre os dedos sujos pelas madeixas, e eu tento conter a aflição que imaginá-lo tirando terra do cabelo me trás.

Teuchi ri, parecendo incomodado por algo. “Um rapaz veio até aqui no domingo procurando por você—”

Claro.

“Sim, eu sei.” O interrompo.

“Ele me mostrou a propaganda que deixou no mural da faculdade. Não pude deixar de notar que você exigiu mais de quinze modelos comportamentais para alguém que vai morar em um loft pequeno em um bairro de classe média baixa, a um valor irrisório...” ele para quando percebe o suspiro profundo que sai por meus lábios. “Eu não estou dizendo que você não pode fazer as suas exigências; eu estou dizendo que, com tantas, ninguém virá conhecer o loft.

Ótimo. Exatamente o que eu quero.

“Teuchi, se as pessoas hoje em dia são imundas e não podem passar por requisitos tão simples, eu sinceramente não vejo como a culpa pode ser minha. São requisitos mínimos.”

“Tenho certeza que nem mesmo você se encaixa em todos os seus requerimentos.” Ele contra-argumenta, e eu não posso fazer nada além de tentar inutilmente conter o vazamento de toda a impaciência que estou sentindo em minhas feições.

É óbvio que eu não me encaixo, é óbvio que a lista está exagerada. Porque eu não quero novos inquilinos, para começar.

“Você provavelmente está certo...” levanto os ombros, fazendo pouco caso.

Tenho certeza que nada disso adiantará, e que em breve ele me pressionará outra vez para que eu ‘alivie’ as rédeas e enfim, conseguir outra pessoa.

“Você podia facilitar as coisas e simplesmente me entregar as chaves do apartamento. Posso colocar anúncios nas grades do prédio, ligar para pessoas. Eu conseguiria alguém ainda esta semana. Você não teria que se preocupar com isso, ratinha.”

“Não,” eu o interpelo quase rapidamente demais. De forma alguma. Alguns móveis lá dentro são de propriedade da Konan, e eu não quero uma dezena de eletrodomésticos ocupando mais espaço dentro do meu pequeno apartamento, tampouco alguém de fora usando as coisas dela. “não se preocupe, Teuchi, eu vou passar um pente fino na lista e quem sabe remover algo que ultrapasse os limites.”

“Tudo ultrapassa os limites. Inclusive limitar os moradores por gênero, não fazemos este tipo de coisa por aqui—”

Coloco minha mão esquerda sutilmente sobre seu ombro, sorrindo de forma autoconfiante. “Não se preocupe, velho. Vou conseguir alguém.”

“Antes do fim do mês?”

“Talvez.”

“Definitivamente antes do fim do mês, Sakura.”

"Eu disse talvez."

Eu dou as costas para sua silhueta antes que ele possa me ver revirar os olhos. Eu não entendo o porquê de toda a pressa, até que comece a subir o primeiro bloco de escadas.

Tudo parece bem claro agora. Ele é um mercenário.

Todo o prédio está ocupado há um bom tempo, pessoas que pagam os mesmos preços fixos sem qualquer tipo de comprovante, apenas entregando o dinheiro vivo nas mãos dele mensalmente, ou por cheques. Ter um quarto livre pode significar muito, afinal, ele pode extorquir pessoas usando disso.

A simples desculpa de que a antiga moradora em breve voltará pode ser usada para cobrar um extra.  O fato de que será um forasteiro, alguém ignorante de como as coisas funcionam por aqui também. Teuchi está louco para aumentar o preço do loft e lucrar mais encontrando seu próprio inquilino do que deixando a atividade em minhas mãos.

A pessoa que vier morar aqui sob minha influência pagará a mim, e eu tirarei a parte dele – o preço regular do imóvel – mantendo um pequeno lucro, teoricamente, para mim. O que não é verdade, visto que mandarei tudo que sobrar para Konan.

A pior coisa sobre tudo isso é que ele tem o poder de tirar as chaves de mim. Ele é o dono do prédio. E eu vou mantê-lo em águas mornas até quando for possível, já que definitivamente não revisarei as regras, e definitivamente não sairei pela faculdade em busca de meninas desabrigadas, suplicando para que preencham a vaga.

Estou contando apenas com a paciência dele, já que é inevitável ter alguém morando no apartamento da frente.

 

 

A porta está destrancada. E esse é um sinal de que Deidara está aqui.

“Amor?” eu o chamo, enquanto fecho a maçaneta atrás de mim. Passo a alça da bolsa transversal sobre minha cabeça, deixando-a na mesa para vasculhar os dois cômodos e descobrir onde ele está.

Eu o encontro dormindo. Ressonando suavemente sobre minha cama, em seu hábito que me incomoda profundamente: ele não é adepto de cobertores.

Sorrio, exausta e, de alguma forma, aliviada. Ver um desconhecido naquele estado realmente mexeu com a minha cabeça de formas que eu não imaginaria. Os últimos dias foram extremamente fora da minha zona de conforto, eu fui bombardeada por novos rostos, milhares de teorias, desconfortos e além. Então tudo que preciso agora, realmente, é de um rosto familiar.

Tiro as sandálias e puxo o sutiã sob a camisa, jogando-o dentro da primeira gaveta da cômoda. Abro o botão da calça e puxo o zíper para baixo, deslizando o jeans por minhas pernas até que eu o pise, com preguiça de me agachar para pegá-lo e dobrá-lo com minuciosa paciência.

Deito-me sobre ele sem o menor cuidado, já que minha intenção é, de fato, acordá-lo. Mas ele continua ressonando como uma pedra, e eu acho igualmente fofo e engraçado.

“Ei,” eu sussurro, beijando a sua bochecha. “ei, professor. Acorda.”

Ele franze as sobrancelhas, ainda de olhos fechados. Os ruídos preguiçosos que escapam através de sua garganta denunciam que está exausto, porém acordado. “Acorda, princesa.” Eu o provoco.

Isso teria o feito sorrir, mas não é o que acontece.

Pelo contrário, ele abre os olhos e me fita com um ar de repressão que faz com que o meu bom humor esmaeça no mesmo segundo.

Observo seus olhos azuis e sonolentos, tentando absorver alguma informação e assimilar o que eu fiz de errado.

Não levou muito tempo até que eu soubesse exatamente o que.

“Onde você estava?” é o cumprimento dele. “Eu liguei para você a tarde inteira, deixei inúmeros recados.”

Onde eu estava. Uma ótima pergunta.

Suspiro profundamente, olhando em seus olhos de forma ininterrupta. Ganhando tempo e ao mesmo tempo descobrindo se ele realmente quer levar tudo isso adiante, quando nós dois acabamos de fazer às pazes.

Por favor, não.

Eu não quero mentir para ele, mas também não quero falar a verdade. O meu celular está no silencioso, porque eu estava dentro de um hospital. Logo, não ouvi coisa alguma.

Ele não tem motivos para ficar irritado, eu não menti para ele. Ele sabe o que eu vi, mas não sabe o quão mal estou reagindo a isso.

“No mercado, comprando algumas coisas.”

Ele esfrega o rosto com a mão, demonstrando impaciência. Parecia pouco satisfeito com a minha resposta.

E eu fico com medo de toda esta situação ter me tornado transparente assim. De ter desaprendido a mentir.

“Comprando algumas coisas?”

“Sim.”

“Comprando algumas coisas?” Ele pergunta outra vez, mas desta vez não respondo. Molho os lábios, sem saber se ele realmente queria uma resposta para isso, mas ele continua. “Quando foi que mentir para mim se tornou ‘ok’? Quando é que mentir, em qualquer caso, se tornou ‘ok’ entre nós dois?”

Eu me apoio ao peito dele para sair de cima de seu corpo. Com certeza nós vamos voltar a brigar agora. “Você está sendo dramático.”

Ele começa a rir, de um jeito que traduz melhor do que qualquer outra coisa o quão aborrecido está, e eu sinto vontade de afundar minha cabeça entre dois travesseiros, porque não estou com a cabeça nos trilhos para iniciar uma discussão com ele agora.

“Você preferiu me chamar de dramático ao invés de dizer que não e me contar a verdade. Não respondeu a minha pergunta, logo, tenho que presumir que mentiras estão ‘ok’ de hoje em diante, certo?”

“Não!” eu grito, observando-o totalmente transtornada. “Não está ‘ok’, nunca foi ‘ok’. Mil vezes eu poderia ter mentido para você e eu sempre optei não mentir, espero que seja recíproco, mas, sério, eu não preciso dar satisfações de cem por cento do que eu faço com a minha vida ou para onde vou!”

Esta é uma das vezes em que eu só percebo que passei do ponto imediatamente após passar. Então eu me preparo para pedir quantas desculpas forem necessárias, mas ele está colocando a blusa, e certamente vai embora sem que eu possa fazer nada para impedir. Porque é sempre assim.

“Então eu tenho que parar de ser o único idiota aqui dando satisfações e falando absolutamente tudo a você, não acha?”

Quando ele está com raiva de alguma coisa, ele está com raiva de alguma coisa.

“Desculpa.”

Eu tento tocá-lo quando ele passa por mim em direção à saída, mas ele estapeia minha mão para longe. “Desculpa, eu estou pedindo desculpas!”

Eu corro em direção à porta para chegar antes dele e fechar a saída com o meu próprio corpo, e parece adiantar, já que ele não me puxa para o lado ou faz qualquer tentativa de me tirar dali. Sua pequena explosão parece tê-lo arrematado de forma que ele não me toca outra vez, provavelmente arrependido de sua própria atitude.

Meu peito sobe com um profundo suspiro, e eu decido ir com a verdade. Não sei qual seria a pior das hipóteses, então realmente preciso esperar para ver a sua reação, e a partir daí fazer alguma coisa.

“Eu fui até o hospital. Eu fui até o hospital, porque eu queria vê-lo. Gaara. Eu queria saber como ele está, isso é tudo.”

Seus olhos azuis perscrutam meu rosto, avaliadores. Eu tenho certeza que ele acredita em mim agora, porque seus ombros caem e o aspecto irritadiço em seu olhar desaparece, mas mesmo assim, ele permanece sério.

A verdade também não o agradou, mas ao menos era a verdade.

Também havia a parte em que Temari acredita que tenho algum envolvimento romântico com seu irmão, mas esta parte ele não precisa saber, definitivamente não.

“E como ele está?” ele questiona. “Ah, me deixa adivinhar. Mal, certo? Ele está fodido, em coma. Nada que você não soubesse.”

“Eu queria ir até lá. Então eu fui.”

Ele fecha os olhos e exala pela boca. Então me olha outra vez, e eu sei que está em uma pequena batalha interna sobre como proceder agora. “Desculpa,” e eu pioro o seu conflito.

“Porra,” ele me abraça, “não consigo ficar zangado com você.” Dou uma risada aliviada, e ele beija meu cabelo. “Tudo bem, se você é masoquista e quer ir até lá, o problema é seu. Mas podia ter me chamado, eu teria ido junto.”

“Não pensei muito bem...”

“Aliás, eu teria preferido que você chamasse. Eu teria preferido que você dissesse que tem esses planos idiotas na cabeça, perguntasse a minha opinião.”

“Você ia tentar me convencer a não ir.”

“Sim, porque eu sou mais velho e entendo um pouco mais sobre a vida do que você. Tenho milhões de motivos pelos quais você devia se poupar de tudo isso. Estou falando sério.”

“Eu sei que você é velho, não precisa me lembrar disso.” Eu o provoco, mas ele apenas me observa por cima do ombro enquanto se afasta outra vez em direção à geladeira. “Pode dizer quais são os motivos? Eu queria ouvir.”

“Obviamente você não quer ouvir nada,” ele abre a portinha do freezer, tirando uma lata de cerveja – que, por sinal, não me lembro de ter comprado. Isso me leva a crer que ele mesmo as comprou por iniciativa própria e trouxe para cá – e destravou a tampa. “mas vou falar mesmo assim: toda essa merda está mexendo com o seu psicológico.”

Minha primeira reação é torcer os lábios e acusá-lo de estar exagerando, mas ele continua ao perceber a feição no meu rosto. “Mexendo de uma forma ruim. Você está um porre, todo o seu comportamento físico, o seu rosto, suas atitudes, tudo. O que você viu está atrapalhando você, como uma pequena semente germinando dentro da sua cabeça, porque você é curiosa e teimosa, e vai tentar enfiar o nariz em lugares que não deve. Para sua sorte, eu não vou deixar você fazer isso.”

“Graças a Deus que eu tenho você, não é mesmo?” Eu brinco, e ele ri.

“Você é tão sortuda.”

Ele volta, chegando por trás de mim e encostando todo o seu corpo ao meu. Eu mordo uma risada, sentindo-o passar os dois braços por minha cintura e pressionar o seu quadril ao meu traseiro enquanto uma de suas mãos segura a minha e a outra fecha os meus dedos ao redor da lata.

“Amor, você precisa ir até a polícia.” Ele murmura, sua voz abafada pelos meus cabelos. “Você está deixando tudo isso chegar até a sua cabeça, e daí em diante só piora. Falar com eles, dizer tudo que você viu e ajudar de alguma forma pode fazer você esquecer tudo isso e voltar ao normal.”

Eu não queria pensar dobre Polícia, porque quando não quero tomar decisões difíceis, eu evito a todo custo pensar sobre elas. Mas ele está certo.

Eu estou sedenta demais por respostas, e não tenho tempo a perder com assuntos que não me dizem respeito, então eu provavelmente deveria, sim, agir como uma pessoa normal e buscar quem pode fazer alguma justiça ao invés de me manter calada.

Mas ao mesmo tempo as palavras que Gaara me disse conseguem reverter tudo o que ele disse, transformando uma atitude moralmente correta em um absurdo. Como se eu estivesse envolvida naquela situação o bastante para me importar com algo que ele disse mesmo antes de perder a consciência.

Contudo, eu não posso viver a minha vida em função dele. Não posso pensar em Gaara e no que aconteceu mais do que eu já tenho pensado. Preciso que a minha vida retome o seu rumo, e já passou da hora de tomar uma atitude.

Deidara está certo.

“Você tem razão.” Eu respondo.

“Sim, eu tenho”

 

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Eu não quis sair de casa outra vez ontem.

Deidara ficou comigo o resto da noite e dormimos juntos. Ele foi embora durante a manhã, afinal tinha aulas para dar. E como nós dois não podíamos chegar juntos à faculdade, ele saiu primeiro. É realmente um saco não poder ir de carro junto do meu namorado, quando nós dois tínhamos o mesmo destino, mas são os pesares de ele ensinar na mesma faculdade na qual estudo.

Não podemos ser vistos juntos lá. E apenas alguns de nossos amigos próximos sabem do nosso relacionamento.

Eu tomei o metrô, como sempre faço.

De qualquer forma não foi efetivo ir à faculdade hoje. Eu não queria ir até a polícia, mas o meu namorado conseguiu me convencer de que é o melhor a fazer, então eu pensei nisso durante todo o tempo, e assisti apenas à revisão dos dois primeiros horários.

Saí mais cedo. Outra vez.

Agora determinada em ir até a Delegacia e tirar todo este peso das minhas costas.

Dentro do táxi, o celular vibra rapidamente em minhas mãos, e eu me surpreendo em seguida, ao ler a mensagem sem desbloquear a tela.

‘Oi, sou eu. Temari. Estou te enviando isso para você salvar o meu número aí. Espero que esteja tendo um bom dia, beijos.’

Suspiro, optando por fazê-lo outra hora.

Estou me sentindo culpada o bastante por estar indo até a delegacia sem avisar ao Deidara, mas eu não quero o atrapalhar, pois sei que está dando aula.

Mas ele ficaria com raiva se eu nem ao menos o avisasse de alguma mísera forma, então o envio uma mensagem breve, apenas alertando-o de que estou a caminho da delegacia e que o ligaria assim que saísse.

Espero que ele não veja a mensagem agora.

Tecnicamente não é mais ‘escondido’ se eu o avisei, então isso alivia a minha consciência o suficiente para que eu decida como e o que falarei a quem tomar o meu depoimento.

Lembro que ainda tenho o vídeo salvo, e rapidamente alcanço a pasta de vídeos no meu celular para assisti-lo.

Eu estava nervosa, posso ouvir minha própria respiração ofegante e os barulhos abafados dos chutes, mas a imagem está péssima porque eu aumentei o zoom até o máximo, era noite e eu também estava tremendo.

Mesmo assim, ainda serve como prova. Eu posso provar que foram dois homens que o fizeram, e talvez isso dê um pontapé necessário à investigação.

O taxista para em frente ao prédio policial, em uma das vagas reservadas para viaturas. Eu saio rapidamente do carro e vou até o lado da janela do motorista para realizar o pagamento, pois se ele levar uma multa, eu não quero que em hipótese alguma ele tente descontar de mim o valor.

Finalmente sozinha, eu fico parada na calçada do cruzamento como um pingüim, observando o vasto prédio diante de mim. Estacionamento cheio e civis circulando pelo local normalmente enquanto eu observo a placa na qual está escrito Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio como uma mera criança que está aprendendo a ler.

Eu suspiro, e começo a caminhar. Faço meu caminho em direção à entrada, observando as imediações, ouvindo parte da conversa de uma mulher com um guarda fardado, vendo uma idosa passar tranquilamente com um cachorro grande.

Eu ouço a buzina de um carro soar em minha diagonal, mas continuo o meu caminho a passos largos. Continuo a caminhar entre os carros em direção ao pavimento com tranqüilidade, até ouvir a buzina outra vez.

E outra vez. E outra vez. E outra vez.

Tiro a franja da testa, começando a ficar irritada com todo este barulho. Mas a buzina soa novamente, e eu começo a ficar curiosa.

Paro, segurando a alça da minha bolsa com força e girando sobre meus próprios pés para olhar ao redor.

Algumas pessoas também parecem procurar o autor de todo o estardalhaço, mas acredito que nenhuma delas o conhece.

Eu, porém, conheço.

O peso do mundo inteiro parece cair sobre minha cabeça quando eu vejo o rapaz loiro do ponto de ônibus sentado no banco do motorista de um carro antigo. Um clássico Toyota Celica 1978 de cor laranja que se destaca talvez até demais diante do mar de carros pretos, pratas e brancos neste estacionamento.

Eu prendo a respiração em meus pulmões quando ele acena para mim e sorri lá de dentro, de forma tão doentia como se fôssemos amigos, e eu sinto que seria capaz de um assassinato se estivesse carregando uma arma.

Sinceramente, eu quero carregar uma arma. Acredito que agora é uma questão de necessidade, acima de tudo.

Aperto o celular entre minhas mãos, pensando se devo ou não ligar para o meu namorado e avisar que isso está acontecendo, mas lembro que estou na frente de uma delegacia, e isso de alguma forma me deixa mais tranqüila.

Tranqüilidade. Como se fosse possível.

Eu estou arrasada quando decido manter minhas emoções para mim e voltar a caminhar. Eu não sei o que esse cara está fazendo aqui, mas sem dúvidas, pedir proteção policial será uma das coisas que eu farei após confessar tudo que vi.

O momento de calma dura pouco. Ao menos até que eu chegue ao pavimento e perceba uma silhueta masculina sentada nos degraus azuis que levam às portas da delegacia.

Eu não quero pensar nas coisas que estou pensando, mas minhas mãos estão suando com a mera possibilidade.

Meu cérebro repete a palavra “calma” como um mantra, mas eu não consigo. Eu não consigo me manter calma, porque ao avançar mais alguns passos, meus olhos confirmam o que eu já desconfiava.

O rapaz que bateu à minha porta na tarde do sábado está ali, sentado confortavelmente. E, com certeza, não é nenhuma coincidência.

Eu sinto o peso de seu olhar em mim, mas não o olho de volta. Preciso manter a compostura mesmo quando o meu estômago parece se comportar como um vórtice; mesmo quando eu posso jurar que vomitaria por puro nervosismo se algum deles se aproximasse de mim.

Porque eles, os dois, encaixam nos perfis que tracei outrora, ao assistir o vídeo pela segunda vez. Dois homens altos, esguios, um deles de cabelos mais longos.

Exatamente como ele. Como Sasuke Uchiha, o homem que olhava para a minha porta como um terrível empecilho para que colocasse as mãos em mim de uma vez, o homem que me encarou como se quisesse levar a minha alma fora de mim enquanto eu tentava observar a cena do crime.

Eu não quero fazer julgamentos precipitados, mas no momento, os dois estão no topo da minha lista de suspeitos.

No entanto, lembrar que o medo que sinto deles é recíproco faz com que eu recupere um pouco de confiança. Não sei o que querem comigo, e também não quero saber, mas o motivo existe.

Ele se levanta antes mesmo que eu possa alcançar os degraus, e caminha em minha direção. Estou decidida a gritar e fazer um escândalo, mas quando ele para na minha frente, calado, apenas me observando com o seu par de olhos perfurantes, a voz parece sumir do meu corpo, e eu fico em silêncio, com os olhos arregalados, atenta ao menor sinal de movimento brusco que faça.

Ele não seria louco. Estamos a alguns metros da entrada de uma delegacia.

“Eu achei que você tinha um pouco mais de consideração pelas pessoas...” Ele murmura.

Eu não preciso ficar aqui e conversar. Eu posso simplesmente passar por ele e entrar, ele não teria como me impedir sem atrair a atenção de todos os oficiais lá dentro, eu estaria segura.

Mas a minha curiosidade sobrepõe à voz da minha razão.

Seus lábios se curvam em um pequeno sorriso, e ele dá três passos adiante, tirando algo do bolso de sua jaqueta. Os seus olhos não deixam os meus nem mesmo por um segundo, e eu penso que se ele tirar uma arma dali, todos os ouvidos presentes nos próximos quarteirões ouvirão a intensidade do meu pânico.

Mas, surpreendentemente, ele tira uma tiara de lá. A tiara que eu deixei cair enquanto corria por minha própria vida, na quinta à noite.

E não estou surpresa quando confirmo com cem por cento de certeza que foram eles dois. Sasuke e Naruto. Eles fizeram aquilo com Gaara.

“Foram vocês...” eu murmuro em um fio de voz.

Ele invade o meu espaço pessoal, seu rosto pairando acima do meu, enquanto ele coloca a tiara em minha cabeça. As mãos leves me levam a lembrar do rosto machucado de Gaara, pensar em como é possível. As mesmas mãos que agem agora com certa candura foram capazes daquilo.

Eu não encontro forças para pedir que ele fique longe de mim, pelo contrário, meus olhos estão nos meus pés, e eu estou vendo as minhas mãos tremerem fora do meu controle.

“Ele não disse a você? Eu sei que disse.” Ele continua, e eu ergo o olhar para observá-lo, tão mais alto que eu, e plenamente distraído com o que está fazendo. “Você ouviu o que ele disse, não é?”

Trazer esta tiara e me confrontar aqui com ela era a sua maneira implícita de assumir o que fez. De tirar qualquer dúvida que ele sabia que eu tinha na minha cabeça e me presentear com a certeza de uma vez por todas.

Isso prova que, assustadoramente, ele quer que eu saiba que fez, de fato, o que fez.

“Responda.”

“Sim.”

Ele baixa a própria cabeça, até que seus olhos estejam nivelados com os meus. “Então o que você está fazendo aqui?”

 

 


Notas Finais


Hmmmm

Até a próxima, gente.


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