Não, eu não dormi absolutamente nada naquele dia.
Nem no próximo.
Foram duas noites em claro, sozinho e me debatendo com os meus pensamentos. A procura pelas respostas que eu tanto necessitava era desgastante e me deixava cada vez mais confuso. Me sentia perdido e começava a não me reconhecer, como se toda a minha vida fosse apenas uma mentira mal contada, me sufocando e agonizando.
Havia descoberto a verdade sobre Gerard e isso me fazia repensar minha vida, como ela podia ser mil vezes pior. Também tinha a situação da Ruby, que eu havia visitado mais uma vez somente, apesar de querer passar todos os meus dias ao seu lado, cuidando dela, pois a garota tinha que e iria melhorar, eu sabia disso.
E então tinha Josh.
Josh, Josh e Josh. Era tudo em que conseguia me concentrar . O menino havia dominado os meus pensamentos por completo com as perguntas vindas do que o ruivo havia imposto dois dias atrás. Eu queria Josh por perto, seus toques, seus abraços, suas palavras e sua risada; pensava infinitamente no sonho, nos seus lábios pressionados contra os meus, sua língua invadindo brevemente a minha boca, e eu desejava tudo isso e mais. Tyler, cala a boca. Eu estava realmente gostando dele? Eu realmente gostava de meninos?
Isso não podia estar acontecendo.
O meu celular me assusutou quando o alarme tocou, emitindo aquele barulho característico, agonizante. Apesar de meus olhos já estarem abertos, eu queria só poder virar para o lado, dormir e nunca mais acordar. Após cinco minutos me revirando, decidi que estava na hora de levantar. Bom, era o meu aniversário hoje, e eu odiava isso. Pessoas me ligando, falando comigo o tempo todo, muita atenção em cima de mim e me parabenizando por estar envelhecendo, como se isso fosse uma conquista maravilhosa e inatingível.
Me rebati mais um pouco, desistindo de levantar. Afinal, era sábado, não tinha nada para fazer, somente me encontrar com Josh no fim do dia. Josh, ugh. Seria melhor evitar as pessoas o máximo o possível hoje.
— FELIZ ANIVERSÁRIO. — Ouvi um grito, bem próximo do meu ouvido que chegou a doer. Virei para o lado e notei o menino ruivo com seus olhos verdes bem próximos aos meus, que me deu mais uma surpresa. Ah não, havia começado.
— Hey. — Virei meu corpo inteiro, me espreguiçando aos poucos. — Valeu. — O dia não podia ser tão ruim, não é?
Ah, podia.
— Parabéns pra você... — Minha mãe, meu pai, Jay e Zack invadiram o meu quarto, segurando um bolinho na mão, com uma vela acesa em cima, cantando parabéns. Tive que me sentar enquanto eles colocavam o doce no meu colo. Batiam palmas e esfreguei meus olhos para acordar direto. — ...Muitas felicidades, muitos anos de vida. — Então o ar foi invadido por um “uhul” coletivo e meus pais me deram um pacote de presente, que descobri serem alguns CDs de bandas que eu gostava muito, agradeci, feliz com o ato e o ganho.
— Faz um pedido, Tyler. — Minha mãe disse, fazendo referência à vela. Me aproximei e pedi uma única coisa enquanto soprava a chama: Por favor, mas por favor, que eu e Gerard e todo mundo esteja enganado em relação a mim e Josh. Por favor.
Apesar de eu acreditar em qualquer tipo de superstição, eu sabia que elas nunca funcionavam.
E lá estava eu, abraçado com o Josh na porta da casa dele enquanto nossas mães se fitavam. Estava esfriando cada vez mais e o seu calor transmitia muito conforto para mim. Suas mãos enroladas na minha cintura e as minhas no seu pescoço, e a gente não soltaria de maneira alguma.
Ah, agora eu entendi o porquê da minha mãe achar que eu sou gay.
Ugh, a mãe do Josh está olhando com cara de nojo.
— Parabéns, Ty. — Josh sussurrava no meu ouvido, bem baixinho, sempre trazendo aquele formigamento bom por todo o meu corpo. Oh não, talvez agora eu entendesse o motivo por me sentir assim. Shiu, cérebro, você não está gostando de Josh. — Feliz aniversário. — Seus braços começaram a subir pelas minhas costas, seu corpo grudando mais ao meu e ahhh... Talvez eu esteja gostando dele um pouquinho sim... NÃO, PARA. Me separei dele no mesmo instante, o garoto ficou um pouco curioso da minha ação. Sua mãe me parabenizou rapidamente, então subimos nós dois para o quarto.
A mesma bagunça adorável de sempre. As roupas amassadas em cima da cama desfeita, o chão sujo e os controles embolados nos outros fios, mas eu amava tudo isso, o ar reconfortante que me trazia, quase se fosse o meu próprio quarto.
— Sente-se. — Josh ordenou, enquanto saia do quarto correndo — Já volto.
Fiz como ele mandou, a curiosidade me consumindo aos poucos.
Logo depois o menino voltou e eu pude observá-lo na porta um pouco mais. O seu cabelo ainda vermelho, mas nunca ficava tão vivo quanto o de Gerard, e eu gostava disso. Era um tanto mais discreto e escuro, coberto pelo boné virado para trás de sempre; usava uma roupa bem simples preta. Meus olhos seguiram até suas mãos, que se revelaram após estarem escondidas atrás do corpo, mostrando um pacote de presente relativamente grande, embrulhado em papel preto brilhante. Eu sabia o que era.
Não tinha como eu não estar feliz comigo, ele havia até comprado um presente, e grande! Pensando no passado, nunca tive nenhum amigo para me dar algo no dia do meu aniversário. Talvez meu conceito sobre esse dia estivesse mudando um pouco.
— Josh...
— Não fale nada, só abra. — Ele se aproximou, entregou o pacote para mim, então se sentou ao meu lado, ansioso com a minha reação.
— Não acredito que comprou um presente, seu idiota. — Eu disse com certa ironia, pois estava mais do que feliz com ele por ter feito isso. Peguei o embrulho e puxei o papel, acabei rasgando-o. Quando comecei a notar a caixa por debaixo foi quando tive certeza de quão óbvio que era por seu formato alongado. — Josh, eu... — Tive total visão da caixa, então comecei a abrí-la encontrando o instrumento preto e branco dentro. — ...te odeio. — Ele riu.
— Bom, você disse que sabia tocar piano mais ou menos, e eu falei que poderia te ensinar. Obviamente, eu não tenho dinheiro para comprar um piano, e acho que nem caberia na sua casa, então achei que um teclado seria uma boa opção. — Minhas mãos passavam pelas teclas novinhas, reluzindo o brilho branco. — Você vai ter que trazer sempre aqui, mas não será um problema. Depois a gente vai poder... — E deixei o instrumento no canto da cama e me joguei para cima dele. É, talvez não tenha sido algo tão bom a se fazer. Eu havia caído em cima dele, deitado e abraçando ele na cama. — AH. — Ele levou um breve susto. — Okay...
— Não acredito que comprou algo tão caro assim para mim, além de todo o valor sentimental por trás, de você querer me ensinar. — Meus braços apertavam o seu pescoço e meu corpo havia colado completamente no seu. Nossos peitos juntos, nossos quadris, só a minhas pernas que acabaram em volta das deles. Suas mãos tocaram a minha cintura, o que me fez estremecer. A gente podia estar na posição mais gay possível do universo, mas eu me sentia tão bem, todos os toques tão bons de serem sentidos. Talvez eu... fosse realmente muito gay e estivesse gostando do Josh, talvez não, a única coisa que eu sabia era que estava gostando de ficar em cima dele daquela maneira, então ficaria sem questionar. Espremi meus olhos já que encarava a almofada, me privando de sentir qualquer outra coisa ao não ser o seu corpo, o seu cheiro doce e forte e a sua respiração quente na minha nuca. — Obrigado, Josh, obrigado mesmo.
Meu corpo parecia ter se preenchido por fogo, fazendo meu coração acelerar mais do que eu achei que fosse biologicamente e fisicamente possível.
— Você não precisa agradecer. — Josh sussurrou. — Ty... Tyler?
— Eu?
— É... eu, hm... — Não era impossível, mas completamente incomum da parte dele de gaguejar, sempre tão confiante e certo, então acabei estrando um pouco. — Eu ode-odeio pedir isso, mas... te-tem como você sair de ci-cima?
— Por que? — Indaguei, completamente alienado do surgimento daquele pedido. Não era ele que sempre me abraçava e havia me empurrado para deitar junto?
— PORRA Ty, eu... — Me afastei, me apoiando com as duas mãos do seu lado, podendo ter uma visão do seu rosto e entender o que estava acontecendo. Seus olhos estavam cerrados com força e ele mordia o lábio. — É só que... o meu corpo está fazendo questão de reforçar para mim que sou adolescente, e... gay.
— Ah. — Soltei um suspiro de surpresa. Eu não sabia o que estava esperando, mas definitivamente não aquilo. Josh realmente havia ficado... por minha causa? Me odiava por amar o que havia acontecido. Não pude evitar uma risada baixa na sequência.
— ISSO NÃO É ENGRAÇADO. — Disse irritado, abrindo os olhos. — Por favor, eu estou pedindo.
— Okay, okay. — Me empurrei para o lado, saindo de cima dele e sentando ao seu lado. Ele fez o mesmo e imediatamente pegou uma almofada do chão e colocou no seu colo. Eu ri mais uma vez, podendo perceber o quão envergonhado que Josh ficou.
— Um... Desculpa? — Falou evitando me olhar.
— Não se desculpe. — Não? Não era disso que você tinha medo pouco tempo atrás, Tyler? Esse tal medo parecia estar deixando o meu corpo. — Estou até me sentindo lisonjeado.
— Lisonjeado?
— Eu disse que você me desnorteava... — Soltei o ar pelo meu nariz de uma só vez, demostrando o quanto a situação era engraçada. — Josh, você acabou de quase ficar duro por minha causa, não vou negar que estou me sentindo um máximo, melhor presente de aniversário.
— A gente não pode esquecer disso? — Ele olhou para as mãos apoiadas na almofada, refletindo. — Do que aconteceu? — Mexia seus dedos freneticamente, nervoso. Era estranho como havíamos trocado de papéis, geralmente eu seria o ansioso e tímido.
— É, você está certo, devíamos ignorar e esquecer que aconteceu. — Apesar de essas serem as minhas palavras, eu não cumpriria com o dito. Iria lembrar de cada detalhe do evento, o fato de não ter exatamente o sentido mas notado o desespero em seus olhos, de como eu gostava de tudo que estava acontecendo. Joshua tinha tesão por mim e eu nunca deixaria isso esvanecer das minhas memórias, era um daqueles fatos que nunca poderiam se tornar obsoletos. — Você não quer ir tomar banho... frio ou algo do tipo?
— Não preciso, já passa. Valeu, vamos mudar de assunto. — Ele sugeriu e eu assenti. — A gente podia... jogar ou ver Netflix, ou conversar... O que você quer?
— Seria bom conversar.
— Certo, sobre o que?
— Você acabou de ter a sua confirmação gay, não? — Eu não queria fugir do assunto, e ele não se incomodou em responder.
— Hm... Já tinha tido outras antes, mas sim também. E você que estava confuso já teve a sua? — Eu deitei na cama e respirei um fundo, não sabendo como eu omitiria todas as minhas emoções na próxima fala.
— Já. — Coloquei a minha mão na nuca, apoiando minha cabeça na cabeceira.
— Como? — Josh se deitou ao meu lado, ambos nós fitando o teto branco e a luminária bege.
— Não quero dizer isso para você. — Simples, curto e grosso. Talvez funcionasse.
— Tudo bem, entendo.
— Josh, isso não é errado? — Indaguei me espreguiçando. — É que eu sou cristão sabe, e eu acredito mesmo na Bíblia e eu amava ir na igreja. E todo mundo diz... que é errado.
— Ty. — Josh parecia um pouco incomodado com assunto. — Eu também sou cristão, apesar de não ser cem por cento fiel. Só acho que se Deus disse que todos devem ser amados, assim que deve ser. Já foi comprovado que a Bíblia tem algumas partes mal traduzidas e mal interpretadas. Não se importe com isso, não é errado.
— Mas...
— Você está com medo, eu sei. — Sim, muito. — Eu também estou. Nunca falei nada para meus pais e aposto que a minha mãe vai surtar, nunca vou conseguir colocar um pé na igreja novamente, ou até em casa. Não gosto de ser assim, acho que ninguém realmente gosta. Os tempos podem ter mudado, todos são muito mais abertos em relação a isso, mas o preconceito prevalece demais. Esses dias tive a notícia de um menino da minha escola que saiu de coma, qual tinha ficado por ter sido espancado por uns garotos estúpidos implicando que ele era viado. É muito, muito difícil passar por tudo isso, é confuso e aterrorizante ter sido imposto toda a sua vida que se casaria e namoraria uma menina, mas você nem tem certeza se gosta de garotas ou não. — As palavras dele pareciam estar saindo dos meus pensamentos. — Mas sabe Tyler, não importa a opinião dos outros, não importa se é pecado ou não, se vão me olhar torto na rua. Importa é eu e você estarmos felizes não? — Senti a mão dele escorregar pelo meu braço e apertar a minha, então virou a cabeça para me olhar. Eu estava com vergonha de fazer o mesmo, mas acabei olhando para ele mesmo assim. O seu cabelo vermelho ondulado caía sobre um dos seus olhos castanhos brilhantes, um leve sorriso se formava em seus lábios. Ele era lindo, e puta que pariu, eu era muito gay mesmo. Meu corpo tinha voltado a queimar com o simples toque, talvez fosse porque agora eu, merda, sabia que gostava dele. — Nós vamos passar isso juntos e não vamos deixar ninguém nos derrubar pelo o que somos.
SIM, eu repetia na minha cabeça, SIM, SIM E SIM, mas as palavras não saiam da minha boca, hipnotizado com os fatores exteriores. Sim, eu não queria passar por isso, mas queria Josh junto comigo, me apoiando, me consolando, do meu lado. Eu queria Josh.
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