História Reconstrução - Capítulo Um

SARAH

   Dormi mal noite passada, mas isso não me impede de acordar em modo automático. Levantar, ficar pronta para a escola, tomar café com o meu pai e ter certeza que estou sorrindo enquanto faço isso, dirigir até o campus, andar até a sala e ter certeza que estou sorrindo enquanto faço isso.
   Cumprimento as pessas em meu caminho e sorrio como se minha maior preocupação fosse o teste que química que está chegando. Mas em meio a todos os sorrisos que recebo de volta algo chama a minha atenção. Um único rosto sério, me olhando como se pudesse ver através de todas as mentiras que eu mantenho vivas todos os dias, como se soubesse que eu não estou tão bem quanto eu quero que os outros achem. Mas deve ter sido minha imaginação, porque em um segundo o mesmo rosto esta exibindo um sorriso, não dirigido a mim, mas está lá. E como se isso não fosse prova suficiente que eu imaginei, o rosto é de Daniel Garcia. Nós nunca trocamos nada além dos cumprimentos e cordialidades exigidas entre pessoas que não se conhecem, e frequentam uma escola pequena como a nossa.
   Continuo caminhando, chego em minha sala e sento no lugar que considero meu desde o primeiro dia, que não por acaso fica ao lado de Jonas, meu melhor amigo.
   - Bom dia. - ele solta quando começo a retirar minhas coisas da bolsa.
   - Bom dia.
   - Como estamos hoje? - esse é o jeito dele de perguntar se eu estou bem. Ele parou de usar essas exatas palavras faz um tempo, porque sempre que eu ouvia essa pergunta vindo dele, meus olhos se enchiam de lágrimas.
   - Indo Jonas, indo. - e simples assim ele dá o assunto por encerrado. Essa é uma das coisas que mais gosto nele, ele não me cobra, ele não espera que eu derrame meu drama sempre que ele menciona a questão, ele só deixa claro que está ali, disposto à ouvir quando eu quiser falar.
   - Então... - ele começa. - Vai ter uma festa na sexta- eu começo a protestar mas ele me corta.- Apenas me escute! Eu sei que você não está no clima, mas pode ser algo bom, você sabe, dançar. Já faz tanto tempo...
   Eu sei o que ele quer dizer. Dançar sempre foi importante pra mim. Quando eu estava animada sobre algo, eu dançava, quando eu estava feliz ou triste, a dança sempre teve esse poder sobre mim. Mas a questão é: a dança era uma coisa nossa. Minha mãe sempre estava por perto, ajudando nas coreografias, com os figurinos, presente em cada apresentação. Depois que ela partiu, dancar era algo que eu não conseguia, e ainda não consigo fazer.
   - ... então talvez você devesse tentar. - ele esteve falando esse tempo todo?
   - O quê? - pergunto confusa.
   - Ver outras pessoas dançando, só por dançar, pode ajudar. Não estou pedindo pra você festejar como se não tivesse nada te incomodando. - ele suspira. - Só quero que vc se distraia um pouco...
   Ele é a única pessoa que sabe exatamente como eu me sinto, o único que carrega esse fardo comigo. As vezes me pego pesando que, mesmo que nossas mães não fossem amigas e tivessem nos criado praticamente juntos, nós ainda teriamos encontrado um ao outro, e a essa amizade que hj significa tanto para mim.
   Penso um pouco, eu realmente não quero ir a essa festa, mas também não quero dizer não imediatamente e deixar Jonas frustrado e, antes que eu perceba, um talvez escapa dos meus lábios. 

DANIEL

   Ela olhou em meus olhos hoje e acho que não gostou do que viu. Será que ela percebeu que eu não engulo a farsa que ela se esforça tanto para manter?