Blanca P.O.V’s On
Eu não tenho como negar, fico com nojinho de mim mesma quando passo muito tempo ensaiando. Começo a ficar toda suada e as minhas roupas ficam grudando no corpo. Eu estava exatamente nessa situação, minha blusa já colava nas costas, meu cabelo grudava na testa e sentia suor em todo o meu corpo. Merda, eu odeio isso. Eu queria fazer uma pausa mas também queria continuar. Eu estava treinando sozinha em uma sala de pratica, se eu ficasse parada por muito tempo poderia não continuar. Esse é um dos problemas de ser preguiçosa e treinar sozinha, mas foda-se.
Depois de muito treinar, uma coisa me distraiu. Meu telefone estava tocando. Percebi que o número não era da Coreia, então, como de costume atendi falando direto em japonês.
- Moshi moshi – eu disse alô.
Era minha mãe e meu pai, eles estavam com saudades e ligaram para conversar, ligaram nesse horário por pensar que eu não estaria mais treinando e de fato, se eu não tivesse ficado até mais tarde, já estaria livre. Por isso fiquei apenas sentada em um canto qualquer, conversando com eles. Ia tudo bem com eles, mas estavam preocupados comigo, por saudades... coisa normal. Ainda mais quando perceberam que eu ainda estava treinando, mesmo já sendo tarde. Por pedido dos meus pais, fui para casa e prometi não ficar treinando até tão tarde.
Era o início da noite, o céu se perdia em um turbilhão de azul, vermelho e negro. Carros passavam a toda velocidade, os faróis brilhando, iluminando as ruas. No alto, no céu, apenas uma estrela era visível, as outras ainda eram ocultadas pelo brilho do astro rei. As lojas ainda estavam abertas e provavelmente permaneceriam assim por mais algumas horas. Luzes brilhantes anunciavam ofertas e música popular tocava em altos falantes. Eu nasci e cresci em Tóquio, mas ainda assim estranho as cidades que nunca dormem.
Um vento frio passava pelas ruas e levava tudo. Bagunçava meu cabelo e minhas roupas, mas parecia também levar o peso dos meus ombros. Percebi como eu era sortuda por ter tudo o que tinha, eu amo minha vida e não mudaria nada nela, não nesse instante. Eu só registrei o fato muito depois, quando já estava no apartamento do Red Smoke, metida entre os lençóis e tentando dormir. Enquanto a cidade me embriagava com sua eterna insônia, vi algo incomum em meio à cidade grande: um corvo.
Quando eu era criança, eu era motivo de piadas na escola, já que era “estrangeira” as crianças gostavam de me usar de alvo, mas um dia, quando voltava da escola, um corvo parou na minha frente, no meio da rua. Eu o alimentei com migalhas do que sobrou do meu almoço e ele partiu, voando acima da minha cabeça. Depois daquele dia as crianças simplesmente pararam. Na época não conectei um fato ao outro, mas quando um dia, por acaso, comentei sobre o corvo com uma amiga, ela me disse que tudo mudou por causa dele. Disse-me que o corvo era sinal de intervenção divina, que foram os deuses que fizeram tudo mudar. Disse-me também, que eu deveria aprender a seguir os corvos, que mesmo eles sendo sinal de mau-agouro em muitos lugares, eles eram especiais, eram capazes de me guiar, mesmo em uma jornada difícil.
Acho que eu nunca aprendi a segui-los. Naquela noite eu vi um corvo, ele grasnou quando passei e saiu voando até se perder em meio às nuvens de tempestade que se formavam no horizonte. Eu não soube segui-lo. Não percebi seus sinais de que as coisas se acumularam e culminaram. Não soube evitar a catástrofe que começou na manhã seguinte.
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