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História Relicário de Lembranças - Hiatus - Luz negra


Escrita por: EllieSilva

Notas do Autor


Ao ~MarcianoF, ~liriochan, ~aneribeiro, ~kia_hatake, ~Okaasan, ~VeronicaSignori, ~Luarmoon, ~Mikooh_Chan, ~Yusmileiny, ~Night_Angel_, ~MoniOliv, ~Psycho-sama, ~tata131 ~VickTaisho, ~Lua-White, ~PekenaClara, ~LonelyD, ~Dayane-13, ~Danny-Hinamori1, muito obrigada por favoritarem Relicário de Lembranças. 19 Favoritos é bem mais do que eu esperava só com o primeiro capítulo <3

Alguns avisos:
•Essa fic vai aproveitar alguns personagens meio esquecidos no anime, os coadjuvantes dos coadjuvantes, mas eu vou sinalizar sempre que isso acontecer.
•Casos como o da Kagome, que tem amnésia retrograda, pelo o que eu pesquisei, não costumam durar tanto tempo, mas os motivos disso serão explicados mais pra frente.

O capítulo não tem grandes emoções, mas algumas dicas importantes, certo?
Sem mais delongas, boa leitura! ^-^

Capítulo 2 - Luz negra



Capítulo 2
Luz Negra

 

Estamos eu, Ayume, Yuka e Eri no nosso colégio, sentadas na arquibancada de frente para um campo de futebol que fica exatamente no meio de uma pista de atletismo. Usamos um uniforme ridiculamente curto de educação física, mas não estamos na aula; apenas assistimos as pessoas passarem. Eu tenho uma caixinha de suco nas mãos e Eri um salgado, enquanto Yuka parece extremamente atenta ao que quer que seja.

— Muito bem, vamos começar — ela diz, sorrindo sapeca. — O cara de rabo-de-cavalo, correndo na pista.

— Não sei, ele parece meio metido... O cabelo tem seu charme, mas–

— Um dez evidente! Yuka faz cara de aprovação, cortando Eri.

— Dou 7. 25 a outra completa, somente por pirraça. Sei disso porque o garoto é realmente muito bonito, e também porque Eri adora provocar qualquer uma de nós.

O rumo da conversa não parece agradar muito a Ayumi, no entanto.

— Eu já falei o quanto isso é rude? Os meninos estão só se exercitando e vocês ficam aí, dando notas como se eles estivessem fazendo isso pro prazer de vocês!

— Humpf, como se eles não fizessem a mesma coisa... E eu dou nove, aliás. — falo pela primeira vez.

Ayumi faz bico, tomando com raiva o salgado das mãos de Eri-chan, que não protesta. Ela só faz uma careta interessada, esperando Yuka pedir opinião sobre a próxima beldade que a outra com certeza já está avaliando.

— Tudo bem, tudo bem. E aquele outro de munhequeira vermelha?

— Você podia dar um detalhe melhor pra gente procurar, né? — Eri reclama.

— Aquele bonito perto da árvore, do outro lado!

Me viro na direção que Yuka aponta, mas o jardim é um tanto distante e a única árvore em que há alguém próximo não pode ser bem vista do lugar onde estamos.

— Como é que você enxerga uma munhequeira dessa distância? — Ayumi pergunta, assombrada.

— Nunca duvide de mim quando o assunto é um garoto! Venham, vamos até lá dar uma olhada. Pode ser o tal aluno novo que o Houjo-kun falou.

— E porque um novato estaria nesse evento? As aulas nem começaram.

— Para de fingir que não está curiosa, Kagome!

— Mas eu não estou curiosa, Yuka-chan. — tomo um gole despreocupado de suco para enfatizar o quanto não me importo com o garoto, mas só consigo sugar vento pelo canudinho. — Droga...

— Você sabe, a lixeira mais perto pra jogar isso fica no jardim.

Eri também? Sério?

— Sua traíra!

— Ah, Kagome! Se for ele mesmo o novato merece uma olhada, ainda que não seja bonito.

Ergo as mãos em rendição e Ayumi se levanta comigo, seguindo o grupo. Logo estamos as quatro atravessando o campo até o jardim do outro lado, e eu decido parar exatamente na frente da lixeira sem dar mais um passo adiante. Não vou dar o braço a torcer e dizer que me movi até aqui para espiar um garoto.

— Daqui vocês já podem ver perfeitamente bem. Aproveitem.

— Sem graça! — Yuka reclama. — Você devia era me agradecer por te fazer vir até aqui, Kagome, porque olha... se ele não for um dez com certeza chega muito perto!

— Você dá dez pra todo mundo eu chio.

— E daí? O que é bonito tem que ser valorizado!

— Nisso eu tenho que concordar, esse garoto merece ser estudado com mais atenção. — Eri diz empolgada, tomando o salgado das mãos de Ayumi e dando uma boa mordida. — Ele tem um ar meio... arisco, né?

— Acho que ele está com problemas...

Me viro somente por causa do alerta inocente de Ayumi, mas realmente há muita coisa que se reparar no tal garoto além da munhequeira vermelha, que é até meio cafona. A que mais se destaca com certeza é o cabelo. Diferentes, os fios brancos parecem quase prateados à meia-luz de fim de tarde; e sim, o garoto definitivamente está com problemas. Há uma flecha prendendo seu uniforme na árvore, mas as meninas estão concentradas demais o secando para notar.

Reviro os olhos e vou até lá.

— Com licença...

— Que é? ele responde rispidamente, tentando tirar da árvore a flecha que se parte, mas não sai do lugar. Com certeza ele está irritado, mas eu já lidei com garotos irritados antes. Posso ser gentil.

— Você precisa de ajuda?

— Pff... Como se você fosse conseguir, magra do jeito que é! — Tudo bem, eu posso sim ser gentil, mas não quero mais. Giro nos calcanhares decidida a não aguentar duas patadas seguidas de um estranho. — Ei garota, para de bancar a orgulhosa e vem me ajudar!

— Ah, a orgulhosa sou eu?!

— Tá vendo outra doida com as mãos na cintura?

Olho para mim mesma, e.... É, ele está certo.

— Seu... ARGH! — marcho até ele irritada, arrancando o que sobrou da flecha presa só para bater com a parte sem ponta na sua cabeça. — Dá próxima vez tenta não quebrar, idiota!

— Para de me bater, sua louca!

— QUEM É LOUCA AQUI??

Quando dou por mim várias pessoas ao redor estão olhando para nós, inclusive as meninas e seus risos cínicos. Estou prestes a ir embora de novo quando um menino para do meu lado, loirinho, da mesma turma do meu otouto.

— Por que fez isso, Kagome-senpai?

— Ei, você! — o irritadinho aponta para o menino, indignado. — Foi você que me prendeu aqui!

— Claro que prendi. Você é um youkai e eu tinha que te selar, seu burro!

— Q-Quê?

Confesso, ver o mais velho gaguejar me faz dar umas boas risadas.

Acho que finalmente estou entendendo essa história...

— Desculpa quebrar o selo, Handae-chan. Eu juro que não sabia!

— Do que é que vocês dois estão falando, finalmente?!

— É uma brincadeira que as turmas de fundamental fazem todo ano pra “recepcionar” os novatos mais velhos — faço aspas com os dedos. — Escolhem um como youkai e o lacram na árvore sagrada; essa aí, atrás de você.

— E você foi o primeiro que precisou de ajuda pra sair — Handae acrescenta.

— Que tipo de escola doida libera um trote desses?! o garoto reclama, falando alto.E você, vê se usa uma flecha decente da próxima vez, pirralho! Essa porcaria quebra por qualquer coisa!

— Você que colocou força demais. O segredo é o jeito.

— Pff... Até parece que você é algum tipo de especialista, garota!

— Kagome-senpai é a melhor aluna do clube de arco e flecha, fique você sabendo! Handae-chan me defende com entusiasmo, e eu me sinto a melhor professora do mundo.

— Você que ensinou o pirralho? o espalhafatoso me pergunta, descrente.

— Um pouco.

— Então tá explicado porque ele é tão ruim...

Handae infla as bochechas, irritadíssimo, mas antes que diga alguma coisa eu me meto na frente.

— Não perca seu tempo com ele, Handae-chan. Só escolha um youkai melhor no ano que vem.

— Tem razão, Kagome-senpai. Esse aí é péssimo!

O menino dá língua para o mais velho e sai saltitando, feliz. Agora estamos apenas eu, os olhares indiscretos das minhas amigas e o garoto idiota, que apesar da carranca já não parece mais tão zangado. Até puxa assunto comigo...

— Então é verdade que essa escola já foi um templo? — ele pergunta.

— O trote meio é que por isso, mas... você é mesmo ele, não é? O novato do primeiro ano.

— Como sabe?

— Você tem a idade certa, e se foi acertado pelo Handae-chan com certeza é novato — eu sorrio, dando de ombros. — À propósito, sou Higurashi Kagome.

— Eu não perguntei seu nome... — ele resmunga, mas sou perfeitamente capaz de ouvir.

É tão exaustivo ser educada!

Reviro os olhos e saio sem dizer mais nada, cansada de tentar ser gentil com um cara grosso como uma mula. E justo quando já estou bem perto das minhas amigas, para a minha surpresa, eu o ouço responder.

Taisho Inuyasha.

.

.

.

Acordo com a sensação algo molhando meu rosto.

Estou... chorando?

Trêmula, assustada... deitada de um jeito estranho na primeira cama não-hospitalar em que durmo.

Parece que tive o sono perturbado por um sonho esquisito; e nem foi um esquisito assustador, foi só um garoto. Um garoto bonito e de péssimo gênio cujo o rosto me é completamente estranho, embora seus olhos dourados sejam os mais bonitos que devo ter visto na vida. Se eu fosse normal, acidente nenhum me faria esquecer deles.

Mas eu não sei dizer no que sonhar implica.

Desde que acordei, nove semanas atrás, não tive um único sonho.

Respiro fundo tentando manter a calma, e percebo que fado ideia se tive um sonho ou uma lembrança. Fico quieta até meus tremores passar, e quando eles finalmente passam eu já sei como tirar a dúvida.

Miroku deve saber se algum dia eu conheci um garoto chamado Inuyasha. Ele é exatamente o tipo de pessoa pra quem eu contaria qualquer coisa, alguém agradável e inteligente que não perde o tempo de dar concelhos fazendo julgamentos. Lembro de ter adormecido no colo dele ontem, mas agora que o dia raiou meu meio-irmão já deve estar por aí cantando alguma vizinha. Decido arrumar a cama para ir encontra-lo, e quando percebo o relicário está lá: bem protegido debaixo do travesseiro.

Observo-o.

Penso na pessoa que o deu a mim, e que parece ter sido importante na minha vida embora eu não faça ideia de quem é. De quem foi. Tudo que sei é que essa pessoa está morta, e isso me deixa inquieta.

Enfio o colar numa gaveta e separo uma muda de roupa. Tomo um banho demorado, visto-me e deixo meu quarto novo. Um cheiro forte de queimado vem da cozinha, onde Miroku está debruçado sobre o fogão.

— Seu avental está pegando fogo — aviso.

Merda! — ele tira a frigideira do fogo, tentando desgrudar alguma coisa dela com pancadas. — Eu queria fazer panquecas para um café-da-manhã de boas-vindas, mas como você pode ver... não tenho aptidão doméstica.

— Sinceramente, como você conseguiu morar sozinho esse tempo todo? — me aproximo e o empurro com o quadril. — Antiaderente? — ele nega, então tomo a panela de sua mão e a ponho na pia com a torneira ligada.

— Qual o motivo do desperdício de água?

— Ajuda a amolecer, mas vem cá.... Você não teria bicarbonato de sódio, teria?

— Nem imagino para que serve — Miroku responde com um olhar travesso.

Franzo o quando percebo o que ele quer dizer.

— Acho que eu também não deveria saber, né?

— Não estranhe esse tipo de coisa, o doutor Jenkins falou a respeito. Esse tipo de informação fica num lugar diferente do cérebro.

— Então eu cozinhava muito? — meu irmão assente com um sorriso, fazendo-me lembrar das várias explicações que ouvimos sobre as diferenças entre a memória implícita (que está ok, como o caso do bicarbonato acaba de provar), memória operacional e memória declarativa, que está uma bagunça¹ — Sabe, isso faz sentido... De algum modo mesmo sem lembrar da receita eu tenho certeza que para fazer panquecas a gente precisa de mais que farinha e ovos.

Aponto para os ingredientes na mesa e Miroku olha para mim com desconfiança, sacando o celular. Depois de uma rápida pesquisa ele se vira emburrado e tira mais coisas do armário, contrariado.

Parece que meu meio-irmão detesta estar errado...

Sinto que Miroku e eu cairíamos pela primeira vez naquele famigerado silencio constrangedor, mas isso não acontece. A campainha toca e meu irmão abre um sorriso largo, correndo até a porta como um cãozinho carente.

— Esqueceu a chave, Sangozinha?

Uma mulher entra na sala, e eu preciso dizer... ela é linda! Mesmo debaixo do vestido de decote quadrado consigo perceber que ela tem um corpo muito bem definido — e feminino —, com cada curva no lugar e todas as medidas certas. Seus cabelos compridos e escuros estão amarrados firmemente num rabo-de-cavalo.

— Agora que essa casa tem uma nova moradora eu não posso simplesmente entrar assim, não é? — ela sorri pro meu irmão, apesar de seus olhos grandes e castanhos estarem em mim. — Você deve ser a famosa Kagome!

— E você a famosa Sango — limpo as mãos num pano e estendo um cumprimento. — Prazer em conhece-la.

— Que fofa! Então, você cozinha?

— Parece que sim...

— Miroku, seu grandíssimo filho da mãe! Não acredito que foi por isso que você insistiu em trazer ela pra cá!

Meu irmão leva a mão ao coração, tão falsamente ofendido quanto a namorada parece falsamente indignada.

— Na verdade meio que é o Miroku quem está me ajudando — sinto a necessidade de esclarecer, deduzindo que Sango não sabe da minha “situação”. — Eu tive um problema e meio q–

— Acredite, você é quem vai precisar de ajuda depois da primeira semana com esse daí.

A mulher me dá tapinhas nas costas, e algo no gesto me faz desconfiar que estou redondamente enganada. Sango sabe sim o motivo da minha vinda a Kanazawa, mas optou por não entrar no assunto. Não posso dizer se Miroku a advertiu ou se ela deduziu sozinha que não gosto de falar nisso, mas sinto-me grata.

— Então — Sango encara as coisas sobre o balcão americano. — Panquecas?

— Segunda tentativa.

— Aposto que sei de quem foi a primeira.

Sango lança um olhar acusador para o avental parcialmente queimado do namorado, vai até um dos armários e pega um novo para mim. Ela me ajuda a preparar o café-da-manhã e logo estamos os três ao redor da mesa, comendo num clima descontraído. A namorada do meu meio-irmão é extrovertida e autêntica, apesar do ‘quê’ de severidade com que vez ou outra repreende Miroku. Descubro também que ela é professora de educação física na escola em que irei estudar, e que foi justamente a pessoa quem me conseguiu uma vaga no meio do período letivo.

Minha primeira impressão sobre Sango é a melhor possível.

— Se eu fosse você iria no Mercado Omicho — ela diz, rejeitando às várias sugestões turístico-religiosas que Miroku faz. — Quem gosta de comer bem ama o lugar, Kagome! Há todo tipo de restaurante, fora que dá pra encontrar tudo para abastecer uma casa. Coisa que seu irmão não faz, já que vive praticamente a pão e água.

— Calúnia, eu também tenho café! E saquê.

— Se quiser posso te levar lá — Sango oferece. — Com certeza estarei mais folgada depois da próxima semana.

— Alguma coisa vai acontecer semana que vem? — eu pergunto, o que parece fazer a mulher vacilar. Penso que devo tocado num assunto delicado, principalmente quando ela estreita os olhos para o namorado, que sorri amarelo.

— Você ainda não contou a ela, Miroku?

— Me contar o quê?

— Nee-chan... — ele começa, e somente pela forma como me chama sei que o assunto é sério. — Me desculpe por te esconder isso, mas eu achei que você iria desistir de vir se soubesse.

— Se soubesse o quê?

— Eu e Sango vamos casar no próximo sábado. A partir da outra semana ela vem morar conosco, espero que esteja tudo bem pra você.

Miroku aperta os olhos como temesse a minha reação, mas eu só estou... ora, surpresa!

— Minha nossa, e-eu sinto muito! E-Eu jamais teria pedido para vir se soubesse–

— Nem comece a se desculpar! — Sango me interrompe, categórica. — Eu que te peço desculpas por você descobrir desse jeito, mas é que imaginei que Miroku já tivesse contado.

Ele ergue as mãos em rendição.

— Culpa minha, tudo bem, eu confesso! Mas Kagome, entenda que isso não muda nad–

— Como não muda, vocês vão casar semana que vem! — aponto o óbvio a fim de fazê-lo entender. — Aposto que agora mesmo vocês tinham que estar resolvendo alguma coisa da festa em vez de perder tempo comigo!

— Se toda a sua preocupação for essa, pode ficar sossegada — Sango sorri de forma tranquilizadora. — Estamos economizando pra fazer uma viagem no fim do ano, quando o Miroku tirar férias. Vamos casar somente no civil e depois comemorar com uns amigos num jantarzinho simples na casa dos meus pais.

Nem sei o que responder.

A única coisa em que consigo pensar é que além de parasita na relação do casal eu vou ser uma fonte de dívidas para Miroku, e que graças a mim sua lua-de-mel vai ficar ainda mais distante. Mas aí a Sango sorri como se eu realmente fosse bem-vinda e.... Bem, ela faz eu me sentir um tanto culpada por pensar assim.

Durante todo esse conflito interno a campainha me salva. Dois homens entram com caixas pesadas e alguns poucos móveis desmontados, trazendo minha parca mudança, e Sango logo sugere que comecemos a organizar tudo.

Ela realmente parece querer me fazer sentir em casa.

No meu quarto, primeiro montamos as duas cômodas brancas. Decido que elas ficarão muito bem ao lado da cama, mas há também uma simples escrivaninha de cor laranja, que peço para Sango armar na outra ponta do quarto. Miroku e eu nos encarregamos de parafusar três prateleiras na parede, duas brancas e outra também laranja, mas somos uma péssima dupla e por conta disso almoçamos quase na hora do jantar. Pelo menos já está tudo montado.

Sango sai assim que acabamos de comer para o aniversário de uma amiga. Miroku insiste em tentar convencê-la não ir. Não funciona, e ele próprio escapole da mesa meia hora depois. Aparentemente há algum relatório precisando de atenção, e eu acabo sozinha no chão do quarto recém decorado. Entediada, decido jogar um jogo comigo mesma: eu preciso descobrir o que puder sobre mim pelas coisas que vieram do quarto de Tóquio.

Há um número razoável de bichos de pelúcia, então chego à conclusão que Miroku realmente falou sério quando disse que eu fazia o tipo menina certinha. Também há uma boa quantidade livros de todo tipo, de forma que a parte sobre eu ser inteligente também deve conferir. E até aí tudo bem, mesmo. Gosto desses detalhes sobre mim.

O problema são as roupas.

Aparentemente sou dona de uma infinidade enorme de saias compridas e suéteres, mas tenho apenas dois jeans. Preciso fazer um esforço imenso para achar uma regata e outras baby look que sei que vou usar exaustivamente até encontrar um emprego de meio-período que pague alguma roupa que não pareça saída de um brechó de convento.

Vou empurrando as peças mais problemáticas no fundo da última gaveta, que coincidentemente é a mesma em que guardei o relicário. Pego-o na mão, achando quase engraçado o jeito como esse objeto parece ter alguma coisa diferente... não sei, como uma presença que me atrai e me faz parar tudo para olhá-lo.

Acaso ou não, não consigo ignorar que o recebi no mesmo dia que tive minha primeira lembrança. Ou sonho.  E isso tem que significar alguma coisa, não tem?

— Precisando de ajuda? — Miroku bate à porta, que já está aberta.

Nervosa, eu escondo o objeto entre as mãos. Não faço ideia porquê.

— Já terminou o relatório? Tão cedo?

— Tão cedo? Kagome, são onze horas.

— Quê?!

— Você deve ter ficado bem entretida aqui — ele diz, sentando-se displicentemente na cama. — Pelo menos já conseguiu dar uma boa adiantada na arrumação, está quase tudo no lugar.

— Essas coisas... Tem certeza que isso é tudo meu?

Estendo um blusão de frio bege para ele, fazendo careta para a rena bordada à mão com lantejoulas. Miroku parece achar alguma coisa engraçada, não sei se eu ou o maldito suéter.

— Isso foi presente de natal da sua avó paterna. Não era como se você usasse, mas devia ter valor sentimental.

— Ainda bem, isso é um alívio!

— Aposto que além dessa rena você guardou mais um monte de quinquilharia porque foi presente de alguém que nem gosta tanto. Tão típico... Devo separar uma caixa pra doação ou coisa assim?

— Eu vou acabar é sem nada pra vestir.

— Parece que alguém não gostou muito do próprio guarda-roupa — Miroku ri, inclinando-se para apertar meu nariz. — Não é surpresa, eu sempre disse que você se vestia feito uma velha.

— Você foi um péssimo irmão se me deixava sair de casa com isso! — jogo uma saia abacate na sua cara.

— O que posso dizer, você é persistente. Se quiser amanhã podemos ir ao centro e–

— Alto lá! Você não está sugerindo comprar roupas pra mim, está?

— E porque não?

— Porque você está economizando pra sua lua-de-mel, é lógico!

— E o que você vai fazer, usar isso no seu primeiro dia na escola? — ele sacode alegremente a saia abacate na frente, mas a arranco da sua mão.

— Eu vou te dizer o que eu vou fazer, vou arranjar um emprego!

— Como?! Kagome, por acaso você já parou para pensar que a partir de amanhã vai entrar na metade do último ano do ensino médio sem lembrar de nada, de matéria nenhuma?

É... não, não parei para pensar.

— Vamos torcer pra álgebra ficar no mesmo lugar do cérebro que as instruções sobre panelas queimadas.

— Kagome — Miroku se vira para mim, olhando-me profundamente. — Eu sei que você acha que está incomodando aqui em casa, mas realmente não está. E eu não sou tão duro assim, tá legal? Me dê algum crédito.

Ele pisca pra mim, mas não vai dar certo.

Sei exatamente o que ele está tentando fazer.

— Sou imune ao seu charme, não adianta. Eu ainda vou arranjar esse emprego.

Tsc. Eu realmente não me lembro de você ser orgulhosa desse jeito...

Depois de algumas risadas por causa dessa piada subliminar acabamos em silêncio. Não a incomoda ausência de fala de mais cedo, mas um agradável e meditativo sossego. Continuo arrumando tudo com a ajuda de Miroku.

E das muitas coisas que tenho para pensar, a cada segundo tomo mais consciência do objeto entre minhas mãos.

Minha cabeça está cheia de perguntas que quero fazer, mas calo por causa do alerta do doutor Jenkins. “Exercite a memória mas não se force a lembrar”, ele sempre dizia. Achava que se eu pudesse lembrar de tudo naturalmente seria muito menos traumático, e bom... ele é médico, deve ter razão. Mesmo assim decido arriscar uma pergunta. Só um detalhezinho, minúsculo, para esclarecer se o que eu tive foi um sonho ou uma lembrança.

— Miroku... Eu tenho um irmão mais novo?

— Você lembrou do Souta? — ele sorri, genuinamente satisfeito.

— Souta? Esse é o nome dele?

— Sim, era — o verbo no passado me incomoda. — Nee-chan... Tem certeza que quer saber disso agora?

— Bom, alguma coisa eu tenho que saber.

— Mas... Tudo bem — Miroku suspira, recostando as costas na cama. — Você tinha um irmão de nove anos, Souta Higurashi. Não cheguei a conhece-lo, mas Kazuyo contou ele era um menino muito esperto. E te amava muito.

— E o que aconteceu?

— Ele estava no carro com o seu pai, três anos atrás. Foi apenas alguns dias antes de você entrar no ensino médio, eu... Eu sinto muito, Kagome.

Miroku me encara, condoído. Imagino que seja por causa da sensação estranha que se espalha pelo meu rosto, a confusão de quando percebo que sinto falta de alguém que nunca conheci. É um tipo de saudade é esquisito, mas... continua tão doloroso tanto quanto qualquer outro. Ou pelo menos imagino que seja, já que não conheço outro.

— Você... tem uma foto dele? — eu peço, e Miroku pega minhas mãos entre as suas com cuidado.

— Desculpe, nee-chan. Mas eu posso pedir a Kazuyo, se você quiser.

— Seria bom, sabe? Associar o nome a um rosto...

— Você não... tinha lembrado dele?

— Mais ou menos. Eu meio que lembrei de uma coisa que me fez achar que tinha um irmão, mas... é difícil de explicar, entende? Ainda está tudo muito confuso.

Talvez as palavras tenham peso, eu penso, porque assim que falo sinto uma exaustão repentina e inexplicável. Coço a nuca visivelmente sem jeito, e vendo minha reação Miroku deposita um beijo terno na minha testa.

— Não se preocupe com isso. Foi muita coisa para um dia, porque você não vai dormir?

— Já vai regular meus horários, papai? — eu brinco, tentando aliviar a tensão. Miroku reage levantando-se de um jeito resignado, quase me fazendo acreditar que está realmente ofendido.

Um ótimo ator, esse meu meio-irmão.

— Você não vai me fazer parecer mais velho do que sou, dona Kagome!

— Longe de mim... Boa noite, Miroku.

— Que jeito gentil de me expulsar do quarto, não? — ele brinca também, já de saída. — Boa noite, nee-chan.

Quando a porta se fecha atrás dele eu deixo escapar um suspiro.

Não lembrar cansa.

Não me forçar a lembrar também.

Sempre pensei em mim como uma folha em branco; talvez seja uma expressão de algum dos vários filmes que vi enquanto estava no hospital, não sei... mas as coisas parecem diferentes agora. É como se as páginas do meu livro fossem escritas com caneta de tinta invisível, e de repente alguém ligasse a luz negra.

Minha primeira lembrança...Uma memória do que era o meu dia-a-dia há mais ou menos três anos. Eu estava no primeiro ano, acho que em algum evento do colégio antes de as aulas começarem... Souta e meu pai ainda deviam estar vivos. Eu não estaria tão sorridente caso contrário, estaria?

Jogo no chão as roupas que ainda estão na cama, e me deito exatamente como estou. Há muitas coisas me incomodando agora para que eu me preocupe com elas, então apenas fecho os olhos e começo a pensar em que tipo de homem ele era; o meu pai, quero dizer. Torço para que ele tenha sido alguém de quem eu gostaria agora, e não uma pessoa distante como Kazuyo e Miyatsu. Mas Souta.... Nossa, realmente espero ter aproveitado o meu caçula.

É... estranho. Não saber se eu tenho esse tipo de arrependimento de irmã mais velha, eu digo. De mal gosto, até. Porquê de tantas coisas que eu queria — e deveria — ter lembrado, não foi o rosto de Souta nem do meu pai que me veio à mente. Minha primeira lembrança foi com um garoto irritante e sem importância, e isso dá medo. Medo de que eu seja o tipo de garota fútil que dá mais importância à um novato bonitinho do que a família.

Não quero ser essa pessoa.

Ainda de olhos fechados, solto o relicário no chão. Torço por uma noite sem sonhos e, ao menos dessa vez, eu consigo o que quero.

 

⊱⊰⋇⊱⊰

 

— Já vou, já vou! — grito para Miroku, que bate na porta feito um desesperado.

Tento tomar alguma consciência do que acontece ao redor e olho para o celular; tenho exatamente quarenta minutos para estar pronta e arrumada na porta do colégio. Depois do banho mais rápido da minha vida visto meu único jeans e uma das únicas camisas usáveis que tenho, prendo o cabelo num rabo-de-cavalo para disfarçar a falta de tempo em penteá-lo e encontro Miroku na cozinha tão atarantado quanto eu.

Numa rápida troca de olhares decidimos pular o café-da-manhã.

Cada um enfia uma torrada na boca e corre para o elevador, saindo na garagem e entrando no carro popular que Miroku dirige. Ele corta como uma moto, mas graças a isso posso suspirar aliviada exatamente às 7:54 da manhã.

O colégio não é tão grande quanto o do meu sonho, mas tem um ar moderno de que gosto bastante. O espaço é divido em vários blocos de apenas um único andar, e pelo que posso ver não há muros exceto o da entrada onde estou parada, vendo as pessoas chegando. Acho que é seguro dizer que aqui há somente alunos de ensino médio, e a maioria veste uniforme. Os que não, como eu, parecem seguir a moda dos “rebeldes-sem-causa”.

Porque eu não pedi um uniforme a Sango?

Penso em pedir informação para chegar a diretoria, mas minhas opções não parecem muito animadoras. Há um grupinho de garotas excessivamente maquiadas a minha esquerda, que entortam a boca quando faço menção de chegar perto. Já os esportistas, a direita, estão cantando qualquer garota que passe a menos de três metros.

Não. Apenas não.

Começo a me desesperar quando vejo o tempo passar sem que eu faça ideia de onde fica a sala do diretor, até que ponho os olhos numa garota sentada sozinha com um livro na frente do primeiro bloco. Ela é branquinha, um bom exemplo de ruiva sem sardas, e parece ter os olhos verdes por baixo dos óculos de leitura. A garota também não usa uniforme, mas não segue a moda geral dos não-fardados.

Acerto o rumo até ela, mas acabo esbarrando num garoto moreno surgido sei lá de onde. Ele está acompanhado de outros dois caras e nenhum deles se importa muito quando caio de bunda no gramado.

— Dormindo uma hora dessas da manhã, garota? Vê se acorda! — ele grita, mas me obrigo a engolir a grosseria já que fui eu quem esbarrou nele. Mesmo que não fosse custar nada a esse malcriado me ajudar a levantar.

— Sinto muito por isso.

— Acho bom que sinta mesmo — seu olhar é desdenhoso e automaticamente me faz encolher. — Hey... não me lembro de já ter te visto esbarrar em alguém por aqui.

— Hoje é meu primeiro dia.

— Uma novata? No meio do período letivo?

— Pois é.... Por falar nisso, você pode me dizer aonde fica a diretoria? Estou tendo dific–

— Não.

Ok, essa eu acho que ouvi errado.

— Desculpe, o que disse?

— Eu disse não. N-Ã-O. Você tromba em mim e ainda vem pedir favor? Pff...

Ele revira os olhos como se eu é que fosse a idiota da história e sai de perto antes que haja tempo para responder, trombando no meu ombro e me fazendo cair outra vez. Mas que–

Ele solta um risinho ao passar, sendo seguido por um careca de cara enjoada. Resmungo mil e uma maldições, mas quando dou por mim o segundo garoto que estava com ele me estende a mão. Ele tem o cabelo preso num rabo-de-cavalo frouxo, franja repicada na testa e... isso no olho dele é rímel?!

O garoto agita a mão, impaciente. Duvido que seja boa coisa andando com um troglodita daqueles...

Ele bufa.

— O QUE ÉÉÉ!!

— Ui, ela morde — o garoto me levanta com um puxão nem um pouco delicado. — Qual seu nome, novata?

— Kagome — respondo emburrada.

— Seguinte, vou te explicar como funcionam as coisas por aqui Ka-go-me — o garoto põe um braço sobre meus ombros, virando-me na direção para onde os outros dois saíram. — Vê aqueles caras lá? Eles não são socializáveis.

Você estava socializando com eles.

— Eu não tenho escolha, mulher, eles são meus irmãos! E tudo bem, entendo o seu espanto. Sou bonito demais pra compartilhar genes com aqueles dois — ele fita o esmalte das próprias unhas, concentrado. — Infelizmente genética não é uma ciência exata, não é?

— Se você diz...

— Olha, não liga pra grosseria do Ban. Ele geralmente não é assim, mas... Bom, normalmente ele é assim sim, mas o que quero dizer é que ele não é um idiota completo, só parece. Mas não deixe ele saber que eu disse isso.

O, esse irmão até que parece simpático...

— Acho que posso fazer isso.

Ele sorri, assentindo, e entrelaça nossos braços.

Estranhamente não me sinto desconfortável com a aproximação espalhafatosa.

— Então, Kagome, você disse que queria ir à diretoria, não foi?

— Preciso descobrir qual a minha turma, uh... Desculpe, ainda não sei nome.

— O quê?! Que blasfêmia! — ele berra, mas ninguém ao redor dá muita bola, o que me faz pensar que essa é uma cena comum. — Por aqui eu sou tão conhecido quanto a noite de Paris, meu amor, que pecado!

O garoto segue falando sobre o quanto é uma peça fundamental na engrenagem social da escola e outras coisas que não escuto, tagarelando até a hora em que o sinal toca. Ainda não sei o nome dele.

— Jakotsu! — a menina ruiva que estive olhando mais cedo vem correndo em nossa direção. — Você já levou duas advertências por entrar na sala depois do horário, lembra? Se ganhar outra vai ser suspenso!

— Agora não, fiscal da lei. Vou levar essa moça à diretoria e fazer minha boa ação do dia, dá licença!

A garota abre um sorriso enorme, finalmente me percebendo ao lado do moreno escandaloso.

— Ah... você que é a novata, então?

— Higurashi Kagome, prazer — tento cumprimenta-la, mas Jakotsu me puxa outra vez.

— Você está nos atrasando, Ayame!

— Não precisa se preocupar em ir à diretoria, Kagome-chan. Você está na nossa sala — ela responde, ainda sorrindo. — O diretor Myouga me disse que você viria e me pediu pra te mostrar a escola durante o intervalo.

— Estraga-Prazeres — Jakotsu se queixa, fazendo Ayame fecha a cara.

— Se quer mesmo uma detenção eu posso te conseguir uma, macaca maquiada!

— Prenda-me se for capaz!

E é isso, Jakotsu sai correndo e me arrasta pelo braço até o terceiro bloco. Ali ele para na frente da última sala do corredor, e não é uma pausa delicada. Muito menos estratégica.

Sim, eu trombo com tudo contra a porta.

— O-Opa...

Sorrio amarelo.

Toda a turma encara a louca que entra na sala como um carro desgovernado; alguns curiosos e outros bem-humorados, mas uma ou duas pessoas até se assustam com a minha falta de tato. E no meio de tantos rostos desconhecidos, o risinho de canto do garoto sentado na última fileira brilha para mim. Ele faz um gesto discreto com a mão, mandando-me entrar, e durante o aceno a trança que prende seu cabelo escuro cai para trás.

O tal “Ban” me olha como se me conhecesse.

Como se tivesse todos os motivos do mundo para não gostar de mim.

— Posso ajudar? — pergunta o homem a quem julgo ser o professor, à frente da mesa. E pela cara de poucos amigos, ele claramente não tem alguma intenção de me ajudar.

Continuo encarando-o.

— Desculpa, Kuranosuke²-sensei. Ela tropeçou — Jakotsu intercede, e Ayame chega ofegando logo depois.

— Gomen, Kuranosuke-sensei! E-Essa é a aluna nova.

— Ora, então se apresente! — ele indica um lugar à frente da turma, e a atenção que já era grande em mim dobra. No mesmo instante engulo em seco.

— Sou Higurashi Kagome, vim transferida de um colégio em Tóquio. Tenho dezoito anos e espero me dar bem com todos! — recito as falas ensaiadas com firmeza e um sorriso no rosto, achando incrível o fato de eu não receber nenhuma hostilidade da turma apesar da minha entrada desastrada.

Nos filmes de colegial que assisti para me preparar para esse momento, é sempre nessa hora que um grupinho de patricinhas declara sua inimizade à protagonista. Eu estava realmente nervosa sobre essa parte da vida escolar, mas felizmente nada acontece. Sinto que vou gostar bastante da turma.

É isso ou o tal do Ban é quem está destinado a ser a minha Regina George³.

Procuro um lugar vago para sentar assim que o professor me dispensa. Percebo que há vários, inclusive um atrás de Jakotsu, no fundo, e outro numa das cadeiras da frente ao lado de Ayame. Escolho sentar ao lado da ruiva já que preciso desesperadamente prestar atenção nas aulas, mas isso não me ajuda a entender muita coisa além de que Kuranosuke-sensei leciona história.

Quando saímos para o almoço, Ayame me mostra melhor o colégio. Somos acompanhadas por Jakotsu que, ressentido, não para de resmungar por eu ter preferido sentar perto da ruiva.

— Bem que eu podia desmaiar agora e só acordar depois do segundo tempo! — ele exaspera, exagerando.

— O que tem no segundo tempo?

— Educação física — Ayame responde com um suspiro longo. — Acho que vamos ter que passar na diretoria para te arranjar um uniforme, Kagome.

— Não dá pra usar essa desculpa pra ela matar aula? — Jakotsu deixa a questão no ar. Como eu havia descoberto a pouco que Ayame é a representante da classe, a única reação que espero dela é outra repreensão ao moreno.

Para minha surpresa ela parece bastante tentada com a ideia.

— Se fosse outra professora isso até poderia funcionar, mas com ela...

— “Ela” por acaso se chama Sango?

— Isso mesmo — Jakotsu tem um tremelique — aquela ogra...!

Infelizmente só descubro do que estão tentando me salvar quando já é tarde demais.

Sango com certeza não é humana, e isso fica claro logo nos primeiros vinte minutos de aula. Nossa turma tem quarenta alunos e está praticamente toda dividia entre “mortos” e “quase lá”, comigo inclusa no primeiro grupo. Acho que só uns quatro de nós ainda estão de pé com alguma dignidade, mas Sango não para de nos mandar fazer séries de abdominais, polichinelos e um “aquecimento” nas barras que só serve para me deixar deprimida.

Não trocamos uma palavra desde que a aula começou.

Onde foi parar a criatura simpática de ontem?!

Em algum momento ela nos manda correr na pista de atletismo e Ayame se apoia nas minhas costas, suada por baixo dos óculos. Meu orgulho feminino fica um bocado ferido quando percebo que todos os quatro alunos que não estão com a língua para fora são homens, e claro, o tal do “Ban” está entre eles, correndo na frente como se quisesse que o mundo explodisse atrás dele. Outros dois são o careca azedo e o próprio Jakotsu, que só está atrás conosco porque seu interesse na verdade é cantar os garotos que passam quando Sango não está olhando. O último da lista é um garoto de quem ninguém falou a respeito.

Ele está logo atráa de Ban, mas tenho a sensação que não está faz o mínimo esforço para assumir o primeiro lugar. Os outros dois com ele quase morrem para acompanha-lo, como eu. Que sequer consigo terminar a aula.

Faltam apenas dez minutos para o fim da tortura e eu sinto uma câimbra terrível na panturrilha. Caio no chão, resmungando com minha própria perna. Jakotsu é o primeiro a vir e tentar me ajudar, mas...

— Não acho que você esteja bem o bastante para se dar ao luxo de interromper os exercícios, Jakotsu — Sango vem até nós de braços cruzados, estreitando os olhos para o meu colega de turma.

— E já nasceu algum ser humano “bom o bastante” pra você, por acaso?! ...sensei.

Tenho certeza que adição rápida não adianta nada, mas para o bem ou para o mal Sango não se abala. Sua voz não se altera em nenhum momento, mas somente seu olhar é capaz de fazer Jakotsu abaixar a cabeça.

— Eu quero quatro voltas a mais — ela ordena perigosamente baixo, e Jakotsu volta imediatamente a correr. Quando todas as pessoas se afastam, provavelmente com medo do que vai acontecer a seguir, Sango se aproxima.

— Kagome, Kagome... Eu acho que precisamos conversar.

 

 

 

 


Notas Finais


¹Memória implícita (é a memória pra habilidades, tipo dirigir, dar nó no sapato). A memória operacional é uma memória de médio-prazo, como a informação de onde a gente estacionou o carro, que logo depois é esquecida. Já a memória declarativa tem dois tipos, a semântica, que abrange o significado das palavras, e a episódica, que envolve eventos datados. Fonte: http://www.cerebromente.org.br/n01/memo/memoria.htm
²Takeda Kuranosuke — Não é um personagem original. Para quem não lembra é o Otono-sama (chefe de um grupo) que pede a Sango em casamento no ep. 78.
³Para quem não lembra tbm, Regina George é a “vilã”— maravilhooosa, diga-se de passagem — de Mean Girls.

Próxima atualização entre o dia 24 e 27, gente. Preciso adiantar capítulos :$
Comentários, críticas e correções são sempre bem-vindos, tá? Até a próxima ;*


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