“Você está fodendo com o lobo errado, baby.”
― Dorothy - Missile
Anteriormente...
– Certo, eu posso ter acabado de vender minha alma ao diabo e te livrei de uma boa minutos atrás, e em meio a isso tudo, ainda não sei o seu nome.
– Você disse que não acreditava em alma. – Levantou uma sobrancelha. Sua ação me fez lembrar de alguém, mas eu não estava certo sobre quem era essa lembrança.
– Até onde eu sei, você pode ter total conhecimento do meu. – Tentei outra vez. Ela parecia alguém capaz de jogar sujo às vezes, porém, todos têm uma moral no fim das contas.
Ela pareceu pensar um pouco.
– Justo. – Assentiu, cruzando os braços. – Eu costumava ter outro nome, mas você pode me chamar de Bethany, Sebastian.
Agora...
Ela realmente sabia meu nome... por que eu não estava surpreso com isso?
– Então sabe quem eu sou? – Perguntei, deixando meu tom de voz em um volume em que nossa conversa ficasse somente entre nós, encoberta pelos barulhos dentro do Dezzart. Os lábios dela formaram um sorriso perverso:
– Eu sei quem você é melhor do que você mesmo.
Hesitei:
– Bom... isso nos poupa tempo. – Falei, escondendo minha real preocupação: ela sabia quem eu era e não havia tentado me matar uma hora atrás... com o que, ou melhor, com quem eu estava realmente lidando aqui?
– É, eu acho que sim. – Respondeu, com aquela postura que afirmava que estávamos no mesmo nível ali. Ela então se virou, encaminhando-se para a saída do Dezzart. – Vamos, é hora de você saber o que você não sabe, Coelhinho. – Fez sua voz audível quando percebeu que eu não a estava seguindo.
Comecei a me mover. Sim, Bethany, é hora de saber o que você sabe.
No lado de fora, ela se direcionou para um Porsche branco, tirando de seu bolso da calça jeans um chaveiro. Ela pulou para dentro do Porsche e ligou o carro, abrindo a outra porta para mim logo após. Desconfiado, entrei.
– O que foi? Eu fiz ele ganhar o dinheiro dele de volta. – Ela disse, contente consigo mesma. – Mereço uma recompensa, não? E eu sempre quis dirigir um carro desses.
Não pude evitar rir.
(...)
– No que você acredita, Sebastian? – Bethany me perguntou, após um tempo sem conversas. Levantei uma sobrancelha, tentando entender ao que isso nos levaria. – Eu acredito em mim. – Disse.
Eu não fazia ideia do que ela queria que eu respondesse. Por isso, continuei a olhar para onde ela nos levava. Nos manteamos nos limites de Vegas, porém essa era uma estrada que eu nunca havia conhecido. O breu da noite deixava as coisas menos distinguíveis, mas eu não achava ser este o caso. Por outro lado, não havia absolutamente nada referencial, a vegetação era sempre a mesma, repetidamente. A cada quilometro que avançávamos, o cenário se repetia, como um espelho posto calculosamente...
– Pare o carro.
Meu pedido a deixou satisfeita e ela o fez com uma audácia pretenciosa no olhar. Sai do carro, chegando mais perto do trecho onde o cimento da rota se encontrava com a terra da paisagem. Me agachei, procurando sentir com as mãos a terra que havia ali, pegando uma porção desta. Por um momento, consegui, porém, ao invés de escorrer pelos meus dedos, a terra desaparecia por entre os mesmos. Peguei um punhado novamente. O mesmo resultado. Estava de noite, mas eu conseguia distinguir se a areia estava realmente escorrendo para o seu lugar original ou desaparecendo – literalmente.
Peguei meu celular do bolso, ligando a lanterna. Dessa vez, peguei uma grande quantidade e me levantei. Agora do alto, abri a mão e deixei a terra cair no solo enquanto iluminava o processo com o celular. No entanto, a terra desaparecia antes mesmo de sequer entrar em contato com o chão. Olhei para Bethany, buscando com os olhos uma resposta. Ela deu de ombros, pretenciosa:
– Você realmente não sabe no que acredita, huh? – Disse.
– Que lugar é esse? – Perguntei, tentando ver além do que a escuridão me permitia.
– Nesse momento, ele é esse nada que você está vendo. – Respondeu. – Isso reflete a sua crença no mundo, Sebastian. Terá que decidir no que acredita. Não pode simplesmente ficar em cima do muro.
Balancei a cabeça, não entendendo nada.
– Eu não faço ideia do que você está falando.
– Ah, você sabe sim. – Rebateu. – As coisas em que você acredita influenciam no modo como você vê o mundo. Não só o mundo que você conhece, mas também o mundo que eu conheço. Qualquer coisa, desde às mais simples até às que realmente importam, tudo em que você acredita conta. E você, parece não ter decidido no que acredita...
– E se eu decidir que acredito em nada?
– Então, estará acreditando em algo. – Sorriu orgulhosa de si mesma. – Porém, já passamos desse estágio. Você estranhou a paisagem e quis comprovar que algo estava estranho. Sendo assim, desceu do carro e viu que realmente há algo de errado. Qualquer um que soubesse no que acredita, teria visto a areia voltar direto para o chão ou estaria vendo o que eu estou vendo. Este lugar está te dando uma chance de você acreditar nele. Daqui pra frente, você só precisa acreditar que viu aquela areia desaparecer e que não há nada de errado com isso.
Parecia haver escolhas em suas palavras, mas a verdade era que eu já havia perdido minha chance de fazer escolhas há muito tempo; desde o primeiro momento em que a vi no Fantasy. Ela estava as fazendo por mim. Era quase como um jogo: ela tinha um propósito nisso tudo, ela precisava me fazer saber de algo; eu queria saber qual era a dela e a estava levando diretamente pra isso. Em meio aos objetivos, um acabava entrando na armadilha do outro, sem ganhos ou perdas.
– Eu acredito em você. – Dei a ela meu melhor sorriso, o qual foi retribuído por um do mesmo tipo.
À medida em que eu voltava a me aproximar do carro, a paisagem ao meu redor começava a se transformar. Os horizontes repetitivos se transformaram em construções de arquiteturas matematicamente impossíveis. Eram casas, prédios, todos com cores que espantariam até os mais liberais pintores.
– As pessoas aqui tem um gosto peculiar, não? – Falei para ela, entrando no carro.
– Você não sabe o quanto. – Ela disse, colocando os cabelos para longe dos ombros enquanto ligava o carro novamente.
Voltamos para estrada. A paisagem se modificando a cada vez que avançávamos. Agora era possível ver seres estranhos em janelas, regando plantas. Outros se mantinham em seus quintais, estendidos em cadeiras de praia como se a lua fosse o sol e eles estivessem na praia. Criaturas andavam pelas calçadas, conversavam, riam. Esse era o mundo delas. O Porsche que Bethany havia pegado emprestado chamava atenção de alguns, mas poucos olhavam para nós. E se o faziam, um olhar de desgosto crescia em suas faces.
– O que há, eles não gostam de Porsche? – Lancei para Bethany em tom de piada; era claro que o problema tinha a ver conosco e não com o carro.
Ela deu uma risada tímida.
– Eles não gostam de mim.
– Aceitável, eu também não gostei de você de primeira. – Provoquei ela, lhe mandando uma piscadela para deixa-la saber que não era verdade. – Brincadeiras à parte, o que fez pra eles?
– Eu simplesmente sou eu mesma. – Respondeu, dando de ombros.
Decidi não perguntar mais sobre o assunto: parecia que eu descobriria mais sobre isso em breve, e com isso, poderia tirar minhas próprias conclusões.
Mais alguns quilômetros e Bethany parou o carro em frente a uma enorme estrutura, a qual se assemelhava a um castelo medieval, só que mais chamativo do que os daquela época: o tom verde parecia estar por todo o lugar. Risadas altas vinha de lá de dentro, junto a música.
– Cabana Wilnersd, Sebastian. Sebastian, Cabana Wilnersd. – Bethany disse, um tom de deboche em sua voz.
O que acontece quando entrarmos aí? Eu quis perguntar. Porém, não o fiz. Eu descobriria assim que entrássemos.
– Parece o nome de um lugar que vou gostar de conhecer. – Falei e sai do carro.
– Opa, calma aí, apressadinho. – Bethany disse, fazendo o mesmo que eu. – Se acha que não gostam de mim, espera até você entrar aí sozinho nesse horário.
– Então eu tenho minha guarda-costas particular agora, huh? – Perguntei, cruzando os braços e dando a ela um pouco de prepotência fingida; a verdade era que a ideia me colocava em um estado que me lembrava meu principal e esquecido intuito com ela nesta noite; como a minta rota havia mudado tanto desde o pensamento de ter ela em cima – ou embaixo, eu não me importaria, seria bom de qualquer maneira – de mim?
– Eu com certeza posso dar um soco mais forte do que você.
Coloquei as mãos acima dos ombros:
– Eu vou pensar duas vezes antes de te deixar irritada.
Ela sorriu satisfeita com meu comentário e tomou a frente, passando pelo arco de concreto que levaria até à entrada da Cabana Wilnersd. Juntando as peças, tudo fazia sentido: ela não precisava de mim para defende-la daquele cara no Dezzart, ela precisava de mim para distrair o sujeito enquanto ela discretamente roubava as chaves dele. Scheiße, desse jeito ela me deixaria apaixonado.
A entrada para dentro da “cabana” era uma daquelas portas antigas medievais, larga e alta o bastante para três pessoas duas vezes maiores do que eu passarem. Sem cerimônias, Bethany empurrou a porta com as duas mãos, abrindo-a por completa e fazendo o barulho da música ficar ainda mais alto. Ela fez um maneio para que eu a acompanhasse e o fiz. O que se via primeiro era um grande salão, repleto de pessoas andando por ali e por aqui. Diferente do lado de fora, não haviam só criaturas estranhas, mas também humanos como eu e Bethany. Assim como também haviam criaturas meio-humanas, com uma parte do corpo sendo humana e a outra sendo de animais diversificados. Procurei por janelas, me dando conta de que não havia sequer uma por todo o lugar; respirei fundo, tentando esconder minha reação.
– Eu também odeio o fato de não ter rotas alternativas por aqui. – Ela disse, se aproximando para se fazer audível.
– É, deve ser um saco ter que dar socos na parede para cria-las. – Falei, desviando do real assunto.
– Pode apostar que sim. – Ela sorriu, começando a andar.
Ela seguia para o único balcão do lugar. Único, pois era imenso: ia de uma ponta até a outra da cabana, com exóticos atendentes fazendo exóticos drinques.
Bethany pediu algo para um sujeito aparentemente normal. Ele não demorou a voltar, trazendo consigo duas bebidas. Nada de whisky por aqui: do lado de fora do copo de vidro – com um formato quadrado – era possível ver uma faixa de cor rosa que se misturava com outra de cor verde, ambas em meio a aparência gélida que a bebida aparentava ter.
O cara deixou as bebidas no balcão, porém, antes de se afastar, olhou para Bethany e assentiu enquanto seus olhos verdes mudavam completamente para pretos em meio a uma piscada. Isso era novo. Assim que ele se distanciou, perguntei para ela:
– O que foi aquilo?
Uma risada cética me foi dada como resposta:
– Você não vê TV mesmo, hein? – Disse, pegando um dos copos. – Há quanto tempo você não assiste filmes, séries, Sebastian? – Riu de mim enquanto me dava o outro copo.
Pois é, eu estive um pouco ocupado esses tempos. Sabe como é né, matando pessoas e afins, isso requer boa parte do seu dia.
– Faz... um tempo.
Ela riu novamente, achando tudo muito engraçado.
– Ele é um demônio. – Respondeu, tomando um gole de sua bebida. – E pelo visto, uma das únicas pessoas legais nesse lugar. – Aumentou o tom de voz, tentando fazer sua voz ser ouvida por cima da música.
– Isso... isso já é demais. – Agora era eu quem ria com ceticidade. – Você sabe que dizendo isso você implica na verdade sobre diversas outras coisas, certo?
Ela me olhou cheia de si, parecendo orgulhosa de me ver dizendo isso:
– Hey, você disse que acreditava em mim. – E com o lembrete, ela bateu seu copo no meu. – Feliz aniversário. – Piscou, o mesmo preto de segundos atrás aparecendo agora em seus olhos azuis em meio ao ato.
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