1. Spirit Fanfics >
  2. (res)Surgir >
  3. Aquilatar

História (res)Surgir - Aquilatar


Escrita por: SilverCamellia

Notas do Autor


transitivo direto
p.ext. fig. apreciar, avaliar, julgar o valor de (alguém ou algo).

Capítulo 2 - Aquilatar


Fanfic / Fanfiction (res)Surgir - Aquilatar

O chiado de conversas era baixo e distante, porém parecia reverberar pelas paredes do quarto. A cama, obviamente de hospital, estava inclinada o bastante para que ele conseguisse comer a gelatina de potinho com tranquilidade, mesmo que suas mãos tremessem. Controle-se, Aiden. Resmungou mentalmente, vendo um pedaço da gelatina escorregar da colher e cair na camisola ridícula que usava, se unindo a dois pedaços que tiveram o mesmo destino, e que transformavam a barriga dele numa ameixa mutante. Bem, pelo menos não era aquelas camisolas de bunda de fora, ou ele teria desistido e se enfiado debaixo do lençol fino que cobria suas pernas pra fugir daquela loucura.

Se bem que sua definição de loucura tinha mudado radicalmente nas últimas horas, então ele simplesmente levaria a camisola de bundinha exposta como a parte mais ok do dia. Filmes de comédia sempre têm essas camisolas, então eu poderia só achar que é um sonho. E logo ao pensar isso, se repreendeu. Obviamente não era um sonho. Nem mesmo quando bebeu sem querer teve um sonho tão realista quanto esse.

Honestamente, Aiden queria arrancar a porta dos eixos e sair correndo gritando a plenos pulmões para se sentir minimamente normal. Nada disso parecia confortável, e só de ver a última enfermeira ele teve vontade de chorar. Ele não estava num hospital, mas sim na “ala de tratamento intensivo” de algum lugar que abrigava, aparentemente, enfermeiras de seis braços e olhos enormes e negros que pareciam encarar a sua alma. Mas tirando esses atributos assustadores, a autodenominada Lili era mais gentil que muitas pessoas, e deu uma gelatina de uva pra ele, então era um bônus.

E não parava por aí. Ao invés de cabos e máquinas apitando, o quarto estava quieto e praticamente vazio, ocupado apenas por Aiden, a cama e algumas... Orbes? Esferas? Bolinhas de gude mágicas que flutuavam e, de acordo com Lili-seis-braços, checavam basicamente seu corpo inteiro e iam piscar loucamente se algo desse errado? Bem, a sorte de Aiden era que não havia uma bolinha checando a sua mente ou o quarto seria uma balada.

Aiden, ou você aquieta esse rabo e para de endoidar sozinho ou você pula da janela. E o maior sinal de que estava oficialmente maluco era falar sozinho, algo que ele nunca fez antes. E nem tinha como ele pular da janela, porque o quarto era fechado e a única janela dava no corredor, e tinha gente olhando então ele definitivamente não ia se fazer de otário enquanto era vigiado e-

Ah. Claro. Ele se distraiu por cinco minutos e ta-da, tinha gente encarando ele do outro lado da janela enquanto ele, o espertão, encarava um potinho de gelatina como se fosse o culpado pela 2ª Guerra Mundial e fazia caretas estranhas. E o pior, era gente bonita encarando ele, gente bem vestida e arrumada como se fosse propaganda de alguma marca de roupa, e obviamente ele se sentia como parte do grupo dos feiosos & atrapalhados de algum filme clichê de ensino médio. Parabéns Aiden, aqui está seu troféu de otário.

Será que ainda dá tempo de me esconder debaixo do lençol? Cogitou, se sentindo um pimentão.

Do outro lado do vidro, duas pessoas, uma alta e outra mais baixa, o encaravam com a frieza que um cientista encarava coelhos fofinhos prestes a serem abatidos. A roupa em comum não ajudava muito; aparentemente um uniforme padrão colado, algo saído diretamente de algum filme do Resident Evil com os soltados uniformizados prontos pra matar a mocinha. Não que Aiden tivesse alguma ideia do filme, nunca teve vontade de assistir, e quase tinha apanhado de Natalia por ter dito isso em voz alta.

Ah, sim, verdade, pessoas uniformizadas encarando ele. Foco Aiden.

Porém, fora a roupa básica de soldado malvado, elas poderiam passar normalmente por um casal. Uma mulher alta, jaqueta de couro, batom preto, cabelo afro armado, e pele negra com manchas brancas que soaram um sino na sua cabeça. Ah, ela é tipo a Samanta. Associou, se lembrando de uma cliente com quem fizera amizade, que também tinha a pele assim. Vitiligo. Deficiência na produção de melanina. Como sabia disso ele já não tinha ideia. Porém, ainda era bonita e definitivamente alguém que faria Aiden recogitar sua existência.

Já a do seu lado, mais baixa, era... brilhante? Literalmente, ela parecia brilhar, emitindo uma luz fraca que refletia na jaqueta de couro ao seu lado. Que estranho. Pensou, mas ao lembrar da enfermeira, desconsiderou a estranheza da situação. Talvez algum acidente radioativo? Havia casos de pessoas que brilhavam por entrar em contato com elementos perigosos, talvez ela estivesse em tratamento. Será que ele também tinha passado por isso? Ele não foi a lugares diferentes e nem comeu nada estranho nas ultimas semanas, pelo menos nada que literalmente fosse-

E, enquanto pensava na possibilidade de contaminação, as meninas sumiram. As duas. Nem sinal delas. Já tinha começado a aceitar que finalmente tinha perdido a sanidade e o próximo passo era agir como um bebê quando a porta do quarto se abriu com um rangido e as ditas-cujas entraram, quietas e ainda encarando eles. Como elas conseguem me encarar e não bater em nada? Eu já teria caído de cara no chão.

-Ah... Sejam bem vindas? – Comentou, e imediatamente se arrependeu. Caralho Aiden, parabéns. Quer servir um cafezinho também?! É, definitivamente, Aiden ia pular pela janela e fugir aos berros para morrer de vergonha de uma vez.

-Bem, é gentil. – A mais baixa falou, a voz pouco mais que um sussurro, para a mulher a seu lado, que apenas suspirou.

-Então vamos retribuir a gentileza. – Com passos rápidos e determinados, ela se aproximou da cama rapidamente e, num movimento brusco que quase fez Aiden cair da cama, pegou a prancheta pendurada no móvel. – Aiden Ainsworth, 21 anos, trabalha numa cafeteria, mora em casa alugada, saúde impecável, sem nenhum problema, blá blá blá... – A negra foi lendo a ficha, com a seriedade de um policial irritado, o que fez sua companheira apenas enterrar o rosto nas mãos. – Olha, você tá de parabéns, viu. Muitos agentes tem dificuldades em montar um disfarce tão bom quanto o seu.

-Achei que sua gentileza ia ser mais educada, sua jamanta. – A pequena tomou a prancheta da mais alta, que fez um barulho de indignação. – Cala a boca. Desculpa por essa otária aqui, Aiden. Eu sou o Lumi, e essa jamanta bípede é a Siobhan.

Aiden não se movia. Ficou apenas parado, como uma pedra, encarando a mais baixa. Ou o mais baixo? – “O” Lumi? – A risada de Siobhan quebrou o silêncio, o que tirou Aiden de seu transe e fez o dito-cujo bater com a prancheta na cabeça da mulher, que se apoiou na cama para não cair.

-Carinha, eu te amo! – A negra abraçou ele, ainda dando risada, e desviou de outra pranchetada que acertou Aiden na testa. – Isso! – Comemorando como se fosse um gol, Siobhan finalmente desistiu de ficar sentada e deitou na cama, sua risada diminuindo.

-Desculpa! Siobhan, cala a boca cacete! – A prancheta acertou a barriga da mulher em cheio, que se contorceu em dor. – Sim, “O” Lumi. Porque você achou que eu era uma mulher? – O menino (porque Aiden duvidava que ele tivesse mais de dezesseis anos) encarou Aiden, como se a pergunta fosse válida.

-Você parece uma menina... – As ultimas risadas da negra encobriram o som da voz de Aiden, e Lumi apenas suspirou, batendo novamente em Siobhan. Com um suspiro de cansaço, ela se ergueu da cama, tomando a prancheta de Lumi e olhou para Aiden. –Tem alguma coisa na minha cara?

-Você parece alguém familiar. Cabelo legal. – Usando o bagunçar de cabelo como distração, Siobhan arrancou um adesivo grudado no braço de Aiden, que gritou e pulou pra trás. – Calma bichano, eu só to te tirando daqui.

-Calma?! Isso doeu! – Lumi riu um pouco, e ele ficou ainda mais vermelho. – Eu nem sabia que tinha um adesivo aqui... – As orbes, que antes iluminavam o ambiente, se dissiparam, deixando o quarto mais pálido e permitindo que Lumi brilhasse mais. – Porque você brilha?

-Eu sou um astrífero. – A resposta obviamente era pra ser entendida, mas se juntou a pilha crescente de coisas que Aiden não entendia nem um pouco. – Sabe, astrífero? Representação corpórea das estrelas? Quase extintos? Nada? Porra, Killina não colabora.

-Você é humano? – Lumi apenas o encarou com mais confusão, Siobhan o encarou rindo, e Aiden tinha certeza de que pintaram algo ridículo na sua cara pra eles rirem tanto. Isso, ou ele parecia muito estúpido. – Uma resposta? Por favor?

-Não, Aiden. Na verdade você é o primeiro humano a aparecer aqui. – Siobhan, mesmo rindo, parecia entender melhor como explicar tudo do que Lumi, que apenas o encarava. – Ok, vamos apressar as coisas. Você consegue andar já, então pega suas roupas naquele armário e se troca. E tenta ser rápido, senão vamos perder a carona. Se você for rápido, eu explico tudo no caminho.

Motivado, Aiden saiu da cama num pulo, abrindo o armário que Siobhan apontava e vendo uma muda de roupas prontinha pra vestir, junto com seu All-Star favorito e um pente. E então Aiden se sentiu muito envergonhado. Tinha duas pessoas o encarando com força, e ele ia ficar pelado na frente delas. Tudo bem, eram duas pessoas lindas que ele com certeza ficaria se possível, mas mesmo assim!

-Vocês poderiam, sei lá... – Sua voz falhou, e o jeito que os dois o encaravam apenas piorou a situação. – Sair ou virar de costas? Eu vou ficar pelado.

-Aiden, eu sou familiar com a anatomia humana, então se você não tiver tentáculos coloridos no meio das pernas, nada vai me surpreender. – E para provar que não ia sair de lá, Siobhan apenas encostou na parede e sorriu, de um jeito que fez Aiden tremer.

-Ok. – Em menos de um minuto, Aiden arrancou a camisolinha de hospital (sem cueca!) e se enfiou em suas roupas. Mas como ele não tinha coordenação motora nenhuma, ele colocou a camiseta ao contrário. – Eu sei que tá do avesso, foda-se. Eu vou colocar o moletom mesmo. – Dito e feito, o moletom de super-herói cobriu a camiseta, e ele sentou na cama para colocar a meia e o tênis. – E ai, quer ir explicando?

-Bem, ok. Vamos nos basear em... – A negra estalou os dedos algumas vezes, tentando se lembrar da palavra exata. – Sela, celulose... Células! Isso, células. O que você sabe de células, humaninho?

Sem parar de apertar o tênis, Aiden respondeu com eficiência. – Bem, vivem normalmente em aglomerados e compõem os seres vivos?

-Pensa mais no sentido delas próprias. – Lumi comentou, devolvendo a prancheta a cabeceira da cama.

Com os tênis já amarrados, Aiden pulou da cama e limpou as mãos nas calças, pegando o pente para arrumar o cabelo. – Possuem o núcleo, onde é armazenada a informação, mitocôndrias que produzem energia, etc.

-Tecnicamente, nós seguimos esse esquema. - Lumi abriu a porta, deixando os dois passarem na frente antes de fechar. -Temos uma espécie de célula grande dentro de nós, do tamanho de uma bola, que produz energia e contém nossas informações nela. Chamamos de Core.

-Então vocês são projeções? - As diversas janelas distraiam Aiden, que tentava observar a maioria das pessoas dentro dos quartos, mas teve de parar com os devaneios já que Siobhan falava.

-Quando surgimos, nossos cores produzem o corpo externo com partes dos lugares que surgimos. Se você é um animago, um tipo de criatura que pode se transformar em um animal, então seu corpo será composto de animais que você representa, entendeu?

-Bulhufas. - Aiden foi honesto, não adiantava se fazer de esperto com algo que ele não entendia nada só pra se confundir depois, e continuou seguindo as duas através de mais curvas e corredores.

-Por exemplo, Siobhan é uma selkie, uma espécie de animagos de foca, então sua parte orgânica, antes, eram focas. Mas não vivas, focas mortas. Eu, como um astrífero, sou originado de algo não orgânico, a luz das estrelas, então minha pele é mais dura. - Lumi explicou, parando em frente a uma porta e encostando na parede. - Daqui a pouco ela abre, ai a gente segue.

-Como assim mais dura? E faz alguma diferença? - O humano encostou na parede oposta, passando a mão pelo cabelo e mordendo a boca.

-Nossos cores atraem a parte orgânica, a “casca” - Siobhan fez aspas no ar, sentando no chão ao lado de Lumi. - sem realmente quererem. A parte orgânica define qual especie vamos ser, porque uma pequena parte entra no Core e transfere as informações necessárias. Então o resto vem, faz a casca e a parte de dentro é preenchida com a magia resultante, que se torna líquida. Mas o Core não gosta de ficar preso.

Lumi continuou para Siobhan, que pegou uma bala do bolso e jogou na boca. - O Core tenta fugir a qualquer custo. Um corte muito grande, por exemplo, é morte certa. Mas às vezes até mesmo um corte pequeno pode matar alguém, dependendo da idade do core.

-Ok, ok, espera. - Aiden ergueu as mãos, tentando entender tudo. - Então o Core não gosta de ter um corpo? E como assim idade do core? - O humano até que entendia tudo facilmente, mas ainda assim era algo complexo.

-Um core pode se tornar vinte criaturas antes de morrer. Quanto mais perto da morte, mais elástico ele fica, e se ele é muito elástico, ele se espreme até mesmo pelas feridas mais pequenas. Por isso temos de ser muito bons. - A selkie deu um sorriso, flexionando os braços em diferentes poses.

-Então conforme ele se transforma em criaturas ele perde a firmeza, ok, entendi. Mas ele vira a mesma criatura? Tipo, se a primeira versão dele for um selkie, então todas as outras vão ser selkies? - O humano perguntou, aceitando o doce oferecido pela negra, que repetiu o gesto com Lumi. No entanto, ele recusou.

-Não. O core pode virar vinte criaturas diferentes, mas nenhuma idêntica a outra. É que toda a informação é eliminada do core quando a criatura morre, então se você quer informação de alguém mas deixa o core da pessoa sair, a pessoa morre e a informação desaparece. - Um grupo de enfermeiras se aproximou, a mais a frente acelerando um pouco e inserindo uma chave na porta, que fez um barulho de sino e se abriu.

Para um corredor gigantesco. Absolutamente grande e majestoso. - Que. - Foi tudo que Aiden conseguiu falar, antes de ser puxado por Siobhan para o outro lado. - Como assim? Aqui é enorme!

Saindo do corredor, Aiden se viu em um lugar que parecia mais uma igreja exagerada, com o teto alto decorado com algo que ele mal conseguia enxergar, e corredores se estendendo em oito direções diferentes. As paredes predominantemente brancas eram cobertas por arabescos coloridos e mensagens em papéis de diferentes cores, alguns simples a caneta e outros obviamente mais complexos. Janelas altas deixavam a luz do entardecer passar, banhando o corredor branco em uma luz dourada, que fazia alguns lugares parecem em chamas. Centenas de portas cobriam os corredores, algumas obviamente mais importantes e outras mais simples, e várias abrindo e fechando, o barulho delas se misturando a cacofonia de falas das criaturas que andavam para todos os lados.

Aiden se sentiu tonto. Havia pássaros voando, seres com até dez braços, olhos brilhantes e presas afiadas, cabelos de todas as cores, bichos normais ou absolutamente estranhos caminhando, e a dupla que andava com ele desviando calmamente de todos, como se fosse rotina. Era uma torrente de informações na cabeça dele, e o humano queria voltar pro seu quarto calmo e quente, e dormir mais um pouco.

-Quer jogar algo na fonte? - A voz de Siobhan predominou por alguns instantes, e Aiden se virou para a mulher, que o mostrou um pequeno cristal e então o jogou na fonte brilhante. - Um tributo a Magik. Nossa deusa.

A referência de um nome fez Aiden olhar para a estátua que residia no meio das águas impecavelmente limpas. Uma face calma olhava para todos os objetos dentro da fonte, todos reluzindo como diamantes e se confundindo com os cabelos brancos e o vestido pálido, com bordas negras e opacas. A pele era a única coisa que parecia ter cor, a tez da estátua semelhante a cor das pessoas que ele via nos bairros latinos.

-Linda, não? - Lumi questionou, encarando a estátua com o carinho que alguém olharia para um familiar. - Ela nos protegeu por muito tempo. Agora lutamos em nome dela.

-Ela ainda nos protege. - Mesmo com o barulho de fundo, o mundo pareceu silenciar e destacar a troca de olhares tensa entre Lumi e Siobhan, a última encarando o astrífero como se fosse arrancar a garganta dele e ofertar seu core para a estátua.

-Uh, então, onde vamos mesmo? - O humano se colocou entre os dois, vendo Siobhan virar a cara e Lumi apenas suspirar. Mentalmente, agradeceu sua burrice de pular no meio do perigo, porque ele realmente não queria saber como um core era tão cedo.

-Encontrar Killina, líder do nosso grupo, coisa e tal. - A menção do nome fez alguns olhos virarem para o trio, antes de voltarem ao que faziam, e Lumi riu. - Ela é bem famosa. Vamos? - Aiden seguiu Lumi, que começou a andar em direção a um dos corredores, onde parou na primeira porta, que estava entreaberta. -Siobhan? - Ele gritou, atraindo a atenção da selkie, que passava os dedos na borda da fonte. Com passadas rápidas, Siobhan se aproximou deles, e abriu a porta, entrando com pressa. -Em dois minutos ela melhora, relaxa.

Lumi seguiu em frente, e Aiden apenas seguiu eles. Em ambos os lados, janelas longas mostravam criaturas treinando com facas, armas, magia ou no corpo-a-corpo. O humano tomou um susto ao ver um menino com chifres ser arremessado contra a janela e bater a toda força, o rosto esmagando contra o vidro. Ele lentamente escorregou, e Aiden achou melhor se apressar.

Andando pelos corredore de madeira clara, Aiden tentou lembrar de onde havia ouvido o nome Killina, e finalmente sua mente colaborou. Lili.

-Olha humaninho, você teve muita sorte que a Killina te salvou. Ela é rápida e te trouxe aqui antes que você sangrasse até a morte. E os pupilos dela são bons também. Você tá em boas mãos, ok? Agora para quieto que eu tenho de recolher uma amostra de sangue. Agulha? Não, não, eu faço com as presas mesmo!

A piada de Lili não tinha sido nem um pouco engraçada, mas a informação de Killina era boa. Então, seja lá que diabos tenha acontecido (Lojinha? Alguma coisa batendo nele com força?), essa Killina era a responsável por ele estar aqui. Ele havia pensado um pouco em como ela deveria ser, tentando usar sua memória para lembrar, mas desistindo quando ganhou gelatina.

Loira, talvez... olhos claros, certeza. Musculosa e forte, alta? Tinha certeza que fazia outra careta, mas como Lumi e Siobhan caminhavam a sua frente e discutiam algo, não se importou. Talvez tenha um bronzeado...

-Chega de devaneios, Aiden. Já chegamos. – O tom irônico de Siobhan deixou claro que ele fazia alguma cara estranha, e Aiden focou rapidamente, envergonhado. – Relaxa, Erin faz caras piores. Bem vindo a sala de treinamento.

Com um chute, a selkie arrombou a porta e gritou uma saudação para os presentes. Desviando dela, Lumi se dirigiu a um canto e começou a conversar com um menino meio cinzento que se apoiava na parede.

-Hey, novato! – Um grito chamou sua atenção, e Aiden se viu encurralado por dois metros de suor e pele negra.

-Esse é o Leo, outro animago nosso. Agora ele vai tomar conta de você porque eu já fui babá o bastante. Bye bye! – Comentou Siobhan, dando um tapa no braço do de Aiden e se afastando. O humano sentiu vontade de seguir a selkie, com medo do ser alto e de dentes pontudos em sua frente. –Ele não morde! – Dando risada, Siobhan se afastou, indo conversar com Lumi e o menino-cinza.

-Ah, desculpa, eles ficam um pouco grandes quando eu luto. Aiden, certo? – Exclamou o garoto, estendendo a mão para um aperto. – Como a Sio disse, meu nome é Leo. Sou o expert em batalhas físicas desse time. E responsável pelos treinos quando a Killina tem de sair.

-Prazer. – Aiden murmurou, ainda assustado com os dentes de Leo. Sério, como é que eles cabem na boca dele?! Perguntou-se mentalmente, e resolveu se distrair antes que fugisse a toda velocidade. – Posso te pedir uma coisa? Todo mundo fala dessa Killina, que ela é forte e tudo, mas... quem é ela? Ela tá aqui, não?

-Aquela ali. – Replicou Leo, apontando para o centro da sala, onde duas pessoas lutavam a toda velocidade. Uma delas, de jaqueta rosa, parecia ter dificuldades em barrar os chutes potentes do inimigo, tentando atacar com um bastão, mas sendo bloqueada por... algo.

-Qual delas? – Perguntou novamente, conseguindo encaixar os dois borrões em sua ideia de Killina.

-Ah, duh! – Leo deu um peteleco em sua testa, e corrigiu seu erro. – A mancha rosa neon é Erin, e a escuridão sombria de foice é a Killi- ai minha santa Magik olha aquele chute! – Aiden pulou para o lado, se afastando de um animado Leo que correu até a luta. –VEM NOVATO! - O grito de Leo atraiu a atenção de alguns, que seguiram o animago.

Receoso, Aiden se aproximou enquanto palmas ressoavam pelo recinto, alguns lutadores se dirigindo até a porta. Quando conseguiu passar pelo pequeno grupo que ocupava sua visão, pode enxergar melhor os combatentes.

A “mancha rosa neon” era uma menina de cabelos longos, loiros e olhos verdes, alta e... bem, gostosa. Se encaixaria perfeitamente como Killina se não tivesse um par de chifres em sua cabeça. Ou seria um chifre e meio? Aiden resolveu deixar essa questão de lado e se focar na outra pessoa.

E, bem, se ela era realmente Killina, então Aiden nunca apostaria na Mega-Sena; sua salvadora era baixinha como Lumi, com cabelos brancos e pele bronzeada. A roupa estava manchada de suor e ela estava ofegante, se apoiando numa foice prateada. Parecia acabada. Mas ainda assim, quase desfalecendo e com um sorriso na cara, algo parecia assustador nela.

-... e tente treinar mais sua defesa embaixo. Ah, Leo. Já fez os exercícios que eu mandei? – Questionou a mulher, girando a foice em suas mãos. Os dois homens deram um passo para trás de puro medo.

-Ah, sim, já fiz. – Leo respondeu, e logo em seguida empurrou o humano para frente. – Aqui está a sua encomenda. Siobhan trouxe ele com o Lumi então não me culpa!

-Relaxa, cabelão. Chama aquele bando de trouxas logo, vamos voltar antes que fechem as salas. – Killina ordenou, apontando para o grupo que havia aumentado e conversava mais alto no canto. Enquanto ele se afastava, Aiden se sentiu um pedaço de carne sobre a vistoria de Killina. É assim que as meninas se sentem nas baladas? Se perguntou, ficando tenso inconscientemente.

Após alguns segundos em desconfortável silêncio, resolveu falar. – Você é a Killina? – Péssimo erro. A mulher finalmente o encarou, erguendo a sobrancelha do olho azul enquanto o vermelho o encarava fixamente.

-Óbvio. E você até que parece melhor. Sua perna está melhor e a marca na sua cara também sumiu. Como estão seus reflexos? – Aiden desviou por pouco de um tapa na cara, encarando a mulher com incredulidade enquanto ela dava voltas nele.

-Eu estou ótimo, obrigado. – Agradeceu inconscientemente, tentando encarar mais a pessoa- ok, não. Ela com toda certeza não era humana, porque nenhum humano conseguiria dar um salto muito complexo e elaborado tão rápido só pra assustar ele.

-Bom. Sua recuperação foi rápida, mas não tenho garantias de que você tá fisicamente pronto, então seu treinamento começa semana que vem. Vou te apresentar a sua nova casa. Sábado você pode ir ao seu apartamento pegar suas coisas e acertar tudo com a proprietária. Se alguém perguntar, você vai viajar. Eu vou passar a maior parte do tempo resolvendo papelada então você pode assistir os treinamentos de amanhã e sexta. Alguma pergunta?

O silêncio entre eles era desconfortável, e Aiden tinha medo de falar, mas, que se foda, sua cota de aceitar quieto tinha enchido completamente.

-Muitos. Quem exatamente é você? O que caralhos eu tô fazendo aqui? Porque eu não posso voltar pra casa? Onde eu tô?! – Aiden finalmente sentiu o peso daquele dia desmoronar sobre sua cabeça, e ele sentiu vontade de chorar. Era tudo estranho, tudo desconhecido, ele estava absolutamente perdido e, pelo que tinha entendido, não poderia mais ver sua família, seus amigos ou voltar pra sua vida normal. Sentia apenas um nó na garganta e um queimar nos olhos, até que foi forçado a encarar a mulher a sua frente contra sua vontade.

Dois olhos diferentes, estranhos e assustadores o encaravam. Pareciam tentar entender algo, piscando repetidamente e querendo alguma resposta que não estava com ele. Os olhos se fecharam, ele ouviu um suspiro, e ela se levantou. – Desculpa. – Ele ouviu, e notou que estava ajoelhado, chorando, e o pequeno grupo do canto os encarava. No entanto, tudo isso foi ignorado, porque Killina continuou falando.

-Eu esqueci que nem todo mundo aceita tudo tão rápido. Eu sei que é estranho e desconfortável, e não tem motivos pra você acreditar em mim, mas eu juro que eu não tô fazendo isso por diversão. Se você vier comigo, eu te explico melhor. A casa é confortável, você vai ter seu quarto e vai poder ouvir-

Num segundo, ele conseguia ver, meio borrado por conta das lágrimas, a figura de Killina na sua frente, e no outro, tudo ficou escuro.

-minhas piadas brilhantes. – Uma série de suspiros se seguiram, com um gemido de agonia no meio, e Aiden conseguiu rir um pouco, apesar da situação. – Okay Lumi, hora de nos iluminar com a sua presença.

-Killina, pelo amor de Magik... – Resmungou Siobhan, a bota fazendo um som ritmado no chão de madeira, e lentamente a figura de Lumi se iluminou, como uma vela pálida no escuro.

-Sigam a luz, crianças. – Ordenou a mulher, puxando Aiden para ele se levantar. Aiden continuou rindo, as piadas de Killina melhorando um pouco o seu humor. Na luz fraca de Lumi, ele conseguiu ver a mulher dar uma piscadela para ele, um sorrisinho em seu rosto.

-Depois dessa, eu desisto de fazer a janta! – A voz de Leo soou, vinda da porta do local, para onde os passos se dirigiam. Aiden seguiu eles, se vendo de volta ao corredor claro.

O humano se manteve quieto durante o trajeto, apenas vendo todos conversarem sobre táticas ou comida ou sobre a forma de fulano lutar. Ainda estava surpreso que não tinha surtado com mais força, e que tudo aquilo parecia familiar e normal.

Quando o grupo retornou ao hall, ele estava mais vazio, e pequenas luzes brancas iluminavam as paredes. O céu estrelado brilhava pelas janelas, a luz iluminando a fantasmagórica deusa da fonte, e o menino-cinza jogou algo dentro das águas, agora escuras como piche.

-Bu. - Siobhan surgiu do seu lado, e Aiden quase se jogou na fonte. - Relaxa. Olha, a menininha do chifre colorido é a Erin, uma succubus e o cinzinha é o Nico, nosso necromancer. Eles são meio tímidos, mas são uns amores. A Jess não tá aqui, ela tá em casa, então você ainda vai conhecer ela.

-Vocês parecem bem confortáveis entre si. - Ele comentou sem pensar, se sentindo meio fora da conversa de todos. - Como uma família.

 

-Somos uma família. Sem brincadeira. - A selkie encarou o humano, um sorriso triste no rosto. - Não somos humanos, Aiden. Não precisamos que dois se juntem para um nascer. A maioria nasce sozinho, vive sozinho e morre sozinho. Alguns podem ir pra tribos, outros não, então nós somos tudo o que temos. Sendo bem honesta com você - Nesse momento ela passou a mão pelos cabelos, parecendo um tanto quanto desconfortável. - Se não fosse pela Organização, eu já teria matado todos eles para sobreviver. - A mão com pequenas manchas mostrou o hall, onde as pessoas caminhavam sem a pressa de mais cedo, e Aiden entendeu o que ela dizia.

-Se vocês não tivessem um motivo para se unir, não seriam mais do que bestas inconsequentes. - Ele completou, olhando para o grupo que seguia em direção a uma porta de madeira mais escura, no fundo do corredor.

-Se eu não tivesse motivos para viver, eu seria uma besta inconsequente. - A correção de Siobhan fez o humano olhar pra ela, que deu de ombros. - Todos nós estamos aqui por algo. Não temos lugar pra ir, precisamos de ajuda, buscamos algo que nos guie. A Organização nos ajuda com tudo isso. E nós ajudamos ela em troca.

O grupo entrou num corredor que parecia ser de um hotel. Papeis de parede decorados, carpete macio e luminárias laranjas intercalando com portas diferentes. Plaquinhas indicavam a quem pertenciam. - O caminho da utopia? - Ele arriscou, olhando para o padrão geométrico do carpete.

-Melhor. Uma banheira cheia de água quente e perfumada, que me enche de vigor. Um copo de chocolate quente, me acalmando e me dando forças. Ou uma cama macia com um monte de cobertores, algo que me protege e me mantém segura. - A voz melancólica, o cheiro suave de doces no hálito leve e a luz amena nublaram a mente do humano, e ele sentiu um calor se aproximar de si, um abraço invisível de seja lá o que Siobhan tanto gostava ali. Mas algo chamou sua atenção.

-O que te machucou, Siobhan? - O que te fez querer essa segurança? Qual é o nome do seu medo, que te faz precisar de força e vigor para o encarar? Ele queria perguntar, mas sua lingua estava pesada e as palavras levavam muito tempo para formar. Uma porta foi aberta, e risadas foram dadas. O cheiro de sopa invadiu suas narinas, e seu estômago roncou de fome. Ele viu um cabelo igual ao de Siobhan, mas rosa e baixo, se movendo pela cozinha.

Guiaram seu corpo para o sofá, e ele afundou nas almofadas macias enquanto todos conversavam, sua mente escurecendo com o cansaço e o sono, mas tentando permanecer alerta. Ele ouviu seu nome mas não conseguiu responder, piscando lentamente. Passos próximos, uma sombra tampando a luz suave do teto, e Killina ergueu seu queixo e observou seu rosto, suspirando em seguida. Ela se afastou, todos encararam ele e Siobhan se aproximou, o erguendo sem esforço e o levando para algum lugar.

Uma cama, ainda mais confortável que o sofá, e ele ouviu uma canção de ninar em algum canto do quarto. Alguém jogou um lençol nele, Siobhan? E tudo pareceu escurecer e se misturar num borrão, e antes de deixar o sono engolir ele, seu cérebro registrou uma única frase, saída da boca de Siobhan, carregada de tristeza.

-Os bonzinhos, Aiden, eles me machucaram.

E então, escuridão.

 


Notas Finais


nhenhe, tá ai, o primeiro capítulo <3
o segundo vai demorar um pouco, maaaas, ao menos ele tá pronto
editar coisas é um saco uhuuu
comentários/favoritos/essas coisinhas fofas são sempre bem vindas, e qualquer dúvida só me chamar no Twitter
flws <3


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...