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História Rex Meus - Sempre foi, sempre será


Escrita por: caulaty

Capítulo 16 - Sempre foi, sempre será


A mão era leve, suave, e mexia-se pela superfície da água como uma espécie de peixe, causando um som estranhamente relaxante. Os dedos surgiam em meio à espuma conforme a mão brincava, depois mergulhavam novamente na água morna como se pretendesse se esconder de algo. A sensação era agradável, o cheiro era mais ainda. Pip Pirrup esfregava o couro cabeludo do rei com suas mãos delicadas, massageando sua cabeça, sentindo os cabelos ruivos e macios entre seus dedos. Pip gostava de lavar o cabelo do rei. O banheiro era amplo e bem iluminado durante a manhã pela janela imensa que tomava quase uma parede inteira, proporcionando uma vista espetacular da floresta que parecia infinita de lá de cima: não era possível ver seu fim, ela se estendia até onde os olhos alcançassem o horizonte, milhares de árvores de diferentes espécies formando um manto que era tão verde durante o verão e tão branco durante o inverno. O sol estava gentil naquela manhã em especial, aquecendo-os com seus raios que ultrapassavam o vidro da janela.

Kyle suspirou profundamente, esfregando a nuca úmida e cheia de espuma.

Pip, aquele rapaz tão esguio e simpático pelo qual todos – especialmente Kyle - tinham adoração, desceu as mãos quentes pelos ombros do rei, timidamente sentindo-os sob suas palmas. A pele molhada e macia do rei tornava tão fácil escorregar as mãos, sentindo os músculos tensos por baixo, massageando-os delicadamente com os dedos. Pip já havia lavado os cabelos do rei e dado-lhe banho incontáveis vezes, enquanto o corpo cansado de Kyle relaxava na banheira de porcelana, então já havia intimidade no toque, não mais aquela restrição assustada por tocar alguém tão importante. Kyle ria da vergonha de Pip no início, o rapaz britânico podia se lembrar. Foi o próprio Kyle que tomou as mãos dele e mostrou como tocá-lo nos ombros, nos braços, no pescoço e no peito, muitas vezes nos pés também, nas pernas e coxas. Pip esfregava a pele do rei com uma esponja, massageava-o e servia vinho durante seu banho. Quase sempre, os dois conversavam. Mas não naquele dia.

-Perdoe-me, Vossa Graça, há algo errado? Não estou fazendo direito?

-Hm? – Kyle murmurou, com a própria mão cobrindo a boca, virando o rosto um pouco de lado, sem propriamente virar-se para encarar o homem sentado atrás dele. Como Pip continuou em silêncio, voltando a massagear os cabelos ensaboados do rei, ele afastou a mão da boca e perguntou em uma voz mais alta. – O que você disse, Pip?

-Perdoe-me. – Ele repetiu, mais baixo. – Eu não devo ser intrometido.

Sem aviso prévio, o rei deixou que seu corpo deslizasse na banheira para mergulhar, até que seu último fio de cabelo estivesse submerso, e assim ficou por cerca de seis segundos. Foi tempo suficiente para que Pip esfregasse as mãos molhadas no tecido da calça, um tanto nervoso. Vestia uma calça cor de creme que estava dobrada até os joelhos; a cor clara permitia que as manchas molhadas aparecessem tragicamente em suas coxas, mas o loiro não reparou nisso até que o rei surgisse novamente na superfície, são e salvo. O britânico não acreditava realmente que ele pretendesse se afogar em sua própria banheira, não com todas as responsabilidades que ele tinha. Era um pensamento tolo, Pip sabia, mas não pode conter o alívio quando Kyle virou a cabeça para encará-lo, as bochechas coradas pelo calor da água, diversas gotas escorrendo pelo seu belo rosto. Com o banheiro tão claro daquela forma, podia-se enxergar muito bem as sutis sardas nas maçãs do rosto do rei, algo que deixava-o com a aparência de um menino. Pip temia profundamente pela melancolia nos olhos dele desde que tudo aconteceu.

Não podia acreditar, quando lhe contaram que o humano, irmão da princesa, era realmente um infiltrado de Kupa Keep. Quem lhe deu a notícia foi o cozinheiro, um homem de cabelos e bigode quase tão vermelhos quanto os do rei. Darryl Weathers, era o seu nome. Darryl era um analfabeto de poucas maneiras, é verdade, mas Pip o admirava imensamente porque nunca conhecera alguém tão ético em toda a sua vida. Para ele, certo era certo e errado era errado, sem meio termo. “O bastardo foi jogado na masmorra, teve o que mereceu”, foi o que o cozinheiro disse sobre Kenny McCormick. Pip ainda não podia acreditar que um homem tão belo, tão gentil, de tanto charme e tanta inteligência, poderia ter sido capaz de algo do gênero. E pelo olhar que o rei carregava em seu rosto era evidente que ele também tinha dificuldade de acreditar.

-Pip, há quanto tempo nós nos conhecemos? – Kyle perguntou, virando o torso de frente para o garoto enquanto passava as mãos pelos próprios cabelos, torcendo o excesso de água.

-Uh. Ahn... Há mais de vinte anos, eu acredito, Majestade.

-Então me parece uma bobagem que você não possa se intrometer. – O rei disse com um sorriso fraco, voltando a virar de costas.

Pip hesitou por alguns instantes, mas acabou por alcançar a esponja encharcada para esfregar as costas do rei, pensando em silêncio. Kyle não insistiu mais; apoiou os braços nas laterais da banheira, respirando profundamente, sentindo os músculos relaxarem um pouco sob o toque suave do garoto.

-Você apenas me parece muito triste, Majestade. Isso é tudo.

-Deve ser porque eu me sinto triste.

A resposta veio em forma de um gemido curto e contido, e Pip engoliu seco, encarando a parte de trás da cabeça do rei fixamente. O pescoço era longo e fino, a pele era branca como leite de algodão, com um pequeno sinal no ombro esquerdo, e os cabelos molhados tinham um tom de vermelho tão escuro que chegava a parecer castanho. Torceu a esponja sobre os ombros do rei, depois fez uma concha com a mão para jogar um pouco mais de água sobre a pele macia de Kyle, enxaguando a espuma.

-Há... Há rumores. De que o prisioneiro será executado. Bem, não são rumores exatamente, foi Darryl quem me contou. – Pip prosseguiu baixinho. Então, em um tom mais alto e apelativo: - Por favor, não brigue com ele.

-E você não gostaria de ver isso acontecer, não é mesmo? O prisioneiro sendo executado.

-B-bem. Ahn... Não, Vossa Graça, eu... Eu compreendo que o crime que ele cometeu foi terrível, enganando a todos dessa forma, mas eu não gostaria de vê-lo morto.

Kyle massageava as próprias mãos enquanto o ouvia, encarando a vista da enorme janela. Tinha todo o Arvoredo à sua frente, todas as árvores e rios que cortavam entre elas, todos os elfos que trabalhavam nas florestas cortando lenha, caçando animais, vigiando. Lá de cima, todos pareciam pequenas formiguinhas trabalhadoras.

-Você acredita que ele mereça misericórdia, Pip?

-Eu jamais questionarei a sua vontade.

-Não foi essa a minha pergunta.

Antes que o escudeiro pudesse separar os lábios para responder, uma voz forte o interrompeu; alguém havia adentrado o quarto e chamava pelo rei.

-Aqui dentro. – Kyle respondeu, levantando o queixo para projetar a voz.

Em poucos segundos, Stanley empurrou a porta entreaberta do banheiro cautelosamente. Pip virou a cabeça para recebê-lo com um sorriso caloroso. Havia uma mesinha logo ao lado da banheira, com uma bandeja cheia de apetrechos e frascos, onde Pip colocou a esponja úmida e alcançou uma toalha cor de salmão para secar as mãos brevemente, antes de ajeitar a boina no topo da cabeça. Assim que o guerreiro avistou a cena, o corpo do rei relaxado na banheira com os braços apoiados nas beiradas, uma perna descansando sobre o joelho dobrado, aparecendo para fora da água, imediatamente Stan abaixou a cabeça e tentou conter um rubor na face, encarando o chão de madeira. Virou um pouco de lado, limpando a garganta.

-Perdão, eu não quis atrapalhar.

Kyle soltou uma risada fraca, esticando o braço para sinalizar que ele chegasse mais perto, chamando-o com a mão.

-Não seja tolo, Stanley.

O guerreiro ergueu o olhar timidamente, dando alguns passos adiante. Kyle se virou na banheira para enxergar o rosto redondo de Pip, que endireitou as costas no banquinho e encarou o rei como se estivesse prestes a ouvir uma ordem muito importante, erguendo as sobrancelhas.

-Isso é tudo, Pip. Obrigado pela companhia, agora nos deixe a sós.

Levantando-se do banquinho e fazendo uma breve reverência, Pip assentiu com a cabeça, segurando sua boina para que não caísse.

-Eu estarei à sua disposição, Vossa Graça. Chame se precisar de mais alguma coisa. – O garoto disse com um sorriso gentil como só as crianças sabem sorrir, caminhando na direção de Stanley enquanto ajeitava a própria lapela do colete vermelho que vestia, cumprimentando o guerreiro com a cabeça enquanto passava por ele. – Tenha um bom dia, meu Lorde.

-Você também, Pip. – Stan respondeu, retribuindo o sorriso com a mesma amabilidade.

Então, eram apenas os dois.

Assim que a porta se fechou atrás do guerreiro, Kyle esticou mais a mão erguida no ar, movendo os dedos brevemente com elegância, e Stanley compreendeu a ordem não verbalizada; aproximou-se o suficiente da banheira e tomou a mão do rei com a sua, inclinando-se para projetar um beijo longo nas costas da mão dele, roçando a ponta do nariz gelado contra a pele úmida enquanto o fazia. Kyle sorriu para ele como quem concebe um arcanjo, dizendo com alegria:

-Se não é o meu corvo corajoso.

Quando Stan se endireitou, o rubor continuava pintando sua face, embora fosse menos evidente. O guerreiro soltou a mão molhada do rei e limpou a garganta, um tanto sem jeito, alcançando o banquinho no qual Pip estava sentado, arrastando-o para a lateral da banheira de forma que ele pudesse enxergar o rosto do rei quando se sentasse.

-Perdão, Vossa Graça, eu não sabia que estava no banho.

-Não me chame assim. Não há ninguém aqui. – Ele respondeu em um tom de autoridade, franzindo a testa enquanto dava uma boa olhada no outro homem. Stanley vestia azul e marrom naquela manhã, duas cores que o deixavam ainda mais bonito contrastando com a pele levemente bronzeada pelo longo treinamento no sol, o cabelo preto como o breu, o maxilar quadrado o rosto simétrico. Os detalhes prateados de todas as vestimentas da guarda real brilhavam pelos raios de sol, e os olhos azuis de Stan pareciam muito mais claros do que de costume. Kyle ergueu o queixo de leve enquanto o estudava, roçando os dedos pela própria bochecha. – O que diabos eu estaria fazendo aqui, senão tomando banho?

O comentário pareceu deixar o guerreiro mais desconfortável do que era intencionado. Mantendo uma expressão terrivelmente séria, deitando a cabeça um pouco de lado enquanto observava Stan – que mantinha os olhos fixos no chão -, o rei ergueu uma palma sobre a água lentamente e bateu com força para que as gotas espirrassem no guerreiro, rindo baixinho quando ele se assustou. Escorregando na banheira aos poucos, Kyle abriu a boca para tomar um pouco de água entre os lábios, voltando a se sentar apenas para cuspir a água em Stanley como um chafariz, rindo como uma criança a essa altura, quando o guerreiro cobriu o rosto com um braço e gargalhou, clamando em voz alta:

-Pare com isso, o que você...?

Stan se levantou do banquinho brevemente para alcançar o corpo nu do rei em uma ameaça de cócega, colocando a mão dentro da água quente para apertar a barriga dele, mas Kyle se encolheu rápido demais e o guerreiro logo recuou com um sorriso largo no rosto, voltando a se sentar.

Kyle ainda ria, e agora era ele quem parecia um tanto envergonhado, mas a expressão logo se desfez com um suspiro profundo, dando lugar a uma seriedade característica.

-O que o trouxe até aqui?

-Oh. – O guerreiro respondeu como se tivesse sido pego desprevenido, colocando as mãos sobre os joelhos. Uma de suas mãos, um pouco da calça e parte do manto que o envolvia estavam agora molhados por respingos, mas ele não deu atenção a isso. – Nada em especial. Pensei que pudesse querer companhia. Você... – Ele desviou o olhar por um instante. – Não tem saído muito do quarto ultimamente.

Pela primeira vez durante aquele banho, Kyle esticou a mão para alcançar a taça de vinho servida por Pip vinte minutos atrás. Ele não pretendia bebê-la, não àquela hora da manhã; chegou a dizer isso ao escudeiro, mas se Stan quisesse entrar em determinados assuntos, a necessidade se fazia maior. Entornou um gole longo e satisfatório, sentindo o líquido queimar em sua garganta antes mesmo que ele fizesse o desjejum, e o tempo inteiro, os olhos de artilheiro de Stanley o observavam com curiosidade. Kyle não colocou a taça de volta na mesinha, continuou segurando-a entre os dedos com o braço apoiado na borda da banheira, encarando a vista da janela, mas sem absorver nada do que seus olhos enxergavam.

-Não me sinto bem.

Um sorriso triste brotou nos lábios do guerreiro, mas Kyle não chegou a perceber, pois não o encarava. Stan colocou uma mão carinhosa no braço úmido do rei, acariciando a pele macia por baixo de sua palma. Kyle não reagiu, mas agradeceu silenciosamente a todos os deuses por aquela mão; o toque era firme, porém gentil. Podia sentir os calos que Stan sempre tinha, pelo uso da espada, a sensação da pele rude contra a dele, o calor daquela mão, até mesmo o sutil aperto agoniado que ela deu, aquela foi a coisa mais reconfortante que Kyle sentia em dias.

Era tão simples com Stanley. Tão certo. O guerreiro o conhecia por dentro e por fora, sabia exatamente de tudo que ele precisava e quando ele precisava.

E o pensamento trouxe uma camada fina de lágrimas aos olhos do rei, que escorreram assim que ele piscou, misturando-se às outras gotas em seu rosto molhado, como se o choro pudesse ser encoberto: aquilo tornou muito mais confortável demonstrar fraqueza, a sensação de que ela poderia ser lavada. Kyle finalmente virou o rosto para Stan, e o sorriso triste continuava ali.

-Eu sempre escolho os homens errados, não é mesmo? Os mais inapropriados, os mais imundos. São sempre com esses que eu acabo me envolvendo. – O rei murmurou baixinho, agora olhando para baixo, como se aquilo lhe causasse algum tipo de vergonha.

E para a sua surpresa, Stanley riu.

Kyle franziu as sobrancelhas em uma expressão irritada, abrindo um olho mais do que o outro, parecendo genuinamente ofendido pela gargalhada tão honesta que o guerreiro deu sem querer. Ele podia ver nos olhos de Stan o quanto o impulso foi incontrolável. Stan afastou a mão do braço dele, o que levou Kyle a dar mais um gole no vinho doce, perguntando assim que engoliu o líquido:

-Desculpe, a minha desgraça é engraçada pra você?

-Não, não. – Ele disse com um sorriso contido, esfregando a nuca. – Perdoe-me, Majestade. Eu apenas me lembrei do Standish.

Standish foi um homem da mesma faixa etária que Gerald Broflovski, com o qual Kyle se envolveu da forma mais inapropriada possível, dentro dos estábulos, sobre uma pilha de feno, quando o príncipe tinha de quinze para dezesseis anos. Kyle lembrava-se dele até hoje como um dos homens mais belos que já pisaram na face da terra, com longos cabelos castanhos ondulados, uma barba protuberante, olhos pretos como os de um animal selvagem, braços mais grossos do que as pernas de Kyle na época, o peito e as costas tão largos e fortes e duros que resistiriam a qualquer força da natureza, e vestia sempre camisas com os primeiros botões abertos, expondo os pelos do peitoral. Ele cuidava dos estábulos. Não era um homem letrado, nem mesmo era muito inteligente, mas sabia usar as mãos calejadas como ninguém. Era bom com a espada, também, Kyle se lembrava. O tipo de homem que ninguém ousaria ameaçar.

Eles foram pegos no estábulo uma tarde, pela garota ruiva que auxiliava no parto das éguas. Quando Gerald Broflovski soube do segredo, Standish quase perdeu as mãos e Kyle quase foi deserdado. Se Sheila Broflovski ainda fosse viva na época, as consequências muito provavelmente teriam sido essas. Ao se lembrar do rosto de seu pai, que parecia muito mais confuso do que furioso, Kyle soltou uma gargalhada também. E Stan o acompanhou novamente, porque a reação de Gerald foi algo sem preço. Ele gaguejava tanto que não sabia por onde começar o sermão.

-Céus. O que aconteceu com ele? – Stan perguntou.

-Não sei ao certo. Meu pai o mandou embora, lembra? Mas ouvi rumores de que ele foi morto em uma briga de bar, com uma garrafa quebrada. Não me surpreende, era um bêbado encrenqueiro.

Kyle colocou a taça sobre a mesa, enquanto Stan erguia as sobrancelhas em surpresa pela casualidade do comentário. Os dedos do rei já estavam enrugados pela água.

-Aí está seu gosto para homens, Senhor Broflovski. – O guerreiro comentou com um sorriso no canto dos lábios, alcançando a taça deixada sobre a mesa para erguê-la como quem propõe um brinde, logo a colocando de volta.

Mesmo quando Kyle sorria, Stan ainda podia ver a superficialidade de qualquer sentimento transparecido em seu rosto, porque por trás de qualquer expressão que o rei oferecesse, havia apenas vazio. Algo dentro dele havia quebrado, e Stanley desejava desesperadamente saber como consertar. Aos poucos, o sorriso se desfez nos lábios do rei, que voltava a encarar a belíssima vista da janela, e Stan foi tentado a virar a cabeça para encarar também. O silêncio era sempre confortável entre eles.

-Dá para ver o Rio da Ursa daqui de cima. – Stan comentou casualmente, apoiando uma das mãos na borda da banheira enquanto virava o corpo para enxergar a vista. Havia encantamento em sua voz, do tipo que sempre deixava o rei fascinado. – Eu passei por ele no meu caminho até aqui.

O rio era estreito, porém, o de maior extensão do Arvoredo. Cortava pelo reino inteiro, provendo água para os moradores, pois era potável, cristalina, tão transparente que ainda se podia ver o fundo de pedras. Agora, estava congelado. Mas durante o verão, todas as crianças do reino brincavam nuas, mergulhando, tentando pegar os peixes com as mãos. Não era um rio muito fundo.

-É tão bonito. – O rei disse com um suspiro.

O guerreiro demorou um pouco para virar o rosto para o rei, prendendo a respiração sem sequer perceber, enquanto os olhos analisavam o pescoço longo e exposto dele, o peitoral, os mamilos rosados, levemente arrepiados de frio. Foi apenas um segundo em que Stan se permitiu vaguear com o olhar, mas prontamente voltou a encarar o rosto de Kyle, e ofereceu um sorriso sincero, assentindo com a cabeça antes de voltar a se virar para a janela.

-Estava me lembrando, quando passei pelo rio... De quando nós brincávamos na ponte, você se lembra? Primeiro, nós só tínhamos gravetos.

Kyle deitou a cabeça um pouco para o lado, abrindo um sorriso doce enquanto a lembrança invadia sua mente.

-É claro que eu me lembro. Seu pai talhou à mão aquelas espadas de madeira, para que nós não tivéssemos que usar gravetos. Ficaram incríveis.

Randy Marsh era um homem do qual Kyle lembraria sua vida inteira com amor, o mais puro e genuíno tipo de amor que se pode ter. Era um homem bigodudo e beberrão, que falava alto demais e era extremamente inconveniente, mas enquanto crianças, eles não se davam conta das atitudes estúpidas de Randy. Ele tinha um coração tão imenso que não cabia no peito, e cuidava de todos os amigos de Stan como se fossem seus próprios filhos. Não era muito responsável, é verdade, mas eles sempre se saíram bem. Randy era um ferreiro, e a mãe de Stan, Sharon, era costureira. Eles brigavam muito, mas era visível para quem quisesse ver: eram loucos um pelo outro. Pelo menos era o que se pensava. A irmã mais velha de Stan, Shelly, era uma garota agressiva e feia que os perturbou muito durante a infância; ela gostava de atirar pedras em passarinhos. Enquanto perseguia um, aos treze anos, ela escorregou em uma pedra lisa, bateu a cabeça no rochedo e seu corpo caiu no rio. Ela foi encontrada quase uma semana depois do acidente. A morte da primogênita fez com que o casamento se despedaçasse por completo, até que Sharon não suportou mais o peso de sua própria vida e se enforcou dentro do próprio quarto. Stan e Kyle a encontraram juntos, enquanto Randy estava trabalhando. Eles tinham dez anos. A única coisa que manteve aquele homem vivo foi Stan, mas era visível nos olhos do homem que ele havia desistido; afundou-se na bebida até que esta o levasse embora para os braços da única mulher que amou na vida. Em questão de quatro anos, Stanley perdeu toda a sua família.

Kyle esteve lá para cada membro perdido, certificando-se de que ele sobreviveria.

Suspirando fundo, Stan prosseguiu:

-Eu me lembro perfeitamente do dia em que nós estávamos brincando com Pip, Jimmy e Michael, todos nós com pedaços de lençóis roubados do varal de nossas mães amarrados ao pescoço como se fossem mantos de guerreiros, balançando aquelas espadinhas de madeira, usando escorredores de macarrão ou panelas na cabeça... Michael era o dragão, como sempre. – Ele soltou uma risada curta, sacudindo a cabeça, como se pudesse ver a imagem acontecendo lá embaixo, próxima ao rio que via através da janela. – Ele foi para cima de você rugindo, imitando com as duas mãos como se ele tivesse três cabeças, dizendo que ia comer o príncipe. E você caiu para trás, eu lembro, você ralou o seu cotovelo e olhou para ele com olhos tão enormes e assustados... E eu bati com a minha espadinha com tanta força nas costas dele que Michael caiu com a cara no chão e engoliu um pouco de terra. E quando eu te ajudei a levantar... Foi aí que eu soube.

Kyle ouvia ao relato com o rosto apoiado na mão e os lábios entreabertos, como se nunca tivesse ouvi aquela história antes – apesar de ele ter estado lá para presenciar e lembrava-se de cada detalhe com a mesma vivacidade que Stan. Mas ouvir tal história sob a perspectiva dele, com uma voz que entregava a importância daquele momento para ele, deixou o rei simplesmente fascinado.

-O que você soube?

Stan finalmente voltou a olhar para ele, e dessa vez sorria com os olhos.

-Eu soube que seria seu guerreiro. – Ele disse tão baixo que foi quase um murmúrio. Depois, virando o corpo de frente para Kyle e empurrando o banquinho para frente, aproximando-se, esticou uma das mãos para alcançar a do rei, sentindo os dedos enrugados pela água, e prosseguiu. – Desde aquele momento, eu soube que eu viveria para servi-lo. Tudo o que eu queria era crescer logo para te jurar a minha espada e a minha vida.

-E olhe para você agora. – O rei sussurrou em resposta, apertando os dedos em torno da mão de Stan, levando a outra para tocar o rosto seco do guerreiro com as costas dos dedos, acariciando a pele marcada.

Mas os olhos de Stan fugiram dos dele, descendo para encarar qualquer coisa que não fosse o rosto tão próximo do dele. E Kyle franziu a testa, sem compreender a hesitação durante os primeiros segundos, sentindo a forma com que o aperto da mão de Stan ficava mais tenso e ele rangia os dentes em precipitação, estremecendo. A mão de Kyle cobriu a bochecha dele, sentindo o contraste entre a palma quente a pele fria, e engoliu seco, incerto do que fazer em seguida. A ausência do olhar de Stan era algo com o qual ele absolutamente não estava acostumado.

Decididamente, o rei soltou a mão dele e se levantou, colocando-se de pé na banheira com a água até os joelhos, e o resto do corpo nu pingando lentamente. Stan ficou imóvel por alguns segundos, erguendo a cabeça para olhá-lo. A forma era perfeita, pelo menos pelos olhos de Stan. Porque pelos olhos de Stan, não podia haver nada mais perfeito do que aquilo. As pernas continuavam unidas, e a água mostrava uma camada fina de pelos que cobriam as pernas, mas quase desapareciam nas coxas, aquelas coxas mais voluptuosas do que qualquer um imaginaria se visse o rei de roupas. Ele quase não tinha pelos, nem mesmo em torno do pênis rosado e flácido. A barriga era completamente lisa de pelos, tão pálida e sensível, e a cintura dele era mais fina do que a da maioria dos homens. Os mamilos arrepiados continuavam provocando Stan mais do que tudo que ele já vira antes, agora com gotas ameaçando cair, e tudo o que o guerreiro desejava era sentir aquelas gotas na ponta da língua. A pele molhada reluzia na luz do sol, assim como o cabelo, mesmo encharcado, que pingava incessantemente sobre os ombros. E o rosto... O rosto do rei parecia assustado.

Stan separou os lábios, mas não conseguiu dizer uma palavra. Então levantou. E sentiu-se melhor ao não ter mais que encará-lo de baixo; era consideravelmente mais alto, mesmo para um elfo, pois tinha o corpo de um guerreiro. Stan respirou profundamente, e sua cabeça ofereceu um balançar tão sutil que foi quase imperceptível, enquanto ele fechava os olhos. Mas as mãos de Kyle o impediram de mantê-los fechados por muito tempo. O rei ergueu as mãos para envolver seu rosto, tocando-o com aquela gentileza insuportável, trazendo-o para mais perto.

-Standish foi meu primeiro homem, mas... – Um sorriso insinuou aparecer nos lábios rosados do rei, que jamais se fechavam completamente. – Você foi meu primeiro amor.

Instintivamente, as mãos do guerreiro envolveram-no pelo pescoço, apertando-o com certa força, cravando as pontas dos dedos pelo maxilar de Kyle, mantendo seu queixo bem levantado. Os lábios estavam perigosamente próximos. Com os olhos bem fechados, ele murmurou entre os dentes:

-E você será meu último.

O contato visual entre os dois homens pareceu durar mais do que um século, e no entanto, foram apenas poucos segundos, breves e fugazes o bastante para que as pernas do guerreiro parecessem amolecer. Um grunhido abafado foi emitido do fundo da garganta de Stanley, enquanto suas mãos agiam mais rápido do que o cérebro tinha capacidade de processar; ele desfazia o cinto preto de couro de animal, desenrolava o manto que envolvia seu tronco, rasgava os botões do colete, e as peças caíam ao chão uma a uma, expondo o tórax forte que ele escondia por baixo das vestes. Logo, suas mãos voltaram ao pescoço do rei, que o observava com profunda curiosidade nos olhos, e mais algum brilho nas íris, um brilho que poderia ser luxúria, mas também poderia ser outra coisa. Stan não teve tempo de descobrir, não enquanto o puxava rapidamente para colidir os lábios contra os de Kyle. Os olhos, então, se fecharam. Houve apenas um gemido curto que escapou dos lábios do rei ao sentir a invasão da língua buscando pela sua, mas o corpo respondeu imediatamente, antes que ele pudesse pensar a respeito, e logo os braços de Kyle abraçavam o tronco nu do outro homem, colando a pele úmida à dele, que logo também estaria úmida. O beijo foi quase doloroso, apertado demais, com uma das mãos de Stan subindo pelos cabelos ruivos encharcados, segurando a cabeça dele firme no lugar enquanto ditava um ritmo ao movimento dos lábios e das línguas; um movimento familiar, como se eles já conhecessem aquele beijo.

Sem explicação, sem aviso, sem pedido de licença, o braço de Stan passou por baixo da bunda nua de Kyle, sentindo a carne macia enquanto fazia força para levantá-lo, o que acabou sendo assustadoramente fácil. E quando tinha o rei erguido em seus braços e o beijo foi interrompido, os pares de olhos voltaram a se encontrar, sorrindo um para o outro. Kyle agora precisava olhar para baixo para enxergá-lo. Tinha os dois braços apoiados nos ombros de Stan, e suas mãos livres acariciavam as bochechas do homem, alisando a pele carinhosamente com os polegares. Suas pupilas estavam dilatadas em desejo, como se fosse a primeira vez que percebia o quanto Stanley era bonito. O sorriso foi quase natural, quase inconsciente, porque olhar para Stanley lhe provocava uma alegria inexplicável naquele momento. E o rei quis dizer algo como “tome-me para você, tire-o do meu corpo”. Porque sua maior tortura nos últimos dias era sentir como se o toque de Kenny continuasse em sua pele, e o cheiro de Kenny continuasse nos lençóis, e a presença de Kenny continuasse dentro dele. E Kyle desejava desesperadamente não senti-lo mais. O toque tão firme das mãos de Stan em suas coxas, a força com que ele segurava seu corpo, a forma com que o guerreiro o olhava, aquilo era como uma droga. Um alívio. Um descanso na loucura. E Kyle afastou alguns fios de cabelos negros que caíam sobre os olhos de Stan antes de abaixar o rosto para beijá-lo mais devagar, com mais ternura do que da primeira vez, deliciando-se no gosto de uma boca que não era a de Kenny.

Kyle amava Stanley. Não havia uma célula de seu corpo que duvidasse disso, jamais houve. Amava-o ainda mais quando Stan o carregou para a cama em seus braços fortes, braços tão magníficos de se olhar e de se sentir. Não parou de beijar seus lábios um segundo sequer, nem mesmo enquanto o deitava sobre o colchão e se colocava entre as pernas dele, com a respiração gradualmente acelerando enquanto uma língua deslizava pela outra, dentes roçavam pelo lábio inferior, a saliva se misturava e eles pareciam se tornar um só. Foi Kyle quem terminou de despi-lo, descendo a calça dele junto com as ceroulas, arranhando as laterais das coxas de Stan enquanto o fazia, com a cabeça jogava para trás, e o guerreiro devorava seu pescoço e chupava a pele com os olhos entreabertos, inalando o cheiro dele como um viciado, mordendo de leve a curva entre o pescoço e o ombro de Kyle enquanto se livrava dos próprios sapatos com os pés.

Stan o tomou como se deve, como se Kyle lhe pertencesse. Uma mão rude foi colocava sobre o topo da cabeça do rei e apertava os cabelos molhados, e o queixo de Kyle continuava erguido, os lábios entreabertos arfavam por ar como se ele tivesse desaprendido a respirar. Stan mordeu aquele queixo liso, com a região em torno da boca úmida pela própria saliva, e logo as bocas se encontraram com mais sede do que no começo. Stan estava bem encaixado entre as pernas dele, com um peitoral colado no outro, roçando o membro rígido na virilha de Kyle bem lentamente, como uma provocação proposital, deslizando-o pela pele úmida da coxa trêmula do rei enquanto abria um sorriso sacana em meio ao beijo, sentindo a impulsividade dos quadris do homem embaixo dele. Kyle nunca soube se controlar. Stan sabia muito bem disso; sabia cada detalhe dele. Era por isso que os corpos se encaixavam como se tivessem sido feitos um para o outro. Kyle enfim ergueu as coxas e o prendeu entre as pernas, forçando o quadril de Stan contra o seu, roçando o próprio pênis contra ele em uma fricção ansiosa, gemendo em alívio e agonia contra os lábios do guerreiro.

As mãos de Kyle passeavam pelas costas dele, que eram tão largas e firmes, já cobertas por uma fina camada de suor. Sentia-o e tocava-o com vontade, como se sentir aquelas costas em suas palmas fosse suficiente para arrancar gemidos incontroláveis. Stan ergueu um pouco o tronco, interrompendo o beijo, apoiando-se em um dos cotovelos no colchão, acariciando as entradas do cabelo dele para trás. Depois os dedos grossos desceram para roçar sobre os lábios entreabertos de Kyle, tão carnudos e rosados, úmidos pela saliva dos dois. Era uma das visões mais belas que o guerreiro já teve em toda a sua vida. O sorriso que apareceu foi sutil, quase subentendido, quando deslizou os dedos por entre os lábios com facilidade, e Kyle os chupou enquanto mantinha os olhos fixos em Stanley. A língua brincava em torno dos dedos, sentindo-os lentamente, e Stan não pôde resistir à urgência de se inclinar para beijá-lo com fome, roçando os dedos molhados pela bochecha de Kyle enquanto segurava seu rosto.

Gastou um tempo considerável besuntando o pau duro com o óleo que o rei mantinha em um vidro guardado na gaveta, uma substância viscosa e de cheiro agradável. Stan estremeceu por inteiro, com um dos braços sustentando o corpo e a outra mão deslizando lentamente pela extensão do membro, em um vai e vem desapressado, apertando mais os dedos na glande. Kyle observava aquilo com a respiração acelerada em precipitação, segurando firmemente no lençol com as duas mãos, mantendo a boca aberta o tempo inteiro. Quando Stan voltou a colar o tórax ao dele, encaixando o rosto na lateral da cabeça do rei, respirando pesado em seu ouvido, ainda gastou um bom tempo apenas roçando o pau entre as nádegas de Kyle. Deslizava com tanta facilidade e era delicioso, mas não tão delicioso quanto a sensação cortante que veio em seguida, quando a glande de Stan pressionou contra a entrada dele, que contraía involuntariamente, implorando para que ele penetrasse. Kyle gritou, arqueando as costas ao sentir a invasão do membro tão rígido que forçou por inteiro de uma vez só, em um movimento excruciantemente lento. A pressão fez com que o rei se contorcesse sob o peso do corpo do guerreiro, mas podia sentir como o coração de Stanley batia no mesmo ritmo do dele, como a pele úmida de suor deslizava tão quente pela sua, e as mãos seguravam-no firmemente, uma no quadril e a outra na lateral do pescoço de Kyle, apertando a carne e marcando a pele, mantendo-o no lugar até que estivesse completamente dentro.

E continuou assim, imóvel, pulsando dolorosamente dentro dele, sentindo os músculos em torno do pau se contraindo, apertando-o tanto, como se o corpo de Kyle quisesse expulsá-lo e sugá-lo ao mesmo tempo. Stan não pôde conter o gemido abafado contra o ouvido do rei, estremecendo pela sensação, ouvindo o murmúrio baixinho de Kyle dizendo coisas que ele não entendia, e não desejava entender, porque não conseguia pensar. Era tão gostoso que ele não se lembrava mais como formular frases inteiras. E o quadril se moveu em um impulso grosseiro, recuando para retirar o membro quase que por completo, parando um segundo antes de forçá-lo por inteiro novamente, dessa vez com mais força e mais pressa, repetindo o movimento ininterruptamente várias vezes. Encontrou forças para erguer o pescoço, enxergando o rosto do rei, os olhos fechados e a boca entreaberta, a expressão de êxtase que ali aparecia, e a visão fez com que Stan mordesse o lábio inferior. Kyle apertava o tronco de Stan entre as suas pernas, e eram pernas muito mais fortes do que pareciam, os quadris seguindo em um movimento sutil como se implorassem por mais; mais forte, mais rápido, mais fundo. Talvez fosse isso que Kyle estivesse dizendo, ele não sabia. Mas podia sentir o que as mãos dele tentavam dizer, pois os dedos estavam cravados tão fundo na carne das costas de Stan, marcando a pele com arranhões que ficariam ali por dias. Kyle sacudiu a cabeça perdidamente quando ele deslizou o pau inteiro por dentro, sentindo os testículos roçando contra as nádegas dele, e pressionou com força, o mais fundo possível, em um movimento único e rápido, forçando o corpo de Kyle contra o colchão, fazendo-o gritar. Stan sorriu. Eles não demoraram a ditar um ritmo único, perfeitamente encaixado, como sabiam que seria porque eles falavam a mesma língua, completavam as frases um do outro, liam os pensamentos, sentiam o que o outro sentia.

Stan abaixou o rosto lentamente, fechando os olhos ao pressionar os lábios sobre os de Kyle, primeiro sentindo-os entreabertos, depois encaixando-os, e só então deslizando a língua por dentro da boca dele. As mãos do rei deslizavam pelas costas dele, agora subindo, até que os dedos estivessem enroscados aos cabelos negros de Stan, segurando-o firmemente, gemendo na boca dele enquanto o recebia várias e várias vezes, tornando-se dele.

E o tempo inteiro, Stan Marsh era esmagado pela consciência de que aquilo era apenas o que era, e nada mais.

* * *

A floresta era conhecida como Vala da Cobra por algum motivo, Eric imaginou. Ironicamente, aquela não era uma região em que de fato vivessem cobras, ou quaisquer outros animais. Era uma floresta seca, de árvores mortas e solo árido; o chão era coberto por galhos ressecados caídos das árvores tortas, finas e deformadas. O cavalo tentava desviar, mas esmagava diversos galhos com seus cascos grossos e produzia um barulho terrível no meio da noite. Não havia lua visível no céu, estava coberta por trás de nuvens feias e escuras, dificultando ainda mais a visão do homem que cavalgava. Mas era uma tarefa que precisava ser realizada à noite. Hércules era um cavalo completamente preto, o alazão mais forte e orgulhoso, conhecido por um temperamento medonho, dificílimo de domar. Quase todos os homens que o tentaram montar acabaram no chão, sendo pisoteados. Não se assustava com absolutamente nada. Era o cavalo perfeito para Eric Cartman, o único homem que o cavalgou dia e noite sem ter sido derrubado uma vez sequer.

Cartman puxou as rédeas do animal quando começou a ouvir uma canção. Havia chegado. Ainda que o rei tivesse certeza de que Hércules não era um cavalo viadinho assustado como todos os outros, preferia não correr o risco de levá-lo junto para dentro da clareira. Animais tinham um grau de sensibilidade grande para o sobrenatural, e Cartman não estava disposto a ter seu cavalo correndo desesperadamente pela floresta caso algo desse errado. Desceu da sela e puxou Hércules impacientemente.

-Ande logo, seu cavalo imbecil. – Resmungou quando o animal continuou parado, puxando-o com força até uma árvore para amarrá-lo firmemente com dois nós. – Fique aqui.

Tirando o lenço do bolso para limpar o suor da testa, mesmo com o ar gelado daquela noite entrando por dentro de suas roupas e causando arrepios, Cartman começou a caminhada em direção à música: era uma voz feminina melodiosa e aguda, horrivelmente agradável aos ouvidos, e o rei sabia o quanto aquilo era perigoso. Já era visível o brilho entre as árvores emitido da clareira, um facho azul de luz que tornava o caminho mais fácil de prosseguir. Os galhos no chão anunciavam a chegada de um forasteiro, sendo constantemente quebrados sob os pés pesados de Cartman com o mesmo entusiasmo com o qual eram quebrados pelo seu alazão, mas a voz não parou de cantar, nem diante da visão do homem surgindo entre as árvores.

O que Cartman viu imediatamente foi uma loira de cabelos crespos e selvagens, longos como se nunca tivessem sido cortados na vida. Ela estava completamente nua, sentada sobre uma pedra com as pernas dobradas, cobrindo o que havia entre elas, mas os seios estavam perfeitamente à mostra; belíssimos seios grandes e redondos, cintura fina e quadril largo, pescoço longo, rosto delicado como uma pintura. Ela emanava o brilho azulado que iluminava o caminho de Cartman, e agora o brilho se fazia quase desagradável aos olhos, de tão intenso. Podia ouvir muito bem a letra da música cantada pela mulher; era sobre um marinheiro engolido por uma lula gigante. “Pobre, pobre, pobre marinheiro”. Uma canção de sereia, Cartman imaginou. Detestava sereias quase tanto quanto detestava ninfas.

Bebe era uma ninfa conhecida.

E não era com ela que ele pretendia falar.

A criatura que o levou a viajar aquele caminho todo e atravessar a Vala da Cobra estava sentada no chão, com as costas apoiadas na pedra alta em que a ninfa se encontrava. Eles já esperavam a chegada do rei de Kupa Keep, naturalmente; o maldito enxergava esse tipo de coisa antes mesmo que elas acontecessem. O homem tinha cabelos tão negros quanto a própria noite, e olhos tão vermelhos quanto o próprio sangue. Também vestia somente preto, mas parecia azul marinho quando iluminado pela luz da ninfa, e a roupa parecia ser feita de penas de corvo, milhares delas. Estava descalço. Não reagiu ou reconheceu a presença de Eric, apesar de ter feito contato visual imediato assim que o homem surgiu das árvores. A mão de Damien dançava no ar conforme a música que Bebe cantava, e logo os olhos vermelhos se fecharam, como se assim pudesse sentir melhor a canção entrando em seus ouvidos. Cartman suspirou impacientemente, revirando os olhos da forma mais discreta que conseguiu.

Em menos de dez segundos, a mão de Damien parou de dançar, e o dedo indicador foi apontado para cima, em direção à ninfa. As unhas de seus dedos eram assustadoramente longas.

-Cale a boca, vadia. – A criatura disse, e Bebe obedeceu.

A pedra era grande suficiente para que a ninfa pudesse se deitar sobre ela, e assim o fez; deitou de bruços, amassando os próprios seios contra a superfície fria da pedra, apoiando os cotovelos e sustentando o rosto com as mãos. Dobrou os joelhos para levantar as pernas, com os pés parecendo os de uma bailarina no ar, não tomando qualquer ofensa pela forma que Damien a interrompeu.

O sorriso diabólico no rosto de Damien não fez com que Cartman se intimidasse. Colocando as mãos no chão e engatinhando como um felino, mostrando os dentes desumanamente brancos, a criatura se aproximou do rei humano, logo colocando-se de pé com uma destreza e rapidez quase imperceptíveis aos olhos. A mão que dançava no ar agora se ocupava em fazer uma espécie de reverência de boas vindas.

-Eric Cartman. O que o traz até nós?

-Não se faça de idiota, Damien. Eu preciso da sua ajuda.



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