1. Spirit Fanfics >
  2. Rex Meus >
  3. Liberdade

História Rex Meus - Liberdade


Escrita por: caulaty

Capítulo 7 - Liberdade


Kenny havia começado a sonhar de novo.

E na grande maioria das vezes, eram sonhos indevidos que o faziam acordar arfando por ar, com o coração acelerado. Provavelmente a culpa era da abstinência. Kenny era o tipo de homem que vivia pelos prazeres primários: beber e trepar, duas coisas que ele sequer chegava perto há muito tempo. Não contava os dias, não fazia ideia de há quanto tempo estava lá. Mas era tempo o suficiente para começar a ter sonhos eróticos sobre as coisas que ele não podia desejar. A proibição só servia para deixar tudo mais tentador, é claro.

Em seus sonhos, sempre podia sentir o cheiro de orquídeas e a textura tão macia da pele branca como leite. Às vezes não enxergava figuras nítidas, mas vultos de olhos verdes e cabelos selvagens, cachos cor de escarlate, um contraste magnífico das cores mais belas do mundo. Muitas vezes, ele só podia ver, não tocar. Esses eram os sonhos mais cruéis. Kenny via muito bem as curvas sinuosas daquelas coxas levemente separadas, as pernas longas que terminavam naqueles pés delicados se roçando um ao outro, um dos joelhos levemente dobrado, a carne trêmula da parte interna das coxas dele, subindo perigosamente pelas nádegas daquela bunda deliciosa. Era um pecado, e Kenny sabia. Era um pecado desejar tão ardentemente aquela criatura divina, cujo corpo nu era tão profano. Kenny queria cada pedaço dele. Naquele sonho em especial, ele podia ver o corpo de Kyle deitado de bruços, sua pele clara contrastando com lençóis pretos, os cachos dançando por cima dos ombros enquanto ele virava o rosto para observar Kenny com seus olhos de tigre, convidando-o com o olhar. Suas costas estavam levemente arqueadas para erguer o quadril, com as pernas bem fechadas, apoiado nos cotovelos. As linhas de seu corpo eram perfeitas sob a luz que entrava por uma janela qualquer, iluminando seu cabelo ruivo de forma que os fios reluziam em dourado.

Kyle era um atentado. Nos sonhos de Kenny, ele sempre aparecia com o sorriso diabolicamente malicioso de quem sabe que é desejado, mas não vai se entregar. Quase sempre, Kenny o tomava. Provava que ele estava errado. Marcava a pele alva com sua boca e suas mãos, arranhava o pescocinho dele com a barba, mordia e chupava tudo que pudesse alcançar enquanto invadia o corpo dele quase que desesperadamente, como um animal. Arrancava os sons mais lindos da boca de Kyle.

E depois acordava. Sozinho, imundo e duro.

Mas Kenny não lamentava. Sempre acordava com um sorriso no rosto pelo tempo de diversão sem consequências que seu cérebro proporcionava. Ou pelo menos o loiro acreditava fielmente que não poderia haver consequências para os sonhos. Essa crença só existia porque ele não costumava de fato tê-los, então era fácil se esquecer da influência deles mesmo quando se está acordado. Era fácil se esquecer que o sonho é sempre uma manifestação do inconsciente, do que está dentro. Kenny não sabia se estava preparado para descobrir tudo o que havia dentro dele.

De qualquer forma, os elfos pareciam ter algo muito sério contra o sono dele. Foram incontáveis as vezes em que Kenny foi acordado bruscamente naquela cela. Não bastava ele ter que dormir no chão ou em uma tábua de madeira suspensa e nada confiável, ele também tinha seu sono constantemente em todas as ocasiões que os elfos acreditavam ser importante. Ser prisioneiro definitivamente não era a vida dos sonhos de Kenny.

Acordaram-no de seu sonho erótico jogando água no seu rosto. Foi gelado e desagradável. Ele ergueu o tronco assustado, arfando, os olhos azuis arregalados prontos para fuzilar quem quer que fosse. A figura à sua frente era quem costumava vigiar sua porta, um elfo cujos cabelos eram tão loiros quanto os de Kenny. O guarda bateu com a lança no chão, fazendo sinal para que o prisioneiro se levantasse; e ele obedeceu prontamente, mas não sem deixar escapar alguns xingamentos baixos. A relação entre o prisioneiro e o guarda era, no mínimo, curiosa. O nome do elfo que o vigiava era Bradley Biggle, um rapaz jovem e honesto que servia ao castelo há poucos meses. Ele fora instruído a nunca conversar com os prisioneiros, especialmente aqueles como Kenny, que puxavam assunto a cada oportunidade. É claro, isso não impediu que Kenny tentasse. Na maioria das vezes, ele conversava com Bradley por horas sem receber qualquer resposta, mas não era necessário.

Como Bradley nunca lhe disse seu nome, Kenny o chamava de “Cereal de fruta”. Segundo Kenny, era a isso que ele cheirava.

-Isso era mesmo necessário?! – Kenny questionou irritado, esfregando os olhos para secá-los.

Como de costume, não houve resposta. Bradley o puxou para que se levantasse e começou a algemá-lo, ignorando as perguntas confusas dele acerca da situação.

-O que você tá fazendo? Eu vou receber alguém? Porra, Cereal de fruta, eu já tô aqui há semanas e você ainda não confia em mim o suficiente pra me deixar pelo menos com as mãos livres? – Ele perguntou com o queixo batendo de frio, tremendo com o ar gelado tocando sua pele molhada.

Foi apenas quando Bradley começou a empurrá-lo, apontando a lança para as suas costas e forçando-o a andar para a frente, que Kenny se deu conta de que ele não receberia nenhuma visita. Ele é que prestaria uma visita a alguém. Ele sabia que não receberia resposta alguma do elfo, mas já estava tão acostumado a falar sozinho durante aqueles dias. Era um exercício para lidar diariamente com a loucura. Então espiou o guarda por cima do ombro, enquanto desciam as escadas da torre, e perguntou:

-Aonde nós vamos?

E após alguns segundos de silêncio, para a sua surpresa, Bradley respondeu:

-O rei quer falar com você.

Foi a primeira vez que Kenny ouviu a voz do guarda. E aquelas palavras soaram como música aos seus ouvidos.

* * *

Todas as poucas vezes em que Kenny foi retirado de sua cela desde que o capturaram, ele havia sido levado para a mesma salinha fedida para conversar com o mesmo homem francês raivoso que soprava fumaça na sua cara e falava cuspindo. Christopher o interrogava por algumas horas, buscando os detalhes sórdidos nas coisas que Kenny lhe contava, depois ele era mandado de volta para a cela sem conversar com mais ninguém. Dessa vez foi diferente.

Como esperava pela sala minúscula, Kenny foi surpreso ao ser colocado em uma sala espaçosa e com janelas. Não era um ambiente agradável, mas não fedia, não tinha fumaça e não causava claustrofobia. O guarda o sentou na única cadeira do cômodo, com as mãos para trás, e aguardou ao seu lado com atenção.

Não muito tempo depois, Kyle entrou pela porta, acompanhado por um homem que usava as mesmas vestimentas ricas que o rei costumava vestir, alguém que Kenny nunca tinha visto antes. Era um homem negro mais alto do que Kyle, com olhos que pareciam duas jabuticabas o encarando fixamente. O olhar era calmo, porém penetrante, incontestável. Esse homem era Token Black. O rei deu uma boa olhada no loiro sentado na cadeira com as mãos algemadas sobre o colo, parecendo descontente com alguma coisa.

-Tire as algemas dele.

Bradley lançou a Token um olhar, não exatamente de questionamento, mas de preocupação. Buscou alguma espécie de afirmação nos olhos serenos daquele homem imóvel atrás de Kyle, mas não encontrou nada. Incapaz de contrariar qualquer ordem do rei, o guarda prontamente tomou a chave do bolso de sua calça marrom e libertou as mãos do prisioneiro, que já começava a se sentir menos prisioneiro a essa altura. Kenny mexeu os dedos devagar em resposta, assim que a algema saiu, esfregando um dos pulsos com a mão inconscientemente.

-Majestade, que prazer vê-lo de novo. – o loiro disse em um tom cordial, com um sorriso um tanto cínico nos lábios.

-Eu acredito que ainda não tenhamos sido apresentados oficialmente. – O homem atrás do rei disse, dando um passo à frente para se aproximar de Kenny, estendendo a mão para um aperto. – Token Black.

-Olha só você. É sempre um prazer ver exemplo de boa educação, senhor Black. – E apertou a mão do homem sem hesitar, cumprimentando-o com um sorriso antes de soltá-lo e voltar a se reclinar na cadeira, cruzando os braços. Os três pares de olhos daquela sala estavam sobre ele, e Kenny começou a se sentir desconfortável.

Um suspiro longo e impaciente escapou das narinas do rei, que se virou para Token com um olhar pedinte, levando uma das mãos delicadamente ao peito dele. Kenny observou com olhos curiosos, erguendo uma sobrancelha.

-Você se importa se eu cuidar disso sozinho?

-De forma alguma, Majestade.

Antes mesmo que Token se virasse para deixar o cômodo, Kyle voltou a olhar para o seu guarda ao lado do prisioneiro, sua mão ainda sobre o peito largo de Token.

-Você também, Bradley, por favor. Deixe-nos a sós.

-O nome do Cereal de fruta é Bradley? Huh. – Kenny disse em voz alta, embora a intenção fosse de que o pensamento ficasse apenas em sua cabeça. Para a sua sorte, os elfos pareciam ter nascido com a habilidade natural de ignorá-lo, sem sequer se dar ao trabalho de rolar os olhos ou lançar um olhar do tipo “suas piadas fedem”.

Complexo de superioridade não era um problema freqüente dos elfos, pelo visto.

Ainda que o olhar de insegurança não tivesse deixado os olhos do guarda, ele assentiu com a cabeça e prontamente seguiu atrás de Token para deixarem o rei e o prisioneiro a sós, seguindo as ordens. Os dois se colocariam em frente à porta, é claro, aguardando qualquer barulho fora do comum. E comentariam o apelido estúpido que Bradley havia ganhado do prisioneiro. Mas os dois homens dentro da sala não chegariam a saber disso e tampouco se importariam.

-O que aconteceu com o seu cãozinho de guarda? Trocou?

-O quê? – Kyle perguntou impaciente.

-Sabe, o bonitinho que você carrega pra todo canto.

-Stanley viajou com nosso exército para um confronto. – Ele respondeu rapidamente, dando as costas a Kenny. – E da próxima vez que você disser qualquer coisa ruim a respeito dele, eu arranco os seus olhos com as minhas mãos.

Kyle começou a se afastar assim que a porta foi fechada atrás deles. Caminhou de braços cruzados até a janela mais próxima, observando o mundo lá fora com a atenção de quem está descobrindo-o pela primeira vez. A luz de fora iluminando seus cabelos fez com que Kenny se contorcesse sutilmente na cadeira, lembrando-se do sonho, de como a luz brincava pelo corpo nu de Kyle. Foi então que ele começou a sentir o peso das consequências de sonhar.

Kenny o queria tanto que chegava a arder. Mas não fez nada. Apenas esperou.

-Você acredita em Deus, Kenneth?

A pergunta o pegou de surpresa. O loiro se encontrou soltando um gemido confuso, estreitando os olhos enquanto tentava compreender o motivo daquela pergunta, sem de fato buscar como respondê-la. Ele alisou as coxas, sentindo o tecido da calça sob as palmas, um tanto nervoso. Seu cabelo ainda pingava água.

-Não, particularmente não.

Kyle não olhou para ele quando soltou a pergunta e continuou sem olhar depois de receber a resposta. O loiro mordeu o lábio em ansiedade, observando o perfil do rei, o olhar tão distante que o prisioneiro chegou a se perguntar se talvez ele estivesse vendo o próprio Deus descer do céu montado em um unicórnio ou coisa do gênero, para perguntar algo tão fora de contexto.

Não demorou para que ele entendesse que a questão não era teológica.

-Sua mãe, então. Você tem devoção por ela? E ela que você respeita e ama acima do bem e do mal? É ela o seu sinônimo de paz, de felicidade?

Olhos verdes agora o encaravam, não com curiosidade, mas com exigência. Olhos que o intimidavam, mas que lançavam uma mensagem que percorria o sistema nervoso dele tão rápido e ia direto ao pau.

-Eu... – Umedeceu os lábios. – Eu a amo, sim, mas é algo bem diferente de devoção.

-Então quem você ama com devoção?

-O quê?

A expressão no rosto de Kyle dizia algo como “sua criança tola”, em uma mistura de compaixão e superioridade. O rei esfregava os braços cruzados com as mãos, aparentando sentir frio enquanto ele se aproximava da cadeira em que Kenny havia sentado. A aproximação fez com que o prisioneiro engolisse a saliva que se formava em sua boca e se encolhesse um pouco em seu assento, visivelmente desconfortável. Kyle não chegou a se aproximar muito, apenas o suficiente para perturbá-lo. O cheiro de orquídeas já se espalhava pelo ambiente.

-Todos nós somos devotos a alguma coisa, Kenny. Todos temos amor incondicional e absoluto por algo ou alguém. Então me responda: pelo que você daria qualquer coisa? Quem ou o que é mais importante acima de tudo para você?

Kenny deu àquelas palavras algum tempo para ecoarem em seu crânio, deixando que fossem absorvidas pelo seu cérebro. “Devoção”? “Amor incondicional”? Fazia muito tempo que ele não entendia mais nada a respeito dessas coisas.

Fez menção e se levantar, mas a expressão desaprovadora do rei o impediu. Ele não entendia porque se sentia tão submisso de repente. Ou talvez entendesse. O loiro sabia muito bem, racionalmente, o que estava acontecendo. Evitava cruzar o olhar com o rei e sua voz tremia ao tentar falar qualquer coisa, porque ele tinha tesão por Kyle e tesão o deixava submisso. Foi exatamente por isso que Cartman o alertou, então tudo o que ele podia fazer era se punir mentalmente e esperar pelo melhor.

Ele começou a considerar cuidadosamente a pergunta. Não acreditava que devesse ser honesto a respeito disso, porque era um questionamento muito mais pessoal do que ele estava acostumado. Ele não era um homem devoto ao seu rei, nem a algum Deus, e também não tinha ninguém esperando por ele em lugar nenhum. Não era um homem de fé, preferia esperar sempre o pior de todos.

Mas havia alguém que já o fez querer ser melhor do que tudo que ele havia se tornado.

-Karen. – ele finalmente respondeu.

Kyle levantou uma sobrancelha.

-E quem é Karen?

-Ela é minha irmã mais nova.

A resposta surpreendeu o rei o suficiente para fazer com que ele separasse levemente os lábios e levasse uma mão até o queixo, alisando-o devagar. Kenny não teve dúvida de que ele estava tentando captar alguma mentira naquelas palavras, e isso não era nenhuma surpresa. Afinal de contas, ninguém sabia da existência dela. Era como se ela nunca tivesse existido. E isso doía dentro do peito do loiro.

-Ela mora em Kupa Keep?

Kenny coçou a ponta do nariz e deixou escapar um suspiro longo, sem ter certeza do quanto ele queria desenterrar aquela história.

-Não, na verdade... Ela já morreu.

Os olhos azuis se ergueram buscando alguma expressão de conforto, piedade, talvez até remorso por ter perguntado, no rosto do rei. Mas não encontrou nada disso no rosto escultural de Kyle. Não parecia haver nada por detrás daqueles olhos verdes magníficos, nenhum tipo de compaixão. Isso foi um alívio, de alguma forma. Se havia algo que Kenny detestava era ser visto como alguém digno de pena.

Kyle umedeceu os lábios e desviou o olhar. E ali, o prisioneiro viu um brilho sutil de alguma coisa que ele estava tentando esconder. Havia, sim, algo naqueles olhos. O rei apenas não queria demonstrar.

-O que houve com ela?

-Morreu em uma trincheira. Na época da revolução. Já faz alguns anos, foi muito antes do último rei de Kupa Keep ser tirado do trono. Karen nem deveria estar lá, mulheres não eram aceitas. Mas ela dizia que era impossível sentar em casa enquanto nossos garotos morriam aos montes, enquanto os irmãos dela arriscavam a vida por um reino melhor. Ela se vestia de rapaz e lutava com tanta paixão. Foi assassinada pelos oficiais do rei.

Ele nunca havia contado aquilo a ninguém, tampouco falado sobre. Era o tipo da coisa que sempre faria parte dele, então não fazia sentido tentar colocar para fora. Não havia nada no mundo que pudesse tirar a imagem de sua irmãzinha ensangüentada manchando as roupas dele de vermelho escuro enquanto ele agarrava seu corpo mole e frio contra o peito e gritava. Nada que o fizesse esquecer a sensação do cabelo dela grosso de sangue enquanto ele apertava gentilmente a parte detrás da sua cabeça com a mão, sentindo o rombo aberto no crânio dela, a massa encefálica em seus dedos. E também não havia nada no mundo que pudesse fazer com que Kenny, Kevin e Butters fossem os mesmos depois disso.

Eles haviam se tornado o que se tornaram porque Karen não estava mais lá. A consciência disso não dava a Kenny o poder de mudar nada.

Não havia percebido que o rei se aproximara mais dele. Agora, não sentia mais a energia sexual entre eles, nem o arrepio que o fazia se contorcer na cadeira quando Kyle o penetrava com os olhos. Sentia uma mão carinhosa tocando seu ombro enquanto o ruivo se inclinava para que o rosto ficasse próximo ao dele. Eles se olhavam de perto, como iguais. Kenny quis dizer algo, alguma coisa inteligente ou engraçada para não se sentir tão exposto, mas não conseguiu. Era como se houvesse um nó imenso em sua garganta.

-Ouça-me, Kenneth. – ele disse, agora em uma voz tão suave que machucava. Enquanto uma mão alisava seu ombro ossudo lentamente, a outra subiu até o queixo do loiro para forçá-lo a erguer o rosto, prendendo seus olhos. – Eu preciso que me jure pelo túmulo de sua irmã que tudo o que nos contou é a verdade. Que não trabalha para o Cartman, que não tem nada a ver com a guerra e que é um homem de bem. Acha que pode fazer isso? Pode jurar pela sua irmã?

-Eu nunca disse que era um homem de bem.

Um sorriso fraco esboçou nos lábios de Kyle. O loiro não pôde evitar retribuir o sorriso também, de forma um pouco mais maliciosa.

-Você não precisa ficar preso. Você não nos fez nada. Precisamos ter certeza de que você não pretende fazer. Eu tenho, em meu coração. – Assim que Kenny tentou desviar os olhos dos dele, Kyle apertou os dedos no maxilar do homem e forçou seu rosto mais perto, franzindo a testa. – Você fala sobre sua irmã com amor. Os traiçoeiros não são capazes de amar. Eu sei que você é bom, só não tenho certeza de se você também sabe. Jure-me e prove a si mesmo que você merece perdão e confiança. Jure-me que nunca usaria o nome de uma pessoa tão amada em vão, para sustentar uma mentira. Eu acreditarei em você.

Os rostos estavam tão próximos que a respiração pesada de Kenny batia contra o rosto do ruivo, tão quente e intensa, tornando difícil manter a concentração. Não era o primeiro prisioneiro com o qual ele lidava, e com certeza não seria o último, mas Kyle nunca havia se pego tão fora do controle de uma situação. O azul da íris de Kenny o desconsertava, deixando-o tonto, desnorteado. Por mais que ele raramente deixasse que os outros percebessem o que ele estava pensando, Kenny podia farejar como um cão. E assim que o loiro sentiu a fraqueza trepidando nas pernas do rei, não esperou um segundo sequer para impulsionar o corpo para cima e conectar os lábios nos dele.

Era uma resposta. Podia não ser com palavras, mas era uma resposta.

Nos primeiros segundos, o rei resistiu. Tentou recuar, endireitar o tronco e empurrá-lo, mas a mão de Kenny já pressionava sua nuca para mantê-lo perto. O prisioneiro se ergueu da cadeira junto ao corpo dele, colando seu tronco no de Kyle, apertando-o nos braços enquanto a língua começava a brigar por espaço entre os lábios do ruivo de forma quase violenta. Com os olhos fechados, as imagens dos sonhos das últimas noites dançavam em sua cabeça, fazendo com que um calor ardesse de dentro para a fora, formando uma camada fina de suor sobre a pele dele.

Kyle não tinha como lutar contra aquilo. Ninguém conseguiria. Não diante da forma como Kenny envolveu sua cintura em um braço e subiu a outra mão da nuca até os fios de cabelo dele, apertando uma mecha entre os dedos grosseiros, empurrando-o grosseiramente para trás até que as costas do rei colidissem contra a parede. Um grunhido escapou dos lábios do loiro ao tê-lo pressionado contra uma superfície dura, podendo encaixar a perna entre as de Kyle com liberdade. O rei não resistia mais. Suas mãos deslizavam pelas costas do prisioneiro com tanta saudade, entregando o quanto ele havia pensado naquilo: tanto quanto ou mais do que Kenny. Talvez ele também sonhasse. Naquele momento, não importava. Porque era real. As línguas se enroscavam com desejo, os lábios sentiam um ao outro com ansiedade, os dentes roçavam sem querer em um beijo descuidado e apressado. Kenny levou suas duas mãos ao rosto fino de Kyle, apertando as bochechas macias dele entre as palmas, entreabrindo os olhos de leve para encarar aquele rosto tão belo, gemendo baixo enquanto empurrava mais fundo a língua na boca dele, querendo tomá-lo por inteiro.

-Eu juro... – Sussurrou baixinho entre os lábios dele, com a respiração pesada. – Eu juro pelo que você quiser.

A resposta de Kyle foi apenas um gemido fino de satisfação, que ficou mais alto quando os lábios de Kenny escorregaram pelo seu pescoço. A barba do prisioneiro roçava pela pele sensível enquanto ele chupava incessantemente, inalando o cheiro de Kyle, com o corpo colado ao dele pressionando firmemente como se quisesse invadi-lo. E queria. Queria mais do que qualquer coisa nessa vida.

Kyle acariciava a parte detrás da cabeça de Kenny e deitava sua cabeça mais para trás, dando espaço para que a boca dele explorasse seu pescoço à vontade, estremecendo inteiro pela sensação quente dos lábios, da língua e da saliva. Ele precisava soltá-lo. Sabia que precisava, mas seu corpo não obedecia.

Reunindo toda a força de vontade existente em seu corpo, os dedos de Kyle envolveram uma mecha de cabelo loiro e puxaram com força para que o prisioneiro erguesse o rosto. Kenny obedeceu relutantemente, encarando-o com os olhos azuis carregados de tesão, os lábios úmidos levemente entreabertos, cheios de vontade de devorá-lo.

-Você... – O rei disse sem ar, tomando fôlego bruscamente para tentar manter a voz sob controle, por mais impossível que a tarefa parecesse. O peito subia e descia rapidamente, seu corpo ainda continuava entrelaçado no dele. – Você é um homem livre. Pode ir embora assim que desejar.

A testa de Kenny delicadamente tocou a do rei, enquanto a ponta do seu nariz deslizava pela bochecha de Kyle, que fechava os olhos em culpa e excitação. As mãos de Kenny o seguravam pela cintura e apertavam sua carne coberta pelos tecidos da roupa, desejando sentir a pele dele da forma mais pecaminosa. O loiro sacudiu a cabeça negativamente, beijando de leve o cantinho da boca de Kyle sem abrir os lábios, quase carinhosamente, respirando forte contra a pele dele.

-Eu não quero ir embora. – Sussurrou de olhos fechados.

Os dois passaram algum tempo assim, sentindo o cheiro um do outro, o calor dos corpos se preservando naquele abraço desajeitado, sem vontade de soltar. Kenny podia sentir o coração de Kyle martelando no peito, em dúvida e confusão sobre o que fazer em seguida. Ficar não parecia certo. Soltar parecia menos ainda. Mas era o que ele precisava fazer. Então soltou as costas de Kenny e levou suas mãos até o peito dele, relutantemente alisando por alguns instantes, para enfim empurrá-lo para trás.

-Muito bem. – o rei disse, limpando a garganta e alisando as roupas para se arrumar, retomando aos poucos a compostura. – Se essa é sua escolha, você será bem vindo. Mas você terá que trabalhar, como todo elfo.

Kenny franziu a testa, incerto do que isso significava. Deu um passo para trás, observando enquanto o rei tentava se afastar dele em direção à porta. Ao registrar o que estava acontecendo, o loiro alcançou para envolver o pulso dele com a mão, impedindo que ele se movesse mais para a frente.

-O que é isso? Você vai mesmo fingir que não aconteceu nada?

Quando o ruivo se virou, os olhos dele pareciam pegar fogo de tanta irritação. Por um momento, Kenny teve certeza de que levaria outro tapa. E se preparou para isso. Mas não foi necessário.

-Não confunda a minha compaixão com libertinagem, Kenny.

-Ah, você beija todo mundo de quem você sente pena? É isso?

O rei puxou a mão com força para se livrar do aperto do homem, genuinamente ofendido com a acusação, mas Kenny não o soltou. Depois de mais uma tentativa falha, Kyle desceu o olhar à mão firme que o segurava pelo pulso, assim como havia segurado sua cintura há não mais que um minuto, depois encarou o humano nos olhos com um ar quase desafiador.

-Eu já disse, você é bem vindo para ficar. Mas há condições bem delimitadas. Não me tocar é uma delas.

Diante do silêncio do loiro, ele puxou a mão do aperto mais uma vez e Kenny o soltou com relativa facilidade, um pouco distraído com o que havia acabado de escutar. Kyle alisou seu pulso inconscientemente, sem afastar os olhos do homem à sua frente. Então prosseguiu:

-Você dorme no castelo hoje. Não vou mandá-lo de volta àquela cela. Amanhã encontro um lugar para você ficar pelo tempo que quiser. Encontraremos algo para você fazer também. Você é forte, deve conseguir levantar bastante peso, não?

Kenny apenas fez que sim com a cabeça, encarando-o com a mesma expressão pensativa.

-Que bom. – Com isso, o rei começou a se dirigir até a porta, mas parou no meio do caminho. Já de costas para o loiro, ele disse – Ah, e Kenny, mais uma coisa.

-Sim?

-Você precisa se barbear. – Ele disse com um sorriso no canto dos lábios, alisando as marcas vermelhas no pescoço.

Kenny apenas soltou uma gargalhada.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...