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História Rex Meus - O príncipe inapropriadamente embriagado


Escrita por: caulaty

Capítulo 9 - O príncipe inapropriadamente embriagado


O corpo embriagado de Kenny empurrou a porta dupla do restaurante escuro antes mesmo que ele pudesse se lembrar de como usar as mãos. Um bocado de uísque foi derramado sobre o chão, mas ele não tinha tempo para se preocupar com o desperdício. Seus punhos estavam cerrados, um deles apertando a garrafa com força, o outro apenas pela raiva em antecipação.

-Kyle! Caralho, cadê você?! – Ele gritou, muito inteligentemente espiando por baixo das mesas.

Esbarrando nas cadeiras em seu caminho para a cozinha, o loiro esbravejava palavrões e amaldiçoava até a quinta geração das árvores cortadas para fazer aquelas cadeiras, embora sentisse que devesse guardar sua raiva para o que estava prestes a acontecer. Ao longe, o som da banda continuava tocando como se nada estivesse errado. A luz dos lampiões entrava pelas janelas do restaurante em fachos alaranjados, iluminando muito de leve o caminho que levou Kenny a encontrar a porta da cozinha, que ele abriu com a mesma graciosidade das portas do restaurante.

Dentro da cozinha, ele encontrou Christophe sem camisa.

E porra, ele era forte.

O ambiente era mal iluminado por algumas velas de parede, mas Kenny pôde enxergar muito bem os músculos dos braços suados do homem francês, as veias saltadas, o peito largo e duro como uma rocha. Nem era necessário tocá-lo para saber o quanto ele era duro. Aliás, em todas as ocasiões em que eles haviam se encontrado, Christophe nunca estava muito coberto. Ele devia sentir muito calor ou ter alergia a camisas.

Mas para o alívio de Kenny, ele estava sozinho. O homem sequer se virou para olhar para Kenny quando o loiro entrou chamando pelo rei e cambaleando com uma garrafa na mão, gesticulando com a outra, apontando um dedo para dar uma espécie de lição de moral.

-Cadê o Kyle? Onde ele se escondeu?

O francês respondeu apenas com um grunhido alto, que não foi exatamente uma resposta à pergunta, mas sim uma expressão inevitável de dor.

Não demorou para que ele se calasse e observasse o que acontecia.

Christophe estava com uma das pernas apoiadas em uma cadeira roubada do restaurante, com o braço firmemente apoiado na coxa, virado com a palma para cima. Ele suava e tremia ao mesmo tempo, com o tronco inclinado, concentrado em uma tarefa minuciosa. Havia sangue escorrendo pelo seu braço, manchando sua calça, pingando sobre o assento. Sua mão livre puxava grosseiramente uma agulha presa a minha linha muito fina, e logo Kenny entendeu que essa linha parcialmente fechava um ferimento extenso em seu braço.

-Cara. Você tá legal? – Kenny questionou cuidadosamente, começando a se aproximar. Soluçou e esfregou a boca com as costas da mão, assustando-se com a imagem de perto, arregalando os olhos em uma mescla de horror e admiração. – Puta merda, você ta dando ponto no seu próprio braço?!

-O que parece?

-Uau. Isso é muito foda.

Com uma mão cuidadosamente apoiada no balcão, Kenny virou mais um gole longo do líquido que ardia pela sua garganta ao descer, depois colocou a garrafa sobre a superfície de forma barulhenta e impulsionou o corpo para se sentar sobre o mármore da bancada, subindo com dificuldade. Voltou a levantar o dedo indicador na direção do Toupeira, que continuava sem se incomodar de sequer olhar para ele.

Kenny não podia culpá-lo. Afinal, ele estava dando pontos no próprio braço. Enfiando uma agulha na carne rasgada e fina do braço, passando uma linha por dentro e puxando em ziguezague, enquanto sangue escorria pela sua mão, seu braço e suas roupas. O pobre homem tremia para segurar dentro de si o gemido de dor na presença de alguém para o qual ele definitivamente não gostaria de demonstrar fraqueza. Mas era impossível.

Erguendo o tronco e tomando fôlego lentamente, Christophe soltou a agulha um instante para esfregar a testa suada com o braço livre, manchando parte do seu rosto com o sangue que escorria de sua mão, estremecendo. Grunhindo como um animal ferido, ele retomou o trabalho sob os olhos azuis atentos do outro homem.

-Cara. Não me leve a mal, eu sabia que você era muito macho. Você deixou isso claro já na primeira vez que a gente se viu. Mas porra. Você é o puto mais macho que eu já conheci, sem mentira. – Kenny dizia com o deslumbramento de uma criança, observando a cena em mórbida curiosidade, apertando os olhos e se contorcendo em agonia por vez ou outra, dando um gole barulhento em sua garrafa.

O som do líquido fez com que o Toupeira finalmente olhasse para ele, espreitando como um bicho, limpando a garganta para manter a voz sob controle. Seu peito arfava rapidamente.

-Isso é uísque?

Kenny fez que sim com a cabeça inocentemente, levando alguns segundos para entender o tom das palavras de Christophe. Foi apenas quando o francês soltou novamente a agulha e ergueu a mão impacientemente que ele se deu conta.

-Nossa, caralho, desculpa. Claro, você precisa muito mais do que eu.

Christophe virou a garrafa como um homem desesperado por água no deserto, sentindo parte do líquido escorrer pelo seu queixo e seu pescoço, chegando até o seu peito suado, mas ele não se importava. A ardência do álcool era exatamente o que faltava para que ele terminasse a tarefa. Colocou a garrafa sobre a bancada em vez de devolvê-la a Kenny, que não pareceu se incomodar, e prosseguiu com um suspiro pesado, cuidadosamente segurando a respiração.

-Você... – o loiro começou com cautela. – Fez isso na batalha?

Não podia deixar de notar que era o único machucado visível no corpo do francês. Mas Christophe assentiu com a cabeça distraidamente, e Kenny soube que o estava vencendo pelo cansaço. Provavelmente o homem acreditava que, dando-lhe o que o loiro queria, ele o deixaria em paz.

Kenny se endireitou na bancada.

-Mas eu achei que você fosse um interrogador. Por que te levam junto? Vocês capturam humanos no campo e os torturam?

Um suspiro impaciente e bastante irritado escapou das narinas do Toupeira, que ergueu o olhar brevemente para ele como quem pergunta “você é retardado?”, mas logo se distraiu novamente com a agulha em seu braço, sugando o ar pela boca. Estava quase no final. Kenny aguardou pacientemente enquanto ele puxava a linha uma última vez, grunhindo alto de dor e alívio, depois cortava a linha fina com os dentes e dava um nó.

Era impressionante.

Por fim, ele respondeu:

-É claro que não.

E seu corpo se desmanchou pesadamente na cadeira, os olhos fechados e o braço ainda latejando. Ainda sangrava, mas um pouco menos.

-Como você se machucou?

-Me morderam.

Kenny soltou uma gargalhada, sem ter certeza de se ele falava sério ou não. E também não importava. Era engraçado e isso bastava.

-Eu sei que na guerra é pra valer tudo, mas deve ter algum tipo de regra contra morder o inimigo.

-Não foi um inimigo.

-O quê?

Christophe ficou em silêncio, respirando pesado, concentrado. Kenny teve certeza de que, pressionando um pouco mais, acabaria com aquela agulha enfiada no olho. Mas não podia evitar. As perguntas saíam praticamente sozinhas de sua boca embriagada.

-Como assim? Um soldado elfo te mordeu? E por que te levam junto afinal? E por que você está fazendo isso daí sozinho? Não tem gente especializada nisso pra te dar ponto? Isso é cruel, cara.

-O Kyle não está aqui. Ele já saiu. – Christophe resmungou sob a respiração pesada, levando a mão à testa e abaixando a cabeça. – Deixe-me em paz.

O loiro ergueu uma sobrancelha em surpresa. Curiosamente, seu cérebro confuso havia até se esquecido do que estava procurando diante do choque de ver alguém costurando o próprio braço. Sua cabeça havia começado a girar e ele não tinha certeza de se poderia descer da bancada sem desmaiar no próprio vômito. Christophe provavelmente o ajudaria a se afogar, se esse fosse o caso.

Optou por continuar sentado.

-Eu só achei muito maneiro, só isso.

Os dois passaram alguns momentos mergulhados em silêncio. Kenny com a cabeça encostada na parede e os olhos entreabertos encarando o nada; Christophe com a cabeça abaixada, sustentada pela mão, cobrindo os olhos. Podiam ter se passado alguns minutos sem que eles se dessem conta, pois cada um estava muito fundo dentro dos próprios pensamentos. Após um suspiro barulhento, o francês ergueu o rosto e coçou o maxilar, depois alcançou pela garrafa de uísque para entorná-la, terminando com o último gole. Kenny não protestou.

Ao deixar a garrafa rolar sobre o balcão, o vidro fazendo um barulho alto contra o mármore, o francês cedeu um pouquinho.

-Eles me levam para tomar conta dos feridos.

Kenny levou algum tempo até perceber que só havia os dois na cozinha e que aquela frase havia sido dita para ele. Virou-se para Christophe com confusão nos olhos.

-Como assim?

-Eu... Sei agir em meio ao caos, então eu vou com eles para, sabe, dar pontos, limpar, jogar álcool no que precisa. Eu não tenho pena dos soldados feridos. Eu faço o que tenho que fazer. Então me levam junto.

Um sorriso de entretenimento dançava nos lábios do loiro, que roçava o próprio queixo de forma um pouco mais dramática do que inicialmente pretendia, divertindo-se com a fragilidade e a honestidade de Christophe. Imaginava que aquelas palavras todas apenas tinham saído porque o francês sabia como agradecer a um homem que lhe desse seu uísque. Era uma ética masculina, e caras tão primitivos costumavam saber respeitar essas coisas. Kenny sabia que eles tinham mais em comum do que apareceria à primeira vista.

-E te morderam?

-Foi um pobre coitado. – A resposta veio mais baixa enquanto ele se erguia da cadeira para pegar um pano, que não parecia limpo para começo de conversa, e começar a absorver o sangue da ferida. – A perna dele estava... Como carne moída. O médico precisou amputar. Não tínhamos nenhuma forma de anestesia, então ele precisava morder alguma coisa.

-E você colocou seu braço na boca dele?

-Alguém precisava.

-E não tinha, tipo... Um pedaço de madeira ou uma tira de couro?

-Se tivesse, você acha que eu estaria aqui?

-É um bom argumento. – Kenny disse enquanto voltava a segurar a garrafa, apontando-a para Christophe um segundo e depois a virando sobre a boca aberta para tentar saborear as últimas mínimas gotinhas. Ao perceber que não havia mais nada, ele parou. – Então. Por que você está fazendo isso sozinho?

-Não gosto que me toquem.

-De forma geral ou só pra te dar pontos?

Christophe sacudiu a cabeça como se Kenny tivesse perguntado qual é a cor do céu, então já se virou de lado para apoiar o braço sobre a pequena tina vazia sobre o balcão, alcançando um copo cheio de água e despejando o líquido sobre o machucado. Contorceu-se de leve em incômodo, franzindo o nariz, mas não demonstrava mais dor e agonia com a mesma clareza de alguns minutos atrás.

Kenny viu uma porta aberta ali. Uma oportunidade que ele provavelmente jamais conseguiria. Não entendia ao certo o que deus queria lhe dizer com aquilo, enviando-lhe um Christophe levemente embriagado e fragilizado, mas achou que seria estupidez não tentar descobrir. Havia algo nos olhos castanhos do francês que faziam Kenny acreditar que essa fragilidade pouco tinha a ver com as dores da carne. Parecia algo mais complicado do que isso.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, para sua surpresa, Christophe voltou a encará-lo e disse casualmente:

-Você fez um discurso e tanto. Sabe, para um homem que não sabe falar em público.

-Ah, você ouviu aquilo? – ele respondeu coçando a nuca, um tanto sem graça.

-Certamente. O reino inteiro ouviu.

-Deixe-me adivinhar. E você não acredita em nada do que eu falei? – Kenny perguntou com um sorriso de provocação, esticando a perna para que seu pé cutucasse Christophe. Isso foi um erro, ele percebeu assim que os olhos ferozes do francês se viraram para encará-lo.

Mas apesar de toda aquela casca grossa, Kenny ainda acreditava que houvesse um cavalheiro em algum lugar ali dentro. Talvez fosse o ar francês dele. De qualquer forma, Christophe jogou um bocado de água no rosto e sacudiu-se como um cachorro molhado, bufando sem respondê-lo. Kenny ficou grato por perceber que seu pé não seria arrancado.

O homem caminhou até uma das cabines e retirou uma xícara de cerâmica da prateleira, assoprou-lhe para retirar o pó e depois começou a se servir do café velho que havia sido feito aquela manhã. Ele passou a língua pelo lábio superior e espiou o prisioneiro por cima dos fios de cabelo, fungando de leve como se estivesse doente. Deveria estar, Kenny pensou, visto que sempre estava com o corpo exposto mesmo em um frio rigoroso como o que fazia na floresta. As folhas já haviam caído no outono e logo as árvores estariam cobertas de neve. Alguns elfos diziam que era a visão mais bonita de South Park, a cascata congelada e a floresta coberta em um manto branco.

Christophe deu um gole longo no café e esfregou o nariz com as costas da mão, limpando a garganta irritada. O silêncio começou a ficar desconfortável e o efeito do álcool já não o arrebatava com a mesma força, então Kenny sorriu para o chão e tentou seu melhor:

-Sabe, me comparam muito a você. Digo, te usam como argumento para não cortar a minha garganta. Dizem que não querem cometer o mesmo erro que cometeram quando você chegou aqui. – E aguardou por alguma resposta, mas Toupeira não lhe deu a menor atenção. Então ele prosseguiu. – Quanto tempo faz que você chegou?

-Não sei direito. Pouco mais de dois anos, talvez. – ele respondeu desconfiado, resmungando com a boca colada na caneca.

-Nossa. Eu pensei que fizesse mais tempo. Não lembro de você em Kupa Keep, e eu conhecia quase todo mundo. Na época da revolução, digo. Você participou, não? Vocês francês adoram esse tipo de coisa.

-Seu xenófobo ignorante. Não, eu fui embora de lá há muito mais tempo. Quando a revolução eclodiu. Não conheci esse gordo imbecil que você chama de rei.

-Sorte sua. – ele disse com uma risadinha. – Estava fugindo da miséria?

-Não exatamente. – Toupeira respondeu com mais uma fungada, abaixando a caneca. – Eu trabalhava para o rei deposto. Era um mercenário.

A cabeça tonta de Kenny o fez acreditar que não tivesse ouvido direito. Ele franziu as sobrancelhas e inclinou o tronco para a frente, tentando se aproximar do francês como se para ouvir melhor, levando os dedos ao queixo para coçá-lo. Finalmente havia feito a barba, seu rosto agora era liso como de costume.

-Você servia ao castelo anterior? Puta merda. Quer dizer, o Cartman pode não ser muito melhor, mas aquele cara era um comedor de criancinhas. Não é de se surpreender que queriam te condenar à morte quando veio pra cá. Qualquer servente daquele homem só podia ser um rato. Bom, não que você seja um rato, sabe, mas...

-Mas eu sou.

Os olhos azuis dilatados no escuro estudavam a posição do Toupeira cuidadosamente, como um animal espreitando seu possível adversário. Seus pelos estavam arrepiados em defensiva, embora ele soubesse que daria de cara no chão se tentasse descer rapidamente da bancada. Continuou assim, mobilizado, durante alguns segundos. Seus lábios entreabertos deixando escapar o cheiro de toda a cachaça que havia bebido até então, demonstrando a surpresa.

-O que isso quer dizer?

-Eu acho que você sabe. – Christophe respondeu com uma entonação maldosa, muito diferente da postura de ameaça corriqueira. Deu mais um gole no café preto e amargo, finalizando-o, largando a caneca sobre a tina de água com as outras louças sujas. – Os elfos são diferentes de nós, Kenneth. Eles são bons por natureza. Astutos, espertos, elegantes. Muito inteligentes. Mas muito bondosos também, o que afeta o bom julgamento de qualquer um.

-Não julgaram corretamente o seu caráter, te aceitando como um deles?

-Provavelmente não. Assim como estão cometendo um erro ao aplaudir um rato como você.

Agora, os olhares dos dois estavam compenetrados um no outro, ambos pares de órbitas com o mesmo brilho fugaz de pensamentos selvagens, de adrenalina correndo pelas veias. Ninguém se moveu. Christophe umedeceu os lábios e quebrou o contato visual, estudando o loiro de cima a baixo. Agora ele vestia roupas limpas, oferecidas pelas próprias mãos de Kyle, ele tinha certeza. Coçou a ponta do nariz e deixou escapar o ar dos pulmões, irritado com aquela conversa.

-É seu direito acreditar nisso. – Kenny finalmente respondeu, voltando seu olhar para as tábuas de madeira do chão. – Mas não muda nada, não é? Eles me aceitaram. Você vai ter que lidar com isso.

-Ah, eu pretendo.

Kenny apenas ergueu uma sobrancelha em questionamento, desconfiado. Havia muitas facas dentro daquele recinto para que ele relaxasse completamente, mesmo que Christophe estivesse com um braço mobilizado.

-E como?

Lentamente, as botas pesadas e imundas do francês faziam barulho conforme ele pisava no chão, aproximando-se do outro homem sentado sobre a bancada. Kenny pensou em se afastar, mas seu corpo parecia tão pesado e ele julgou melhor continuar onde estava, com as costas apoiadas na parede, observando o homem musculoso que agora bufava perigosamente próximo de seu rosto.

-Escute aqui, seu viadinho. Eu respeito os elfos como meu povo e os tenho como irmãos, mas não cometa o idiota erro de me confundir com eles. Porque eu não sou bondoso. Assim como você não é. Não há nada de belo na natureza humana. Nós somos podres por dentro. Nossa raça é suja, mentirosa, trapaceira e sanguinária, você sabe tão bem quanto eu que aquele reizinho obeso representa muitíssimo bem os seres humanos. – Uma mão suja de sangue segurou Kenny pela camisa e o puxou com força para mais perto, o que o corpo mole do loiro obedeceu sem hesitar. Christophe falava com a voz densa e pastosa, os olhos presos nos de Kenny, cuspindo no rosto dele junto com as palavras. – Mas eles não sabem disso. O que eu fiz com meu braço te impressiona? Você não tem noção do que eu consigo fazer. Eu sou uma pessoa muito feia por dentro, McCormick. Machuque Kyle e você descobrirá isso da forma mais dolorosa possível. Eu vou cortar cada pedacinho de você fora até não sobrar nada. E eu não digo isso como vocês americanos ameaçam matar quando só vão dar uma surra. Eu vou te matar se você machucá-lo.

-Porra, Christophe, eu me importo com ele. Eu não quero machucá-lo.

-Mas vai. Homens como você e eu sempre acabamos machucando uma hora ou outra.

Satisfeito e sem obter resposta alguma, Christophe o empurrou de volta contra a parede. O loiro cambaleou, mesmo sentado, apoiando as mãos no mármore frio da bancada. Seus olhos embriagados fitavam o francês até que ele deixasse a cozinha, não propriamente assustados, mas demonstrando seu entendimento. Kenny podia estar bêbado, mas isso não o tornava nenhum idiota. Ele não faria promessas que não podia cumprir. Já mentira demais por uma noite só.

. . .

-Ei.

O rei se virou ao som daquela voz macia que ecoava no ar gelado da praça. Conforme a madrugada adentrava, a noite parecia ficar cada vez mais fria. Kyle vestia um casaco pesado de veludo azul marinho que o tornava quase invisível no escuro, se não fosse pelos cabelos vibrantes que chamavam a atenção a quilômetros de distância. Um sorriso apareceu naqueles lábios carnudos, o tipo de sorriso tão natural e inevitável que brilha. Kenny jurava que, a qualquer hora dessas, esse sorriso faria seu coração parar dentro do peito; por mais brega que o pensamento fosse.

O loiro se aproximava dele sob as árvores, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça e o andar molenga de quem passou do ponto na bebida. Foi uma noite divertida, valeu cada gota. Kenny sorria à toa agora, seus dentes reluzindo a luz da lua que se escondia mais tímida atrás de uma nuvem.

As crianças já haviam sido colocadas na cama, mas os adultos prosseguiam com a festa como se não houvesse amanhã. As músicas tocadas eram mais lentas e baixas, embalando como fundo de conversas corriqueiras e brindes, danças lentas de casais apaixonados, declarações ao pé do ouvido, abraços amigáveis. Tudo isso acontecia um tanto longe dos dois homens que se olhavam pela primeira vez naquela noite, afastados de todo o caos.

-Eu te procurei muito. – Kenny disse com um riso baixo, coçando a cabeça sem jeito.

-Essa é uma noite de confraternização. Sempre tem alguém procurando por mim, por isso é tão difícil de me encontrar. – ele explicou em um tom gentil.

-Então preciso aproveitar que finalmente dei sorte.

-Como?

Kenny se aproximou dele sem pressa, estendendo uma mão convidativa no ar, soltando um soluço de embriaguez e depois um riso baixo. Kyle ergueu uma sobrancelha, sem compreender a intenção do homem, mas assistindo aos movimentos dele com um sorriso de divertimento.

-Dance um pouquinho comigo, sim? – O loiro resmungou assim que o rei segurou sua mão, levando o outro braço para envolver a cintura do ruivo, puxando-o para perto.

Encostou o queixo no ombro dele de forma preguiçosa, e Kyle correspondeu com uma gargalhada, sabendo que ele não seria capaz de dançar mesmo que quisesse. Não parecia que ninguém os observava – embora Kenny soubesse que isso não era verdade, pois os guardas estavam sempre alertas – então ele se sentiu à vontade para apertar o corpo quente do rei contra o seu, frio como gelo.

O rei ria com o movimento descoordenado, deixando-se levar em um suingue breve e desastrado ao som da música distante, enquanto Kenny trocava os pés entre os dele, empurrando-o para trás e para frente por alguns segundos, escondendo a boca na lateral do seu pescoço.

-Pare com isso. – Kyle alertou em um tom sem qualquer autoridade, sem conseguir desfazer o sorriso, empurrando-o de leve antes que eles chamassem alguma atenção.

Mas mesmo ao dar um passo para trás, o corpo de Kenny continuou balançando e sua mão continuou apertando firmemente a do rei.

-Eu senti sua falta. – ele sussurrou em seu melhor tom galante, que jamais falhou nas mocinhas para as quais ele mentiu por toda a sua vida. Mas ali, sob a luz daquela lua, debaixo da proteção daquela árvore, essa era a mais pura verdade. Kyle enxergou isso em seus olhos azuis reluzentes como cristal.

-Eu já disse que você não pode me tocar. – o rei disse, sem fazer qualquer menção de afastar sua mão da dele.

-E eu disse que isso não daria certo. Você vai ter que me prender de novo.

Dando uma boa olhada em volta, hesitando por um momento, Kyle suspirou fundo e desfez o sorriso do rosto. Usou sua mão entrelaçada à de Kenny para caminhar puxando o homem pelo caminho de pedra que levava ao jardim do castelo dos elfos, arrastando o corpo bêbado do loiro como se ele não pesasse nada.

Kenny demorou para se dar conta do que estava acontecendo.

-Kyle. A festa é pro outro lado.

-Eu sei.

-Então por que...?

-Se você vai fazer uma cena, precisamos estar sozinhos. Todos estão na rua hoje, o castelo está praticamente vazio. Vamos.

Um sorriso malicioso imediatamente apareceu nos lábios de Kenny, embora ele mal tivesse se dado conta.

. . .

Kenny apoiou o braço nos ombros de Kyle com a esfarrapada desculpa de que precisava de ajuda para caminhar em linha reta, e embora o rei soubesse exatamente o que ele estava fazendo (era impossível não saber, ao se observar o sorriso sacana nos lábios dele), deixou mesmo assim. O calor do braço de Kenny o envolvendo chegava a ser quase agradável, mesmo que ele não fosse admitir.

Apesar das tentativas sussurradas ao pé do ouvido para tentar convencer o rei de levá-lo para o quarto, Kyle graciosamente o ignorava com uma risadinha enquanto o encaminhava para o salão principal do castelo. Como ele havia antecipado, não se via uma alma viva caminhando, nem pelos pátios, nem pelos corredores, muito menos dentro do salão. Toda a euforia e o barulho da festa ficaram para trás; tudo o que se ouvia agora era o som dos estalos do fogo ardendo na lareira que o rei acendeu depois de fechar as portas atrás de si.

Enquanto o rei remexia na lenha e se aquecia próximo ao fogo, Kenny estava com o corpo amortecido largado sobre uma poltrona imensa e mais confortável do que a cama em que ele dormia agora. Haviam arranjado para ele um pequeno quarto nos fundos do castelo, adorável e muito mais agradável do que a cela, mas continuava sendo um contraste rigoroso com todo o luxo da realeza.

-Você foi muito bem hoje, Kenny. Eu não esperava que fosse tanto. – Kyle disse com um sorriso nos lábios, se reerguendo e voltando a encará-lo.

-É, bom. Você governa um povo bem educado. Eu estava esperando apedrejamento, pra ser sincero.

-Eu posso ter minhas ressalvas contra você, mas não te colocaria lá em cima se achasse que você corresse esse risco.

-Eu sei. Você cuida de mim como ninguém. – o loiro disse com um sorriso sedutor e os olhos entreabertos, endireitando o tronco na poltrona e dando dois tapas na coxa para chamar Kyle para mais perto. – Vem aqui, vem.

Em vez de se aproximar mais dele, Kyle se direcionou a uma mesa com uma bandeja cheia de garrafas ornamentais e taças, escolheu o vinho mais doce – aparentemente, os elfos também tinham suas próprias vinícolas. E Kenny degustou de todos os tipos de uvas possíveis aquela noite. O rei arrancou a rolha e jogou um olhar ao outro homem, lambeu os lábios e serviu-se em uma taça de cristal.

Levando o copo bem próximo dos lábios, mas sem entorná-lo, o rei observava Kenny se desfazendo na cadeira como uma criança exausta. Chegava a ser adorável.

-Eu não vou sentar no seu colo, sinto muito. – Kyle disse com um sorriso malicioso nos lábios.

Agora, o loiro estava com os olhos fechados e a cabeça caída para o lado, se espreguiçando. Ele soltou uma risadinha consigo mesmo e entreabriu os olhos para dar uma espiada no rei, mordendo o lábio inferior de leve.

-Você não me dá bola por causa daquele francês?

Kyle ficou sério de repente.

-Como assim?

-Aaah. – Kenny riu sozinho e abanou a mão no ar, sacudindo a cabeça. – Esquece, é besteira.

-Me explique e eu digo se é besteira ou não.

-Ele só... Nós tivemos uma conversinha hoje. Mas foi o tipo de ameaça de homem pra homem, não seria educado compartilhar.

Os olhos de esmeralda não piscaram durante um bom tempo, e quando piscaram, ele desviou o rosto e entornou um gole que terminou com o vinho da taça, seguidamente se servindo de mais uma dose. Suspirando profundamente, Kyle soltou a garrafa e ponderou a informação durante alguns segundos que pareceram minutos, mas Kenny não pareceu se incomodar com a demora.

Então ele disse, alisando a nuca:

-Christophe não confia nem em si mesmo, não é exatamente uma surpresa.

-Olha, eu não tô entregando o cara. Finge que não ouviu nada, por favor. – Kenny disse em um tom distraído, se levantando com dificuldade da poltrona.

Caminhou sorrateiramente por trás do rei, passando as duas mãos pela sua cintura coberta por tecidos tão grossos, descendo as palmas até o quadril dele e depois o envolvendo por trás em um abraço caloroso que fez com que os olhos de Kyle se fechassem instintivamente. Ele apertou a taça na mão enquanto sentia a respiração pesada de Kenny através do seu cabelo, tocando sua nuca, lançando um arrepio percorrendo a sua espinha.

-Pare com isso. – Ele murmurou sem se afastar.

Kenny gemeu baixo próximo ao ouvido dele, espalmando uma mão no abdômen do ruivo, sentindo os fechos dourados do casaco dele, o tecido rico cobrindo aquela barriga que ele já havia imaginado tanto.

-Sabe... Eu não acho que o francês tenha me ameaçado porque não confia em mim. Eu tenho uma teoria... – A voz rouca de Kenny era ainda mais macia e envolvente com o hálito forte de bebida, sussurrando a poucos centímetros do ouvido de Kyle, deixando que ele sentisse o ar quente de sua respiração em contraste com o ar gelado da sala. – De que ele te quer. E como poderia não querer? – Os dedos grosseiros de Kenny começavam a acariciar os cachos do rei para trás, colocando o cabelo por trás da orelha dele para aproximar os lábios, deixando um beijo terno sob o lóbulo dele. – Mas você é todo meu.

-Eu não...

As palavras morreram na boca de Kyle em um gemido fraco, encolhendo o ombro ao sentir o calor úmido da boca de Kenny descendo à lateral do seu pescoço, ao mesmo tempo em que uma das mãos dele deixou a barriga do rei e firmemente subiram aos cabelos ruivos para agarrar uma mecha e deitar a cabeça dele para trás forçadamente, dando ao loiro espaço para devorar o pescoço dele à vontade.

A mão distraída de Kyle tentou colocar a taça sobre a mesa, mas soltou muito na beirada e o cristal caiu, despedaçando-se em mil cacos no chão, sujando o piso de vinho. Apesar do barulho alto, nenhum dos dois deu atenção: estavam distraídos pelo momento em que as mãos habilidosas de Kenny envolviam o corpo magro de Kyle e o viravam de frente para ele, pressionando-o contra a mesa de mau jeito ao que os lábios se encontravam com vontade, com uma intimidade familiar. As línguas se encontraram sem relutância, sem hesitação, envolvidas em um ritmo desesperado sempre tão comum entre elas, pois cada beijo entre eles implorava para aproveitar cada segundo até que o bom senso de Kyle fosse mais forte.

Mas naquela noite, a mão forte de Kenny pressionando a nuca dele não permitiria que o bom senso sequer se manifestasse.

Podia ser o vinho que ele bebera durante as últimas horas, ou a alegria entorpecente daquela noite, a tensão sexual da qual ele fugira por dias, ou talvez fosse simplesmente o fato de que a língua de Kenny fazia coisas incríveis dentro de sua boca, mas Kyle decidiu pular a parte complicada de empurrar e discutir. Envolveu o pescoço do loiro bem apertado em seus braços e deixou que as mãos dele trabalhassem habilidosamente para abrir o casaco pesado, sequer chegando a se incomodar quando o retirou e o deixou cair no chão. Os corpos dos dois cambalearam colados um ao outro para longe da mesa, as mãos de Kenny acariciando o corpo dele livremente enquanto Kyle segurava o rosto do homem bem perto do seu, pressionando-se contra ele, chupando seu lábio inferior com um gemido fraco.

Não demorou muito para que os botões da camisa de chiffon do rei fossem arrancados bruscamente, e o loiro continuou segurando o tecido com força para manter o corpo de Kyle apertado contra o seu enquanto sua língua se enroscava pela dele com os lábios mal encaixados, saboreando seu gosto, pressionando o volume rígido do pau contra a coxa do ruivo sem timidez alguma. O cheiro de Kyle era intoxicante, o suficiente para enlouquecê-lo. Kyle mantinha a mão na parte de trás da cabeça dele para segurá-lo no lugar enquanto o beijava, sentindo um arrepio percorrer seu rosto com as mãos enormes de Kenny passando por dentro da sua camisa aberta, tocando-o cheias de desejo. Os dedos cravavam com força na cintura do rei e marcavam de vermelho aquela pele branca e macia, ao mesmo tempo em que os lábios se encaixavam perfeitamente e as línguas se enroscavam sem parar, até que eles não respirassem mais.

-Eu não agüento mais isso. – O ruivo murmurou ofegante contra a boca do outro homem. – Me fode.



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