Não avistei, obviamente, o etéreo, mas era como se sua missão tivesse sido cumprida. Segurei a cabeça de Nigel e a apoiei em meu colo.
-M-me desculpe! -Gritei, como se ele pudesse me ouvir -Eu não queria que isso acontecesse com você. Era o único que me entendia do orfanato, meu melhor amigo.
Notei sons de passos vindos atrás de mim. Eram os outros peculiares. A srta. Jay pediu para as crianças não se aproximarem -seria trágico, para eles, ver um cadáver. Ainda assim, alguns deles arriscaram alguns passos.
-Não! -Jasmine gritou, procurando se ajoelhar ao redor do corpo gélido de Nigel, seus olhos estavam abertos e eu os fechei. Pearl não permitiu que aproximasse.
-Jas, volte para os outros. Não há nada para ver aqui. -Pearl vestia uma máscara de frieza, mas por dentro, seu coração se derretia.
-É tudo... é tudo culpa minha. -Sussurrei, meus olhos não piscaram em nenhum momento.
-Não diga isso, Eno-
-Preciso trazê-lo de volta! -Gritei, antes mesmo da senhorita terminar sua frase. Peguei uma bisturi que passei a carregar no bolso e quase a enfiei na pele do garoto, mas fui parado.
-Enoch, você, mais do que ninguém, sabe o quão doloroso isso é. -Marie alarmou, abraçando Jasmine que não parava de chorar. Caleb e mais um garoto, cuja peculiaridade se relacionava ao controle do clima, me seguraram pelos braços. Fiquei imóvel por alguns segundos.
-Me larguem, eu quero meu amigo de volta! -Vociferei, exalando toda a dor que sentia. Estava chorando feito um louco, fiquei tão mal -Me deixem, me soltem! Eu deveria ter sido atacado por aquele etéreo! Eu deveria estar no lugar dele. Ele não merecia morrer! -Enterrei meu rosto na barriga de Nigel, deixando vestígios de lágrimas nela.
-Grace, faça, por favor. -Srta. Jay suplicou e eu sabia o que significava. Grace iria configurar minha memória, só não sabia como ainda.
-Não! -Esperneei numa convulsão.
Apareceram estranhos flashes na minha cabeça. Nigel estava em alguns deles. Ele sorria para mim, segurando sua inseparável faca de bolso. Em outros deles, o rosto de uma bela menina radiante emergia.
Eleonor.
Eram pessoas importantes para mim e que não estavam mais na minha vida. Aquilo me deu uma sensação de paz, como se eu precisasse disso para livrar da minha angústia.
Finalmente, adormeci nos braços de alguém.
-
Quando abri meus olhos, as primeiras palavras ditas saíram involuntariamente.
-Nigel? El? -Disse, olhando de um lado para o outro -O que houve?
Uma garota simpática me examinava como uma médica profissional. Seu sorriso aqueceu meu coração.
-Eles se foram, En. -Replicou com um olhar triste -Você está bem?
Ela ficou mais próxima de mim e olhou no fundo dos meus olhos, como se fossem atravessá-los. Senti o mesmo quando vi Eleonor pela primeira vez, mas pensar que isso poderia ser amor fazia meu estômago revirar.
Mas "amor"? O que é essa palavra? Agora nem mesmo eu a compreendo direito...
Ela corou. Por um breve e estúpido momento, esqueci que Marie era capaz de ler meus pensamentos. Abaixei o olhar, evitando pensar em qualquer coisa que me constrangesse.
-Acho que sim. -Tossi. Minha voz soava mais adulta, mesmo que eu estivesse preso no corpo de um moleque de 16 anos.
-Que bom... -Um silêncio foi implantado. Felizmente, Marie se arriscou em falar algo -Se quiser, posso ficar mais um pouco com você aqui. A não ser que seja incômodo.
-N-não, claro que não.
Marie se aconchegou no meu ombro direito. Não queria isso. Não queria me apaixonar de novo, mas algo dentro de mim me empurrou para o seu lado. Minhas irregulares respirações esquentavam sua testa, desenhada com listras de preocupação.
Por que quer ficar comigo aqui, Marie? Pensei, esperando uma resposta. Dessa vez, sendo intencional.
-Acho que seria muito rude deixar um amigo sozinho. Ainda mais quando ele precisa de ajuda. -Seus olhos da cor de avelã brilhavam, emocionados.
Você me deixa feliz. Há muito tempo não sou o centro das atenções. Sorri fracamente, ainda pensando. Ela repetiu o gesto.
-Eu gosto de você, Enoch. -Disse -Muito.
Fiquei calado. Não pensei, não falei. Só deixei que o silêncio pudesse responder por mim.
Beijei o cume de sua cabeça e fiquei calado. Deslizei minha cabeça até seu colo. Seus dedos escorregavam pelos meus cabelos negros e então...
... nos beijamos.
Por que parecia tão errado?
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