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História Rise - Era uma triste tarde de Outubro


Escrita por: LuaaChan

Capítulo 4 - Era uma triste tarde de Outubro


Outubro, 1907

Depois de vários meses e de muitas experiências, descobri o que estava acontecendo comigo. Bem, não completamente.

Eu era capaz de reanimar seres que já morreram, dando vida aos seus corações. Mas claro, aquilo tinha um preço e o que eu tive que pagar eram as dores que passaram a diminuir cada vez que eu progredia com o processo.

Viver com tia May não era tão ruim. A parte desagradável foi viver longe da escola e dos corpos que tanto desejava estudar. Nunca contei para Eleonor o que estava acontecendo, tinha medo dela fugir de mim.

Tentei fazer isso com seres humanos. Trazê-los de volta, porém, era bastante doloroso para a vítima. Se eu quisesse que ela ficasse mais tempo comigo, teria que ter mais corações para sustentá-la. Por isso, percebi que precisava construir um estoque.

-Pronto para a escola, En? -Tia May chamou, com seu sorriso carismático de sempre.

-Uh... uhum! -Pensei um pouco. Já tinha uma ideia do que eu iria fazer hoje e não envolvia ir para a escola -Só me dê uns minutos para me arrumar, sim?

-Claro, querido. -Falou -O café está na mesa. E você vai se alimentar, está ouvindo, mocinho? -Apontou um dedo acusador para mim -Você costuma ir para o colégio sem comer nada e volta faminto. Não quero que isso aconteça de novo.

-Tudo bem. -Resmunguei, revirando os olhos.

Fui para meu quarto, pôr uma roupa descente. Me olhei no espelho e era estranho dizer que aquele reflexo era o meu. Minhas feições tinham mudado mais um pouco e não era só pelo passar do tempo. Eu mudei mesmo. Minha pele estava cada vez mais pálida e as olheiras fizeram o favor de aumentarem, mas eu já sabia o porquê.

Minha habilidade extraordinária me mudou. Precisava de energia para reanimar os cadáveres e parte dela era sugada de mim quando o fazia.

Tomei café e me apressei para minha missão. Fiquei com a consciência pesada em saber que iria desapontar tia May e mentir para ela. Como disse, hoje não era dia de colégio.

Pelo menos não para mim.

_

Vaguei pelas ruas sujas de Londres. Nessa época, os negócios do meus pais sequer despencavam. Tinham muitos casos de pessoas doentes por causa da infraestrutura urbana; muitos pensavam em voltar para os campos, mas a situação não era tão diferente.

Ao passar perto de uma padaria não tão distante da minha verdadeira casa, encontrei um cachorro morto. Pelo que parecia, fora atropelado por uma carruagem. Pobre animal. Não fui capaz de desvendar suas feições de longe, por isso encurtei nossas distâncias.

Vendo de perto, notei que era um labrador velho e ter lembrado de Bucky com isso não foi a parte mais dolorosa. Aquele era Bucky!

-B-Bucky? Amigo? -Sussurrei, batendo em suas orelhas cheias de moscas -Ei, por favor. Acorde! -Sacolejei seu corpo inerte, realmente esperando que isso fosse só impressão minha. Que estivesse apenas dormindo. Mas eu tinha uma ideia. Iria trazê-lo de volta. Eu podia fazer isso.

Puxei o cachorro para uma viela, chamaria menos atenção. Procurei feito um louco por um coração reserva que tinha guardado hoje mais cedo -poderia vir a calhar, como aconteceu. Era de outro cachorro, por coincidência. Ele também morrera, mas de outra forma.

Peguei a coisa meio gosmenta e esperei a vibração chegar. Meu corpo foi sacudido e se encheu de formigamento, já fiquei acostumado. Retirei delicadamente o coração de Bucky -estava retalhado, não teria chances de reanimá-lo nesse estado horrendo -e troquei pelo outro.

Esperei por alguma reação.

Nada.

Esperei que ele pudesse respirar e lamber meu rosto com euforia.

Nada.

-Bucky, por favor! Acorde por mim!

Um pressentimento ruim me dizia que eu estava sendo observado de longe, mas ignorei. Reiniciei o sistema, removendo novamente o coração que acabara de colocar. Apertei minhas mãos contra ele e cerrei os olhos, uma lágrima teimosa percorrendo pelo rosto.

-Vamos, acorde! -O coração pulsava fracamente. Coloquei-o de volta no corpo.

Nada.

-Ei, você! -Uma voz brotou pelas minhas costas. Era o padeiro -O que está fazendo com este defundo? Deixe-o em paz, moleque! Eu vi o que você fez. -Gritou, quase ficando rouco. Me levantei, ainda chorando. Estava assustado -Você não é digno de voltar até aqui e se o fizer, vou chamar a polícia. Ou um exorcista, se preciso.

Meu coração estava comprimido, o que causou dor.

-Saia daqui, sua aberração! -Continuou, erguendo a voz -Fuja enquanto pode, monstro! -Foi o que fiz, antes que ele chamasse mais atenção para mim.

Corri como um condenado, olhando para trás somente uma vez. Meu corpo estava mole e dolorido, mas mais do que isso, estava minha alma. Cambaleei, batendo com o queixo no chão lamacento. Gemi de dor.

Nunca me senti tão impotente em fazer algo. Nunca me senti tão humilhado por mim mesmo.

Me ergui. Fui para um viralejo perto da residência da minha tia. Me encolhi, encostado em uma árvore de sombra, meus joelhos contra o rosto. Forcei as lágrimas a pararem de descer. De parar de fungar. De parar de me sentir tão derrotado.

Nada.



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