SABEDORIA
POV VOVÓ CELIE
A dor da perda de um filho é capaz de enlouquecer, te fazer chegar ao fundo do poço. Eu passei por essa dor. E sobrevivi. Graças a minha fé , ao amor do meu marido e principalmente à Alicia, o maior presente que Molly , minha filha poderia ter me dado.
Eu tive que resistir a vontade de desistir , Allie precisava de mim. Lembro – me quando voltamos para casa após o funeral de seus pais, minha menina tinha doze anos e estava tão perdida, que não conseguia nem mesmo chorar. Fui mostrar o quarto que séria dela dali para frente e seu olhar sem vida , sem brilho acabou de estraçalhar o que restava do meu coração.
Allie não se revoltou, não demonstrava nenhuma reação e simplesmente parou de falar. Ia para escola e não falava com ninguém e em casa também mantinha seu silêncio obstinadamente. Então Benjamin e eu , decidimos nos mudar , para um bairro novo, onde pudéssemos criar novas lembranças para nós e principalmente para Allie.
Mudamos para a capital de Michigan, Lansing, industrializada e grande produtora de veículos, portanto, Bem logo conseguiu um novo emprego na sua área : engenharia. O nosso bairro era estritamente residencial, com casas grandes para famílias numerosas e de posses. A escola em que matriculamos Allie , ficava apenas a quinze minutos de casa. Fizemos uma decoração especial no quarto dela, tentando envolve- la em todo o processo , mas não obtivemos resultados. Eu já estava me desesperando com a situação, quando três dias após a nossa mudança, nossa companhia tocou ( achei estranho , não estava aguardando nenhuma entrega ou visitas e não conhecíamos ninguém no bairro ) pedi a Allie que atendesse, enquanto vinha da cozinha secando minhas mãos em um pano de prato.
À nossa porta estava um casal e dois adolescentes, a mulher carregava uma travessa com algo que cheirava muito bem e sorria calorosamente.
- Pois não ? – perguntei também sorrindo, contagiado pelo sorriso dela.
- Meu nome é Marina , e esses são meus filhos Fábio e Lucca , nós somos seus vizinhos e viemos dar as boas vindas. Eu trouxe essa lasanha ...
Me surpreendi com a gentileza ( nos tempos atuais era um gesto raro ).
- Ora , por favor entrem. Eu sou Cellie e está é minha neta Alicia. Sejam bem vindos à nossa casa.
Eles entraram e percebi que Allie não conseguia parar de olhar para o garoto de cabelos claros. Os dois eram muito bonitos, mas ela parecia encantada com ele.
Convidei Marina para ir a cozinha, enquanto Eu passava um café fresco para comermos com o bolo que eu tinha feito pela manhã e deixamos as crianças ( para mim sempre serão crianças ) na sala. Isso forcaria Allie a sair de sua apatia.
Enquanto conversávamos, Marina contou que era casada com um arquiteto italiano, por isso os filhos tinham esses nomes diferentes e que o mais velho Fábio tinha acabado de completar dezessete anos e o mais novo quatorze .Que ela trabalhava em casa com artesanato sua paixão e que se dedicava à família. Eu contei que havia sido diretora de uma escola durante vinte anos, que meu marido era engenheiro e que havíamos nos mudado por conta do falecimento da minha filha e que decidimos por essa mudança após um ano, para tentar tirar nossa neta da apatia e tristeza em que vivia. A conversa fluía fácil agradável, quando ouvimos risadas vindas da sala. Eu corri até a porta e vi os três jogando algo e Allie ria, isso mesmo ria , sentada ao lado do rapaz de cabelos claros que sorria para ela !!!
Voltei para a cozinha e estava com lágrimas escorrendo pelo meu rosto, abracei Marina, que se surpreendeu. E eu disse:
- Muito obrigada !!! Você não sabe o bem que me fez ...
Ela ficou com uma expressão interrogativa, mas eu disse a ela que explicaria tudo depois de servir o lanche das crianças. Levei tudo para a sala de jantar e os chamei para comer. Voltei para a cozinha, servi o nosso café e bolo e comecei a falar, enquanto Marina me olhava nos olhos e parecia ansiosa em compreender o que estava acontecendo.
- Minha filha e meu genro morreram no inicio do ano passado em um acidente de carro. Allie tinha doze anos e veio morar conosco. Acontece que ela simplesmente parou de falar ...
- Meu Deus , eu sinto muito . – falou segurando em minhas mãos.
- Tentamos psicólogos, esportes que exigiam interação, mas nada a tirava desse alheamento. Então decidimos nos mudar ... e hoje é a primeira vez em um ano e meio que ouço o riso da minha menina ...- falei secando as lagrimas.
- Eu não consigo dimensionar a intensidade da sua dor ... mas você pode contar comigo, para o que precisar. Eu tenho a sensação de conhece- la há muito tempo ...
- Obrigada . Eu também ...
E assim se iniciou a amizade entre nossas famílias. E o fato das crianças estudarem na mesma escola e dos nossos maridos terem interesses em comum, nos aproximou ainda mais.
Quanto a Allie depois do dia da visita, foi aos poucos voltando a ser a menina amorosa e falante que conhecíamos, E ela é Lucca não se desgrudavam, havia um ano de diferença entre eles e os dois pareciam se entender perfeitamente. Até o dia que ele contou para ela que estava gostando de uma menina da sala dela e pediu que ela o ajudasse a conquistar a garota. Sei que Allie chegou em casa, enfurecida e foi direto para o seu quarto batendo a porta. Em seguida ouvi soluços. Fui ver o que havia acontecido e a encontrei jogada na cama aos prantos. Pensei , ah adolescência ...
- Allie , o que aconteceu meu amor ? Por que você está chorando ?
- Vovó ... Eu... ah ..._ os soluços não a deixavam concluir. Fiquei passando a mão em seus cabelos, ate que ela se acalmou.
- Então Allie , qual o problema ? – falei suavemente.
- Vovó o Lucca gosta da Lilly e me pediu para ajudá-lo na conquista ...
- E ?
- E ?! Eu o amo !!! Ele é Meu príncipe !!! Como ele pode gostar daquela loira sem graça ?! Como ele pôde fazer isso comigo ?! – falou, voltando a chorar.
- Allie, você disse que gosta dele ? Ele sabe que você nutre sentimentos que vão além da amizade ? Os homens não conseguem perceber sutilezas, meu amor ...
- Vovó nós estamos sempre juntos, jogamos, vamos ao cinema, saio e me dou bem com todos os amigos dele. O que mais eu preciso fazer ?! – perguntou indignada.
- Fazer com que ele te olhe de maneira diferente , não como outro amigo e sim como uma menina atraente, que é o que você é. Precisa falar o que sente ...
- Falar ?! Vovó Eu tenho medo , nós somos diferentes e a Lilly é linda ... e se ele me rejeitar por eu ser ...
- Diferentes ?! Negra Alicia ?! Então meu amor, ele não é um príncipe e sim um sapo !!! Você é linda, inteligente, e muito especial. Nunca duvide disso e nem deixe que ninguém te faça duvidar. A cor da pele não faz ninguém melhor do que o outro, mas caráter e coração sim.
- Vovó eu tenho medo .
- Então enfrente seu medo, querida. Do contrário você irá perder as chances de ser feliz. Pense no que eu disse ...
Saí do quarto com o coração apertado, mas ela tinha que começar a caminhar com as próprias pernas.
Voltei aos preparativos da festa da Allie de dezesseis anos , que aconteceria dali a uma semana. Seriam aproximadamente cinquenta pessoas, incluindo os colegas que ela havia chamado. Eu estava ansiosa para que tudo ficasse perfeito e para que ela gostasse do nosso presente, um jeep Renegade branco. Ela tinha tirado sua habilitação com louvor e eu deixava que usasse meu carro e ela se mostrou muito responsavel , nada mais justo que presentea-la com seu próprio carro.
DUAS SEMANAS DEPOIS
Hoje era o grande dia !!! Allie acordou cedo e estava ansiosa, andando pra lá e para cá , sempre falando ao celular. Fomos para o salão nos arrumar e modéstia à parte, minha neta é uma princesa !!! Vestido dela tinha um decote coração, com alças finas, em degrade com as cores do pôr do Sol , que valorizavam sua pele negra. Os cachos estavam presos na lateral com uma presilha delicada cheia de pedras, as sandálias eram douradas de tiras finas e de salto. Ela trocaria de vestido após dançar com o avô e com o garoto de sua preferência ( Que eu não tinha certeza se seria o Lucca , porque depois daquela crise de choro, ela não falou mais nele e um tal de Henry começou a ligar em casa ), seu segundo vestido era curto , rodado e preto, tinha um belo decote nas costas , o que Benjamin quando visse não iria gostar nada.
Eu e Bem também caprichamos em nossa produção e posso dizer, que fazíamos um belo par. Nós dirigimos ao salão de festas onde a festa seria realizada primeiro , para receber os convidados e Allie chegaria depois, fazendo uma entrada triunfal.
Após a chegada dela, os cumprimentos e a dança com o avô ( Que estava super emocionado ) , Allie se dirigiu ao centro da pista e fez sinal para que o Dj desligasse a música, ela estava com o microfone em mãos e o mesmo tremia, percebia – se o seu nervosismo, quando ela começou a falar :
- Quero agradecer aos meus avós por não desistirem de mim, mesmo quando eu estava sendo insuportável , quando eu sentia tanta raiva do mundo e de todos, eles sempre estiveram comigo. Quero agradecer por todos os momentos que vivemos e por hoje, por essa festa maravilhosa e por fazerem sentir como uma princesa !!!
- E você é a nossa princesa meu amor – vovô Ben falou com sua voz grave e os convidados aplaudiram . Quando o silêncio retornou, Allie continuou:
- Quero agradecer a todos que estão aqui hoje, a presença de vocês é muito importante e especial para mim.- mais aplausos – E quero abrir meu coração ... Quando eu achei que nada e ninguém me faria sorrir novamente, você chegou. Trouxe a minha vontade de viver, com sua paciência e bom humor, me fez ter vontade de continuar. Me tirou da escuridão e eu quero te dizer que você é o Sol da minha vida ... – fez um sinal para o Dj e ouvimos os acordes de “ You are Sunshine of muito Life “ de Steve Wonder. Allie se dirigiu ao Lucca e segurou em suas mãos e para surpresa geral , os dois se beijarem e começaram a dançar no meio da pista.
Ao olhar para cena que se desenrolava na pista, tive um deja vu, em frente aos meus olhos vi Allie e Luccas com roupas de época e eles valsavam lindamente, pareciam apaixonados. Essa visão durou uma fração de segundos e eu tive a certeza que ali estava acontecendo um reencontro de Almas gêmeas. Contudo, ao olhar para o meu marido, tive outra certeza : que para que Allie e Lucca pudessem ficar juntos, teriam que enfrentar alguns obstáculos. Ben não disfarçava seu descontentamento e apertava os lábios em uma linha fina. Eu não entendia o seu desagrado, pois ele sempre apoiou a amizade deles e nós haviamos nos tornado amigos dos Landucci. Resolvi conversar com ele para esclarecer essa situação, mas só seria possível em casa. Para impedir que alguém notasse a situa reação, o puxei pela mão e praticamente o arrastei para a pista e começamos a dançar. Os outros casais fizeram o mesmo e assim transcorreu a noite.
Ao chegarmos em casa, levamos Allie à garagem e lhe entregamos o seu presente !!! Ela ria e chorava ao mesmo tempo, nos enchendo de abraços e beijos molhados. Eu estava feliz em ver sua alegria , mas expressão do Ben na festa não saía da minha mente, me causando um mal pressentimento. Enfim nos recolhemos, exaustos pelas emoções do dia.
No dia seguinte após tomarmos café e Allie ter saído para mostrar o carro novo às amigas, me sentei no colo do meu marido e o beijei, sabia como amansar a fera.
- Amor, o que aconteceu ontem, que você voltou calado da festa ? Algo o aborreceu ?
- Celie , desde quando você sabia sobre esses dois ? – me respondeu com outra pergunta.
- Eu não sabia !!!
- Cellie !!!
- Quer dizer, eu suspeitei ,mas como ela nunca disse nada, acabei descartando essa possibilidade ...
- Pois então , trate de conversar com a sua neta e abrir os olhos dela. Isso não vai dar certo, eles são diferentes e ela vai sofrer. Eu sei ...
- Benjamim, o que você está dizendo pelo amor de Deus ?! – perguntei chocada.
- A verdade Cellie , que você e a Allie insistem em ignorar. Você sabe o que ela vai ter que enfrentar : os olhares , os cochichos , comentários de deboche. Eu não quero que ela passe pelo o que eu passei ...
- Você passou, Benjamim ?
- Cellie eu não quero falar sobre isso, foi muito antes de você ...
-Mas você vai falar !!! Quero saber que história é essa ? – falei colocando as mãos na cintura e fechando a cara.
- Olha no meu primeiro na faculdade, eu me encantei por uma moça branca e começamos a namorar. Eu acreditei que a cor da minha pele ,não faria diferença ... Ledo engano, quando fui conhecer seus pais, os mesmos deixaram bem clara a sua contrariedade e na semana seguinte a transferiram de faculdade . Eu não pude nem me despedir ...
- Sinto muito , meu amor !!! Realmente sinto por você, mas os tempos são outros .
- Os tempos sim , as pessoas não !!!
E depois disso ele fazia questão de se retirar quando a Allie e o Lucca vinham em casa. Chegou a cogitar em falar com os pais dele, mas eu não permiti. E no final os dois acabaram por perceber e quando Allie me questionou, eu fui sincera.
Mas agora o obstáculo era maior e mais difícil, minha neta teria que vencer o próprio preconceito e imaturidade, e vencer a si mesmo é a batalha mais árdua e eu esperava que ela fosse forte e corajosa o suficiente para lutar por si e pelo amor.
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