ALICIA
DE BRAÇOS ABERTOS ...
Idiota !!! Idiota !!!
Era assim que eu estava me sentindo. Como eu havia esquecido de verificar o local ?! Se eu fosse ele, estaria me odiando agora ...
Coloquei tudo a perder.
Eu estava realmente me esforcando , tentando aprender a lidar com as limitações e dificuldades do cotidiano. É principalmente, dando o espaço que ele precisava, mesmo que isso me fizesse ir dormir chorando, quase todas as noites. Eu amava estar com ele e se não fosse o fato de não Nos beijarmos ou manter algum tipo de intimidade , parecia que continuávamos namorando. Pelo menos , era nisso que eu fazia questão de acreditar.
Eu continuava indo à terapia e Anne sempre dizia que eu estava tendo avanços. Na sessão de hoje, vovó Celie me acompanharia. Eu iria fazer a minha primeira regressão e estava muito ansiosa.
Chegamos ao consultório vinte minutos antes do meu horário, culpa da ansiedade. Enquanto esperávamos, ficamos conversando com a recepcionista Lisa, que era muito simpática e nos contou histórias engraçadas ocorridas ali .
Anne nos chamou. Eu tremia e sentia vontade de desistir.
Ela percebeu meu nervosismo.
- Calma , Allie. Está tudo bem , querida.
- Cellie , que prazer revê - la .- se abraçaram fraternalmente.
- Minha menina tem dado muito trabalho , Anne?
- Nada demais !!! – riram .
- Pronta para começar Alicia ?- disse me indicando o sofá, ,onde me deitei.- Sua avó está aqui para ser sua ligação com o presente. Nós vamos tentar acessar a memória que talvez te provoque a aversão que você sente por deficientes físicos. Ela se acomodou na poltrona e minha avó já estava sentada em outra, sorrindo para me encorajar. Tocava uma música clássica , que induzida ao relaxamento. Nós três fizemos uma breve oração, pedindo orientação aos seres superiores. Eu já Me sentia relaxada e sonolenta, quando ouvi a voz de Anne :
- Alicia, feche os olhos. Respire profundamente, expelindo o ar vagarosamente. Repita. Agora você vai se deixar conduzir para o momento em que você quiser. Você consegue ver ?
- Sim – respondi baixo.
- Me descreva o que você está vendo.
- Eu vejo um campo imenso, uma plantação ... de algodão ? Sim, algodão. Pessoas trabalhando . O calor está intenso. São escravos ... são muitos.
- O que mais você vê ?
- Um homem, andando entre eles com um chicote nas mãos. Ele parece irritado... não, furioso. Ele estames contando as pessoas ...
- E você , onde está?
- Estou na janela, observando ...
- O que você está sentindo ?
- Medo do homem ... pena dessas pessoas ...
- Você conhece esse homem?
- Sim. Ele é meu marido !!! – minha voz externava terror.
- Continue falando querida, não precisa ter medo. Ele não pode te machucar ... Você está segura.
- Ele vem vindo ...
- E ?
Memórias de Alicia
Luke contava os escravos que trabalhavam sob um sol escaldante, estava furioso. James, o capataz, o acompanhava e parecia temeroso.
Luke batia com o chicote em suas botas e isso não era um bom sinal ...ai , meu Deus , ele estava vindo para casa. Comecei a tremer, que Deus me proteja.
- Alice, Alice ...onde você está ? Diabo de mulher !!! – ele já entrou gritando.
- Estou aqui. – respondi trêmula.
Ele pegou no meu braço e começou a me sacudir.
- E por que , não responde ?! Não presta para nada mesmo !!! Não me dá filhos !!! E é uma geladeira na cama !!! – falava tão perto de mim , que seu hálito impregnado de whisky , estava me dando náuseas.
- Diabos !!! Mais um maldito negro se atreveu a fugir ...
- Talvez se você os tratasse melhor, como na Fazenda do seu irmão ...- fui interrompida com um tapa no rosto, que me fez cair sentada e logo senti o gosto de sangue em minha boca.
- Agora você vai querer me ensinar a administrar a minha fazenda , seu peso morto ?!
Neguei apenas balançando a cabeça com medo de apanhar de novo.
- Mas ele não perde , por esperar. Nunca mais nenhum desses malditos, tentará fugir ... Eu vou sair com James agora e iremos caça – lo ate o encontrarmos.
- Por favor ...
- O que inútil ?!
- Não o mate.- levei outro tapa como resposta.
Quando consegui me recompor , Cecilia ( minha ama de leite ) e eu fomos levar água e pães para os escravos que ainda estavam na plantação. Eu sempre aproveitava a ausência do meu marido ,para tentar ajudar. E também estava ensinando as crianças a ler , escondido. Se ele descobrisse era capaz de me matar. Chegamos à plantação e eles fiaram felizes por me ver. Provavelmente , eram os únicos.
Comecei a recordar sobre a maneira que eu e Luke nos conhecemos. Era meu baile de dezesseis anos, eu estava sendo apresentada à sociedade. O salão de casa estava cheio de convidados, inclusive de rapazes em idade de se casar.
Contudo , os disputados e desejados eram os irmãos Shelton, Frederick e Luke, ricos e muito bonitos. Eles faziam parte de uma das famílias mais influentes e ricas da cidade. Possuiam muitas propriedades, escravos e obras de arte .Os rapazes eram parecidos fisicamente, altos cabelos negros e olhos azuis, mas as semelhanças acabavam ai. Eu tinha uma predileção por Frederick, que me parecia mais gentil, enquanto que seu irmão tinha um olhar frio, que me causava arrepios . E aparentemente, eu era correspondida ... sempre que Frederick e eu nos viamos , trocávamos olhares e sorrisos.
E hoje seria meu grande dia. Meu baile. E poderia escolher um rapaz para dançar E claro seria ele !!! O baile transcorria a mil maravilhas, e quando fui fazer a minha escolha fui pega de surpresa pelo sussurro do meu pai em meus ouvidos:
- Princesa. Escolha o Sr. Luke Shellton. Nós acabamos de firmar o seu noivado.
Senti como se houvessem me tirado o chao. Por que ? Se ele nunca nem mesmo me olhou ? Percebi seu sorriso, mas seus olhos continuavam frios. Olhei ao redor e vi Frederick com uma expressão de pesar. Minha vontade foi de sair correndo, mas eu não podia desobedecer meu pai. Então, caminhei para a minha infelicidade .
Dançamos e eu só queria que acabasse rápido , para poder me livrar daquele homem. Ao final da dança ,ele sussurrou em meu ouvido:
- Você é minha. Ele não vai me roubar mais nada.
E assim minha vida foi atada à daquele homem, que fazia questão de me humilhar , subjugar e me batia. Quando ele me machucava muito, física ou moralmente eu me refugiava em minhas fantasias . Nas quais , eu era feliz com Frederick.
Momento atual
Luke voltou, trazendo o escravo amarrado a seu cavalo. Desmontou e deu ordens aos empregados que reunissem todos os escravos no pátio, onde havia um tronco de madeira , em que ele costumava amarra- los e um pedaço de madeira menor que servia de banco ao feitor, que era obrigado a vigiar o escravo rebelde.
Todos estavam em silêncio, Pareciam evitar ate mesmo respirar mais forte. Quanto a mim , fui obrigada a assistir aquele espetáculo tenebroso.
Luke pediu que trouxessem o escravo que estava amarrado e o colocassem próximo ao toco que servia de banco. Assim foi feito. O silêncio, não era quebrado nem mesmo pelo canto dos passaros , que pareciam pressentir a tragédia que se aproximava ...
Luke pediu que colocassem a perna esquerda do escravo em cima do toco, enquanto o capataz trouxe o Machado , que reluzia de tão afiado. O homem começou a gritar desesperado e Luke ria descontroladamente.
Sem pestanejar, ele levantou o Machado, descendo -o de uma vez. Cortando com um único golpe, o pé do escravo.
Eu permaneci em choque e os demais também. Algumas mulheres desmataram, outras choravam copiosamente. Ainda com o machado sujo de sangue nas mãos, Ele gritou para que todos ouvissem:
- Esse é o castigo de quem tentar fugir !!! – e ria , como s houvesse matado um frango e não cortado o membro de um ser humano.
O terror se instalou pela Fazenda. Luke continuava cada vez mais cruel. E com o passar dos anos, outros escravos foram punidos da mesma forma. Ele fazia questão de manejar o machado.
Eu continuei fazendo o que podia, me mantendo incógnita por um bom tempo . Mas a minha sorte não durou para sempre. Por descuido , um escravo deixou escapar ao capataz sobre as aulas que eu dava. E um dia fui surpreendida em pleno ato e não tive como fugir.
Ele me arrastou e foi me batendo até chegarmos em casa, gritando enfurecido :
-MALDITA !!! POR ISSO , ELES ME DESAFIAM!!! SUA IMBECIL !!! IMPRESTÁVEL !!!- e a cada xingamento, eu recebia uma pancada. .
Mas ele não estava satisfeito e como castigo ,resolveu me encarcerar definitivamente no sotao , me mantendo a pão e agua . Meus pais já haviam falecido ,eu não tinha ninguem por mim. Ele só não contava com a lealdade de Cecilia , que mesmo tendo sido ameaçada por ele, continuava me trazendo alimentos. O tempo passou e acredito que ele achou que eu não seria mais um problema, afinal que ser humano aguentaria ficar preso, sem alimento por tanto tempo?
Eu já havia elaborado um plano e contava com a ajuda de Cecilia para colocar em pratica . Planejei a minha fuga, para uma noite em que ele iria se reunir com os fazendeiros da região. Eles bebiam muito durante esses encontros e Luke , costumava chegar muito tarde.
Cecilia já havia separando provisões, um cavalo me aguardava selado e ela também havia conseguido subtrair a chave do sótão. Tudo estava certo . Só não contamos com um imprevisto, Luke passou mal durante a reunião e voltou para casa mais cedo, me pegando em flagra.
Eu estava no primeiro degrau da escada e me assustei ao ouvir aquela voz que tanto odiava.
- Onde a Sra. Pensa que vai ? – perguntou friamente.
- Eu ... – fiquei estática, sem reação.
Só senti quando ele me pegou pelos braços e me empurrou escada abaixo.
- Quer ir embora ? Pode ir.
Para o meu azar, eu não morri. Fiquei presa a uma cama até o final dos meus dias ...
Consultório dra. Anne
- Allie, está tudo bem. Acorde !!!
Me sentei de supetão, meu coração estava disparado e eu me recordava de cada detalhe. Os rostos atuais se fundiam aos do passado.
Minha avó me deu um copo de agua , que bebi sem parar pra respirar. Dra . Anne aguardava que eu né recuperasse em silêncio, somente a música preenchia o ambiente.
Após algum tempo, me senti melhor e perguntei :
- O que significa tudo isso ?
- Alicia você leu o livro que recomendei ? – me respondeu com outra pergunta.
Assenti.
- Então ,você sabe o que significa. Eu preciso que você verbalize. O que você entendeu de tudo isso ?
- Bem, primeiro que o Luke é o meu Lucca, Frederick é o Fábio, Cecilia é a vovó Cellie. E que talvez tudo isso , esteja relacionado com o que estamos vivendo hoje ...
- Sim. Causa e Efeito.
- Provavelmente, minha aversão se origina no fato de ter passado pelo mesmo sofrimento.
- Sim. E você ainda não o perdoou completamente .
- Como assim ? Eu o amo !!!
- Ama. Mas será que em seu subconsciente, não acha que tudo o que ele está passando é merecido ? Eu sei que parece um absurdo. Mas nós precisamos ir além ...
- Eu jamais desejaria isso a alguém !!! Principalmente à Pessoa que amo !!! Isto é realmente um absurdo !!! Sem propósitos !!!- eu estava transtornada.
- Alicia , acalme – se. – minha avô disse, sentando – se ao meu lado. – Você já chegou até aqui, meu amor ...
- Alicia , vamos ouvir a gravação da sua narrativas em um ponto específico ...
Ouvi minha voz , contando a barbárie cometida por Luke/ Lucca contra os escravos fujoes e eu fui muito especifica ao dizer que ele fazia questão de manejar o machado . E que o primeiro escravo, teve justamente o pé esquerdo cortado.
O pé que ele quase havia perdido ...
- Então, Alicia, isto é absurdo ? É a sua voz. Suas recordações.
- Desculpe. Mas é muita coisa para processar ...
- Por isso , o esquecimento das vidas passadas é uma bênção. – disse vovó Cellie.
- E agora ? – perguntei completamente perdida.
- Agora você já sabe a origem do problema. E eu vou te mostrar a solução. Mas cabe à você , aplicá – la.
Respirei profundamente e disse :
- Eu só quero acabar com tudo isso. Me curar ...
- Certo , Allie . A solução é o perdão.
- Como é que é ?! Acho que não entendi ...
- Sim, Allie. Se perdoar e perdoa – lo . Exercitar o perdão.
- Eu não sei como fazer isso ...
- Por isso , eu e Cellie, vamos te ajudar. É um exercício diário, como se fosse fisoterapia, vai exigir dedicação e muita fé. Você está disposta ?
Eu estava disposta ?! Eu terei a coragem necessária ?! Será que seria capaz de ficar de braços abertos, para acolher a transformação , que eu sentia ser inevitável ?!
Que Deus me ajudasse ...
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