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História Roses and Demons: Hells Flower - O Limite da Manipulação


Escrita por: JulianVK

Capítulo 22 - O Limite da Manipulação


Antes do massacre na vila onde nasceu mudar sua vida por completo, ele se chamava Thomas Ashfield. Aos olhos de seus amigos, Martin e Maya, o poder que os permitiu sobreviver era um legítimo milagre. Para Thomas, porém, parecia mais com uma maldição. Com o passar do tempo, seus cabelos curtos e bem arrumados adquiriram uma tonalidade vermelho escura e, com um simples movimento de mão, ele era capaz de fazer o solo irromper numa torrente de magma. Mesmo que jamais tivesse desejado algo assim, não podia escapar da realidade de que havia se tornado um manipulador.
Nos anos que vieram, Thomas pouco mudou. Com sua aparência franzina, nem o uniforme da Ordem da Rosa Branca que usava, estilizado com linhas verdes e vermelhas, foi capaz de torná-lo imponente. Dentre os membros, ele era sem dúvida o que menos se destacava. Contudo, de todas as suas características, a que mais detestava era a covardia, fruto de um pessimismo crônico que nem Martin pôde corrigir.
Vendo-se agora diante de um demônio, Vulcano, cuja idade era praticamente a mesma de Karin, não conseguia evitar que seus traumas viessem à tona. Não se tratava apenas dos sentimentos de miséria e terror que naturalmente permeavam a aura dos seres de Pravus. Era a presença de Predher, terrivelmente similar à dos monstros responsáveis pela tragédia de sua vila, que o fazia sentir-se sufocado pelo desespero.
No âmago de sua alma, começava a surgir uma certeza. As figuras dos pesadelos que ainda o assombravam à noite e o inimigo que enfrentava agora compartilhavam a mesma origem. Sua infância havia sido destruída por nada menos que demônios, e quanto mais este fato se tornava claro, mais o medo que sentia de Predher ameaça apagar o pouco espírito de luta que ainda lhe restava.

A luta seguia feroz. Revezando seus ataques para conservar energia, os guerreiros da Rosa Branca não deixavam brechas para Predher, forçando-o a manter uma postura defensiva. O tempo, porém, não estava a favor deles. Seu cansaço aos poucos se tornava evidente, mas o demônio não demonstrava o menor sinal de fraqueza. Parecia não haver limites para seu vigor e capacidade de regeneração. O desgaste maior, entretanto, era o da mente de Thomas, incapaz de esconder a angústia que o atormentava.
-Você é mesmo cruel, velhote. – Predher se deliciava com suas palavras ácidas. – Obrigando um pobre menino a lutar. Olhe só para a cara dele, parece que vai desmaiar de medo a qualquer momento!
A dura verdade era uma pontada de culpa que queimava no peito. Ao olhar para o lado e ver a expressão desalentada de seu colega, Ent imaginou se não teria sido uma escolha melhor enviá-lo para Empericia junto com os refugiados. Que direito tinha de obrigar uma criança a presenciar tais horrores?
-“Thomas...”
-Acabo de ter uma ótima ideia. – Continuou Predher, com os olhos reluzindo de malícia. – Vou matar você na frente do pirralho e me deleitar enquanto ele perde o que resta de sanidade. Vou fazê-lo implorar por piedade e chorar sangue enquanto se contorce de dor até a morte.
Os punhos de Ent tremiam de ira diante de tamanha provocação. A morte de Martin ainda pesava em sua consciência. Permitir que alguém trouxesse ainda mais sofrimento para Thomas e Maya era simplesmente inadmissível. Sem qualquer preocupação em preservar sua energia, ele atacou com força total, ditando o ritmo da luta com sua agilidade e golpes impactantes.
Ainda assim, Predher era capaz de resistir à fúria do controlador de plantas e revidar. Vulcano, assistindo a tudo, tentava desesperadamente fazer alguma coisa, mas não era capaz. Suas pernas não se moviam. Sua mente se recusava a encontrar um foco. Lá estava Ent, arriscando sua vida para protegê-lo, mas não conseguia sequer ajuda-lo.
-Por quê? Por que eu sou assim tão patético? – Disse ele em voz baixa, enquanto lágrimas começavam a escorrer pelo rosto. Com seus joelhos cedendo ao medo que o esmagava, nem mais em pé conseguia ficar. – Eu achei que tinha mudado depois da luta contra Karin, mas continuo o mesmo imprestável...
Sufocando-o, seus traumas estavam mais vívidos do que nunca. Era como se tivesse voltado ao dia do massacre, voltado a ser um garotinho indefeso. Levado ao limite de sua capacidade psicológica, Thomas estava a um passo de afundar irremediavelmente em desespero, quando um detalhe lhe veio à mente.
De súbito, um grito de dor o acordou da lamentação. Ent rodopiava pelo ar após ter sido atingido, impossibilitado de reagir a tempo de evitar o próximo golpe. Era a oportunidade perfeita para o demônio causar um ferimento mortal.
-Não!!
Uma torrente flamejante explodiu sob os pés de Predher, tirando completamente seu equilíbrio e causando danos extensos. Precisaria de alguns momentos para se recuperar daquilo. Surpreso e arfando, Vulcano percebeu que havia reagido por puro impulso, salvando a vida de seu aliado.
-“Se o Martin me visse fazendo esse papel vergonhoso, certamente ficaria muito decepcionado. Ele se arriscou e salvou as nossas vidas naquele dia, mesmo sendo só uma criança, e eu aqui não consigo nem encarar um demônio nos olhos.”
-Então agora vai ficar no meu caminho. – Disse o monstro, irritado. – Faz tanta questão assim que eu arranque suas tripas primeiro?!
A resposta veio na forma de uma esfera ardente em cheio no rosto que o fez urrar de dor.
-Bem que eu queria dizer que você não me assusta, mas para falar a verdade estou morrendo de medo. – Disse o jovem, agora com uma expressão menos conturbada.
-“Perdoe-me, Thomas, eu não deveria ter forçado você a participar disso...” – Pensou Ent, mas a resposta que veio a seguir lhe surpreendeu.
-Mas quando meu melhor amigo teve de encarar demônios como você, ele não se acovardou uma única vez sequer! Ele abraçou os poderes que havia despertado e se esforçou ao máximo para proteger as pessoas que não queria perder! – Fez-se um instante de silêncio, no qual Vulcano reuniu toda a coragem que tinha para transformar em palavras e em determinação aquilo que sentia. – Deixar de lutar agora seria um desrespeito com ele! Agora é a minha vez de proteger a Maya! De proteger toda as pessoas que eu puder!
Pelo mais breve dos momentos, Ent teve a impressão de ver no rosto de Thomas a face valente e esperançosa do garoto que, mesmo por um curto período de tempo, carregou com nobreza o nome “Quartzo”. Um jovem cuja bravura impressionou até mesmo o velho controlador de plantas.
-“Será que você está aqui dando coragem para o seu amigo, Martin?”
-Quanto papo furado. – Predher, por outro lado, estava longe de se mostrar impressionado. Para ele, toda aquela conversa era uma imensa e insuportável chatice. – Você vai morrer igual a um verme e nada mais!
-Mesmo que você seja imortal, nós vamos encontrar um jeito de derrotá-lo! – Retrucou Thomas. – Não subestime a Rosa Branca!
Agora que seu aliado estava mostrando tanto espírito de luta, Ent não podia ficar para trás e, respondendo à altura, assumiu rapidamente sua postura de batalha outra vez. Porém, antes que qualquer golpe fosse sequer ensaiado, um grunhido súbito vindo de trás lhes chamou a atenção, seguido do som de algo se mexendo sob a grama. Era Karin, que lentamente tentava se colocar em pé, e vê-la desperta renovou os ânimos dos guerreiros da ordem, especialmente o controlador de plantas. Agora poderia, finalmente, colocar em prática o seu plano.
-“Preciso ser rápido!”
Predher não pretendia lhes conceder tempo para reagrupar, mas sua aproximação foi castigada por uma breve saraivada de estacas. Longas e rígidas, as hastes de madeira perfuraram seu corpo todo e, com sangue escuro jorrando aos borbotões pelas feridas, o demônio tombou.
-Eu pensei que você tinha dito para não usarmos nossa energia sem necessidade! – Criticou Vulcano. – Isso só vai segurar ele por alguns momentos!
-Sim, mas o meu objetivo era só ganhar tempo mesmo. Agora que Karin está acordada, chegou a hora de partir para a ofensiva, sem contar que quem precisava guardar suas forças era você, o único que tem condições de matar esse monstro.
-Como assim? O que você espera que a Karin nesse estado?
Ao invés de responder, o velho agarrou Vulcano pelo braço, arrastando-o consigo.
-Como se sente, Karin? Consegue lutar?
-Acho que sim. Ainda estou toda dolorida, mas vou sobreviver.
-Que bom. Eu tenho um plano que provavelmente deve derrotar o inimigo. – Ent prosseguiu, frisando a palavra “provavelmente” ao falar. – Mas para isso vocês dois terão que levar suas manipulações ao limite.
-Você tem noção do que está pedindo, Ent?! – Questionou Vulcano. – A Karin está exausta depois daquele último ataque, não tem como ela continuar usando suas habilidades desse jeito!
-Isso não é bem verdade, Thomas. Karin é fundamentalmente diferente de nós, manipuladores da Rosa Branca. Tenho certeza de que ela ainda tem energia sobrando.
Com um rosnado de dor, Predher arrancou uma estaca de seu ombro. Bastava agora remover aquelas cravadas em suas pernas e estaria apto a retomar o combate. Tomado por um sentimento de urgência, Ent explicou rapidamente seu plano para os jovens. Uma estratégia arriscada e que exigiria um esforço imenso, sem dúvida, mas ambos concordaram sem hesitar. Os olhos de Vulcano reluziam com um fogo que dava aos seus aliados a certeza de que ele seria capaz de matar o demônio.
-Vocês já tentaram de tudo e mesmo não estou mais perto de morrer do que quando essa luta começou. – Disse Predher, finalmente recuperado. Aquela insistência, embora risível, já havia deixado de diverti-lo há muito tempo. – Será que vocês humanos são tão imbecis que não conseguem perceber como isso é inútil?
-Os demônios subestimam demais a capacidade dos humanos. – Retrucou Ent, desafiador. – É por isso que vocês vão perder essa guerra!
Com o que lhe restava de energia elemental, o controlador de plantas ergueu do solo uma dúzia de raízes, restringindo por completo os movimentos de Predher com elas. Esta era, contudo, apenas uma medida provisória. Com o inimigo imobilizado, era a vez de Karin agir, usando sua incomum manipulação mista para criar uma barreira ao redor dele, impedindo-o de escapar.
-Vão tentar me matar de tédio, é isso? – Grunhiu o monstro, absolutamente despreocupado.
-É agora, Thomas!
-Você consegue, Vulcano! Mostra para esse gato sarnento quem é que manda!
As palavras de seus amigos reforçavam a confiança do controlado do magma. De olhos fechados, ele se concentrava em sentir a pulsação da energia elemental permeando seu corpo, expandindo-se pelo solo ao redor. Submeter esse fluxo à sua vontade através da manipulação já havia se tornado algo natural, quase instintivo, como movimentar um braço ou uma perna.
Era chegado o momento de colocar à prova sua capacidade. Após materializar sua arma, uma elegante rapieira adornada, e empunhá-la com a mão direita, Vulcano cravou a lâmina no solo e, através dela, liberou uma quantidade imensa de energia juntamente com um grito resoluto.
O pilar de magma que engoliu Predher carbonizou num instante as raízes que o restringiam, mas o poder de Karin o impedia de escapar. Preso naquela jaula infernal, ele nada podia fazer senão suportar o humilhante castigo. Se seria capaz de sobreviver àquela combinação devastadora dependia agora apenas da capacidade dos manipuladores de mantê-la por tempo suficiente.
-Eu consigo sentir, ele ainda está tentando escapar. – Disse Karin, preocupada, após se passarem dez segundos. Embora o esforço a que se submetia causasse um desgaste considerável, não era ela, mas sim Thomas, quem estava mais próximo de esgotar suas forças.
-Continue concentrada, nós vamos conseguir! – Respondeu o garoto, ajoelhado, mas segurando com firmeza o cabo de sua rapieira. O sofrimento pelo qual passava estava claramente estampado em seu rosto e no olhar, mas as chamas que canalizava não diminuíram em intensidade por um instante sequer.
-“Espero que esteja mesmo vendo isso de algum lugar, Martin. Thomas ficou tão forte quanto você acreditou que ele seria.” – Pensou Ent, com o coração cheio de alívio e orgulho.
Karin e Vulcano aguentaram firme, mesmo após a menina deixar de sentir qualquer sinal de resistência. Não haveria outra chance, precisavam ter o máximo de certeza possível de que o demônio não seria capaz de se recuperar. Somente ao ver Thomas à beira de um colapso foi que a controladora da luz desfez sua barreira.
Finalmente, as chamas se dissiparam também e, no centro da cratera fumegante, tudo que restava era um punhado de cinzas. Inicialmente, todos observaram, apreensivos, mas o tempo continuava a passar sem que nada acontecesse. Predher realmente estava morto.
-Nós conseguimos! Derrotamos o demônio! – O controlador do magma mal conseguia se manter em pé, mas sorria emocionado.
-Essa vitória é sua, Thomas. – Respondeu Ent, dando-lhe um tapinha nas costas. – Você é o herói do dia.
-Isso foi sensacional! Viu só, Vulcano? Foi só você se esforçar um pouquinho! Nem parece mais aquele bebê chorão que lutou comigo da outra vez.
-Como assim, bebê chorão?! Eu venci aquela luta! A pancada na sua cabeça foi tão forte que você esqueceu disso?
-É verdade, você venceu, mas foi só por um descuido meu. Sem contar que você nem teria lutado direito se eu não colocasse um pouco de bom senso em você na base da porrada.
Ent se divertia ao vê-los discutindo daquele jeito. Saber que continuavam a agir como crianças, mesmo sendo manipuladores tão formidáveis e tendo passado por tantas situações difíceis, era realmente reconfortante.
-Aliás, esperem só um minutinho aqui que eu vou buscar minhas coisas. – Disse Karin, ao lembrar do motivo que a levou a ir até o esconderijo.
-Suas coisas? – Perguntou Vulcano.
-É, uns negócios que eu quero que a tia Papillon me ajude a arrumar.
-T-Tia...? – Mesmo com sua vasta experiência de batalha, Ent ficou completamente aturdido ao constatar que alguém pudesse chamar Annemarie daquela forma.

Perto dali, Madame Papillon, que a tudo assistia através de sua bola de cristal, mostrou-se igualmente avessa à perspectiva de ser chamada de tia. Ainda assim, o desfecho favorável era suficiente para tranquilizá-la. Já estava prestes a recolher o objeto, quando teve a leve impressão de ver algo desaparecer. Uma presença fugaz que somente uma mulher tão conhecedora das artes místicas quanto ela seria capaz de notar.
-Entendo. Então foi isso que deu forças para Vulcano quando ele estava prestes a desistir. – Admirada, ela sorriu. – A amizade que os uniu deve ter sido mesmo muito forte...



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