Mais um dia daquele rigoroso inverno de dezembro. Acompanhado do ilustre e tão esperado clima de final de ano, eu enfim conseguia encontrar um mínimo motivo pra continuar vivo. A neve caia branda lá fora e podia-se ouvir vozes de algumas crianças se divertindo naquele imenso mar branco de gelo que, outrora, eram ruas e jardins das faixadas das casas vizinhas. Eu costumava achar um bocado satisfatório acordar as seis horas da manhã - embora odiasse fazer isso em outros tempos - e correr até a janela para sentir aquele cheiro de vida que o inverno me proporcionava.
O sol brilhava fraco e era possível enxergar claramente os raios do mesmo passarem pelos galhos e folhas, já cheios de neve, das várias árvores que se estendiam ao decorrer de minha rua. Ah, como eu amava o inverno!
Sentado na janela, como de costume em todas aquelas longas manhãs de inverno, observava, da janela que dava pra rua, aquelas mesmas crianças de todos os dias brincando e fazendo enormes bonecos de neve. Não me pergunto por que diabos elas nunca se cansavam de fazerem as mesmas coisas diariamente pois eu também fazia a mesma coisa sempre. Acordar cedo, tomar um banho quente e demorado, correr na cozinha e pegar minha caneca favorita junto com a garrafa térmica já cheia de chá quente, e em seguida subir para meu quarto e passar o resto da manhã ali na janela. Era minha rotina de inverno e eu a mantinha cautelosamente e com muito amor em todos os invernos.
Passadas horas ali, eu já não mais prestava tanta atenção naquelas crianças, provavelmente já estava viajando no centésimo sub mundo dos pensamentos, quando escutei berros de alegria vindos lá de fora. Voltei imediatamente. Olhei e vi que algumas das crianças corriam em direção a um carro que acabava de estacionar em frente a minha casa. Elas batiam no vidro do carro como se a pessoa mais importante estivesse do lado de dentro do mesmo. Continuei olhando atento pois aquela euforia toda me deixou um bocado curioso. Enfim, a porta se abriu.
As crianças montaram encima do indivíduo antes mesmo que eu pudesse enxerga-lo, culpo também aquela imensidão de agasalhos, cachecóis e gorros que ele usava. Qual é? Até eu que sinto frio mais que qualquer um na face dessa terra, não exageraria tanto nas roupas assim. Estava frio, mas ainda não estávamos no Polo Norte.
Enfim, os pequenos se afastaram deixando aquele ser respirar - mesmo que fosse quase impossível com aquele punhado de roupa. Ele então tirou os cachecóis e gorros que usava, deixando seu rosto a mostra por completo.
Seu cabelo preto - tão bem hidratado que me dava uma certa inveja - brilhava quase tanto quanto aqueles fracos raios de sol que eu amava. Tinha o rosto fino e milimetricamente traçado, definindo de uma forma o maxilar e o nariz, como uma escultura, daquelas que deveriam ser admiradas mundialmente. Passei a ficar um tanto irritado por alguma coisa naquele sujeito, algo naquele sorriso que parecia ser colado em seu rosto.
Ele parecia agitado com aquelas crianças, abraçou uma por uma e em seguida saiu correndo atrás delas, vez ou outra tomando uma bolada de neve, o que fazia ele correr atrás do pequeno que o havia atingido. Olhando assim de longe, ele realmente parecia uma crianças, correndo de um lado pra outro como se a paz tivesse chegado no mundo inteiro. Mas, olhando de perto, aquela cena fazia-me sentir como se tudo no mundo estivesse bem. Como aquelas cenas dos finais de grande maioria dos filmes, onde tudo fica bem. "Que besteira!", pensei comigo.
Depois de alguns minutos ali correndo feito um louco, o garoto entrou na casa da frente. Eu nunca tinha o visto e não fazia ideia de que diabos ele seria. Enfim, esperei um tempo para conferir se o garoto sairia novamente ou iria embora mas foi em vão, ele não saiu. Decidi esquecer.
Já cansado de ficar ali, peguei aquela minha velha e companheira bicicleta e sai para dar uma volta e admirar mais um pouco a beleza que o inverno proporcionava as ruas de Gwangju. Não me lembro exatamente a que horas sai, mas depois de um longo passeio e e paradas em alguns lugares costumeiros, voltei pra casa as três horas.
Ao me aproximar de minha casa, pude perceber que aquele garoto, de mais cedo, estava sentado na porta da casa que ele havia entrado. Que tipo de idiota ficaria sentado na porta de casa em pleno inverno mais rigoroso da história de Gwangju? Certamente o mesmo tipo de idiota que sai de bicicleta sem rumo em pleno o mesmo inverno rigoroso. O garoto ainda vestia aquele punhado de roupa e desenhava atentamente qualquer coisa sem importância naquele chão coberto de neve. Dei de ombros e passei rumo a minha casa. Desci da minha velha amiga para estaciona-la na frente de casa quando escutei de longe.
- Hey... - a voz parecia meio rouca porém doce, me virei para certificar-me de onde vinha a mesma. O garoto era o único ser vivo, além de mim, que estava na rua, certamente a voz vinha dele. - Posso dar uma volta?
Um completo desconhecido me pedindo para dar uma volta no bem mais precioso que eu tinha. Que ousadia a dele. Eu negaria aquele pedido se o garoto não estivesse me olhando com aquela expressão que me deixou completamente abalado por alguns segundos. Aqueles olhos, tao pretos quanto o seu cabelo, eram cativantes. Comecei uma rápida discussão interna comigo mesmo para não emprestar mas de nada adiantou.
- Ahn - minha voz saiu rouca, raspei a garganta rapidamente - Tudo bem. - O garoto atravessou a rua correndo em minha direção, pegando a bicicleta assim que a alcançara. Senti uma dor no peito ao ver aquele louco desconhecido subindo com tudo na minha amada. - Só toma cuidado.
O garoto saiu desenfreado antes que pudesse escutar minha ultima palavra dita. Tudo que eu queria era entrar pra minha humilde casa, me enrolar nas cobertas e esquecer da vida, mas ao contrario disso, estava eu, no frio do lado de fora de casa esperando um louco que saiu sem rumo com minha bicicleta e nem ao menos disse se iria voltar. Ele poderia ser muito bem um assaltante, ladrão, o diabo que for, é óbvio que ele não diria se iria voltar.
Cinco minutos passados e meu desespero interior já me convencia de que eu havia perdido minha amiga e companheira de anos pra um cara qualquer que apareceu na minha rua. Já estava me sentindo a pessoa mais ingênua do mundo quando vi o garoto virar a esquina com minha bicicleta aparentemente inteira. Talvez eu fosse um bocado exagerado e desesperado.
O garoto se aproximou e sorriu. Em um segundo todo aquele meu desespero se foi embora.
- Por uns cinco minutos, pensei que você era um louco que sumiria com minha bicicleta e nunca mais voltaria. - Ri aliviado em ver que estava tudo bem com minha preciosa.
- Meu nome é Minhyuk. - Disse descendo da bicicleta.
- Eu sou Hoseok!
- Você mora aqui? - perguntou curioso.
- Sim, eu moro aqui.
- Ah!! Ainda vou te ver muito, Hoseok. - sorriu se afastando e indo em direção a aquela mesma casa que se encontrava sentado na frente a alguns minutos atrás.
Tirei conclusões que certamente Minhyuk passaria a morar ali, ou não. De qualquer forma, não via futuras diferenças em ve-lo depois ou não.
Enfim estacionei a bicicleta como já deveria ter feito a um tempo atrás. Entrei e por fim já não me lembrava de Minhyuk mais.
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