1. Spirit Fanfics >
  2. Royale >
  3. Carta Alta.

História Royale - Carta Alta.


Escrita por: taegu

Notas do Autor


OKEY DOKEY, primeiramente: Min Yoongi é meu Senhor e nada me faltará. Nada a não ser juízo, considerando a quantidade de coisa que eu tenho pra fazer e que mesmo assim cá estou eu escrevendo fanfic e postando no silêncio da noite.

Pois bem, FAZ LITERALMENTE 4 ANOS QUE EU TAVA PRA ESCREVER UMA FIC COM A TEMÁTICA DE CASSINO e hoje finalmente eu pari esta joça com todo o amor e carinho. Aleluia. :')

Então é o seguinte: se tu sabe jogar pôquer, ou ao menos manja um pouco, vai na fé e se joga. Se não souber, tranquilo, sem pânico, eu vou fazer uma listinha explicando os termos que aparecem aqui, ok? Então recomendo dar uma olhada nela, só pra entender que diabos que esses dois tão fazendo. Tentei manter o mais simples possível, mas qualquer coisa só dar aquele berro Ô VICC NÃO ENTENDI PORRA NENHUMA que nós manda a Cruz Vermelha e ajuda. ♥

A ideia é tentar atualizar no máximo a cada 15 dias, já tenho parte do próximo capítulo escrito e bem, teoricamente tá tudo esquematizado, é só tocar o bonde adiante.

Enfim, vamos com calma e com força que rola, espero que gostem e bora curtir Taekook o casal mais pudim de leite do meu coração. ♥

As notas explicativas tão lá nas notas finais.

Capítulo 1 - Carta Alta.


Desculpa, eu sei que deveria ter ligado assim que cheguei em Seogwipo.” Taehyung equilibrou o telefone entre seu rosto e seu ombro da melhor maneira que pôde enquanto abotoava os últimos botões de sua camisa com certo custo. Trajes formais podiam ter seu charme, mas definitivamente não valiam toda a incomodação que era vestir um deles. “Eu sei, eu sei que você fica preocupado, Jimin. Eu sei, foi mal.” Do outro lado da linha, Jimin continuava discursando sobre como era importante que Taehyung não se esquecesse de cumprir com o combinado de “Sinais de Vida Mínimos” que haviam feito há alguns anos, desde a primeira vez que a tradição nômade de verão mantida por Taehyung tivera início. Claro que mesmo que soubesse muito bem se virar por conta própria, o mundo estava longe de ser um lugar seguro. A preocupação por parte de seu melhor amigo era compreensível, e o afeto que aquecia seu peito por causa disso, por sua vez, mais do que bem-vindo. Ainda assim, a situação toda não deixava de ser a hipérbole de uma hipérbole. “Está tudo certo, ok? Estou comendo, dormindo, sem falar com estranhos. Tudo bem.”

Taehyung encarou seu próprio reflexo no espelho, um grunhido reverberando no fundo de sua garganta ao perceber que os botões estavam completamente tortos e que precisaria passar por todo o processo de abotoar-desabotoar outra vez. Uma pequena pausa, e então um suspiro cansado de Jimin ecoou pelo alto-falante do celular de tal maneira que Taehyung sentiu suas tripas se revirarem em culpa – aquilo era definitivamente culpa sua. Cinco dias eram tempo demais para os nervos ansiosos de Park Jimin, e graças ao seu pequeno sumiço, o Park Jimin em questão deveria estar – e estava -  às beiras de um colapso nervoso, pronto para acionar a polícia e procurar por Taehyung em cada acostamento ou vala que fossem suficientemente discretos para desovar um cadáver. Ou algumas partes de um, ao menos – mãos e pés sem as pontas dos dedos, braços e pernas perdidos por aí. Por Deus, Jimin não tinha certeza de que conseguiria reconhecer Taehyung se ele estivesse em pedaços. Sem chance. Era muita responsabilidade. “Não vou me meter em confusão, não precisa se preocupar. Vou voltar sem um arranhão sequer nesse rostinho lindo. Nós não queremos estragar uma obra de arte como essa, não acha?”  Uma onda de alívio percorreu sua espinha ao ouvir os pequenos soluços característicos da risada de Jimin. A tensão em sua voz parecia conseguir se transportar pelos sinais de telefone e se erguer diante de seus olhos, perfeitamente palpável, e era frustrante não poder estar fisicamente presente para esmagar os dedos de Jimin na palma de sua mão até tranquilizá-lo de que estava tudo bem – Taehyung estava bem. Talvez não perfeitamente bem ou algo do gênero, com adesivos coloridos de estrelas e uma vida equilibrada e parecida com as que costumavam ser representadas em propagandas de margarina e bancos, mas bem. Taehyung era bom em colocar na prática um velho ditado – mais surrado que seus Converse Da Sorte guardados dentro de sua mala revirada aos pés da cama, diga-se de passagem – e usar os limões para fazer limonada. “Eu vou ficar bem por aqui, vê se faz o mesmo, certo? Te vejo em Busan daqui algumas semanas.”

Taehyung soltou um grunhido de aprovação ao terminar de fechar o último botão de sua camisa e constatar que desta vez os botões estavam em suas respectivas casas. Seus olhos estudaram sua própria imagem no reflexo do espelho, dando-se por satisfeito depois de alisar um abarrotado e outro em suas roupas, que poderiam muito mais ser obra de sua imaginação ou das luzes do quarto do que outra coisa. Ainda era relativamente cedo, mas gente como ele tinha como hábito chegar antecipadamente e fazer um bom reconhecimento de campo – se é que se podia chamar assim –, e Taehyung ainda precisava percorrer o trajeto até o Cassino. Claro que poderia simplesmente chamar um táxi ou um Uber, mas o vento carregado de maresia soprando em seu rosto definitivamente valia cada minuto de caminhada. Praia, maresia, tranquilidade – não era sempre que tinha contato com esse tipo de coisa. Sinceramente falando, a vontade de desfrutar cada instante de sua estadia era tanta que quase o fazia considerar adiar seus compromissos naquela noite. Quase.

Taehyung sorriu para si mesmo ao pensar no que lhe aguardava nas próximas horas, os cantos dos lábios se curvando em um sorriso quase felino. Negócios, negócios. “Showtime.”

♥♦♣♠

Antes de mais nada, Taehyung colocava seu copo de whisky na superfície de maneira polida da mesa. Em seguida, seus olhos percorriam toda a mesa de jogo e cada uma das pessoas presentes da maneira mais lânguida possível, todos os enigmas e mistérios do mundo dançando no sorriso em seus lábios. E só depois de causar três segundos de descontração – tempo suficiente para afrouxar as máscaras vestidas durante aquele tipo de jogo – é que Taehyung se sentava em seu lugar. Assistia um par ou dois de rodadas – ou até mais, se julgasse que era necessário – e então colocava sua própria aposta na mesa. A partir daí as coisas fluíam com a naturalidade de um rio.

Assistir. Passar. Pagar. Desistir. Apostar. Subir. Repetir. Mudar de mesa.

Taehyung estava nessa já fazia algum tempo – o suficiente para que absorvesse aquela sequência de movimentos e a reproduzisse com a mesma fluidez que Jimin e Hoseok executavam os passos de dança ao performarem suas coreografias. Talvez não com a mesma leveza, mas definitivamente de forma muito mais ardilosa – era uma arte, de seu próprio jeito. Mais ardilosa e menos poética, já que provavelmente não haviam muitos versos dedicados aos olhares oblíquos de um jogador e as tormentas guardadas à sete chaves nos fundos de seus olhos. O feltro verde das mesas de aposta era seu palco, cada cristal dos lustres exuberantes pendurados acima de si um pequeno holofote. E a magia acontecia toda vez que o Dealer virava uma nova carta, ainda que não fosse algo que desse para ver – ao menos não até a rodada final, é claro.

“Um whisky duplo, por favor.” Taehyung fez seu pedido de forma tão automática que quase não se deu conta de que estava pedindo algo. A eficiência dos funcionários do Cassino definitivamente fazia jus ao alto nível do lugar, considerando que para chamar a atenção do garçom mais próximo não foi preciso mais do que levantar um dedo. Literalmente não foi preciso que sequer torcesse o pescoço para o lado, o que talvez fosse estranho, mas certamente não era de todo ruim. Desde o instante em que havia ocupado um lugar naquela mesa seus olhos não desgrudavam dos outros três homens diante de si. O que estava sentado à sua frente tamborilava os dedos na madeira da mesa com as pontas das unhas enquanto encarava as cartas viradas como se estivesse tentando rasga-las com o poder da mente – Taehyung estava mais do que agradecido pelo fato de que o som ambiente abafada o ruído irritante que aquilo causava. O homem à esquerda, por sua vez, massageava a pele áspera de seu queixo – era de se supor que fosse áspera, considerando os primeiros sinais de uma barba por fazer – e fitava sua própria mão; o terceiro, sentado à sua direita, contemplava as próprias fichas, ou o que havia sobrado delas, um certo ar de desespero espalhado por suas feições. Um desespero compreensível, em todo caso: estava à beira de um Bust, muito provavelmente o primeiro da noite, mesmo que ainda fosse muito cedo para isso. Os olhos de Taehyung escanearam a mesa outra vez antes que se virasse abruptamente na direção do garçom, chamando sua atenção antes que saísse para buscar seu pedido e ao mesmo tempo causando um sobressalto generalizado nos presentes. Bom. Essa era a intenção. No breve momento em que os olhos dos outros jogadores repousaram sobre si, seus lábios se repuxaram o mínimo que Taehyung sabia ser necessário para que assumisse um ar Terrível. “Sabe o quê? Mudei de ideia. Acho que um Mojito combina muito mais com o momento.”

O homem à esquerda, Sr. Barba-Por-Fazer, o encarou por cima dos óculos de armação por um breve momento, o cenho franzido em desaprovação enquanto tentava ler nas entrelinhas se Taehyung estava jogando ou se simplesmente era um porre. O homem à frente, um estadunidense gordo que parecia recém-saído do forno de estereótipos sobre o Texas, com chapéu e tudo, deu uma única risada seca, pesada. Taehyung conhecia aquele som – provavelmente deveria fumar charutos o suficiente para ter mandado seus pulmões para o Inferno há muito tempo. Taehyung pensou no maço de cigarros e no charuto que ele mesmo carregava no bolso interno de seu paletó – ainda que o charuto fosse muito eventual, normalmente restrito a espaços como aquele –, e não pôde deixar de pensar que aquele ali poderia muito bem ser seu destino. Sem o chapéu, é claro. Com sorte, também não tão gordo.

Sorte. Sua bebida chegou em uma bandeja prateada, os cubos de gelo tilintando ao se chocarem uns contra os outros. Ao fundo, o Sr. Poucas Fichas engolia em seco repetidas vezes. Taehyung armou outro sorriso, os olhos fixos no homem do outro lado da mesa e as sobrancelhas arqueadas insinuando muito mais provocação e zombaria do que deveria ser humanamente possível ao fazer algo tão simples quanto bebericar um Mojito. Ao perceber o nervosismo crescente na linguagem corporal do outro, sorriu por dentro, satisfeito com seu próprio trabalho – por mais cruel que isso pudesse ser. Taehyung não tinha culpa se o Sr. Poucas Fichas tinha tido a infelicidade de vir a um Cassino em um dia de azar, e também não podia fazer nada se não era todo mundo que, se tratando de Sorte, mantinha uma relação parecida com a que ele mesmo mantinha com a sua – se nem todos se tornavam íntimos o suficiente para que se relacionassem com o mesmo grau de cumplicidade.

Se Taehyung estivera nervoso antes – definitivamente havia alguma coisa no jeito que o Homem Texano se comportava que o incomodava até os ossos –, qualquer sinal de ansiedade se esvaiu e foi prontamente substituído por uma paz quase que de nível espiritual no momento em que o Dealer abriu as apostas. Depois de ajustar seu chapéu e dar uma longa tragada em seu charuto, o Homem Texano pegou um punhado de fichas e as colocou de qualquer jeito na mesa. Como se fossem nada. Taehyung apertou os lábios, fitando o figurão excêntrico ao seu lado enquanto deixava sua bebida pela metade. Aquilo era um blefe ou aquele homem só era realmente a manifestação viva do estereotipo do americano babaca? Tudo na forma como se colocava na mesa dava a entender que o velho deveria mesmo ter um rei dentro da barriga, considerando o ar condescendente que exalava, e o tom particularmente paternal que direcionava a direção de Taehyung, como se fosse um moleque remelento perdido dentro de um Cassino e não tivesse a menor do que estava fazendo – e Taehyung sentia vontade de levar até a sua última ficha. E o chapéu idiota. Deveria ser um blefe, ainda que diferente dos normais – ninguém costumava agir de forma tão pomposa enquanto blefava, mas sempre haviam as exceções. Taehyung conhecia aquele tipo de jogo – mesmo que não fosse sua tática favorita –, mas sabia que não havia outro jeito que não esperar.

Assim que o Dealer anunciou o aumento, o homem à sua esquerda – Sr. Barba-Por-Fazer – colocou suas fichas na mesa, empilhando uma a uma até que estivessem devidamente alinhadas antes de entrega-las. Em seguida voltou a empilhar e reorganizar as pequenas pilhas que tinha diante de si – sabe-se lá se pela terceira ou quinta vez. Taehyung bebericou um pouco mais de sua bebida, contendo um sorriso enquanto raspava os dentes em um cubo de gelo. O Sr. Barba-Por-Fazer não estava só reorganizando – estava contando. Era um tique nervoso. Sinal de blefe. Poucas Fichas pagou a aposta com dedos trêmulos, e quando finalmente chegou sua vez, Taehyung simplesmente separou as cinco fichas com a mão que não estava ocupada demais segurando um copo e as entregou ao Dealer sem grandes cerimônias.

O Dealer queimou uma carta antes de virar outra – a quinta e última. Taehyung não se prestou a olhar para as próprias cartas outra vez porque já as tinha decorado algumas rodadas antes – a princípio nada que fosse grandíssimas coisas, mas que tinha sua parcela de potencial caso o Turn e o River resolvessem colaborar. Sr. Barba-Por-Fazer apertou os lábios até que formassem uma linha fina, e Poucas Fichas se remexeu um par de vezes em seu lugar enquanto o Homem Texano acendia um charuto.

A não ser que sua noção de tempo estivesse bastante falha, o relógio já tinha dado um bom par de voltas ao redor de si mesmo desde que pusera os pés ali, e estava prestes a completar uma terceira volta quando Taehyung se esticou por cima da mesa, deixando um par de fichas a mais do que o jogador anterior sem grande cerimônia. Poucas-Fichas engoliu em seco pela enésima vez naquela noite, visivelmente transtornado com a ideia de que a rodada ainda não tinha terminado, embora seus nervos já tivessem virado poeira há algum tempo. Barba-Por-Fazer lhe direcionou outro olhar torto, empurrando suas fichas para o Dealer um tanto a contragosto.

“Você é novo por essas bandas, garoto? No pôquer, quero dizer.” O Homem Texano acenou o charuto em sua direção, e Taehyung demorou um momento para perceber que estava se dirigindo a ele. Seu rosto havia se contorcido em um sorriso de canto esquisito enquanto segurava o charuto entre os dentes amarelados e contava as próprias fichas. “Sua cara me diz que sim, mas seu jogo me diz o contrário.”

Taehyung mexeu a bebida em seu copo com um pouco de desinteresse. “Na verdade já estou nisso faz algum tempo,” Suas palavras deslizaram para o inglês com mais fluidez do que o esperado, o sotaque australiano inconfundível em sua voz. Os Cassinos só permitiam a entrada de estrangeiros, então era comum que o idioma majoritariamente utilizado naqueles espaços fosse a Língua Universal e que o coreano acabasse sendo deixado em segundo plano mesmo por aqueles possuíam dupla nacionalidade e residiam no país. Taehyung era um bom exemplo disso – bastaram alguns dias em contato com sua língua materna e a fluência em suas palavras havia voltado a ser tão natural que nem ao menos parecia que a não ser pelas músicas que cantava a todos os pulmões com Jimin no apartamento, fazia meses que não falava mais do que meia dúzia de palavras no outro idioma. “Senhor.”

“Posso ver.” O homem deu uma longa tragada em seu charuto, soprando a fumaça de uma só vez enquanto um ruído de contemplação ressoava no fundo de sua garganta de forma grave e profunda. Seus dedos gordos separaram as últimas fichas, empurrando-as em uma pilha na direção do Dealer. Seus olhos voltaram a fitar Taehyung com o mesmo brilho complacente de antes. “Aumento.”

Àquela altura, Poucas-Fichas parecia prestes a ter um ataque cardíaco a qualquer instante. Seus olhos estudaram a situação da mesa e das próprias cartas por um momento antes de enxugar a testa brilhando com o princípio de um suor frio e acabar optando pela desistência, afastando-se sem mais palavras.

“Escute quem joga há bastante tempo e sabe o que diz, rapaz.” Sr. Barba-Por-Fazer continuava visivelmente desgostoso, os ombros tensos e os olhos semicerrados em desconfiança ao pagar a aposta, e o Homem Texano prosseguiu com sua fala, o tom paternal e orgulhoso caindo como uma luva para o conjunto da obra. “Diferente do que muita gente pensa, o Pôquer não é um jogo de sorte ou azar. É tudo uma questão de perspicácia, meu jovem. Por isso a maioria das pessoas costuma ir tão mal.”

Taehyung assentiu com um aceno, as palavras vazias do homem embalando seus movimentos enquanto começava a organizar pacientemente a maior parte de suas fichas em um novo monte. Quando se deu por satisfeito, empurrou-as para o Dealer outra vez. O velho o encarou por um breve momento com uma leve pontada de curiosidade escapando em seu olhar arrogante antes de pagar a aposta. Como Taehyung esperava, o Sr. Barba-Por-Fazer se retirou do jogo em seguida, mas permaneceu na mesa assistindo.

“Senhores, é hora do Showdown.” O Dealer gesticulou para que ambos mostrassem suas respectivas mãos, e Taehyung rapidamente virou suas duas cartas com um ar quase travesso. Tão logo fitou o par de cartas, o jogador à sua frente repetiu o movimento de forma brusca, a irritação consumindo suas feições conforme o rubor em seu pescoço aumentava. Pôquer vence de Full House.

Taehyung entornou o que restava de sua bebida em um único gole, o copo vazio batendo na mesa com um pouco mais de energia do que o necessário. Com os olhos ainda fixos no velho, seus lábios se repuxaram em um sorriso quase felino. “Tem toda a razão, senhor”.

♥♦♣♠

É cientificamente comprovado que nosso índice de facilidade de aprendizado é estupidamente maior durante a juventude – matemática, um novo idioma, como tocar um instrumento ou as regras de um jogo. Não que seja impossível que uma senhora de 65 anos aprenda um novo idioma, mas o ideal é que aprendesse no máximo ainda em sua adolescência – depois dos vinte anos, as coisas passam a ser generalizadamente mais difíceis. Por casualidade, Taehyung calhou de aprender tudo o precisava saber bastante cedo. Quando se é um fedelho à mercê do mundo, desesperado e com medo, a tendência é que você aprenda as coisas rápido. Como preparar o próprio almoço e jantar, quanto sabão em pó e amaciante deveria colocar na máquina de lavar e, não menos importante, que para conseguir seguir em frente na vida era necessário saber carregar uma Carta Alta com a mesma pose de quem tem uma Sequência Real. Taehyung saberia dizer, considerando que já estivera naquele mesmo lugar. Dezesseis anos recém feitos e totalmente desamparado, sem ter a quem recorrer porque sua mãe estava enterrada a sete palmos debaixo da terra há alguns anos, e seu pai era justamente a fonte do segundo problema, sumindo por semanas depois de torrar até o último centavo que tinha em uma máquina caça-níquel fraudada enquanto enchia a cara com bebida barata.

Taehyung não saberia dizer exatamente o que estava se passando em sua cabeça quando lhe ocorreu que aquilo poderia ser uma boa ideia – mas em um momento ele estava jogando cartas com seus amigos a troco de salgadinhos, em outro voltando para a casa com um rolo de notas presas em um elástico dentro dos bolsos de seus jeans surrados, e de repente voltar para a casa de madrugada depois de passar horas jogando em algum muquifo com gente que tinha no mínimo o dobro de sua idade deixou de ser um evento esporádico para se tornar algo recorrente. Taehyung sabia as regras do pôquer com a palma da mão – a inclinação para o jogo era algo de família, pelo visto –, seus olhos eram afiados o suficiente para conseguir ler as letras miúdas do mundo ao seu redor, e depois de alguns anos rebocando a fachada decadente da própria vida, administrá-la de acordo com a sua própria vontade era algo natural. Por último, a experiência e o tempo terminaram o serviço. A coisa toda era improvável e definitivamente absurda, mas havia dado certo de alguma forma – e agora ali estava ele. Ainda um fedelho, mesmo que mais alto e mais velho, mas exímio jogador e com uma situação financeira surpreendentemente satisfatória para um universitário que mal havia saído da casa dos 20 anos. As noções de sorte se aplicavam a Taehyung de um jeito no mínimo peculiar. Talvez porque não fosse sorte de fato, mas sim uma combinação de fatores digna da Teoria do Caos – uma borboleta bate asas na América do Sul e provoca um tufão no meio do Texas, e toda essa história.

Taehyung encontrou a manifestação viva de um Coringa entre algumas centenas de dólares empilhados em pequenas fichas pretas e uma mão de Straight Flush. Claro que, naquele momento, ele ainda não tinha como saber disso – mas não ia demorar em descobrir.

Em retrospectiva, a coisa toda realmente seguiu a metáfora popular – uma borboleta bateu as asas e provocou um tufão do outro lado do mundo. Taehyung virou sua mão de cartas da rodada anterior e por conta disso acabou com seu destino sentado em um banco vermelho-berrante bem à sua direita.

“Não vi o cara do chapéu sair de perto dessa mesa a noite inteira, então presumo que o último jogo deve ter sido interessante.” O sobressalto de ser subitamente tirado de seus devaneios quase fez com que Taehyung derrubasse todas as suas fichas devidamente empilhadas com um cotovelada. Sua cabeça estava tão ocupada em analisar todos os detalhes da última partida e suas devidas consequências que, sem que percebesse, o lugar vago onde o Sr. Poucas Fichas estava sentado antes de abandonar o jogo foi ocupado por um novo jogador – que, por sua vez, estava lhe dirigindo a palavra desde então. “Uma pena, porque eu estava esperando a minha vez. Mas bem, em todo caso – o que acha de uma partida?”

Taehyung jogava pôquer há bastante tempo. Há tempo o suficiente para formar um nome. Bem o suficiente para consolidar uma espécie de reputação. Claro que não nos melhores lugares e definitivamente não entre as melhores pessoas possíveis, mas ainda assim uma reputação. Ele era bom. Bom o bastante para ser respeitado.

Então sim, dá para dizer que apesar do Taehyung estava esperando que aquela fosse só outra partida. Esperando por toda a catarse silenciosa envolvida, embora provavelmente essa seja uma forma bastante enfeitada de se referir à coisa toda. Esperando vencer. No entanto, mesmo que o pôquer seja todo elaborado na base de expectativas, àquela altura do campeonato Taehyung já deveria ter aprendido as regras do jogo. Aprendido a não esperar por nada e ao mesmo tempo esperar por tudo, porque as coisas nunca são como se supõe que devem ser ou como se quer que sejam. O universo age como bem entende, porque se existe alguma coisa que não poderia lhe importar menos, essa coisa é você.

Taehyung sorriu de canto, pronto para encarar mais um homem de meia-idade. Pronto para quaisquer que fossem seus trejeitos extravagantes. Esperando outro chapéu como o daquele americano imbecil de antes, mãos decoradas com anéis brilhantes ou algum relógio encravado com diamantes. Quem sabe. Esperando um homem com vários dígitos na conta bancária e um ego digno do próprio Zeus. Esperando, esperando, esperando.

Mas, de novo, Taehyung já deveria ter aprendido as regras do jogo.

Seu banco girou para a direita, e tudo pareceu parar por um momento enquanto seus olhos registravam a figura diante de si. Registravam os olhos profundos, o cabelo escuro e as feições definidas, e assimilaram o conjunto da obra.

Taehyung sentiu seu sangue endurecer feito concreto em suas veias.

E a princípio Taehyung estava esperando um monte de coisas — mas o que ele não estava esperando, em todo caso, era que o jogador ao lado não apenas fosse tão jovem quanto ele mesmo, mas que também fosse um rosto conhecido. Conhecido talvez não fosse a melhor palavra, a expressão mais adequada para dar conta de descrever uma relação tão etérea. Taehyung não conhecia Jeon Jungkook, mas ao mesmo tempo definitivamente conhecia Jeon Jungkook. Era esse seu nome, não? Talvez não tivessem trocado mais do que meia palavra ou meio cumprimento passageiro e irrelevante durante toda a vida, mas Taehyung sabia seu nome. Sabia que aquele era o mesmo calouro de Busan completamente perdido que Jimin havia praticamente adotado no início do semestre. Deveria saber de mais um punhado de pequenas informações terceirizadas e o visto de relance mais uma porção de vezes, se parasse para pensar.

Por um instante ou dois Taehyung se sentiu completamente desnorteado. Como se sua vida pessoal e comum estivesse tentando se misturar com aquela pequena calamidade à parte que vivia por trás dos panos, longe dos olhos alheios. Duas vidas completamente distintas que Taehyung tentava manter o mais separado possível, não importava o quanto a gravidade as atraísse uma na direção da outra. A visão era um tanto atordoante, e de repente Taehyung não sabia dizer se precisava de outra bebida ou de um balde para vomitar.

Considerando a expressão consternada que o encarou de volta, a recíproca era verdadeira.

 Jungkook foi o primeiro a quebrar a grossa tensão que havia se formado entre os dois. Taehyung continuava olhando em sua direção – se era para os traços bem definidos de Jungkook ou simplesmente para a ideia de ter Jungkook diante de si, já não saberia responder. Claro que suas feições angulares e quase geométricas e o olhar dilacerante eram uma visão e tanto, mas Taehyung não era do tipo que encarava – não descaradamente. Ainda assim, havia alguma coisa em Jungkook que chamava muito a atenção mesmo que não intencionalmente – e fosse a situação ou fosse Jeon Jungkook, Taehyung estava se sentindo levemente hipnotizado.

Bonito não era a palavra, e deslumbrante parecia um pouco poético e ridículo demais em sua língua. Definitivamente aquela não era a palavra, e Taehyung tinha a impressão de que nunca encontraria uma palavra boa e adequada o suficiente, mas era o mais próximo que havia encontrado. Era o que mais parecia justo dentro da grande bagunça idiomática que era seu vocabulário.

E então o Dealer chamou a atenção dos dois, e isso foi o suficiente para que Taehyung deixasse seus devaneios para trás. Ainda haviam apostas a serem feitas, dinheiro para se perder e um jogo para ganhar.

♥♦♣♠

Uma porção de coisas podem acontecer durante uma partida de pôquer.

Certamente seria interessante falar sobre o frio na barriga e a antecipação borbulhando nas veias de Taehyung conforme o Dealer distribuía as cartas na mesa de feltro verde.

Quatro de Ouros.

Certamente seria interessante falar sobre como Jungkook fazia as suas apostas, altas, rápidas e despreocupadas. Como o motivo pelo qual Jeon Jungkook empurrava suas fichas para a aposta sem a menor sombra de receio era porque ele honestamente não tinha receio algum. Como suas jogadas beiravam o absurdo, e como acabavam induzindo todos os outros jogadores pelo mesmo caminho. Como alguma coisa no jeito em que Jungkook se colocava no jogo fazia parecer com que cada rodada que se permanecia na mesa era o mesmo que afundar o próprio corpo em mais um palmo de areia movediça.

Sete de Ouros.

Certamente seria interessante falar sobre o olhar que Jungkook enviou em sua direção, uma usina nuclear inteira em chamas dentro de cada pupila, antes de empurrar todas as suas fichas para a mesa de apostas.

Veja bem, existia um motivo pelo qual Taehyung conseguia entrar e sair de Cassino em Cassino sem acabar completamente liso e tendo de colocar um dos próprios rins à venda. E esse motivo era que, por mais que tivesse jeito para a coisa e a adrenalina do jogo bombeasse um prazer único por todo seu sistema circulatório, Taehyung sabia a hora de parar e bater em retirada. Os limites entre a ascensão e a queda eram nebulosos, levando um jogador da grandiosidade à derrota e falência total em questão de instantes. Taehyung era mais do que consciente e esperto o bastante para não acabar no fundo do poço feito alguma espécie de Napoleão Bonaparte às avessas.

Então certamente também seria interessante falar sobre como seus olhos não desgrudaram de Jungkook por um único segundo durante toda aquela partida. Como, mesmo que aquele tipo de blefe fosse completamente óbvio e até mesmo tosco, algo em Taehyung lhe dizia que não era tão simples. Como que seus instintos gritavam que, se tratando de Jungkook, pagar para ver estava longe de ser uma ideia sensata. Como havia algo de indecifrável e de oblíquo em seus olhos tão, tão escuros.

Ou então sobre como Taehyung não pagou a aposta. Sobre o Showdown. Sobre como Jungkook sorriu para o Full House de Taehyung como se já soubesse de sua existência desde o começo, e em seguida mostrou sua própria mão com toda a tranquilidade do mundo. Um Straight Flush de Ouros impecável, do três ao sete, quase reluzente em toda sua glória. Sobre seu sorriso de canto quase petulante e como Taehyung até teria ficado irritado se não estive virado em curiosidade, atiçado até o último fio de cabelo.

Certamente seria interessante falar sobre tudo isso, mas para falar a verdade, não há necessidade.

Jungkook não estava blefando. Taehyung perdeu uma partida de pôquer pela primeira vez em muito tempo naquela noite. Foi assim que as coisas começaram. E em suma, por hora isso é tudo o que você precisa saber.

♥♦♣♠

Talvez tenha algo a mais que valha a pena contar.

Jungkook grunhiu ao ver Taehyung empurrar suas cartas na direção do Dealer, seu corpo inclinando sobre a mesa enquanto juntando uma nova pilha de fichas e o encarava com o canto dos olhos. E por mais que seu histórico de sorrisos já denunciasse Jungkook como um devoto fiel ao sarcasmo e ao deboche, ainda assim havia um quê de sinceridade em seu tom de voz. “Já vai?”

Taehyung arqueou uma sobrancelha, os olhos fixos em Jungkook. Nos pedaços das tatuagens que adornavam seus braços, visíveis em função das mangas do paletó dobradas meticulosamente até a altura do cotovelo. O contraste entre a tinta e a pele ridiculamente branca, as roupas pretas e que só não destoavam com o ambiente do que os coturnos que calçava. O paletó lhe caía muito bem, sem dúvida, e até fazia um charme, mas não dava conta do serviço – embora Taehyung tivesse a impressão de que fosse tudo proposital. Um conceito ou qualquer coisa do tipo. “Digamos que eu sei quando é o momento de parar.”

Jungkook o encarou de volta, os lábios se partindo em um sorriso de canto. “Prudente?”

“Apenas o necessário.”

Jungkook assentiu, os olhos ainda firmes em Taehyung. “Te vejo por aí?”

Jungkook sorriu outra vez, e havia alguma coisa naquilo tudo que fazia com que a boca do estômago de Taehyung ardesse em revelia. Sendo sincero, Taehyung não poderia dizer que queria mesmo que isso acontecesse – não completamente. Não com certeza. Não só porque aquele garoto era alguém conhecido, mas sim porque havia algo a respeito de Jeon Jungkook que era inegavelmente fascinante, mesmo que Taehyung não soubesse dizer o quêespecificamente, e a união entre coisas belas e coisas terríveis nunca acabavam bem.

“Quem sabe?” Acabou dizendo, estalando a língua antes de se levantar.  “O mundo é pequeno.”

Taehyung ainda podia sentir seus olhos sobre si enquanto caminhava por entre as pessoas na direção de uma das áreas externas reservadas para fumantes, as pontas dos dedos trêmulas enquanto tateava os bolsos de suas roupas atrás de seu maço pela metade. Taehyung sinceramente precisava de um cigarro. Talvez dois. Três. Quem sabe. Provavelmente ele deveria parar. E até estava tentando, de verdade – mas veja bem, já fazia um tempo que Taehyung estava nessa. Nisso. A maioria dos hábitos são difíceis de deixar.

Taehyung provavelmente deveria estar pensando na partida daquela noite, pensando em tudo o que aconteceu, focado nos detalhes e focado em vencer, mas naquela noite, entre uma tragada de nicotina e outra, sua mente passou um bom tempo pensando em Jeon Jungkook e em como talvez não fosse de todo mal encontra-lo outra vez.


Notas Finais


E aí, Taehyung, tu e Jungkook, rola um Nóis Se Vê Por Aí ou não?

Eu tinha planos de não fazer uma longfic Muito Longa, mas só isso aqui já deu 13 páginas, então a cada minuto que passa mais eu sinto que já deveria começar a rezar pedindo forças desde já. Porque tô vendo que Vai Render.

Espero que tenham gostado, peço um milhão de perdões se tiver coisa errada no meio do corpo do texto, deve ter passado reto por mim sem querer e aaaaaaaaa o que vocês acharam?

Até loguinho!



LISTINHA:

Passar: Não cobrir a aposta vigente.
Subir: Aumentar o valor da última aposta.
Bust: Perder todo o seu dinheiro/todas as suas fichas no jogo.
Dealer: Nos Cassinos, um funcionário da Casa, responsável por distribuir as cartas, administrar o jogo e também as apostas. Em partidas informais, essa posição é rotativa entre todos os jogadores.
Showdown: Momento final da última rodada; depois que todas as apostas são fechadas, a última carta é revelada.
Pôquer: Mão composta por 4 cartas iguais.
Full House: Uma trinca (3 cartas iguais) e um par.
Carta Alta: Mão mais fraca entre todas as combinações possíveis do Poquêr, onde ganha quem tiver a carta mais alta.
Sequência Real/Royal Flush: É a mão mais forte do Pôquer, composta por uma sequência de 5 cartas do mesmo naipe, indo do 10 até o As.
Sequência/Straight Flush: Qualquer sequência de 5 cartas do mesmo naipe que não seja do 10 até o As.

P.S.: Uma curiosidade: eu joguei Pôquer no máximo 3 vezes na vida. Minha experiência é muito mais teórica do que prática, mas meu sonho de virar rica jogando Pôquer existe desde que eu tinha uns 14 anos. Um dia. UM DIA.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...