E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundice pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E árvores mortas já não mais te abrigam,
Nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca.
Apenas uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.
– “A Terra Desolada”, T.S.Elliot.
Jimin segurou um suspiro alto que quis escapar de sua garganta enquanto ouvia as noticias que chegaram repentinas para si logo cedo pela manhã. Seu olhar se desviou para a janela alta que se erguia por suas costas, observando finas gotas de água escorrer e molhar a terra e suas flores. Um sorriso saudoso se formou nos lábios do moreno, imaginando quando seria a última vez que poderia cuidar das plantas que vira florescer com tanto esmero.
Jaehyun estava parado ao seu lado – uma expressão de preocupação pura manchava o rosto de porcelana do garoto. Em outro dia, Jimin seria capaz de rir da carranca feia e tensa que seu amigo fazia, dizendo que o estresse era um dos fatores para uma morte precoce, mas hoje não. Hoje Jimin não conseguia fazer nada além de lamentar-se profundamente da informação que acabara de passar por seus canais auditivos, sendo imediatamente depois decodificada por seu cérebro.
- Eu sinto muito. – Jaehyun falou apreensivo. – Posso tentar atrasar um pouco o seu encontro com Namjoon, mas não muito. Talvez o suficiente para que você consiga falar com Yoongi, mas...
- Não precisa. – Jimin respondeu com a voz um pouco rígida demais. – Tente apenas... Dar-me algum tempo para pensar antes de vê-lo. Apesar de não saber ao certo, consigo imaginar as razões pelas quais ele veio do Norte até aqui. Se você e Taeyong conseguirem enrolar Namjoon por algumas horas...
- Faremos o possível, não se preocupe quanto a isso. Mas por que diabos o seu pai mandou ele justo agora?
- Não faço a menor ideia. – O suspiro que estava sendo preso saiu finalmente – um suspiro cansado e triste, refletindo o interior de Jimin da melhor forma possível. – Por isso gostaria de refletir um pouco, mesmo antes de entender toda essa situação. Antes de meu tutor, Namjoon é meu amigo e eu acho que ele poderia responder todas essas perguntas que não estão fazendo sentido nesse momento. Mas... Eu preciso estar preparado para ouvir as respostas, caso contrário, elas não poderão me servir de absolutamente nada. – O olhar de Jaehyun substituiu a aflição pela doçura conhecida por Jimin – ele sabia que o amigo faria de tudo para ajudá-lo, custe o que custasse.
- Você acha que ele diria pelas costas de seu pai?
- Sim. Tenho quase certeza, na verdade. Mas... Não posso ver Yoongi antes de conversar com Namjoon. Eu preciso estar lúcido e... Ele só seria capaz de piorar o meu humor nesse momento. Fora que também não posso arriscar que ele faça alguma loucura que possa piorar as relações diplomáticas entre Norte e Sul – não com tudo isso de Kyungsoo acontecendo. Então, Jaehyun, se você puder me deixar sair para o bosque em segredo, sem muito barulho para que Yoongi não fique sabendo, eu lhe seria eternamente grato pelo resto de meus dias.
- Não é pra tanto. – Ele disse, apertando gentilmente a mão de Jimin na tentativa boba de passar alguma espécie de conforto ao garoto de cabelos negros. – A melhor forma de expressar sua gratidão pra mim seria ficar bem e feliz. Mas vejo que isso não será possível sem aquele rei arrogante do sul, certo?
- Sim. – Jimin sorriu fracamente – a imagem de Min Yoongi surgindo em sua cabeça. – Mas se Namjoon estiver aqui para anunciar minha coroação, creio que terei que arrumar outro jeito de conseguir minha felicidade além de Yoongi.
- Daremos um jeito. Afinal, eu não desisti de você para que passasse o resto dos seus dias miserável, remoendo-se em memorias dele. Irei para o salão real, e a procura de Yixing, para que possamos ganhar algum tempo para você. Vá para o bosque, mas não saia dos limites do castelo, tudo bem? Odiaria ter que te procurar no meio da noite como da última vez.
- Não sou mais aquela pessoa Jaehyun. – Jimin respondeu com um sorriso.
- Você fala como se conseguisse me enganar, Park Jimin. Agora vá. Encontro você no cair da tarde; acho que não consigo enrolar Namjoon mais do que isso. Saia por essa janela e aproveite suas últimas horas de calma antes que a tempestade apareça de verdade.
X
- Onde diabos ele está? – O nortenho alto sibilou, passando as mãos de forma nervosa nos cabelos loiros escuros enquanto revirava os olhos negros, demonstrando uma clara agitação e falta de paciência – olhos agatanhados, como se fossem rasgados no meio de seu rosto, exatamente como os de Jimin, Yoongi pensou, distraído demais para entender a situação que se desenrolava confusa á sua frente.
O enviado do Norte erguia-se imponente dos demais – as roupas melancólicas e pesadas contrastando com o branco leve que a maioria dos conselheiros de Yixing usava, o olhar severo sustentado em seu rosto rígido, que parecia ter sido esculpido em mármore e o sotaque carregado, que não deixava os presentes esquecerem por um segundo que ele era um estrangeiro e seu lugar definitivamente não era ali.
Yoongi quase esquecia que Jimin não falava a mesma língua que a dele próprio pela forma límpida que o mais novo pronunciava cada palavra. Seu tutor, pelo contrário, tinha uma voz dura, quase rústica – sua língua se enrolava em algumas palavras, tornando difícil a compreensão, como se ele tivesse passado anos e mais anos sem que nenhuma delas atravessasse suas cordas vocais.
- Nós não sabemos Namjoon. – Taeyong respondeu, tentando parecer o mais calmo que conseguia perante a gravidade da situação. Taeyong e Jaehyun eram os únicos que conheciam o tutor de Jimin e, de certa forma, aquilo irritava Yoongi de um modo que ele quase não conseguia por em palavras.
Jaehyun, assim como Jimin, havia sumido da vista de todos junto com a chegada do estrangeiro irritado, sobrando para Taeyong à árdua tarefa de tentar acalmar o tal Namjoon enquanto os demais procuravam Jimin pelo palácio de Yixing.
Yoongi, ao contrário, estava totalmente alheio à situação. Ele não conseguia entender o que diabos o tutor de Jimin fazia no Leste – sua cabeça rodava em mil direções diferentes tentando imaginar se algo havia acontecido com a família real que pudesse justificar tal situação, muito menos porque o moreno estava sumido já havia algumas horas. Poderia algo ter acontecido com ele? O coração de Yoongi apertou-se dentro de seu peito com o mero pensamento – não, nada poderia acontecer com Jimin, pelo menos não enquanto ele estivesse dentro do palácio. Mas se ele estava no palácio por que ninguém conseguia encontrá-lo?
- Deuses. Se vocês não podem me dizer onde Park Jimin está, poderia ao menos chamar Zhang Yixing para que eu possa conversar com ele? O rei Minho me mandou com alguns documentos importantes a respeito da entrada de Jimin no conselho do Leste. Vocês podem imaginar a surpresa que se instaurou no Norte, já que todos pensávamos que vocês estavam no Sul esse tempo inteiro, mesmo depois da coroação do príncipe herdeiro. – Namjoon, o nortenho, falou, encarando Yoongi ao terminar de dizer a última sentença. Um arrepio gelado subiu pela coluna do loiro – como poderia o tutor de Jimin sabia quem ele era?
- Isso é... Uma longa história que só o deixaria mais irritado, Namjoon. Creio que seja desnecessário tratar de tudo isso nesse momento. – Taeyong disse, pondo as mãos na cabeça logo em seguida – um gesto que emanava nervosismo puro, não importando de que ângulo você olhasse.
- Desnecessário? – O moreno alto perguntou de forma irônica. – O rei do Norte me mandou aqui porque recebeu documentos com o carimbo real de Min Yoongi e de Zhang Yixing que diziam respeito ao seu único filho. Apesar de não saber exatamente cada palavra que possa estar escrita em tais papéis, trabalhei com a corte tempo o suficiente para imaginar que eles não devam ser pouca coisa. Então Taeyong, eu sugiro que você me traga Park Jimin nesse instante ou que comece a abrir a boca e me dizer por que fui tirado de minha casa no meio da noite para bancar a babá do príncipe do outro lado do mundo.
Namjoon parecia mais ameaçador do que Yoongi gostaria de admitir em voz alta – aquele homem era mesmo o tutor de Jimin? E Minho havia recebido documentos com o seu carimbo? De quem? Que espécie de documentos poderiam ser aqueles?
- Perdoem-me a intromissão, mas... Você disse que o pai de Jimin recebeu documentos com o carimbo real do Sul? – Yoongi perguntou apreensivo, aproximando-se de Taeyong.
- Sim. E quem é você? – Namjoon devolveu a pergunta, um tom de curiosidade misturado com um reconhecimento vago mesclados em sua voz.
- Sou Min Yoongi, o rei do Sul. – O loiro estendeu a mão para que essa pudesse ser apertada pelo rapaz alto a sua frente. O aperto de Namjoon era incrivelmente fraco – suas mãos eram macias como as de Jimin e nelas não residiam nenhum traço da brutalidade existente em sua voz.
- Prazer em conhecê-lo, Vossa Alteza. Sou Kim Namjoon, um dos tutores de Park Jimin. Vejo que temos muitas coisas a discutir e, se vossa majestade não se incomodasse, gostaria de discuti-las antes da chegada de Jimin. Também vim ao Leste por sua causa, no fim de todas as contas.
- Por minha causa?
- Sim. Vejo que como a maioria dos jovens reis você não presta muita atenção nas coisas que lhe são ditas. Anteriormente, falei que o rei Minho me mandou ao Leste para procurar seu filho e tentar colher algumas informações a respeito de documentos que chegaram a suas mãos – documentos estes que contam com o seu carimbo, alteza. Gostaria que tais infortúnios pudessem ser esclarecidos para que eu possa voltar para o Norte e acalmar os nervos do pai de Jimin que, diga-se de passagem, estão bem exaltados.
- Mas que espécie de documentos são esses? Eu não consigo recordar-me de... – Yoongi começou, mas Namjoon o interrompeu de forma exausta ao levantar um de seus longos dedos, indicando sua vontade de falar naquele momento.
- Ah, creio que vossa majestade sabe muito bem de que documentos estou falando. Novamente, não sei ao certo sobre o que se tratam – mas sei o suficiente que as relações diplomáticas do Norte com o Sul e o Leste correm tênues depois de todos eles. Então, se vossa majestade possuir alguma gota de juízo em seu cérebro, sugiro que me receba agora, para que possamos discutir todas essas questões de forma breve e sucinta, tornando minha volta ao Norte com Jimin rápida e sem nenhuma complicação.
- Jimin vai voltar ao Norte? – Taeyong perguntou antes que Yoongi pudesse formular as palavras em sua mente.
- Pensei que minha vinda aqui estava sendo autoexplicativa por si só. Rei Minho me enviou para que eu pudesse levar Jimin de volta ao norte e que, dessa forma, este possa ser coroado.
- Já? – A indagação escapou da boca do rei loiro, fazendo Namjoon sorrir gentilmente com a ingenuidade da pergunta.
- Claro que já. Ele é o herdeiro do Norte, Min Yoongi. Nada mais certo do que ser coroado. Principalmente depois de toda essa confusão. Vossa alteza discorda de mim?
- Não. – Yoongi respondeu fracamente. – Você está... Certo. Siga-me. Vou nos levar a uma das salas de reunião de Yixing para que possamos ver esses documentos com mais cuidado.
X
Jimin corria desesperadamente pelo meio do bosque inexplorado que circundava o castelo de Yixing – corria sem saber por que, sem saber pra onde.
Suas pernas se moviam inconscientemente, como se aquilo fosse a coisa certa a se fazer – seus instintos de sobrevivência primitiva (os de autopreservação, que são os que permanecem com as raízes fincadas profundas dentro de cada um de nós) gritavam dentro si, formando nós pesados em seu estômago e um sentimento doloroso de lágrimas que deveriam sair de seus olhos, mas por alguma razão, não saiam.
O moreno se sentia vazio, de todas as formas e maneiras possíveis. Como se todos os traços de emoção e humanidade tivessem deixado seu corpo da mesma forma que haviam entrado. Jimin estava seco, derrotado como nunca estivera.
Como Atlas, Jimin segurou o peso do seu mundo, sem nunca reclamar – tentando não incomodar Yoongi, seus amigos, sua família, tentando não se tornar o fardo que todos acreditavam que ele era.
O pouco que ele sabia do amor o havia ensinado a manter-se calado e obedecer às ordens alheias – ele sempre fora submisso às pessoas ao seu redor, sejam elas seu pai ou até mesmo Yoongi, a pessoa que mais amava no mundo.
O pouco que Jimin sabia do amor estava deixando marcas que não podiam ser cicatrizadas – simplesmente porque o moreno não possuía os conhecimentos necessários para sará-las e aquilo doía, deuses como doía pensar em deixar Yoongi ali, sozinho, traído e sem saber o que fazer.
Ele sabia que seria coroado – ele nascera para isso, sem nenhum proposito maior. Como a Lua, que se erguia a noite, iluminada indiretamente pelo Sol, Jimin deveria subir ao trono de seu pai e seguir a risca seu plano de governo – ele deveria ser o rei que o Norte nunca tivera, ele deveria provar a todos que era capaz de governar.
Mas ele não podia, não queria, e o ardor no seu peito era quase pior do que a fadiga muscular que atingia suas pernas cansadas de tanto correr.
Park Jimin sentiu suas coxas falharem em um espasmo doloroso que percorreu toda a extensão de sua coluna vertebral enquanto ele caia no chão – triste e alheio demais para sentir o sangue escorrer por suas pernas e braços, criando uma série de traços avermelhados que arderiam como o diabo quando ele passasse água por cima deles.
Ele choramingou um pouco quando viu que seus braços estavam quase na mesma situação – naquele momento, o herdeiro do Norte deitou sua cabeça na terra recém-molhada, com cheiro de chuva fresca e ali ficou, parado naquele momento, desejando, de certa forma, que o tempo parasse também e o deixasse ali, sozinho, longe de todas aquelas pessoas e todo aquele barulho que parecia nunca ter fim de fato. Se ali não pudesse permanecer, Jimin gostaria que a terra abrisse um buraco grande o suficiente e o engolisse vivo – a morte parecia uma solução extremamente covarde, mas era efetiva. Ele não se importava em ter uma morte covarde – aliás, esta combinaria com a forma que havia vivido mais da metade de sua vida: se escondendo.
Jimin se escondia de si mesmo, de Yoongi, de seu pai, e ele quase podia sentir a máscara que havia criado com tanto esmero se esfacelar bem diante de seus olhos.
As lágrimas finalmente escorreram do rosto do moreno – uma fonte de calor no meio da terra gelada a qual ele estava deitado. Seus olhos ardiam por conta do vento e ele, por um segundo, achou que estava chorando sangue – que talvez seu ser estivesse tão triste que acabou por produzir sua própria eutanásia – talvez Ícaro estivesse o observando no céu e houvesse concedido à paz que ele tanto pedira durante todos os seus anos de vivo.
Mas os deuses não funcionavam daquela forma – seus lamentos de dor sequer eram ouvidos pelos céus, quanto mais tomados com piedade por eles.
Piedade. A palavra brotou na cabeça de Jimin como uma faca, como algo que você deseja que pare de te machucar. Sua vida inteira fora um clamor patético por piedade. Por que diabos ele deveria recebê-la agora? Agora, entre tantos momentos?
Como que por ironia do destino, a pequena neblina que caíra durante o fim da tarde, voltava agora, com pingos de chuva grossos e frios, que se misturavam com as próprias lágrimas do garoto que chorava estendido no chão.
Park Jimin escutou uma vez, há muito tempo atrás, que todas as chuvas eram apenas as lágrimas de um goblin que havia traído a morte e os próprios Deuses – que aquela era uma forma da natureza sentir pena pela pobre criatura imortal fadada a viver o resto de seus dias sozinha, enterrando todos aqueles que lhes eram queridos.
Ah, o moreno pensou com um sorriso sádico enquanto as gotas geladas lavavam suas bochechas aquecidas pelas lágrimas de um minuto atrás, talvez eu tenha trazido pra mim a pena de algum goblin que se apega demais a humanos especialmente desgraçados.
Dizem que em momentos de grande dor, quando você sente que o ar lhe é tirado, seu coração para de bombear sangue por um tempo insignificante, suas pernas falham e sua mente fica muda por minutos que parecem horas, o universo para por um instante para assistir. Em momentos de dor imensa, o mundo lhe presta condolências deixando tudo silencioso por segundos, parando de fazer o movimento de translação apenas para que a gravidade não te faça cair. O mundo sente porque o mundo é você, e você se sente tão só e sua aflição é tão grande que, por um instante, todos os seres vivos choram sua angústia.
X
Yoongi sentia seu pescoço enrijecer enquanto abria a porta pesada de uma das salas de reunião para Namjoon – algo extremamente raro de se ver em um palácio. Em uma situação normal, o tutor de Jimin deveria abrir a porta para o rei, mas Yoongi suspeitava que o nortenho não possuísse dentro de si a menor vontade de expressar qualquer cortesia desnecessária para com ele.
Sua garganta parecia estar fechada de pleno nervosismo – até sua saliva estava sendo engolida com dificuldade. O loiro podia sentir seu estômago se revirar na sua região abdominal, tudo isso por conta desses supostos documentos que Namjoon carregava consigo – documentos estes com o seu carimbo, documentos que fariam Jimin ser coroado antes do tempo, que o tirariam dele.
A mesa ampla de mogno se estendia na frente de Yoongi, enquanto este observava Namjoon sentar em uma das altas cadeiras e depositar três pastas em cima da mesa – o barulho que o papel fez ao encostar-se e na madeira sendo o único som escutado no recinto.
O jovem rei tomou seu lugar á frente de Namjoon, seus dedos trêmulos quase escapando a borda da cadeira que deveria sentar, fazendo seu equilíbrio ser prejudicado por uma questão de meros segundos, mas o suficientes para serem percebidos pelo perspicaz tutor de Jimin, que encarava Yoongi com os escuros e gelados.
- Sabe, eu não sou tão ruim quanto pareço ser. E vossa majestade ainda deve-se portar como um rei, independente de ter sido recém-coroado ou não. – A voz grave de Namjoon ressoava pelo cômodo, alta e correta, sem nenhum vestígio de ansiedade. – Tenho documentos em mãos, Min Yoongi, documentos importantes e desejo saber se vossa alteza tem capacidade o suficiente para lidar com todos eles. Caso contrário, deverei recorrer a Zhang Yixing, que ninguém neste maldito castelo é capaz de me dizer onde está.
- Sim. Sim, sou capaz de lidar com eles. Pode me passar os papeis para que eu possa saber do que se tratam? – Yoongi observou curioso Namjoon levantar a pasta do meio e segurar ela no ar, enquanto balançava a cabeça de forma negativa. Um sorriso sarcástico surgiu nos lábios do nortenho, fazendo Yoongi suspirar profundamente. Ele não fazia ideia do que poderia estar ali.
- Não. Esses papéis pertencem ao Norte agora, pois se tratam de uma acusação contra seu herdeiro.
- Acusação? – Yoongi perguntou incrédulo.
- Sim, Min Yoongi. O seu carimbo real está em um documento que declara que Park Jimin, do Norte, é um traidor reconhecido pela corte do Sul. E que deve ser preso se encontrado. – Yoongi pode sentir seu peito afundar ao ouvir a última frase. De repente, todos os eventos que o fizeram assinar aquele documento voltaram na sua cabeça como um estalo – ele pode recordar-se com clareza de Kyungsoo e Chanyeol, dizendo que Jimin havia fugido junto com os demais príncipes, que ele havia traído a corte do Sul para se juntar a um traidor do Leste.
Uma súbita onda de infantilidade lhe atingiu por completo, o deixando totalmente atônito e sem palavras na frente do homem á sua frente, que o encarava com uma curiosidade quase ácida. Naquele momento, Yoongi odiava-se por ter duvidado de Jimin – por ter acreditado em todas as suas mentiras que só deixaram Jimin mais longe dele, que só foram capazes de destruir a relação tão bonita e pura que haviam criado durante todos aqueles anos.
Kyungsoo. Os dentes de Yoongi trincaram-se dentro de sua boca – da mesma forma que este cerrou os punhos, antes trêmulos, em cima da mesa. Ele era o culpado de tudo isso. Por culpa de Kyungsoo, Jimin seria coroado.
- E então? – Namjoon perguntou, ansioso por uma confissão. – Vossa Alteza nega ter assinado esses documentos?
- Não. – Yoongi respondeu, sua voz nadando em um ódio semi-contido. – Eu os assinei e tomo total responsabilidade por minhas ações. Agora, você poderia me dizer como eles chegaram às mãos do pai de Jimin?
- Dois sulistas.
- Sulistas?
- Sim. Creio que já devam ter partido do Norte enquanto temos essa conversa. Eles não pediram asilo político, nem nada do gênero. Entregaram os documentos e saíram do palácio tão rápido quanto entraram.
- Você poderia me dizer o nome deles?
- Claro. Park Chanyeol e Byun Baekhyun.
X
Ele estava acostumado a dormir sozinho.
Min Yoongi dormia em um quarto escuro e um tanto desconfortável bem no meio do castelo – para ele, encarar os terrores da noite escura e selvagem, que se desenrolava diante de seus olhos escuros não deveria ser tão difícil quanto estava sendo – Deuses, ele tinha feito aquilo pelo menos um milhão de vezes, o que tornava aquela em especial tão diferente?
O céu abria-se azul marinho as suas costas, na enorme janela de seu quarto. Ele estava límpido, sem a presença de nenhuma estrela. Yoongi perguntava-se se isso teria algo a ver com a chuva ou com a tristeza que estava sentindo.
O loiro suspirou enquanto pensava na resposta que era tanto clara quanto turva em sua mente – o turbilhão melodramático de emoções que ele ainda não conseguia entender de fato.
Jimin. Pequenos pensamentos que formavam a imagem do moreno em sua cabeça desdobravam-se preguiçosamente, o relembrando de cada pequeno detalhe sobre ele, piorando o sentimento agridoce que invadia seu peito desde a reunião que tivera com Namjoon no inicio da tarde.
Yoongi sabia, melhor do que ninguém, na verdade, a função de Jimin no mundo – o papel que todos esperavam que ele desempenhasse com maestria. O moreno era um herdeiro como ele próprio e dele nada mais caberia a não ser assumir um trono prateado nos confins do mundo, governando o império gelado que sua família construíra com tanto fervor durante os séculos .
Ninguém se importava com Jimin e seus quereres – da mesma forma que nunca haviam se importado com os de Yoongi. As coisas funcionavam daquela forma e, honestamente, ele já deveria estar acostumado com a forma que o mundo tinha de impor as vontades dos mais fortes. Jimin um dia assumiria seu trono e seria tirado definitivamente de perto dele – e então casaria e teria filhos. Assim como ele também o faria. Exatamente como deveria ser.
Sua própria coroação parecia um evento acontecido há anos – Yoongi quase não conseguia lembrar-se com exatidão de todas aquelas luzes e pessoas nem da forma como dissera ao pai de Jimin que este ficaria consigo, sendo treinado para assumir o trono do Norte na sede do governo Sul.
O moreno sorriu, quase envergonhado, ao pensar na sacada de mestre que tivera naquela noite. Realmente, nada melhor do que um herdeiro observar a vida de um jovem rei, especialmente se este for um dos maiores soberanos de todas as nações – talvez o pai de Jimin pensasse que Yoongi poderia ensinar muito mais ao seu filho do que todos os professores nortenhos que acompanhavam a corte.
Yoongi imaginou o que Minho teria pensando ao saber de tudo que seu unigênito havia passado nas mãos dele e de seus subordinados. Ele quase pode ver o olhar triste de descontentamento – a desaprovação clara naqueles olhos castanhos e generosos. Agora, Yoongi não podia fazer mais nada. As coisas tinham passado do jeito que tinham passado e, de certa forma, tudo aquilo havia deixado Jimin mais forte, mais capaz, mais rei do que Yoongi jamais seria.
Um suspiro saiu engasgado de sua garganta, uma vontade quase indomável de gritar a respeito do que estava acontecendo, de ir atrás de Jimin, onde quer que ele esteja, de fazer alguma coisa.
Mas ele não podia. Todos os presentes naquele palácio sabiam que Yoongi não podia fazer mais nada para atrasar a coroação de Jimin – não depois de tudo que fora entregue a Minho, não com tudo isso de Kyungsoo acontecendo, não com um reino inteiro prestes a cair em suas mãos.
Algo dentro de Yoongi sabia que Jimin iria resistir a tudo aquilo que lhe estava sendo imposto – ele sabia que o garoto não gostaria de ser coroado e tentaria resistir a todo custo. O Min Yoongi que amava Jimin, a parte que não passava de um adolescente apaixonado, torcia pra que Jimin conseguisse enrolar a comitiva que seu pai mandara e pudesse passar mais alguns dias ao seu lado, sendo a presença calma e estável que sempre fora.
A outra parte, o rei do Sul, o que usava uma coroa pesada sob os cabelos loiros, sabia que tudo aquilo era utópico demais – até para eles. O norte não perdia em importância para o Sul, sendo talvez até mais poderoso devido a sua alta suficiência. Jimin segurava em suas mãos uma arma tão poderosa quanto a sua – e eles não podiam ser irresponsáveis o suficiente para deixar qualquer um dispará-la.
Jimin devia ser coroado. Era esse o seu papel no mundo, e ele deveria ser cumprido. Só se pode lutar contra a correnteza por um determinado período de tempo – onde as ilusões o cegavam para as ondas que se estendiam gigante a sua frente.
Afinal, ele era o herdeiro do Norte.
E nem mesmo o grande Min Yoongi, o soberano de todas as terras do Sul, poderia mudar um fato como aquele.
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