História Royals - Yoonmin - A Queda de Ícaro

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá

– “Não se mate”, Carlos Drummond de Andrade.

- Ah, Jimin. – Taeyong começou, distraído, enquanto procurava Mark na extensão absurda do jardim que se abria perante seus olhos. – Creio que o diabo mesmo é que dos cem caminhos possíveis a serem trilhados nós devemos escolher apenas um e ficar com nostalgia dos outros noventa e nove. Creio que essa seja a situação que você esteja passando com Yoongi no momento.

- É possível, Tae. – Jimin respondeu pensativo. – Mas creio que eu seja o tipo de pessoa que ficaria com nostalgia de todos os cem.

- De fato. Apenas estou tentando entender a situação toda um pouco melhor. Mas acho que no fundo, no fundo, todos nós fomos um tanto cegos aos sinais que vocês sempre demonstraram. Se bem que sempre pensei que a relação de vocês fosse um tanto unilateral, sei lá. Achava que os silêncios de Yoongi lhe doíam muito. – Taeyong falou, voltando dessa vez os olhos para o amigo que não via há tanto tempo. Jimin sorria tristemente, tentando negar os fatos que eram óbvios a qualquer pessoa que observasse a situação.

- Não sei o que dizer. Posso tentar explicar, mas não creio que você pudesse entender.

- Nada lhe custa tentar, então. Mark está fora de nosso alcance a tempo suficiente para você começar a me explicar tudo isso com mais clareza. Jaehyun sabe?

- Sabe. – Jimin disse cheio de convicção. – O hyung disse que sempre soube.

- Nossa. Estou surpreso. Jaehyun sempre foi mais do que cego quando o assunto era você.

- O que quer dizer com isso?

- No momento, nada. Você disse que ia tentar me explicar sua história com Yoongi, mas até agora não escutei uma só palavra sair da sua boca sobre isso. – Taeyong falou, tentando mudar o assunto que ele não deveria ter sequer iniciado.

- Certo. Mianhae, Tae. Tudo bem então. Você conhece o mito de Ícaro? – Jimin perguntou e Taeyong balançou a cabeça assentindo. – É quase como se eu fosse Ícaro e o Yoongi, Apolo ou o Sol, o que você preferir. Eu voei perto demais, eu desobedeci às ordens. Eu. Gostava muito de pensar que eu talvez não passasse de um mero personagem secundário, mas hoje Jaehyun me fez perceber que talvez eu seja o protagonista. Mas não creio que isso mude em nada o final desse conto.  – Jimin falou, recordando-se das palavras ditas por Jaehyun mais cedo naquele mesmo dia. Você é o protagonista da sua própria história. Está em suas mãos a decisão do fim dela.

- Você não é Ícaro, Jimin. E Yoongi também não é o Sol. – Taeyong falou, fazendo o moreno parar a caminhada que fazia e o encarar profundamente com seus olhos escuros. – O Sol não se importou quando Ícaro caiu no mar e se afogou. Ícaro pelo menos pode ser livre, no pouco tempo que ele passou com aquelas asas feitas com penas. Ícaro pode ser livre enquanto você não pode nem mesmo ser quem realmente é. A moral que eu sempre tive da história dele não foi que ela foi feita para nos assustar de voar perto demais do Sol, muito pelo contrário. A história de Ícaro foi criada para nos assustar de voar de todas as formas. E é exatamente por isso que você não pode ser ele, Park Jimin.

- Pela primeira vez, alguém me fez ter uma visão diferente sobre essa história. – Jimin falou rindo e um tanto chocado. – Nunca tinha parado para pensar dessa forma. Aish, por isso que te odeio tanto, Taeyong. Você me faz pensar demais em coisas que eu amo e acabar jogando elas para o lado.

- É meu trabalho, Jimin. Sou especialista em arruinar sonhos para as pessoas. – Taeyong sorriu amigavelmente. – Já que você falhou miseravelmente na metáfora do Ícaro, possui mais algum argumento que eu possa desconstruir?

- Como você é chato, Tae! – Jimin falou rindo mais ainda. – Não, eu não tenho. Mas prometo que acharei algum mito a sua altura.

- Você me decepcionou, Park Jimin. – Taeyong falou, balançando a cabeça de forma dramática, recebendo em resposta um tapa no braço do mais baixo. – Irei ignorar isso para o seu próprio bem. Voltando ao que estava dizendo, acho que você e Yoongi estão mais para o mito de Sísifo do que o de Ícaro.

- Sísifo? O que diabos eu e Yoongi temos a ver com um ardiloso pastor de ovelhas que acabou por ser condenado a eternidade inteira por tentar brincar com deuses? – Jimin perguntou incrédulo.

- Exatamente por isso. Você é como Sísifo, Jimin. Não percebe? Sísifo, assim como você, realiza um esforço inútil e infrutífero que nunca será concluído, não importa quantas vezes ele tente. Quantas pedras você já tentou rolar morro a cima, Park Jimin? Até quando você vai continuar se martirizando por uma situação sem solução? Apenas pare para escutar a razão um só segundo, Jimin. Você e Yoongi não estão condenados porque algum idiota resolveu virar as costas para a razão e acabou morrendo afogado. Você e Yoongi estão condenados por causa da coroa que colocaram na cabeça de vocês. Esqueça-o, Park Jimin. Ele só o fará sofrer inutilmente até o fim dos tempos.

X

Jimin jogou-se na cama cansado, exausto demais para se incomodar em apagar a luz forte do ambiente.

Havia passado o dia na agradável companhia de Taeyong e de Mark, ocupado demais para pensar e Yoongi e em tudo que aconteceria com ele daqui a poucos dias. Pela primeira vez em semanas, as horas não tinham se arrastado e Jimin pode respirar novamente, sem sentir nenhum aperto incomodo do lado esquerdo de seu peito.

Agora, a culpa ameaçava destruir toda a aflição que o dia lhe fizera esquecer. Jimin se sentia terrivelmente mal por ter, mesmo que por meras horas, ter esquecido totalmente de Yoongi, mesmo sabendo que o garoto devia estar arrasado onde quer que estivesse.

Jimin queria estar perto de Yoongi, o apoiando em meio a tudo aquilo. Mas todos haviam deixado bem claro de que ele não podia, de que era uma mera distração e Yoongi deveria estar o mais focado possível – especialmente agora, com a coroação tão próxima. Seu coração apertava por saber que Yoongi estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe.

Ele queria falar com o príncipe loiro de alguma forma, tentar oferecer um pouco de conforto emocional, quando não podia dar o físico.

Nessa hora Jimin pensou. Só existia um único jeito de conseguir falar com Yoongi – seguro e sem chances de riscos ou interrupções.

O único jeito de falar com Yoongi seria através de uma carta.

Levantou-se meio a contragosto e se dirigiu a mesa que se encontrava do outro lado do enorme quarto que ficara hospedado. Jimin se sentou na cadeira, relaxando as costas antes de pegar a pena e o tinteiro que lhe permitiriam dizer tudo que não podia para Yoongi. Alcançou o papel e pôs-se a rabiscar as letras na melhor letra que conseguia fazer naquele momento. Sabia que teria que caprichar, pois queria impressionar Yoongi, mesmo sem ter a certeza de que a carta seria entregue nas mãos do mesmo.

Mas Jimin achava que tudo que ele podia fazer agora era escrever – e torcer pelo melhor.

X

Yoongi queria gritar com todos os guardas que se encontravam parados na porta de seu quarto, bloqueando sua saída para qualquer lugar.

Suspirou, encostando a cabeça dolorida na parede enquanto massageava suas têmporas, tentado se livrar da dor de cabeça que lhe incomodava desde muitos dias atrás. Yoongi não sabia a razão de tanta dor, mas achava que toda a pressão da coroação estava finalmente começando a afetar seu corpo de um jeito não tão positivo como todos esperavam.

Ele nem mesmo podia recepcionar os outros príncipes porque o Conselho de seu pai havia dito que seria uma “distração” desnecessária. E agora tudo que Yoongi podia fazer era roer seu remorso calado, já que a missão de dar as boas vindas aos recém-chegados fora dada a Jimin e Jaehyun. Jaehyun, de todas as pessoas existentes. Eles tiveram que deixar Jimin junto com Jaehyun.

Para ser totalmente honesto, Yoongi não sabia o que faria quando assumisse o maldito trono.

Sim, eles o haviam preparado sua vida inteira para isso. Mas ele continuava sem saber o que fazer. A maior parte das histórias que ele costumava escutar era sobre como o peso da coroa e de um trono haviam modificado totalmente seus antepassados, geralmente os transformando em homens que juraram que nunca seriam.

E isso incomodava Yoongi mais do que ele gostaria de admitir, apesar de nunca ter sido uma pessoa particularmente agradável durante uma boa parte de sua vida. Era egoísta demais para ser dito, mas ele apenas preocupava-se com si mesmo e nos acontecimentos que seguiriam sua subida ao trono que fora modificado diretamente para ser seu.

Só existia uma pessoa no mundo com quem Yoongi se preocupava além dele mesmo e essa pessoa aguardava um destino tão pesaroso quanto o seu. Talvez o trono de Jimin fosse mais cheio de espinhos do que o garoto sorridente poderia suportar.

Na verdade, Yoongi achava, todos os tronos eram difíceis demais de serem suportados. O que diferenciava os grandes reis de homens comuns era que os reis deveriam aguentar o sofrimento calado – não lhes era permitido nem mesmo um ranger de dentes.

Seus pensamentos foram interrompidos por uma abertura brusca na porta, o fazendo desviar os olhos e encarar um jovem alto de cabelos castanhos com expressão de poucos amigos parado com um papel que ele julgava ser uma carta nas mãos.

- Taeyong? – Yoongi perguntou surpreso, sem muita crença no ser que se encontrava a sua frente, afinal, ele pensava que estava terminantemente proibido de sair ou de receber alguma visita.

- Em toda sua glória. – O moreno respondeu descontraído enquanto fechava a porta atrás de si. – Devo dizer que estou surpreso, Yoongi. Nunca pensei que você fosse do tipo que se deixasse prender. – Taeyong falou, encarando o loiro pela primeira vez desde que entrara no recinto. Ao contrario de Jimin, Yoongi encontrava-se bem diferente do que a memória de Taeyong recordava-se: seus olhos estavam com círculos roxos em volta, com claros sinais de cansaço. O rosto bonito estava marcado com uma expressão que Taeyong só pode conhecer como... Derrota?

- Nem eu, pra ser sincero. – Yoongi disse, sentando-se na cama. – Mas já cansei de tentar lutar contra a maré. Só estou deixando ela me afogar agora. Não queria falar sobre isso, se você não se incomodar... Enfim, o que você está fazendo aqui? Como te deixaram entrar?

- Me poupe, Yoongi. Você acha que alguns guardas iam me parar? – Taeyong perguntou, aproximando-se e entregando o papel nas mãos de Yoongi. – Eu só estou aqui porque Jimin me pediu. Ele escreveu isso pra você e achava que os guardas não o entregariam então me pediu pra fazer isso pessoalmente.

- Jimin... – Yoongi começou fracamente. – Escreveu isso pra mim?

- Sim. – Taeyong falou, já virando as costas. – Estou saindo. E vê se não deixa o garoto sem resposta, Min Yoongi.

- Pode deixar, Taeyong. – Yoongi disse, abrindo o papel vagarosamente, com medo de que as palavras que se encontravam ali pudessem o deixar mais abalado do que ele já estava.

Querido Yoongi,

Sei que você não pode me ver até o dia da coroação, mas isso não me chateia tanto assim porque acho que seus pais o proibiram de ver qualquer pessoa que não seja capaz de lhe instruir sobre os assuntos da Corte.

Sei também que depois que você for coroado, fato que acontecerá mais cedo do que você (e eu) planejou, nosso contato será reduzido a formalidades reais e sorrisos forçados e depois eu serei mandado de volta ao Norte, de volta ao meu solitário palácio, onde nem mesmo encontra-se o Sol para fazer jus ao nome que escolhi para por no mesmo.

Coloquei o nome do Palácio de Ícaro para homenagear uma historia de costumavam me contarem bastante quando era criança – e para que eu nunca pudesse me esquecer de você.

Acho bastante engraçado quando paro para pensar sobre minha vida – um emaranhado de ideias sem nexo, perguntas sem respostas e respostas que não me servem – e tudo que vejo é você, atos suicidas para tentar proteger a sua imagem em meio a tantas outras. Toda minha vida se resume a você, Min Yoongi, eu dediquei cada segundo dela a lhe adorar, assim como Ícaro a suas invenções.

Não acho que esta carta chegará a suas mãos, mas espero que sim. Direi ao guarda que isto é um encorajamento para a cerimonia que acontecerá a pouco.

A questão é que, de fato, esta carta é sim um encorajamento e tudo mais que você venha a precisar nestes últimos dias, porque não poderei estar perto de ti para tentar sanar estas tuas angústias. Não se aflijas, meu querido Yoongi. Se existe algo que tu me ensinaste é que o amor é sempre triste e não existe nada que se possa fazer a respeito.

Espero que você possa sorrir porque o futuro é escuro e incerto. Sorria, Yoongi. Você amará de novo e a vida parecerá bela outra vez. Estou dizendo isso porque sei da existência desse complexo de mártir que corrói o seu ser. Você viverá para governar, Yoongi, e terá que suportar fardos bem maiores do que este.

Tente não se preocupar tanto com isso. Nós somos apenas uma piada cruel – em um silencio antigo como a idade do céu.

Existe um chiar e um baque surdo de tudo

que existe em mim

- queimando –

por causa de você.

Não somos Ícaro e Apolo

- não somos nada.

E isso é tudo que existe

- e tudo que existirá

- Você me mostrou que não era amor até que eu queimasse tudo que existia em mim – tudo que foi e tudo que viesse a ser

Para sempre seu,

Park Jimin.