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História Ruídos de Saturno - Avanço


Escrita por: souhamucek e Jeleninhaz

Notas do Autor


Oi, gente!
Sabemos que demoramos um pouco com esse capítulo, mas estávamos nos organizando com os próximos, que já estão em partes escritos.
Lali e eu ficamos muito satisfeitas com a aceitação de vocês, obrigada por cada comentário.
Esperamos que continuem acompanhando e curtindo nosso enredo 💜
Tenham uma boa leitura;*

Capítulo 2 - Avanço


Fanfic / Fanfiction Ruídos de Saturno - Avanço

Enrolado até o pescoço numa grossa camada de cobertores, concentro meu olhar na televisão presa a um suporte na parede. Neste mesmo tempo, meus dedos brincam com o tecido azul de lã. Gosto dessa textura, ela é capaz de me acalmar nos instantes em que fico mais agitado que o de costume. O homem que me entrete na tela grande fala sobre os últimos fenômenos astronômicos registrados, os mais recentes, mas que eu já sabia da existência.

Pesquisar sobre os astros é o que mais tenho feito desde que ganhei o primeiro computador, em seguida veio o celular e o tablet. Não preciso de nenhum outro, todos estes têm a mesma função: preencher o vazio que minha curiosidade aguçada provoca.

Muitas vezes, penso que meu mundo não é o mesmo habitado pelas outras pessoas. De acordo com as observações que venho fazendo, os pensamentos dos outros giram em torno de trabalho, ações, diálogos; elas são agitadas, riem, dançam e conversam o tempo todo.

 Enquanto meus pensamentos são sempre focados nas estrelas, nos planetas ou no espaço. Os pôsteres variados espalhados por todas as paredes, estas pintadas por uma mistura de tinta roxa com azul, comprovam minha fixação.

É o que eu gosto de aprender, mesmo que já saiba um bocado.

— Shawn! — a porta do quadro se abre. — Filho, arrume-se, seu horário com a psicóloga é o primeiro do dia. — o tom de voz de minha mãe soa animado. Ela não demora a comprovar que sim, atravessando a porta com um sorriso no rosto.

— Eu... — nervoso, mordo a parte de dentro da bochecha. — posso ficar hoje?

— Já conversamos sobre isso. — suas palavras me desmotivam.

Sem perder a animação inicial, ela afasta as cortinas, o que força a luz do dia a entrar.

— Só-só hoje.

— Shawn, não! — desta vez, o timbre lembra um descontrole, contudo, em questão de segundos, ele se torna pleno. — Você precisa ter com quem conversar, é bom para você. Doutora Patricia parece ser uma ótima pessoa. Dê uma chance a ela.

Estava acostumado a conversar com Dra. Annie toda semana. Ela tentava me entender, não fazia muitas perguntas, contentava-se com minhas poucas respostas. Eu já a considerava muito, porém, com o tempo, as consultas foram diminuindo. Notei algo diferente nela nas últimas vezes em que nos vimos, parecia mais feliz. Certo dia, soube da novidade: ela teria um bebê. Desde então, meus encontros são com uma completa estranha. 

Sair de casa não é um costume. Saio por vontade própria apenas quando há alguma conferência sobre o espaço ou para comprar mais coisas para me afundar nas pesquisas. Nas demais ocasiões, sou arrastado para fora de casa por insistência.

— Se começar a se esforçar, as consultas passarão rápido. Você verá, meu filho. — a mão delicada em meus cabelos faz com que eu desvie o olhar da televisão para mamãe. — Agora vá trocar de roupa. — sem me dar tempo para responder, ela me livra das cobertas, e, não pestanejando, desliga a televisão e deixa o quarto.

Solto um suspiro cansado.

Meu maior problema é o caminho até o consultório, são muitos elevadores até chegar ao andar correto. Nestes momentos, deparo-me com diversas situações. Saber que Dra. Annie não está mais à minha espera diminui a vontade de enfrentá-las.

Algo em meu jeito me faz diferente dos demais. Não há nada de errado nisso. É estranho o modo que me olham nos lugares, como se eu não fosse capaz de perceber como sou visto. Eles acompanham meus passos, tem sorrisos piedosos, alguns chegam a se comportar como se estivessem diante de uma criança. Por isso, prefiro ficar em casa. Ninguém me olha, sorri amarelo, nem fala com voz fina. Gosto do mundo assim, do jeito que eu o organizo. Não tem nada de errado comigo. Nada.

Mamãe diz que sou especial, o que, para mim, significa também que sou único.

Estaciono os meus pés diante da porta branca com o nome de Annie em uma placa dourada. Minha mão agarra a maçaneta, mas a pouca vontade faz com que eu hesite ao abri-la. Respiro fundo e, ciente de que não tenho uma escapatória, decido por entrar. 

Como de costume, o consultório está frio. A dra. Patricia está sentada na poltrona vinho, exatamente como faz todas as vezes. Ela tem o hábito de cruzar as pernas e apoiar a prancheta sobre as coxas. A minha entrada é responsável pelo movimento da senhora de escorrer os óculos para a ponta do nariz e sorrir.

— Bom dia, sr. Mendes!

Forço um sorriso no cantinho dos lábios e me sento no meio dos espaços largos do sofá. Meus olhos perambulam a sala. É o mesmo lugar de sempre, com os mesmos móveis e o mesmo cheiro, porém, não me sinto mais à vontade. A presença dessa completa desconhecida altera muito as coisas.

— Dormiu bem? — indaga, em tom simpático.

Balanço a cabeça positivamente.

— Sua mãe me contou que está indo bem em Literatura, você gosta de ler?

O teste de literatura foi praticamente feito por ela. Enquanto lia as frases, minha mente pairava nas estrelas. As próprias palavras dos enunciados me lembravam dos documentários. Impaciente, minha mãe respondia às perguntas e eu as anotava. O mérito não é meu.

Inquieto, observo os livros alinhados na estante ao fundo. Apesar da distância, consigo notar que não estão empoeirados. São muitos livros, aliás. Mentalmente, conto-os. Vinte e dois. Nesta estante há vinte e dois livros. Não sei qual o critério de arrumação, mas um livro baixo perto de um alto não é visivelmente agradável. 
Reconheço a lateral alaranjada do Harry Potter e a Pedra Filosofal. 

Meu pai insistiu por anos para que eu o lesse, contudo, nunca consegui me concentrar para lê-lo. Era uma espécie de tortura ficar quieto a encarar as letras enfileiradas. Reconheço que é uma bela obra, todo reconhecimento não seria em vão, entretanto, a mim, não cativa. Só consegui ler os mangás de Sailor Moon, mesmo assim, apenas três dos inúmeros.

Meu interesse é completamente voltado ao espaço sideral. Artigos, documentários e vídeos. Qualquer coisa a respeito me chama atenção. Livros me deixam inquietos, trazem-me a sensação de que estou estudando. Aparentam intermináveis, assim como essa consulta.

Rolo os meus olhos para o relógio de ponteiros preso à parede ao fundo. Tique-taque. O maior desses se move devagar. Talvez o tempo seja, de fato, relativo. Contei até cem e o porteiro não chega nem a metade de seu trajeto. Batuco os dedos sobre os joelhos. O relógio insiste em se arrastar nas tiquetaqueadas. Parece que o tempo parou.

— Shawn?

Meus olhos descem e prendem-se nos dela. Curioso que, em meio aos cabelos grisalhos chamativos, a cor das íris prenda a minha atenção. Por mais que possa chamá-la simplesmente de "azul", o tom é tão cristalino que remete ao cinza. O que é engraçado já que esta também é a coloração de seus cabelos.

Dra. Patricia tem olhos e cabelos acinzentados, como um céu nublado. Se a bruma tomar a noite, hoje não terá estrelas. Espero, sinceramente, que as nuvens densas estejam apenas nos olhos azuis da psicóloga.

Movido pela ansiedade, desvio o olhar à única janela do consultório. Por conta da altura, nenhuma árvore ou pássaro atrapalha a paisagem. Através do vidro, consigo enxergar a imensidão azul claro com pequenas nuvens de algodão. Parece uma pintura ou um desenho de tão simétrico, mas não é, esta é a bela natureza.

— Sr. Mendes? — nem sequer ouso desviar meus olhos da vista. — Nosso tempo está acabando e ainda não me disse uma palavra.

Isso é um hábito em nossos encontros. Raramente, tomo coragem para respondê-la. As perguntas, geralmente, são retóricas. Pelo menos, não sinto a necessidade em devolver alguma retrucada. 

— Você não gosta de estar aqui?

Penso três vezes antes de responder à mulher de idade. Não quero magoá-la, eu me sentiria horrível, no caso disso acontecer. "Gostar" de estar aqui é um sentimento forte, entretanto. Venho por obrigação, mas prefiro a ir à escola. 

— Shawn, por favor, olhe para mim.

A contragosto, viro-me para a senhora, mas, ao invés de olhar nos olhos dela, encaro os pés. 

— Ouça, querido, você precisa acreditar no meu trabalho. Estou aqui para lhe ajudar. — assinto, ainda a espiar o chão claro. — Você quer que eu o ajude?

Apenas afirmo com a cabeça.

— Para que eu consiga, preciso que também me ajude, ok?

Mais uma vez, respondo com um balançar de cabeça.

— Você gosta de números? — aceno negativamente. — Artes? — dou com os ombros. — O que gosta de fazer?

Mantenho-me quieto, cogitando uma possível réplica. Não sei ao certo o que gosto de fazer. Gosto de ficar em casa e pesquisar sobre o espaço, não se encaixa na pergunta dela. Não posso fazer isso aqui. Não há computador na saleta.

— Eu... — começo, mas travo os lábios. 
Ergo vagarosamente o olhar para o rosto da mulher. Meu peito se eleva e murcha, em um nervosismo nítido. É muito difícil falar de mim para outras pessoas. Acho complexo até comigo mesmo. 

— Ou melhor... — ela cruza as pernas para o outro lado. — Shawn, diga-me, de modo em geral, pelo que se interessa.

— Estrelas. Eu gosto das estrelas.

Três consultas. Esta é a primeira vez em três consultas que direciono a palavra à psicóloga. Não sei ao certo se o motivo é a resposta em si ou a mínima evolução ao proferi-la, mas a doutora sorri.


Notas Finais


Nesse capítulo vocês viram um pouquinho mais da vida do Shawn, mas nos próximos já teremos a entrada de uma personagem muito importante.
Muito obrigada por lerem, a presença de vocês é de extrema importância para nós 💜
Com amor,
Jéss e Lali.


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