Minha mãe e Eva servem o bolo, enquanto eu recebo abraços e palavras de conforto e de como todos estão felizes por eu estar vivo e bem.
— Ainda bem que você não foi mais uma das vítimas, Isak. — Even encosta na parede com um copo de refrigerante na mão. — Todos ficamos preocupados.
— Particularmente você e Noora. — Disparo. Percebo suas bochechas ficarem levemente avermelhadas. — Estou brincando.
— Mas todos ficamos preocupados — ele repete —, mesmo. Estamos todos atentos com essa onda de assassinatos que está havendo na floresta.
Even exagerou um pouco nessa parte, houveram apenas dois ataques, mas tudo em menos de um mês. E eu seria a segunda vítima.
— Obrigado — sorrio —, mesmo.
Ele me abraça. Sinto meu coração bater mais rápido, enquanto respiro seu cheiro doce e frutal. Sua temperatura elevada me assusta um pouco. Ele está muito quente, mas não derramou nenhuma gota de suor.
— Você está bem? — Pergunto.
— Claro! — Ele me solta e vai em direção.
Minha mãe o serve com um pedaço de bolo e ele sorri, aquele sorriso que o faz fechar os olhos.
— Tem uma babinha escorrendo no canto da boca, Isak! — Sana passa o indicador perto do meu queixo e eu volto para a realidade. — O que está esperando?
— O quê?
— Leva ele lá para cima, eu consigo entreter sua mãe.
Olho para Even mais uma vez, ele está sozinho no pé da escada, observando tudo.
Deixo Sana falando sozinha e vou até ele. Pego o prato de bolo da sua mão e coloco-o na mesa que fica ao lado.
— Vem. — Pego sua mão e então subimos as escadas.
***
Meu quarto estava do jeito que eu deixei no dia da festa, as roupas ainda estavam espalhadas pelo chão. Corro para apanhar todas elas, mas Even já havia entrado.
— Não posso esperar nem mais um segundo. — Fecho a porta e envolvo meus braços em volta do pescoço dele.
Nossos lábios se encostam pela primeira vez, e eu sinto como se eu fosse explodir de desejo.
Suas mãos ativam áreas do meu corpo que eu achei estarem adormecidas há anos.
Meus dedos se fecham e puxam levemente seus cabelos.
— Já estava na hora. — Ele sussurra no meu ouvido enquanto beijo seu pescoço.
Seu toque quente e leve fazem meu corpo começar a suar. Ele me puxa até a cama e fico sentado em seu colo.
Even tira a blusa e, pela primeira vez, vejo as marcas que há na barriga dele. Pequenas cicatrizes como as que eu tenho.
— O-O que são? — Pergunto passando a mão pelo peitoral e parando no rosto, onde a cicatriz que atravessa o olho está. Ouço novamente batidas cardíacas aceleradas.
— Eu… não gosto muito de falar.
Ele acaricia meu rosto, me lembrando que preciso fazer a barba. Toco sua pele quente, seus cabelos já estão quase chegando aos ombros.
Posso sentir algo crescer entre as pernas dele, e em mim também, Even enrubesce e me empurra para o lado.
— Preciso descer. — Ele pega sua blusa do chão. — Ouvi alguém me gritando.
Even veste a blusa e sai do quarto, com um volume acentuado na lateral da calça.
♡♡♡
A festa ainda estava durando, a noite já havia caído e lá fora estava escuro. Estávamos todos sentados numa roda jogando mímica. Enquanto minha mãe havia saído para comprar mais bebidas no centro da cidade.
Even apenas me olhava o tempo todo, mas em momento algum falou comigo.
Noora segura a urna que contém nossos nomes para serem sorteados e assim, fazermos as mímicas.
Ela mexe por um tempo e tira dois papéis.
— Eva — ela lê uma das tiras —, e Sana.
Todos ficam em silêncio esperando as duas se levantarem e irem até a urna seguinte, que contém o nome de filmes, desenhos, séries, novelas, etc.
Sana escolhe um papel, ela lê em voz baixíssima e em seguida mostra a Eva.
Mais uma vez eu escuto o barulho de coração batendo. Está perto, mas ao mesmo tempo longe o suficiente para não ser de alguém dentro de casa. Minha cabeça tenta seguir o som.
— Isak. — Noora volta minha atenção para o grupo. — Está tudo bem?
— Ahn... — Todos estão me olhando. — Claro!
— Ótimo.
As meninas começam a fazer seus gestos. Tudo isso me deixa entediado, apesar de estar na companhia dos meus amigos, o jogo é muito mórbido.
Me pego pensando no que aconteceu entre Even e eu. Lembrando do toque dele, e em como ele ficou excitado ao me beijar, e em como eu fiquei.
Tudo escurece, eu fico sem entender absolutamente nada, até que minha visão se acostuma.
Faltou energia, e pelo que estou ouvindo foi no bairro inteiro. Há um momento de silêncio até o barulho de vidro quebrando invadir todo o andar de baixo.
— O que foi isso? — Eva já está apavorada.
— Eu vou subir. — Noora levanta e vai até a escada. Even vai atrás dela, mas para impedi-lá.
Ouço uma respiração pesada, como um animal cansado. Um urso, ou algo ainda maior.
— Noora! — Vilde grita ainda sentada no chão. Mas já era tarde demais, os gêmeos já haviam subido.
Eu me levanto, espero alguém se manifestar, todos estão assustados demais para sentirem minha falta. Minhas mãos encostam na madeira do corrimão e olho para cima, meu corpo diz não, mas minha curiosidade pede para que eu vá. E é isso o que eu faço.
Tento fazer o mínimo de barulho possível.
Tento me guiar pela respiração que escuto. Estou me aproximando do meu quarto, está ficando mais alto.
Agora ouço um coração bater tão rápido que tenho a impressão de que ele vai saltar para fora do peito. É o meu.
Ao abrir a porta me deparo com uma criatura horrenda. Há pelos por todo o corpo e músculos também, seus olhos vermelhos e brilhantes, como os que eu vi na floresta e no hospital, me olham. A criatura com mais de dois metros abre a boca e solta um rugido alto, revelando suas enormes presas, posso sentir seu hálito pútrido de onde estou.
— Isak, desça! — Noora grita. Seus olhos que eram verdes, agora estão amarelos e brilhando. Ela ainda tem sua forma humana, mas posso ver pelos crescerem em sua costeleta e presas como as daquele bicho.
Ela chuta a porta do quarto, para que possa abrir por completa, e corre até a criatura.
Noora pula em seu pescoço, enquanto suas unhas arranham o peito dele. Algo passa por cima de mim, pousando com um barulho estrondoso no chão. Even. Ele também tem os olhos brilhantes e unhas enormes.
Noora é jogada na parede e o monstro volta sua atenção pra mim. Seus enormes dedos se agarram em meu pescoço e me tiram do chão. Não sinto o ar chegar aos meus pulmões e começo a me debater, na esperança de que àquilo me solte.
Sinto uma pequena dor na boca, seguida por uma coceira na ponta dos dedos. Minhas unhas estão como as de Noora.
Os outros chegam. Todos gritam ao ver a cena.
Minha mão acerta o rosto da criatura que me solta. Caio no chão e uma sensação de alívio me invade ao sentir o ar tomando conta dos pulmões. Even pula na coisa, seguido por Noora. Os dois começam a arranhar e a morder. A criatura luta para se libertar, mas as investidas dos dois são mais rápidas. Até que finalmente para de lutar, e de respirar.
Even e Noora se levantam, as roupas estão completamente suja de sangue, assim como as mãos e a boca.
— Isak! — Eva solta um grito de horror ao olhar para a criatura no chão.
Não é mais aquele monstro que me atacava há alguns momentos.
Há um homem, um homem com um rosto familiar, as lágrimas ameaçam cair, um homem que me mandava presente todos os natais, meu coração acelera, um homem que há algum tempo não dava mais notícias, minhas mãos tremem, um homem que mesmo não vendo há algum tempo eu o amava, mesmo não falando sobre ele com ninguém.
Meu tio. Irmão do meu pai. Eu o considerava como um pai, já que o mesmo morreu quando eu tinha seis anos. Aquela cena me sufoca. Agora há um nó enorme na minha garganta, uma mistura de segurança e raiva me invadem. Estou seguro por não haver mais um monstro tentando me atacar. Tenho raiva de Even e Noora por matarem meu tio.
— O que vocês fizeram? — As palavras quase não saem, e a única coisa que posso ver é o terror no olhar de cada um deles. Inclusive Even e Noora.
— Isak, o que houve com você? — Jonas pergunta em choque. — Seu rosto.
Vou até o banheiro e me encaro no espelho.
Meus olhos estão amarelos e brilham como fogo, há pelos por quase todo o meu queixo. Meus dentes estão grandes e pontiagudos.
Eu me tornei um deles.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.