História Sad Memories - Delfim

Naquela manhã, Joshua se sentiu atordoado com a luz do sol que entrava sem pudor algum pelas frestas da janela semi-aberta. O brilho iluminava cada cantinho do seu quarto, o deixando com um aspecto matinal bonito. O garoto coçou os olhos, ainda incomodado com a claridade, e lentamente se sentou na cama. Por mais  que ele ainda estivesse cansado e sem ânimo algum para sair do seu aconchegante leito. Estavam no meio das férias de inverno, ele merecia dormir uns minutos a mais. Ergueu-se ainda com muito sono, buscando por qualquer roupa no seu armário feito de madeira de pinheiro. Bateu a porta do guarda-roupa sem querer e arregalou o olho com o barulho alto, seus pais ainda estavam dormindo, seria uma lástima levar bronca a essa hora da manhã. Olhou o calendário colado em sua porta e quase pulou, se perguntava como havia se esquecido que hoje era seu aniversário de 14 anos, ficou esperando o ano todo para tal data que nem percebeu quando chegou. Estava tão acostumado em ficar o dia todo em casa que até havia perdido a noção do tempo.

-Eu não acredito que esqueci que hoje era meu aniversário... Isso significa qu- a reflexão que o garoto foi interrompido com a campainha tocando. Ele sentiu seu coração saltar em um sussurro de batidas desordenadas. Ignorou o carnaval no interior do seu órgão vital e correu para a porta, de pijamas e com um sorriso no rosto. Abriu a porta no mesmo instante em que alcançou na maçaneta e se sentiu triste, não estava esperando que EunHae fosse até lá, à essa hora da manhã. Na verdade, Joshua estava esperando por outra pessoa. 

-Bom dia Jisoo- ela sorriu, o garoto sorriu da maneira mais gentil que conseguiu. A menina era sua melhor amiga, mas, ele só queria que ela fosse embora logo. Não que não gostasse de sua companhia, claro que não era isso, é só que...  Estava esperando outra garota, a que ele gostava na verdade. Ela havia prometido para o menino que viria no seu aniversário e que não esqueceria. Sarah era linda, os cabelos loiros e olhos azuis feitos diamantes, a pele bronzeada e o sorriso branquinho e alinhado, digno de comerciais de pastas de dente. Apesar da sua paixão pela menina, ele era um ano mais novo que ela. Mas ele não se importava, idade não significa nada.

-Feliz aniversário oppa- mesmo que não morassem na Coréia, freqüentemente se tratavam com "oppa" ou "dongsaeng", Joshua gostava daquilo, era bom trazer a cultura da sua família tona mesmo fora de casa. Olhou para a menina que estendia um pacote azul com a mão direita, ele era pequeno e tinha um laçinho ao redor, também azulado. Sorriu, não pelo presente, mas por Park ter se lembrado que a cor favorita dele era azul. Ela o conhecia muito bem, o menino sempre foi muito apegado a ela. Eles se conheciam desde que eram bebê, e isso foi um fator decisivo para a amizade de ambos, que só cresceu mais através do tempo.

-Obrigado Eunie- Ele sorriu pegando o pequeno pacote e puxando a menina para um abraço. A garota de inicio permaneceu estática com o contato repentino, mas logo retribui. Joshua sentia seus braços finos sobre o tecido de seu pijama preferido, o cheiro do cabelo de Park era bom, nunca havia percebido isso. Tinha um cheiro doce e frutal, talvez fosse morango ou uva, bom, não importa se era um ou outro, era um cheiro bom.  

-Abra seu presente.- Eunhae disse em meio ao abraço e o menino concordou se afastando para olhar para a embalagem de cor cerúlea.

-O que é?- ele perguntou já desfazendo o laço.

-Não posso falar, apenas abra. - O menino sorriu e olhou para a garota, ela parecia bem envergonhada, mas mesmo assim continuava sorrindo.

-Tudo bem. - ele sorriu de volta. Abriu o pacote com certo receio, mas seus olhos se arregalaram com a pequena palheta alojada ali, ela era prata com bordas de madeira, seu nome estava entalhado perto as margens, seguindo o contorno do objeto. Ele sorriu verdadeiramente, puxou a paleta devagar de dentro da caixinha e viu que no fundo da caixinha havia uma corrente com um medalhão de vidro vazio, o formato triangular entregou que era pra alojar o nanico objeto. Joshua sorriu mais, encaixou a peça no pedaço de vidro e pendurou no pescoço. Park olhava tudo com muita atenção, parecia querer perguntar algo.

-Eu nem sei o que falar Eunie, eu... Obrigado- ele deu outro abraço nela. Queria poder retribuir de alguma forma, mas não sabia o que dar a ela. Apenas a abraçou, com toda a veracidade do mundo. 

-Eunie, me espere. Vamos sair. - a menina assentiu entrando na casa junto a Jisoo. Sentou-se desconfortavelmente no sofá da sala de Hong e colocou a bolsa sobre seu colo, olhando para as mãos.

Joshua entrou no quarto correndo, procurando por aquilo. Revirou cada gaveta, já estava ficando desesperado, aonde é que estava? Olhou debaixo da cama e finalmente encontrou a caixinha preta agarrando-a e se sentando na cama. Encarou a caixa escura empoeirada e sorriu tirando a tampa. Agarrou o pequeno fio escuro que estava levemente embaraçado e riu se lembrando sobre como o botão ali pendurado havia se tornado um pingente adorável.

Anos atrás, quando Joshua e Park estavam na pré-escola, alguém havia destruído seu casaco favorito.  A peça estava cheia de furos e completamente suja, o caso fez com que Joshua chorasse na frente da sala toda, principalmente pelo fato de que ninguém sabia quem fora responsável por aquilo. A roupa fora dada e enviada da Coréia pra ele pelo seu avô. Joshua estava começando a se desesperar quando Park entrou na sua sala, agarrou o menino pelo braço, pegou o casaco, e saiu correndo dali. Ambos pararam no parque da escola, afobados, Jisoo olhava pra ela curioso. Como ela sabia que eu estava chorando?

-Não precisa chorar Joshua, olha, vamos fazer um colar. - A menina tirou um fio preto do bolso e cuidadosamente soltou um dos botões dourados da costura que o prendia no tecido. Passou o fio pelo botão e ergueu na altura dos olhos. Sorriu para o menino e amarrou no pescoço do mesmo. 

-Viu? Assim fica bonito também. - Joshua sorriu e abraçou a menina, ainda chorando. Ela sempre o salvava, não importa quando e onde, ela só estava por perto.

Joshua sorriu ao se lembrar do episódio de infância e guardou o objeto no bolso da sua recém colocada calça jeans, sua favorita por sinal. Calçou os tênis brancos e colocou a blusa bege, correu para o banheiro apenas para escovar os dentes e se olhar no espelho. Pelo menos ele não estava com muitas olheiras.

Desceu as escadas correndo, pela segunda vez no dia, e encontrou sua melhor amiga olhando para o chão, na mesma posição de 15 minutos atrás. Joshua riu abafado, por alguma razão Park estava muito desconfortável naquele dia, sempre fora o tipo de menina que ia à sua casa e ficava a vontade em qualquer lugar. EunHae ergueu o olhar e sorriu para Jisoo, mostrando seus dentes branquinhos.

-Vamos?- ele perguntou abrindo a porta. Olhou para a menina que o encarava curiosa e assentia levemente.

-Aonde vamos oppa?- ela indagou o menino enquanto atravessavam a rua, estavam andando à algum tempo já, mas não havia sinal de que estavam chegando ao destino final. As ruas agitadas de LA ao começo da manhã eram impressionantes, mas nada que não fosse esperado da cidade californiana perto da virada do ano.

-Já estamos chegando dongsaeng, espere mais um pouco. –olhou para a menina que começava a ficar impaciente, Joshua  sabia bem que ela era bem ansiosa e que odiava andar por muito tempo, mas não tinha culpa se ele queria leva - lá ao seu lugar favorito, quer dizer, tecnicamente a culpa era dele mas isso não vinha ao caso.

-Mas oppa, a gente já ta andando faz uns 15 minutos, minhas pernas estão começando a doer. – a menina prendia o cabelo, meio desajeita, enquanto atravessavam mais uma rua.

-Faltam só duas quadras, quer que eu te carregue nas costas?- ele perguntou mesmo sabendo que, por ser muito tímida, ela diria não. Até se surpreendeu quando a menina pareceu pensar um pouco na idéia, corou, deu de ombros e pronunciou um “sim” meio acanhado.

Joshua assentiu e se abaixou para que a pequena pudesse subir no seu dorso. O cheiro do cabelo dela se fazia mais presente em suas vias nasais, junto da sensação da respiração levemente afobada, por conta da caminhada, sobre seu pescoço desnudo. A menina era muito leve e isso não era de se estranhar, visto que ela sempre fora muito magrinha.

...

-Era aqui que você queria me trazer?- Park desceu das costas do menino. Durante o trajeto, ele percebeu que ela cheirava sua nuca e isso arrepiava seu corpo por inteiro, mas também notou que depois de um tempo, a garota havia caído no sono, deixando de responder algumas das perguntas que Joshua fizera no caminho.

-Sim, este é o South Coast Botanic Garden, é muito agradável em meio a toda Los Angeles. Meu pai me trazia bastante aqui. Gosto de sentar debaixo daquela árvore- aponto com o dedo para uma árvore de coloração rosa e enormemente bonita. – e observar o movimento de tudo e olhar para as nuvens por entre as folhas. – Joshua sorriu encarando a menina.

-Ela é bonita- Park parecia encantada com tudo ali, mas a árvore chamara muito mais a sua atenção.

-Vamos- puxou a garota pela mão e saiu andando pela grama verdinha do parque.

...

Estava no final da tarde, Joshua e Park conversavam animadamente sobre muitas coisas, ainda deitados debaixo da árvore, se levantaram apenas para comprar algo para comerem no almoço, mas logo voltaram à aconchegante sombra das folhas rosa.

-Acho que vai ser legal- a menina falava sobre a virada do ano no dia seguinte de forma animada.

-O que você acha de passarmos a virada juntos?- o menino sugeriu encarando EunHae, que olhava para o céu com tamanha calma que traziam certo conforto para Joshua em volta da agitação do parque naquele horário. Sorriu vendo as bochechas alheias tomarem um tom avermelhado e os olhos dela se voltarem para o garoto.

-Claro- ela sorriu e voltou a olhar para cima- esteja na minha casa às 20:00 amanhã.- Joshua concordou ainda olhando para ela.

Um silêncio aconchegante tomou conta entre os dois, nenhum dos dois falava qualquer coisa. Apenas se ouviam as folhagens balançando por conta de um vento repentino naquela tarde de inverno. EunHae se encolheu um pouco e Joshua sorriu passando o braço por cima do pescoço de Park, buscando aquecê-la.  Sempre faziam isso quando um dos dois passava frio na escola ou em qualquer outro lugar, acabara virando um costume. Mas aquela situação era diferente, Joshua observava Park com outros olhos. A luz fraca alaranjada, devido ao pôr do sol que ocorria em sua frente, iluminava o rosto da menina e a deixava com um aspecto calmo e caloroso, a paisagem bucólica trazia um conforto ainda maior à Joshua, os fios cor de ébano que caiam levemente sobre suas bochechas coradas, os olhos claros o encarando profundamente, em um misto de curiosidade e ansiedade, e os lábios entreabertos, avermelhados e convidativos e que ,apesar do frio , pareciam macios e hidratados. Joshua e ela travaram uma batalha de olhares, Joshua levou a mão ao bolso e puxou a corrente de botão que pegara no seu quarto pela manhã e, sem que Park percebesse, colocou sobre a sua visão.

Park encarou o objeto surpresa e seus olhos se arregalaram por um instante. Ela se sentou rapidamente, segurando o botão dourado por entre os dedos.

-Não acredito que você ainda tem isso oppa- ela sorriu virando o olhar para ele.

-Agora é seu, queria te retribuir de algum jeito pelo presente que você me deu hoje de manhã e também por tudo que você fez pra mim nos últimos anos. – Ele sorriu tirando o fio das mão de Park e desatando o nó que se formava nas extremidades, levantou o cabelo da menina com uma das suas mãos e pediu para que ela segurasse, enquanto passava a corrente pelo pescoço desnudo na menina. EunHae soltou o cabelo e segurou o botão o encarando e o apertando em seguida entre as duas mãos, se virou para encarar Jisoo e o surpreendeu com um abraço apertado.

Aquele havia sido o melhor dia da vida de ambos os jovens, tanto para Park, que se sentia cada vez mais amada, quanto para Joshua que finalmente havia percebido como gostava da melhor amiga. Gostava muito, chegava até a ama - lá.

...

Joshua entrou em casa e foi surpreendido com seus pais e alguns colegas dele cantando parabéns. Uma festa surpresa, mas o melhor presente para ele já havia sido dado no parque. Um dia todo ao lado de alguém que ele realmente se importava e sabia que também se importava com ele. Mas o fato não fez com que ele fosse ingrato com todos ali presente, pelo contrário, Joshua tratou de dar atenção à todos. O dia foi abacar para o garoto só as 3 da manhã, quando o último amigo passara pela sua porta de entrada desejando feliz aniversário uma derradeira vez. Jisoo sorriu, encostou a porta e olhou para os pais que sorriam para ele.

-Joshua, temos uma coisa para te contar. – a mãe dele apontou para um sofá vazio na sua frente e Jisoo ficou tenso por uns momentos, tinha um péssimo pressentimento sobre aquela conversa repentina. Mesmo com o turbilhão de pensamentos, se dirigiu ao sofá e se sentou, encarando os pais no outro lado da mesinha de centro.

-Filho, nós vamos nos mudar para a Coréia do Sul amanhã, já compramos a passagem e seu avô está te esperando em Seul. - a mulher disse animada, mas seu sorriso se desfez ao ver o olhar assustado de seu filho.

-Como assim?- ele sussurrou, desacreditando no que sua omma lhe dizia. Ele olhou para o pai assustado e ele só acenou que sim com a cabeça.

Estava bom demais para ser verdade.

...

Park estava impaciente sentada no meio fio da sua rua, os olhos marejados, segurando firmemente o botão dourado por entre os dedos e um batuque impaciente com os pés no asfalto. Já eram quase meia noite e nada de Joshua aparecer, ela se sentiu traída por um momento, sabia que estava tendo uma festa de Sarah naquela noite e também sabia sobre os sentimentos de Jisoo por ela. Mas seria possível mesmo que ele havia dado um bolo nela só por conta dessa festa? Ela esperava que não. Gostava tanto de Joshua que chegava a amá-lo.

 -Mas que droga, onde você está?- Park se levantou segurando o choro e olhou pela rua levemente movimentada naquele horário.

Park finalmente deixou as lágrimas turvarem sua visão enquanto se sentava novamente no meio fio, já sem esperanças. Encolheu os joelhos e escondeu seu rosto no meio do mesmo, passando os braços sobre a cabeça, ainda encarando a corrente, deixava as lágrimas correrem pelo seu rosto lotado de maquiagem, sem mesmo se importar com o trabalho que aquela produção toda havia custado para sua mãe. Falando em sua mãe, ela estava no meio daquela festa que ocorria dentro da sua casa, totalmente bêbada. Havia descontado nas bebidas à briga que tivera com o marido dias antes, Park no fundo sabia que eles iriam se separar.

-Que saco.- a menina ergueu os olhos para a rua novamente, se levantou uma última vez e em uma última esperança olhou para o final da sua rua, esperando ver o seu melhor amigo ali, mas tudo o que via eram pessoas bêbadas e a escuridão. Começou a sentir desnorteada, e tudo só piorou quando uma contagem regressiva começou por todos os cantos.

-10, - a menina parou para encarar a sua casa, parecia estar tão longe, mesmo que estivesse em sua entrada -9, - ela tentou dar um passo na direção da porta, mas falhou miseravelmente. A tontura que ela sentia era dominante sobre seu corpo fraco -8, - a respiração entrecortada e a visão turva, tanto pelas lágrimas quanto pelas náuseas que sentia no momento. -7, - ela não agüentava mais se manter em pé -6,- a visão foi ficando cada vez mais embaçada e confusa- 5,- Park finalmente conseguiu dar um passo em direção ao portão de barras de ferro e se apoiou em uma delas firmemente. Gritar por ajuda agora não seria nenhum pouco útil. -4,- ela respirou fundo, fechando os olhos e tentando manter a sanidade que ainda tinha. -3, - ela se xingou mentalmente quando seus joelhos fraquejaram uma vez -2, - suas pernas tremeram mais uma vez, enquanto Park  sentia sua visão ficar cada vez mais escura. -1- ela escutou muitos gritos de comemoração, mas apenas o de seu pai se destacou no meio de todos aqueles.

-PARK EUNHAE- Ela ouviu antes de sua vista tornar-se completamente escura e o seu corpo ser lançado ao chão por ação da gravidade. No momento, não conseguiu sentir dor alguma, apenas o desconforto de ter desmaiado do nada e o nervosismo percorrendo por suas veias por causa da ausência de luz e do garoto que ela amava.

Joshua, onde você está?