História Sanctified - Réquiem, naobao.

Quando eu acordei, tinha dez homens em cima de mim. Vinte e trinta. Trinte e três. Cinquenta ou cem. Festim de cobras. Meus olhos embaçados já não podem ver. Não quero ver. Se eu enxergar, eu posso não suportar. (Luhan me convence de que eu sou forte o suficiente. Um, dois, três, lá vamos nós de novo). Minha própria legião de violadores, meu corpo sujo e magro sendo tocado até a pele se desfazer sob as mãos famintas que o exploram sem pedir licença. Me atacando por todos os lados, me cercando e me desmembrando, eles juram me adorar. Eu estou como se nem gente fosse, valho menos que um bicho, um verme; terra de ninguém. Qualquer um pode me tomar e me declarar seu, desde que pague o preço já estabelecido na tabela do grão-mestre e sacerdote. Deixaram que eles pisassem em mim, e eles não se intimidam. Me chamam de Kai. Cabelos descoloridos e um olhar de fera acuada. Eles me mandam dançar. Meus quadris se movem de um jeito hipnótico, um deles me diz. Meus braços ondulam como a brisa da beira-mar. Eu tenho gosto de sal, azedo e doce. Quando eles me põem na boca, o ranço dura dias e dias.

Nas noites de lua cheia, eles me levam pela coleira até os fundos da casa do meu mestre. Eles me despem e me tocam. Eles querem que eu faça coisas indizíveis, imundas e imorais e degradantes. Estou perplexo; não sabia que podia me lembrar disso, muito menos sentir tudo como se estivesse de volta àquele momento. Eles nem imaginam que eu posso me lembrar, mas eu enfim consigo. Luhan chora e me pede perdão. Eu enxugo suas lágrimas com a ponta dos dedos e dou de ombros. Está tudo bem. Já passou. Mas eu sei que isso é mentira e ele também sabe. Nunca vai passar. Eles me racharam e quebraram e estraçalharam. Me transformaram em pó.

Oh Sehun não tem um túmulo, mas as iniciais de seu nome e a data de seu assassinato estão tatuados no dorso da mão direita do hyung. Nós vamos vingá-lo, ele promete. A ele, a Zhang Yixing e a Park Chanyeol. Eu apoio minha cabeça na mesa de vidro da cozinha. Vingança não pode fazer nada por mim. Eu encaro o piso que alterna azulejos pretos e brancos. Luhan tem planos mirabolantes. Vai matar Junmyeon, vai matar esse e aquele. A lista é interminável. Eu tenho vontade de dizer a ele que nenhuma dessas mortes vai trazer paz a qualquer um de nós. Seria inútil. Ele está decidido, e eu não posso impedi-lo. Nem se tentasse, mas não vou tentar. Deixo que ele tenha sua desforra. É justo.

Deus perdoa, hyung não. Ele traz Wu Fan a casa. Chanyeol parte junto com Luhan e eu fico sozinho com o Padre. Nesse casarão imenso e lúgubre. Eles esperam que eu me contenha? Eu me persigno, porém é em vão. Hahahaha. Ha! Eu sei o que vai acontecer e não há que se possa fazer para evitar o que vem por aí. Então, quando a madrugada vira no céu, inevitavelmente, eu estou possuído. Não desperto. Nem quando eu enfio a mão pela boca do padre e tiro de dentro dele todas as palavras malvadas que ele disse contra mim e contra Sehun. Eu arranco os olhos dele, mordo seu rosto até ter carne e sangue entre meus dentes. Essa é a parte ruim da vingança; ela não consola, nem represa nenhuma dor. Para que serve?

Eu penso em Sehun. Meu dongsaeng que eu não fui capaz de proteger. Morreu debaixo de todos os homens, mortos e vivos, aqueles já nascidos, e os não nascidos e também os que nunca vão nascer. E eu apenas assisti enquanto ele era soterrado por tantas mãos, línguas e lábios famintos e repugnantes. Queria que ele ainda estivesse aqui. Mas eu não desejaria que ele vivesse com esse vazio que eu sou obrigado a carregar em mim.

Réquiem, naibao. Eles me mataram, mas me esqueceram vivo. A você, eles não fizeram o mesmo favor.

Como um colosso, eu agora tombo. Meu rosto vermelho com o sangue do padre. Oooh oh.

Quando eu acordo, toda a humanidade está em cima de mim.