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Olhamo-nos em silêncio, como se tentássemos desvendar um ao outro; como se nossos olhos pudessem dizer mais do que só brilhar em uma, aparente, curiosidade. Mas, é claro, nunca conhecemos alguém de verdade, ainda que tentemos uma vida inteira, há sempre alguma coisinha escondida no fundo da mala. Por mais que falem o contrário, somos uma caixinha de segredos, outrem só tem conhecimento dos segredos que partilhamos. Porém, pensar que alguém pode virar-te do avesso, e desvendar-te, ainda que não seja possível, é assustador.
–– Espero que encontre o seu cachorro.
Ela cora diante de sua mentira. –– Obrigada, de novo.
Assinto. –– Estamos muito amigáveis para um cão e gato.
Ela bufa. –– Há cães e gatos que não se odeiam!
Assenti. –– Você tem razão. Mas não é o nosso caso.
NOW
Bliss Montgomery – Point Of View
Senti minhas bochechas arderem, enquanto permanecíamos em silêncio, olhando-nos como se ansiássemos por uma resposta de uma pergunta que não fora feita, o que era ridículo considerando que não tínhamos o que perguntar, ao contrário, não seria da nossa conta, de fato.
Sem dizer nada, ele vira de costas e saí andando, deixando-me sozinha – e atordoada, enquanto continuo o assistindo andar para longe até que meus olhos não pudessem mais vê-lo e então, penso com clareza, o que faz com que eu soque o volante, completamente frustrada, afinal, o que diabos acabara de acontecer? Não agimos como um cão e gato de rua que, por instinto, se odeiam. É assustador!
–– Certo, ele está diferente. –– Suspiro fundo ao sair do carro, sentindo o vento gelado bater em meu rosto. –– O que será... Não, não é da minha conta!
Após entrar no prédio e estar de frente para o meu apartamento, bufo e coloco a chave na fechadura, girando-a em seguida. –– Pare com isso, não é da sua maldita conta!
–– Falando sozinha, Bliss?
Entro em meu apartamento, com Hollie atrás de mim.
–– Eu tenho um bom motivo!
Ela revira os olhos, jogando-se em meu sofá. –– Tá certo, conte-me o motivo.
–– Merda, foi tão constrangedor. –– Mordo o lábio inferior antes de sentar-me ao seu lado e dizer: –– Você vai adorar!
Ela tira suas pernas, que eu mesma coloquei, de cima de mim e senta-se como um índio, enquanto bate palminhas histericamente, o que me faz rir. –– Oras, se eu vou adorar, por que ainda não me contou?
Patética, zomba meu subconsciente, alto e rabugento. –– Eu já disse... –– Passo minhas mãos em meu rosto. –– É constrangedor.
– Sim, você disse, mas já passou. Agora, conte-me!
–– Não passou, não. –– Encolho os ombros. –– Eu ainda posso vê-lo nu em minha frente. É só fechar os olhos!
–– O que?
Solto um riso de nervoso. –– O que?
–– Sem essa, você não vai fugir do assunto!
Brinco com minhas mãos antes de sussurrar: –– Justin.
–– Quem?
–– Meu ex-chefe.
–– Justin Bieber? Merda, eu adoraria vê-lo nu, também. –– Bufa de modo cênico. – Que má sorte!
Suspiro fundo. –– Ele readmitiu-me, não é incrível?
–– Bliss, ele é um cretino.
–– Eu sei, mas minhas economias estão acabando. Não pude recusar... –– Cruzo os braços. –– Estou pagando o aluguel sozinha, esqueceu?
Balança a cabeça de um lado para o outro, negando. – Henri é um cretino, também.
–– Eu sei.
–– Mas então, como ele é?
Franzo a testa em confusão. –– O que?
Sorri com malícia, o que faz com que eu entenda do que ela está se referindo e fale: –– Não! Não! Não!
–– Qual é, Bliss.
–– Não, Hollie.
–– Merda! –– Cruza os braços, emburrada. –– Eu não vou morrer sem antes vê-lo nu, anota aí!
Não pude deixar de rir antes de dizer: –– Anotado.
[...]
Justin Bieber – Point Of View
É bom estar em casa, em minha zona de conforto, onde não há nada além de uma música triste invadindo os cômodos, enquanto penso no quanto mudei desde que me tornei um homem adulto.
Ao fechar os olhos, ainda vejo os olhos raivosos da mulher que me dera à luz, rejeitando-me, como o monstro que sempre fora, mas que eu, como uma criança e um bom filho, nunca vira, afinal, crianças são feitas para amar aqueles que lhe colocam no mundo, o que é uma merda quando vieste de uma família completamente doente – e não me refiro à saúde.
Infelizmente, sinto-me, constantemente, revoltado ao lembrar-me do meu passado, sobretudo, de quem eu era; uma criança inocente nas mãos de um adulto nocivo.
–– Justin?
Dou um sorriso forçado antes de erguer a taça em sua direção, fazendo-o revirar os olhos e dizer: –– O que há com você?
–– Nada. –– Dou de ombros. –– Agora, você, o que faz aqui?
–– Como assim, o que eu faço aqui? Eu tenho cuidado de tudo desde que você... Desde que... Eu não sei... O que há de mais importante que sua casa, suas coisas, seu trabalho... O que há? Vamos, meu amigo, você está resumido nestas coisas!
Balanço a cabeça de um lado para o outro antes de sussurrar: –– Eu me recuso a ser resumido em tão pouco!
Ryan cruza os braços, incrédulo. –– Em tão pouco?
Dou de ombros, o que o faz insistir: –– O que há com você? Eu não estou o reconhecendo!
–– Eu mudei, de fato. –– Suspiro fundo. –– Não tanto quanto gostaria, mas posso dizer que estou gostando disso.
–– Justin, onde você está?
Sorrio de lado. –– Estou aqui, não estou?
–– Eu não sei. –– Ele retribui o sorriso antes de dizer: –– Me conte o que aconteceu com você? Por favor, somos amigos!
–– Eu estou colhendo o que plantei!
–– Do que você está falando?
–– Esqueça!
–– Justin, eu não estou entendendo!
Suspiro fundo após olhar a maleta em cima do sofá. –– Eu não tenho muito tempo!
–– Por quê?
–– Por favor, escute. –– Bufo. –– Tudo o que você precisa saber é que eu não sei quando ou se retornarei para a empresa.
–– O que?
–– Com o que está dentro desta maleta, você terá acesso e total liberdade para fazer o que quiser com a minha empresa, meu dinheiro e todo o resto!
–– Eu... Não!
Entrego-lhe a maleta. –– Você, sim.
–– Não!
–– Você é meu melhor amigo, a minha família... –– Bufo, com os braços cruzados. –– Do mundo inteiro, você é o único em quem confio então, por favor, aceite.
–– É a sua vida!
–– É uma porcaria, eu sei.
–– Não, não é. Mas eu não sou você!
Sorrio de lado. –– É claro que não, você é muito melhor!
[...]
Sequei minhas mãos suadas e continuei andando, mesmo que o nervosismo estivesse ao meu lado, cutucando-me a cada minuto para lembrar-me de que eu, um homem que nunca fora bom para com os outros, abrira mão de tudo, como se tudo fosse nada, levando em conta a facilidade em aceitar, mas só é fácil porque o que eu tenho não é tudo; tudo é, na verdade, o que eu levo aqui dentro, que define quem eu sou.
Renunciar deveria ter sido difícil, considerando o meu egoísmo, o que me mostra com clareza, sobretudo, tarde demais, que eu não era quem eu queria ser, o que não me surpreende, não quando sei que me fechei, tornando-me ainda mais insensível que a mulher que me dera à escuridão, sim, escuridão.
Não é possível que ela tenha me dado à luz, penso, elevando os lábios em um sorriso de escárnio, enquanto tento lembrar-me quando foi, exatamente, que me tornei tão frio e limitado, pois, antes, eu sorria o tempo inteiro – e não eram sorrisos à toa.
–– Perdido, lobinho?
Eu estava, de fato, tão perdido em pensamentos que sequer me dei conta de que já estava em frente ao seu prédio. –– Ah, você.
–– Eu. –– Ri. –– Você está na frente do meu prédio, esperava ver quem? O batman?
–– Não, mas sou tão foda quanto ele.
Ela arqueia uma de suas sobrancelhas. –– Você gosta do Batman?
–– Você não? Então por que falou dele? –– Reviro os olhos. –– Você é estranha!
Cruza os braços. –– Eu sou estranha porque não gosto do Batman?
Escutamos alguém aproximar-se de nós e, então, dizer: –– Perdoem-me por atrapalhar!
Amélia sorriu com malícia. –– Oi.
Passei a língua em meus lábios ressecados. –– Bliss!
Ela sorriu minimamente antes de sussurrar: –– Bieber!
–– Me chame de Justin.
Ela olha-me com um quê de desconfiança. –– Você está tentando arranjar um jeito de me demitir?
–– O que?
Ela olha-me como se fosse óbvio, mas não era óbvio para mim. –– Vamos, chefinho. Na empresa... –– Fez uma pausa. Aparentemente, pensativa. –– Ou fora dela, chamá-lo pelo nome sempre foi motivo suficiente para alguém ser demitido!
–– Está tudo bem, chame-me de Justin. Não vou demiti-la! –– Ri pelo nariz antes de dizer: –– Bem, talvez eu demita-te se continuar me chamando de chefinho.
Ela morde o lábio inferior e, instantaneamente, o meu olhar cai sobre ele, o que a faz soltá-lo de imediato. –– Certo!
Amélia tosse cenicamente, atraindo nossa atenção. –– Bliss?
–– Ah, sim... Podemos conversar em particular?
Sorri de escárnio. –– É sobre o seu cachorro?
Amélia ri. –– Cachorro?
Bliss fecha a cara, reprovando-a. Provavelmente, sem saber sobre o meu conhecimento no assunto, o que é irônico, considerando que o assunto era eu. –– Eu posso ajudar a procurá-lo.
Arqueia uma de suas sobrancelhas, com um sorrisinho incrédulo em seus lábios bem desenhados. –– É mesmo?
Reviro os olhos. –– Sim, por que não?
–– Por que... –– Gesticula com as mãos e, então, suspira fundo antes de dizer: –– Você é você.
–– Assim como você é você. –– Comprimo os lábios, prendendo o riso. –– Que bela observação, uh?
–– Você tem razão. Por que não?
Amélia estala os dedos. –– Eu não tenho o dia todo!
–– Eu também não.
Bliss assente, cabisbaixa. –– Tudo bem. E você... –– Aponta para mim. –– Eu não tenho um cachorro, eu tenho um lobo.
Faço a minha melhor cara de surpresa e espanto, o que faz com que um sorriso travesso escape de meus lábios. Foco! Foco! Foco!
Ela nega, brincando com os seus dedos. –– Ele é um pouco atrevido e estressado. –– Riu baixinho. –– Arrogante, também.
–– Arrogante?
–– Sim, arrogante... –– Diz sem tirar os olhos das ruas, procurando pelo lobo cinzento, ou melhor, por mim. –– Confesso que tenho uma queda pelo jeito dele!
Ficamos em silêncio, escutando os resmungos de Amélia. –– Sabe... –– Sorriu com maldade. –– Eu não acho que vamos encontrá-lo.
Bliss encolhe os ombros, sem entender o porquê de o humor de Amélia ter azedado. –– Bem, você pode voltar para casa. Obrigada!
Amélia sorri de maneira falsa e, então, olha para mim, como se eu devesse alguma coisa a ela. –– Já está tarde... –– Bliss assente, esfregando as mãos em seus braços. –– Aqui... –– Tiro o casaco e estendo em sua direção. –– Está frio.
Bliss olha-me como se eu fosse de outro mundo, mas não diz nada a respeito. –– Obrigada, Bieber.
Parece que voltamos às formalidades, penso. –– De nada.
Para ser honesto, despedirmo-nos fora a coisa mais estranha do mundo, como se estivéssemos em um filme e essa cena tivesse sido repetida mil vezes, o que não era verdade, afinal, estávamos na maldita vida real.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, espantando tais pensamentos, o que chamou a atenção de Amélia. –– Você está bem?
Assinto. –– Tenho que fazer uma coisa antes da transformação.
–– Ah, é? –– Ela arqueia uma de suas sobrancelhas. –– Que coisa?
Pisco. –– Não é da sua conta!
Deixo-a falando sozinha e entro em um táxi, torcendo para chegar a tempo, mas estou ciente de que tenho tudo, menos tempo. Ainda assim, continuo firme com a decisão de me redimir enquanto ainda estou em minha forma humana.
No final de contas, aprendi que quando alguém aponta uma arma em nossa direção, esperando que façamos o mesmo para uma luta, supostamente, justa, nós não devemos fazer o mesmo ou, pior, nos tornar a própria arma.
Não estou dizendo que mudei totalmente ao me dar conta do que quero ser. Ao contrário, estou mudando aos poucos, todavia, continuo sendo um homem nocivo – a própria arma, que todos temem e odeiam. Mas quero continuar mudando até fazer parte dos que atiram flores enquanto outros atiram pedras.
–– Bieber... –– Diz o porteiro antes de levantar-se, completamente nervoso em minha presença, o que faz com que eu sorria de escárnio. –– Boa noite!
Aperto o botão do elevador e, uma vez que estou dentro do mesmo, falo antes que as portas se fechem: –– Boa noite.
Meu celular vibra em meu bolso, conto até três e atendo-o sem olhar a identificação na tela do mesmo. –– Alô.
–– Sou eu, Ryan. –– Pausa. –– Podemos conversar?
–– Se for sobre a responsabilidade que passei a você, por favor, não questione. –– Mexo nos cabelos, bagunçando-os. –– Eu queria, queria muito, falar os meus motivos, mas não posso.
–– Que maravilha, uh?
Suspiro fundo antes de escrever um bilhete e deixar em cima da mesinha de centro. –– Eu preciso de um favor.
–– Você é mesmo um filho da puta!
–– Eu sei, mas então?
–– Tudo bem. –– Bufou. –– O que você quer?
Faltava, exatamente, dez minutos para transformar-me em um lobo cinzento. –– Preciso que você venha até minha casa.
–– Por quê?
–– Na mesinha de centro, em minha casa, está um bilhete com um endereço. –– Pauso. –– Quero que o entregue a Bliss.
Ele ri. –– O que há entre vocês?
–– Não há nada.
–– Tá bom. –– Disse com sarcasmo. –– Eu posso fazer isso.
Conto até três antes de dizer: –– Junto com o bilhete, quero que você entregue um lobo cinzento.
–– O que?
Permaneço em silêncio, o que faz com que ele continue: –– Você enlouqueceu? Ele pode me matar!
–– Pode, mas não vai.
–– Certo, acredito em você. Não porque está dizendo, mas porque ainda está vivo.
–– Vamos, eu não tenho muito tempo!
Bufa. –– Justin, estamos falando de um lobo, não de um cachorro. Como eu vou entrar no prédio com um lobo?
–– Deixe o lobo no carro, interfone e peça acesso a garagem. Depois diga para que ela o encontre lá. É simples, não é?
Grunhi. –– Você me paga.
Trinta minutos depois, nós estávamos entrando na garagem do prédio de Bliss, que nos esperava de braços cruzados, com uma de suas sobrancelhas arqueadas. –– Você parecia nervoso no interfone.
Ryan ri sem humor. –– Não poderia ser diferente considerando que eu estava dirigindo com um lobo cinzento no banco traseiro do meu carro.
–– O que?
Ryan abre a porta do carro como se eu fosse matá-lo a qualquer momento; saio do carro e não perco a oportunidade de rosnar para ele, que se assustou e deu um pulo para trás. –– Você é louca?
Bliss deu de ombros antes de abaixar-se para acariciar o meu pelo, forçando-o a se pronunciar: –– Ei... –– Disse, tirando o bilhete do bolso. –– Tem mais uma coisa.
Ela levanta-se para pegá-lo e, após abri-lo, repete as palavras escritas no bilhete: –– Uma trégua?
Ryan balança a cabeça de um lado para o outro e entra no carro, saindo dali, com um sorrisinho maldoso em seus lábios. Provavelmente, pensando que minha intenção é levá-la para cama, pois antes da maldição a minha única proximidade com as mulheres era, de fato, para levá-las para cama.
–– Uma trégua.
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