História Save Me - Dog and cat.

Justin Bieber – Point Of View

Lembro-me de odiar as mulheres, pois cresci idealizando-as como a mulher que acreditava ter me dado à luz, o que na época, apesar de sentir seu ódio em seus atos e palavras, significava tudo para mim, afinal, se eu estava ali, no mundo, era porque ela me colocara nele, o que era um pensamento genuíno, mas ao entrar em minha adolescência isso passou a significar menos que nada para mim porque só então entendi que ela me dera à escuridão, nunca a luz.

Após ser amaldiçoado, sei que metade de mim mudou, pois a perdoo, mesmo que ela tenha iniciado toda essa guerra em mim.

–– Vamos, me responda!

Infelizmente, a outra metade ainda é como quando nos conhecemos, terrivelmente arrogante e egoísta. No entanto, a mudança é gritante – e força-me a ver que não há mais para onde correr, que não suporto vê-la olhar-me assim, como se eu fosse à pessoa mais desprezível do mundo, mesmo que eu tenha sido desprezível na maior parte do tempo, sobretudo, eu poderia contar-lhe a verdade, dizer que mudei, também, que acolhi a bondade, o perdão e a piedade, e que foi por ela, mas minha decisão já havia sido tomada.

–– Já disse, eu posso explicar.

Ela soltou minha corrente, recuando, mas sem deixar sua pose de durona. –– Você já disse isso.

–– Certo, eu fui assaltado em um bar, na esquina da sua casa, e então, como eles levaram tudo, eu pensei que, como trabalhou para mim, você pudesse me ajudar.

–– Você está falando sério? –– Riu de nervoso. –– Qual é, você fez da minha vida um inferno e, então, me demitiu!

–– Eu sei. –– Bufo. –– Eu não sou uma boa pessoa, mas você é.

Ela assente antes de apontar para a corrente em meu pescoço. –– Você ainda não me respondeu como a corrente do meu lob... Cachorro foi parar no seu pescoço.  

Sorri de lado. –– A corrente é minha.

Ela arqueou uma de suas sobrancelhas, o que me faz continuar. –– Vamos, existe outras correntes como a que estou usando.

–– Você tem razão. –– Ela sussurra. –– Agora, me responda, como entrou aqui? 

–– A porta estava aberta.

Ela arqueia uma de suas sobrancelhas. –– Aberta? Não, impossível. Eu mesma a fechei!

Elevei os meus lábios em um sorriso de escárnio. –– Bem, eu não sei o que aconteceu antes de entrar em seu apartamento, mas garanto que a porta estava aberta quando cheguei.

Ela assentiu. Aparentemente, pensativa. –– Meu... Meu cachorro... Você... Droga!

Dei de ombros, tentando não demonstrar o quão cômico era vê-la em minha frente completamente frustrada, mentindo sobre ter um cachorro quando, na verdade, tudo o que ela tem sou eu em minha outra forma, a qual eu fui condenado a ser. –– Não vi nenhum cachorro.

Ela assentiu antes de dizer: –– Vou buscar algo... –– Apontou para mim. –– Para você vestir.

Assim que voltou, ela jogou as roupas de seu amigo em mim, e eu não tardei a vesti-las, mesmo tendo a certeza de que ela estava apreciando a vista.

–– Por que você está nu? Digo, você já disse, mas por que os assaltantes levaram até sua cueca? Por acaso, ela era feita de ouro ou algo assim?

Não pude deixar de rir. –– Você não é a única a me odiar.

–– Oh, é mesmo. Por um momento, por incrível que pareça, eu tinha esquecido que você é desprezível!

Sorri de lado. –– Ponto para mim.

Ela arqueou a sobrancelha. –– Ponto pelo o que, exatamente?

Pisquei. –– Não sou tão ruim quanto você pensa, não é?

Ela analisou-me antes de sorrir. –– Bem, nós ainda não nos matamos. Isso deve ser um bom sinal, não é?

–– Talvez.

Ela pegou as chaves de cima da mesinha de centro e girou-as em seu dedo indicador antes de dizer: –– Você terá sua carona. Mas lembre-se, você estará em meu carro. Posso chutar a sua bunda!

Ri baixinho. –– Tudo bem para mim.

Após deixar-me em frente ao meu prédio, ela continuou olhando para frente, com suas mãos no volante, segurando-o com tamanha força que seus dedos esbranquiçaram. –– O que você disse... Sobre me readmitir... Você estava brincando?

–– Por que acha que estava brincando? Apesar de tudo, sou um homem de palavra. –– Virei o rosto, lembrando-me do quão filho da puta eu fora para com ela. –– No momento, eu não estou indo a empresa, mas espero que Ryan a veja na segunda.

Ela sorriu. –– Obrigada.

–– Não por isso. – Saí do carro, e curvei-me a altura da janela antes de dizer: –– Obrigada, também.  

Olhamo-nos em silêncio, como se tentássemos desvendar um ao outro; como se nossos olhos pudessem dizer mais do que só brilhar em uma, aparente, curiosidade. Mas, é claro, nunca conhecemos alguém de verdade, ainda que tentemos uma vida inteira, há sempre alguma coisinha escondida no fundo da mala. Por mais que falem o contrário, somos uma caixinha de segredos, outrem só tem conhecimento dos segredos que partilhamos. Porém, pensar que alguém pode virar-te do avesso, e desvendar-te, ainda que não seja possível, é assustador.

–– Espero que encontre o seu cachorro.

Ela cora diante de sua mentira. –– Obrigada, de novo.

Assinto. –– Estamos muito amigáveis para um cão e gato.

Ela bufa. –– Há cães e gatos que não se odeiam!

Assenti. –– Você tem razão. Mas não é o nosso caso.