O lápis entre meus dedos traçava linha atrás de linha sobre a folha de papel ofício, enquanto Harold e a tal produtora falavam com a equipe em reunião. Meus ouvidos estavam anestesiados e meus olhos focados no corpo de dragão com cabeça de Selena que desenhava, quando algo chamou minha atenção:
- ..Programação ao vivo. - A escutei falar e ri, inconscientemente.
- Esperar de 20 à 50 minutos para que uma receita fique pronta durante uma transmissão ao vivo, além de não ser ágil, ainda corre o risco de invadir o horário da próxima programação. - Harold disse cauteloso.
Não era a primeira vez que aquela sugestão nos era indicada. E em todas as vezes, Harold recitava a mesma frase. O que era contraditório, já que ele sempre resmungava sobre a audiência, mas não se arriscava para conquistá-la.
- Me desculpe, Harold. - Selena voltou a falar, fazendo-me largar o lápis para prestar atenção no argumento. - Mas é completamente entediante assistir à um programa, meticulosamente, organizado e sem novidade no início da manhã. - Ela entrelaçou os dedos das mãos e olhou para cada um sentado ao redor da mesa oval. - Estive assistindo algumas gravações do programa, e vocês tem que concordar comigo nesse tópico. - Estreitei os olhos para alguns que concordavam com a cabeça. - Quando acordamos e ligamos a televisão, a primeira coisa que procuramos é por notícia sobre o dia. Por isso, você sempre perde pontos para os canais jornalísticos, Harold. - Ela apontou e se levantou, me fazendo rolar os olhos para sua pose confiante. - Por esse motivo, o Bom dia, Ohio tem que inovar com a finalidade de salvar o dia, não só das donas de casa, mas também dos trabalhadores antes de sair de casa. - Selena gesticulava a cada passo que dava ao redor da mesa, prendendo o olhar abobalhado da equipe. - Falaremos sobre o clima, sobre o trânsito, sobre a política, sobre a violência urbana e outras notícias em tempo real, enquanto o prato do dia fica pronto.
- Isso é trabalho do telejornal. - Falei entediada, finalmente ganhando os olhos castanhos da mulher.
- É por esse tipo de pensamento que estamos perdendo a audiência para as outras emissoras. - Disse calma, brincando com a caneta esferográfica entre os dedos. - Já que resolveu participar da reunião, senhorita Demetria. - Tranquei os dentes, enquanto Selena olhava para o objeto em suas mãos. - Devo ressaltar que. - Selena entrelaçou os braços nas costas e olhou para o teto, parecendo pensar. - A sua imagem deve ser mudada.
- Minha imagem? - Ri em escárnio.
- Sim. - Selena voltou a caminhar devagar. Um passo após o outro, como um tigre que encurrala sua presa. - Você é a imagem do Bom dia, Ohio. As pessoas precisam te tomar como exemplo. As mulheres precisam querer ser você e os homens precisam querer ter você. Por isso! - Ela falou mais alto, apontando a caneta e me impedindo de retrucar. - Modificaremos o seu guarda-roupa.
- O quê tem de errado com minhas roupas? - Estreitei os olhos e Selena deu de ombros.
- Muito pano para pouco frio. - Ela respondeu tranquila. - Vamos arranjar um estilo mais sofisticado e sensual.
- Às oito da manhã? Não vai rolar. - Neguei com a cabeça, sorrindo incrédula. - Harold? - Busquei auxilio no homem que parecia refletir sobre a situação.
- Ela tem razão, Demi. - Ele disse, fazendo-me franzir o cenho. - Mudar pode ser bom.
Mudar pode ser bom?
Tranquei os dentes e olhei para a latina que sorria presunçosa. Senti dedos apertarem minha coxa por baixo da mesa e olhei para Marissa, olhando-me com ar de súplica para que eu não fizesse nada.
- Espero que tenham sorte em arranjar uma nova apresentadora. - Cuspi as palavras ao me levantar e marchar para fora da sala.
Me espremi no elevador com destino à recepção e tentei me concentrar no exercício que era respirar com aquela quantidade de pessoas ao meu redor. Pisei fora da caixa de metal, cruzando o espaço até o elevador que me levaria até o estacionamento, mas uma figura loira e apressada surgiu na minha frente, pausando as mãos no ar para que eu parasse.
- Saia da minha frente, Alycia. - Avisei, tentando me desviar da mulher que bloqueou novamente minha passagem.
- Desculpe, Demi. - Ela assoprou a respiração, olhando para o segurança que guardava o local que eu queria entrar. - Mas a ordem é não deixarmos você sair do prédio.
Respirei fundo e olhei ao redor. Cada par de olhos presente na recepção estavam colados em mim. Pressionei os dentes juntos e olhei de volta para a loira que engoliu em seco com os olhos azuis conflituosos. Me limitei a rolar os olhos e dar as costas para Alycia, caminhando até a área de alimentação do prédio.
O ambiente já estava vazio devido à hora. Três aparelhos televisores cercavam o local, exibindo a programação da emissora. Mesas redondas e metálicas com tampos laranjas se espalhavam de maneira que cada usuário tivesse espaço para suas refeições, pontos turísticos de todo o mundo estavam expostos em quadros pelas paredes e apenas um atendente tomava conta do balcão.
Caminhei até a máquina de café e tateei os bolsos da calça, procurando por uma mísera moeda. Suspirei e rolei os olhos de encontro ao atendente que já sorria com a rotina.
- Greg.. - Chamei o nome do rapaz que abriu a gaveta da máquina registradora e jogou uma pequena moeda para mim. - Obrigada.
Ele acenou com a cabeça e jogou o pano de prato por sobre o ombro, antes de cruzar os braços sobre o balcão.
- Marissa ligou pra cá. - Arqueei uma sobrancelha para o rapaz que falava enquanto a máquina preenchia meu copo térmico. - Pediu para você voltar, caso contrário, ela vem aqui chutar a sua bunda.
- Ela disse com essas palavras? - Peguei o copo e caminhei até a mesa mais próxima do balcão.
- Não. - Greg respondeu de forma simples. - Mas sou muito educado para falar o que ela falou.
Já havia se passado mais de meia hora, quando decidi voltar até o andar do Bom dia, Ohio. Harold realmente havia mandado cercar todo o prédio e seria impossível ir embora sem antes falar com ele. Tentei ao máximo me controlar, enquanto o elevador ia ganhando os andares. Marissa andava de um lado para o outro com os braços cruzados, e assim que me viu, me arrastou pelo braço até a sala do diretor.
- Demi, eu preciso que você colabore comigo. - Harold falou, atrás de sua mesa retangular. - Também não está sendo fácil para mim.
Com os braços cruzados, ouvi seu discurso de como eu era importante e de como ele precisava de mim naquela nova fase da programação. Seus argumentos sobre trabalho em equipe e reconhecimento, massageou meu ego, fazendo-me até mesmo cogitar a possibilidade de concordar com as supostas modificações.
Sai de sua sala mais calma e convencida a dar uma chance àquela nova etapa. Entretanto, quando cheguei na porta de meu camarim, tudo foi por água à baixo.
- Meu Deus. Isso aqui vai direto para o lixo.
- O que você está fazendo? - Perguntei, olhando Selena estudar peça por peça em uma das araras de roupa que existia por ali.
- Me livrando dos monstros do armário. - Ela respondeu sem me olhar, enquanto as duas assistentes paralisavam sob meu olhar descrente. - O que você tem contra alças? - Selena puxou um cabide, exibindo uma camisa social de mangas cumpridas na cor bege. - Quem comprou isso?
Fechei os olhos e respirei fundo, na vã tentativa de não explodir.
- Sai daqui. - Pedi com a voz controlada e abri os olhos, percebendo as duas assistentes saindo de meu camarim.
Selena me ignorou, jogando a blusa sobre uma pilha de roupa que se formava no chão.
- Você está, expressamente, proibida de usar blusa social. Com exceção, é claro, das brancas ou decotadas. - Apontou o indicador para mim, fazendo-me finalmente explodir.
- Sai! Daqui! - Gritei.
A mulher rolou os olhos e puxou outro cabide, fazendo-me andar em sua direção e puxar a peça de roupa de suas mãos.
- Quem você pensa que é? - Perguntei irritada. - Você não pode simplesmente entrar no meu camarim e fazer o que bem entender!
- Eu posso sim. - Ela riu, como se eu fosse uma criança birrenta. - Como sua produtora, tenho o direito de supervisionar o que é melhor para a sua imagem, e consequentemente para a imagem do programa.
Selena cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha em desafio, mantendo aquele maldito sorriso no canto dos lábios cobertos de gloss. Por um momento, o motivo do meu coração disparado e de minha respiração ofegante deixou de ser a exasperação e irritabilidade que sentia, porque era a primeira vez, naquele dia, que estava tão perto da mulher. Um cheiro doce invadia minhas narinas e eu tinha quase certeza que era de seu gloss. A pele de seu rosto era livre de toda e qualquer imperfeição. Ela já não usava mais a jaqueta de couro com a qual havia chegado, estava vestindo uma maldita regata branca que deixava o busto e braços livres, fazendo-me, inconscientemente, admirá-la, por mais que eu quisesse matá-la.
- Okay. - A voz de Marissa me fez despertar do transe e ofegar confusa. - Fico feliz que ainda não se mataram. - Minha amiga disse, pulando em nosso meio, como se para separar uma briga.
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