História Se Eu Ficar - A Guarda de Eel

– Provavelmente...

– Eu me chamo Keroshane, mas pode me chamar de Kero. Qual é o seu nome? Acho que não deve ser muito legal ser chamada de “humana” o tempo todo – disse ele, com um leve sorriso no rosto.

Keroshane era alto e magro, usava óculos e tinha cabelos castanhos. Passava um ar de pessoa inteligente e gentil, o que acabou me acalmando um pouco.

– Eu me chamo Cecília, mas todos me chamam de Ceci – disse, um pouco sem jeito. Keroshane era a primeira pessoa que estava sendo legal comigo naquele lugar, então era difícil saber como reagir.

– É um prazer conhecê-la, Ceci. Precisa de ajuda com alguma coisa?

– Bom... Se você puder me dizer que lugar é esse...

– O seu mundo chama isso aqui de “mundo das fadas”.

– Então... Isso aqui não é um sonho?

– Creio que não – ele riu.

– Mas ninguém aqui se parece com a Sininho ou com as amigas dela – eu disse, sem pensar em como soaria ridículo falar isso em voz alta.

– Peço desculpas por isso – disse ele, entre risadas. 

Sorri sem jeito e encarei os meus sapatos.

– Tudo bem, Ceci. O seu mundo tem noções diferentes sobre nós e não é culpa sua, na verdade somos gratos por eles terem essa visão e por pensarem que não passamos de uma piada. Isso facilita as coisas e evita muitos problemas, entende? – disse ele, e depois piscou divertido.

– Acho que eu entendo. Pode me falar mais sobre esse mundo, Kero? Se eu não estiver sendo muito curiosa...

– Ah, claro que posso. Agora você está no Q.G da Guarda de Eel, o lugar mais seguro do nosso mundo. Aqui existem algumas subdivisões, como a Guarda Reluzente, a Guarda da Sombra, a Guarda Absinto e a Guarda Obsidiana. A Guarda Reluzente é formada pelos líderes das outras três guardas, por mim, pelo Leiftan e pela Miiko, que é a líder. O líder da Guarda da Sombra é o Nevra, da Absinto é o Ezarel e da Obsidiana é o Valkyon. Cada guarda tem sua especialidade, mas estamos todos unidos pelo mesmo objetivo.

Eu não tinha conhecido os outros homens que o Kero falou, mas tinha conhecido Ezarel. Pensar que ele era o líder de uma guarda me deu muita vontade de rir, porque aquilo só podia ser uma piada. Os poucos minutos que passei ao seu lado me fizeram concluir que ele é um grande idiota e a tendência é piorar.

Deixei o garoto de cabelos azuis de lado e voltei a prestar atenção na explicação do Kero. Era tudo muito mais complexo do que eu poderia imaginar. Ao invés de ser um mundo lotado de fadinhas coloridas que jogam pó mágico nas pessoas e fazem elas voarem com isso, eles eram criaturas estranhas e fortes, que estavam organizadas como um verdadeiro exército.

– Vocês estão em guerra? – perguntei.

– Não exatamente.

– Então pra que tudo isso? – minha curiosidade era mais forte que eu,então antes mesmo que eu percebesse, já estava soltando as perguntas.

– É complicado, Ceci. Estamos passando por tempos difíceis, onde nem a comida é suficiente para todos. Tudo começou depois que alguém invadiu a sala do Grande Cristal e o quebrou, espalhando seus pedaços por diversos cantos do nosso mundo. O nosso maana está completamente desequilibrado e isso interfere em tudo, desde a passagem do tempo até o cultivo de alimentos. O nosso medo é que quem quebrou o Grande Cristal resolva voltar e quebrar o que sobrou...

– Vocês não sabem quem foi? – perguntei, mesmo que a resposta fosse óbvia.

– Não e esse acaba sendo o maior dos nossos problemas. Como podemos deter alguém que nem sabemos quem é?

Antes mesmo que eu pudesse pensar em alguma resposta, alguém bateu na porta e colocou a cabeça para dentro da sala.

– Entre, Nathaniel – disse Kero, antes mesmo da criatura falar alguma coisa.

Logo em seguida, um garoto entrou na sala. Ele tinha cabelos loiros e olhos amarelos, era alto e magro, vestia roupas azuis e tinha orelhas e rabo de gato.

– Essa é a Ceci, a humana que tanto falam no Q.G – disse Kero.

– Oi – disse, olhando para o garoto de orelhas de gato.

– O-oi – ele gaguejou e suas bochechas coraram logo em seguida.

– Nathaniel nunca viu uma humana antes – disse o homem com um chifre de unicórnio na testa.

– Humanos não aparecem com muita frequência por aqui? – perguntei, observando Nathaniel encarar os próprios pés de tanta vergonha.

– Na verdade, esse era um evento raro. Ao longo de nossa história, poucos humanos apareceram por aqui. Mas de uns anos pra cá, algo estranho vem acontecendo. Círculos de cogumelos estão aparecendo com muita frequência e estão trazendo muitos humanos pra cá, principalmente mulheres. A surpresa dessa vez foi que você foi a primeira a aparecer dentro do Q.G, já que todas as outras apareceram em algum canto da floresta – disse Kero, com uma cara pensativa.

– Vocês não sabem quem é que cria os círculos? Poderiam perguntar o motivo de tudo isso...

–Ninguém sabe. É como se eles se criassem so-sozinhos – Nathaniel resolveu se pronunciar, ainda encarando os próprios pés.

– O fato de eu não ter aparecido na floresta... Isso quer dizer alguma coisa? – perguntei, mesmo que estivesse com medo da resposta que poderia vir a seguir.