História Second Chance - Durante: Sentimentos

"I don’t know if I have a lot of thoughts or no thoughts at all"

Todo ato possui consequências.

Quando uma criança mal intencionada joga uma quantidade qualquer de água em um formigueiro, ela ou ele mata famílias inteiras de inocentes e trabalhadoras formigas, por mais inúteis que os seres aparentem ser. Um sorriso gentil em uma manhã nublada é capaz de provocar um calor agradável no peito de um ser humano e tornar o seu dia inexplicavelmente melhor, mesmo que o ato de separar os lábios e expôr os dentes seja considerado banal e ridículo para algumas pessoas.

A cruel verdade é que alguns seres humanos jamais conhecerão as consequências de seus atos, desde matar formigas até matar outro alguém. Somos incapazes de narrar com precisão os sentimentos dos outros – seja esse outro um amigo, parente ou amante.

Entretanto, durante aquela gélida madrugada de uma segunda-feira, Min Yoongi poderia chorar todas as dores que seu melhor amigo sentia. Observando o moreno bagunçar seus fios pela décima vez em três minutos, o futuro psicólogo visualizou perfeitamente as consequências do seu ato impensado.

Havia beijado Kim Taehyung. Beijara seu melhor amigo. O seu amado e precioso Taetae. Confundira a cabeça de quem mais amava ao saciar um desejo egoísta e unilateral.

A sensação de ter as mãos de Taehyung em sua nuca ainda provocava arrepios em seu corpo, os pelos quase inexistentes de seus braços pálidos ainda estavam em pé diante das lembranças dos lábios do melhor amigo movendo-se contra os seus. Fora o melhor beijo que já provara em toda a sua miserável vida e, entretanto, também fora o mais doloroso.

— Taehyung… — Chamou-o, o outro apenas o fitou. Estava com as bochechas vermelhas e os olhos inchados, afinal havia chorado quando Yoongi o ignorou e se trancou no quarto.

Lidar com as consequências daquele beijo necessitava uma força que o futuro psicólogo de pernas trêmulas não possuía naquele momento. A atitude infantil de ignorar Taehyung surgira em sua mente ainda no táxi e ele não conseguira resistir; simplesmente era impossível olhar nos olhos do melhor amigo naquele momento.

— Me desculpe, Tae. — Ele abaixou a cabeça, os fios negros cobrindo seus olhos. — Eu fui egoísta e nem te perguntei se você queria aquele beijo. A culpa de você estar confuso é totalmente minha, me desculpe, eu… Eu nunca quis te magoar, você é a pessoa mais importante do mundo, Taehyungie, para mim.

Taehyung, sentado no sofá e com os fios desarrumados, fechou os olhos e respirou fundo. Yoongi estava em pé diante dele, as expressões como de alguém que cometera o mais grave dos erros. Levantou-se após longos segundos de silêncio e segurou nos ombros de seu hyung, os sentimentos conflituosos escorrendo por seus olhos escuros.

— Hyung. — A voz de Taehyung nunca estivera tão grossa. Yoongi o fitava de volta, seu coração desacelerando conforme observava os mínimos detalhes dos olhos de quem mais amava no mundo, um calor já conhecido percorrendo suas pernas e subindo até alcançar seu coração. Os olhos do mais novo refletiam uma imensidão de sentimentos incompreendidos.

O clima frio aparentava ter se dissipado, os dois sentiam-se no deserto do Saara. Uma simples troca de olhares atraindo os sentimentos para fora dos dois homens, as mãos de Taehyung descendo lentamente pelos braços nus do outro, o calor da pele do seu amado obrigando Yoongi a fechar os olhos. Eles não entendiam o que estava acontecendo, porém definitivamente algo estava acontecendo. As mãos se uniram e o baixinho abriu os olhos novamente.

— Taehyung.

— Eu preciso saber o porquê. — Os olhos de Taehyung nunca estiveram tão abertos, fixos nos olhos pequenos do seu hyung. — Preciso entender… — Ele sussurrou, fitando todo o rosto bonito do melhor amigo e sentindo o peito explodir lentamente.

— Você é uma pessoa inteligente. — Ele se aproximava de Taehyung, a diferença de altura tornando a situação ainda mais intensa, a cabeça do Min alcançava exatamente o queixo do Kim, assim o mais novo era obrigado a olhar para baixo para capturar o olhar de Yoongi. — Sabe o porquê.

Não existiam acidentes na mente de Kim Taehyung quando os lábios quentes de Yoongi tocaram os seus, as memórias de uma declaração falha ficando cada vez mais distantes conforme as mãos do baixinho percorriam as suas costas, a morte do melhor amigo sumindo de seu cérebro enquanto as línguas se encontravam.

Beijar Taehyung havia se tornado a atividade favorita de Yoongi. Conseguir transparecer e oferecer todo aquele universo de sentimentos era aliviante, finalmente demonstrar como realmente o amava era como beber água após muitos meses passando sede, cicatrizar uma ferida aberta a anos. Ele sentia o coração explodindo no peito, seu cérebro não raciocinava e todas as células do seu corpo estavam em ebulição, tamanha a felicidade que percorria os seus membros.

Ele definitivamente amava seu Taehyungie.

— Eu também. — Taehyung dissera, quando os lábios se separaram pela terceira vez. Yoongi uniu as sobrancelhas, seus olhos vívidos piscando algumas vezes. — Eu também. — Ele não conseguira terminar, suas memórias o impedindo de se pela segunda vez para o seu hyung.

A verdade era que, em um outro universo, Taehyung havia acordado Yoongi para uma conversa. Declarar-se fora a coisa mais difícil que ele fizera, porém o outro lhe dera uma resposta fria e desajeitada, o sono dominando-o em seguida.

Taehyung chorara durante horas, incapaz de saber que, para o Min, tudo não havia passado de uma brincadeira, uma maneira do melhor amigo se vingar por perder para ele no videogame. Ele não acreditara nas palavras do seu precioso Taetae e essa descrença havia iniciado a briga que o distraiu suficientemente para que ele não visse o caminhão vindo em sua direção.

Resumidamente, a confissão de Taehyung provocou uma enorme e caótica bola de neve que terminara na morte de Min Yoongi.

Todo ato possui consequências.

É incrível como as mínimas atitudes podem desencadear portas e decidirem finais que dividem opiniões. A morte de Yoongi certamente fora um final inacreditável se analisarmos as cenas que se desenrolaram antes do ato em si, as palavras carregadas de sentimentos magoados que saltaram da boca de Taehyung acabaram ironicamente se realizando e, no fim, o outro realmente morrera.

O destino não perdoa ninguém. Ele simplesmente faz acontecer o que for para acontecer. Somos as principais vítimas de nossas escolhas, formamos nossa vida com consequências de cada ação que realizamos.

Yoongi finalmente sabia como o seu dongsaeng se sentia; ele não havia dito com todas as letras, porém era o suficiente para acalmar o coração aflito do baixinho. Seu amor unilateral, o primeiro romance de sua vida, aquela paixão destruidora que tornava sua vida uma montanha-russa de sensações inebriantes era correspondido, ele não sofrera durante todos esses anos em vão.

Taehyung e Yoongi, após anos, se encontravam na mesma página.

— ☽  —

A manhã fria de uma segunda-feira provocava em Kim Seokjin uma indisposição impressionante. O loiro adentrava a cafeteria com olhos semicerrados e uma expressão de visível cansaço, os ombros caídos mal sustentando o peso que os braços finos carregavam.

Aquela era a última semana de aulas. Sua última prova seria realizada naquele mesmo dia e ele sentia-se morrer de dentro para fora. A causa da morte? Sono. Havia passado a madrugada em claro, estudou até aparecer pequenos calos nos dedos e o cansaço o vencer, acordara às seis da manhã com o rosto colado em dois livros e a marca da lapiseira na bochecha esquerda — que, por sinal, fora muito difícil de apagar.

Sentou-se na mesa que costumava dividir com os amigos e bebericou um copo com muito café e açúcar. Respirou fundo e deixou a mente divagar, seus pensamentos adormecidos e silenciosos. Anteriormente seu cérebro o lembrava a todo momento que precisava conversar com Namjoon, porém os intensos estudos o distraíram e o fizeram esquecer da existência daquele problema, então, ao ver o homem caminhar em sua direção, sentiu o familiar desespero consumir seus membros e o acordar mais rápido do que qualquer energético faria.

— Bom dia Jin hyung. — Namjoon fizera uma rápida reverência, sentando-se a duas cadeiras de distância do ex namorado. — Não dormiu de novo?

— Era uma véspera de prova. — Explicou, um riso cansado escapando por seus lábios.

Jin era a pessoa mais ansiosa e esforçada que Namjoon conhecera na vida. Lembrava-se das noites que percorria com o namorado em chamadas de Skype durante o ensino médio, assistiam a video aulas e debatiam sobre matérias que, muitas vezes, sequer pertenciam às suas determinadas séries. Seokjin sempre fora extremamente dedicado aos seus estudos, de uma maneira que o preocupava.

— A sua saúde é mais importante, hyung. — Namjoon percorreu a mesa até encontrar a mão do outro. Jin sentia o coração acelerando dentro do peito, reação natural ao toque já conhecido do ex namorado. — Não se sobrecarregue, tudo bem? — Ele olhava em seus olhos, a sinceridade contida naquele pedido sensibilizando-o.

Após aquela prova haveria as correções e, no final da semana, o resultado final. Os muitos anos de estudo intenso de Jin seriam recompensados? Ele sentia-se inseguro, seu maior medo era ter se dedicado tanto – afinal perdera inúmeras coisas e pessoas ao decidir existir apenas para os estudos – e no fim não se formar no curso que tanto amava.

Era um medo que todos possuíam, obviamente.

— Precisamos conversar. — Ele não poderia adiar aquela conversa, não mais.

— Não. — Namjoon recolheu sua mão, rapidamente escondendo-a dentro do bolso do casaco. Jin uniu as sobrancelhas, o coração se partindo com a possibilidade do homem não o amar mais, ter desistido dele e se apaixonado por outro alguém, outra pessoa que pudesse amá-lo com a mesma intensidade e dedicação.

Jin era obsessivo e extremamente perfeccionista quando o assunto era os seus estudos. Ele não se lembrava de ter se esforçado em nenhum outro campo de sua vida; fora desleixado com os pais, um péssimo amigo e, consequentemente, um namorado frio e distante. Nunca possuía tempo para ver Namjoon e, por mais que o homem dissesse o compreender, sabia que aquela distância ainda faria o Kim desistir dele.

Ainda assim, era a sua vida, o seu futuro. Jamais iria se desviar de seus objetivos.

— Namj-

— Sua formatura primeiro. — Ele desviou os olhos, fitando a entrada da cafeteria. — Uma coisa de cada vez, no momento se preocupe apenas com a formatura, tudo bem? — Namjoon evitava olhar para Jin, temendo começar a tremer ao ter o homem que tanto amava em seu campo de visão. — Eu posso esperar.

Observando o tímido sorriso nos lábios vermelhos de Namjoon, Seokjin percebera que não havia cometido tantos erros quanto imaginava. Ele havia definitivamente acertado com aquele homem e, naquela manhã fria de uma segunda-feira, não poderia se sentir mais feliz.

— ☽  —

A paz que preenchia o silêncio entre eles era satisfatória para Min Yoongi. Dividindo um lámen e também fones de ouvidos, onde uma coleção de músicas do cantor canadense Shawn Mendes eram sussurradas em um volume bem baixo, ele e Taehyung divagavam sobre assuntos diferentes, cada um preso dentro dos seus próprios mundos e pensamentos.

Kim Taehyung sentia-se prestes a explodir. Lembrava-se claramente de quando descobrira seus reais sentimentos por Yoongi, em um outro universo, quando o amigo se fora. Ele decidira contar para o baixinho no mesmo instante, a liberdade que eles possuíam tornando possível que conversassem sobre qualquer assunto – inclusive sobre seus sentimentos mais secretos. Confiando nesse elo que compartilhava com o melhor amigo, se declarou e recebera uma negação dolorosa.

Se Yoongi não o amava no outro mundo – bom, não da mesma forma -, como era possível ter se apaixonado por ele? O que havia mudado? Ele havia voltado no tempo ou milagrosamente viajara para uma realidade alternativa onde o Min se tornara uma pessoa totalmente diferente? Fitando-o pelo canto dos olhos não conseguia encontrar diferenças que o tornasse uma espécie bizarra de impostor, então encontrou-se novamente em uma situação sem explicações.

Sua cabeça estava confusa, teorias viajavam e colidiam uma contra a outra em uma explosão de pensamentos descontrolados. Yoongi o amava exatamente da mesma forma, ele não precisaria esconder e, consequentemente, a briga do carro jamais existiria. Taehyung piscou algumas vezes, os olhos perdidos e a boca entreaberta ao perceber que havia chegado em um ponto extremamente decisivo e importante: a viagem não seria um desastre, afinal o que havia levado seu melhor amigo para longe fora justamente a maldita discussão.

Como Yoongi não o rejeitou e aparentava estar feliz e apaixonado na mesma intensidade que ele, não haveriam motivos para que Taehyung ficasse magoado com o baixinho e, finalmente, a briga jamais aconteceria.

Estava seguro. Min Yoongi não morreria.

Ele havia conseguido.

Salvara a vida de Yoongi.

O sorriso que iluminava sua expressão fora o suficiente para atrair a atenção do homem ao seu lado. Um confuso Yoongi o fitava, as sobrancelhas bem unidas a boca pronta para questionar.

— Estou ansioso para viajar Yoonie. — Ele direcionou o bonito sorriso para o amigo, recebendo um assentir e um sorriso tímido do mesmo.

— Você me assusta as vezes, Tae.

Taehyung gargalhara, sentia como se houvessem retirado o peso de um mundo inteiro de seus ombros. Estava feliz pela primeira vez em semanas e sua alegria contagiara Yoongi rapidamente – afinal quem poderia negar que o baixinho era completamente apaixonado por seu dongsaeng e tudo que se referia a ele?

O sorriso de Kim Taehyung era capaz de salvar a vida de Min Yoongi.

Infelizmente, não literalmente.

"Am I someone who engraved, like the rain,
my existence to you?
If not, am I just someone
who came and went like a rain shower?"