A argentina observou todos os ingredientes que havia comprado,por uma parte,ficou um tanto preocupada em cozinhar para seus amigos.Há tempos que ela não se dedicava integralmente à cozinha,sua agenda era marcada por compromissos ao redor do mundo,e a educação da sua filha de apenas 4 anos ocupava boa parte do horário vago.
Retirou-os lentamente da sacola,pousou os mesmos sobre o balcão,ficou a encarar toda aquela imensidão de proteínas e por alguns minutos,pensou em chamar sua cozinheira para ajudá-la naquele processo.Mas ela precisava retornar ao seu ponto de equilíbrio.A gastronomia sempre foi sua paixão,desde que seus pais faleceram,ela fugia da realidade no meio daquelas receitas,muitas vezes desconhecidas. Encontrava em cada prato,o abismo da tentativa de ser feliz novamente.Cortou todos os legumes,deixando-os descansar sobre a tábua de madeira.
Caminhou até o sofá,recostou seu corpo sobre o estofado cinza,suspirou fundo apreciando o silêncio que o ambiente se encontrava,porém,toda aquela tranqüilidade durou poucos minutos.Em questão de segundos,a campainha tocou insistentemente,podia escutar pulos curtos firmando no chão do corredor,deduziu ser a sua pequena brasileira.
-Mamá ! –a loirinha falou empolgada,entrou saltitando para dentro do apartamento- Por qué não foi me deixar en la escuela ? –franziu o cenho,olhando para cima tentando ver sua mãe num ângulo que coubesse em sua visão-
-Acabei adormecendo –pegou-a no colo-Me fui a la cama demasiado tarde –sorriu-
-Fran,já contou para sua mãe o que você fez hoje na escolinha ? –Lindalva,sua babá,surgiu segurando a bolsa de carrinho da garota-
-Olha o que eu fiz ! –gritou entusiasmada,retirando uma folha de ofício de dentro da sua bolsa-
O papel já estava totalmente amassado,alguns rasgões e marcas de dedos enfeitavam a borda inferior.Com giz de cera e canetinhas coloridas,a loirinha havia desenhando uma borboleta ‘’gigante’’,bastante colorida e feita aparentemente,com certa rapidez.
-Qué lindo mi amor –sorriu sincero- Vou a guardar para mi,yo puedo ? –indagou,mesmo sabendo a resposta-
-Sí –sorriu brevemente-Mamá,tengo fome ! –sentou no sofá,tentando desamarrar o cadarço do tênis-
- Qué hay de ir a la ducha primero ? Algunos de mis amigos irão vir jantar conosco –olhou para baixo tentando ver a silhueta infantil que repousava no sofá-
-Estoy cansada –deu os ombrinhos e fez bico- No puedo tomar una ducha mañana? –cruzou os braços-
-Olha só para você Fran –a argentina gargalhou ao encarar a farda completamente suja- Parece que veio de la guerra –balançou a cabeça- Vamos,a Lindalva irá te ajudar –sorriu-
-Vem Francesca –a babá sorriu pegando a garota no colo-
-Lindalva,assim que terminar,pueder ir –entregou uma certa quantia de dinheiro para a mulher-
Encarou as duas sumindo corredor à fora,de longe,podia-se ouvir as gargalhadas e alguns brinquedos emitindo sons agudos ao serem apertados.Voltou o seu olhar para a bancada,pensou rapidamente no que poderia fazer com tantos ingredientes.Antes de começar à cozinhar,foi até o seu quarto,depositando sua roupa no cesto e tomando um banho demorado.Ao sair,vestiu seu dólmã,prendeu o cabelo num coque desgrenhando,colocando em seguida um lenço .Passou em frente ao quarto de Francesca,ao observar a garota brincando de boneca,deduziu que a babá já teria ido embora.Recostou-se sobre a pia,em poucos minutos,fez um raviolli,provou assim que terminou e admitiu para si mesma o quão bom estava aquele prato.
Escutou algumas batidas na porta,engoliu seco,Paola nunca gostou de receber muitas pessoas em sua casa,preferia ficar à sós com seus discos de vinil e a companhia da sua filha.Girou a maçaneta vagarosamente,logo observou que todas as pessoas que ela esperava,estavam ali.Formou-se uma pequena fila e aos poucos,os cozinheiros foram entrando.No meio de tantos apertos de mãos,e sorrisos simpáticos,um deles quebrou a formalidade.
-Paola,trouxe um amigo meu.Está começando a adentrar no ramo culinário –Fernando,chef e amigo da argentina,puxou o homem que estava atrás dele- Esse é Henrique.Henrique Fogaça –corrigiu breve-
-Prazer...-antes que pudesse pronunciar o nome da argentina,Henrique pausou sua fala-
Lá estavam eles.Os olhares trocados pela tarde,estavam a se encontrar novamente.Carosella encarou-o por minutos,admirou-se interiormente ao ver tantas tatuagens,porém,logo uma voz da cozinha tiraram-nos do transe.
-Vocês se conhecem ? –um dos 3 chefes indagou-
-No,é um prazer te conhecer,Henrique Fogaça –engoliu seco ao relembrar do esbarrão-
-Só Fogaça,por favor.O prazer é todo meu,Paola Carosella –enfatizou o sobrenome assim como ela havia feito anteriormente-
Ela não o corrigiu.Fechou a porta vagarosamente,ao sentir o perfume dele pairar sobre o ar,tivera a certeza de que era o mesmo cheiro que vinha da sacola que os mesmos haviam derrubado.Todos os convidados sentaram-se no sofá,bebericavam um vinho do porto e conversavam sobre assuntos gastronômicos,algumas risadas eram ecoadas.Por sua vez,Carosella encontrava-se montando os pratos,em alguns minutos,olhava para trás,mas logo desviava ao ter o olhar ao encontro de Fogaça.Estava preparando o último prato,pegou algumas ervas,ao virar-se para trás,derrubou todas no chão,sentiu seu corpo impactando-se com outro.
-De novo ? –o tatuado riu pegando todas as ervas do chão-
- La culpa no fue minha.Não sabe lo que está haciendo aqui –a cozinheira revirou os olhos-
-‘’Aqui’’ na sua casa,ou ‘’aqui na sua cozinha ? –semicerrou os olhos,admirando-se da imensidão castanha dos olhos argentinos-
-Los dos –suspirou profundamente-
-Olha,eu também não sei –respondeu sincero- O Fernando me convidou e não tive como negar.Vim oferecer ajuda,mas,se for incomodo,posso me retirar –olhou para sala,aonde todos conversavam freneticamente-
-No,fique... Quiero ver si tiene potencial –desafiou-o arqueando a sobrancelha- Faça a montagem deste último prato –pousou as mãos sobre o balcão,apoiando seu corpo sobre o granito-
-Sim chef –afirmou rindo baixo-
Em poucos segundos,o prato estava montado.Admiravelmente com a mesma sequência dos pratos anteriores.Paola observou atenta,tentou procurar defeitos,porém,contra sua vontade,não viu nenhum.Henrique encarava-a apreensivo,mordía o lábio inferior com certo receio,ao ver o movimento,Carosella sentiu um arrepio corroer sua nuca.
-Odeio admitir isto –sorriu irónica- Mas, es perfecto -voltou seu olhar para Fogaça-
-Obrigado –acariciou suas próprias mãos- Sempre gostei muito de…-pausou sua fala ao ser interrompido-
-Mamá –a loirinha correu até a mãe,abraçando as pernas da mesma- Tengo fome –sussurrou baixinho ao olhar para os lados e ver tanta gente na sala-
- Sí , vamos a comer –pegou-a no colo,sentindo seu pescoço ser entrelaçado pelas pequenas mãos-
-Não sabia que tinha filha...-Henrique encarou as duas,sorriu involuntariamente ao ver o quão parecidas eram- Ela é a sua cara –admirou-se-
-Todo el mundo fala isso –Francesca rapidamente pôs a mão na testa,como sinal de cansaço-
-É mesmo ? –o tatuado fingiu estar admirado-
- Sí , todo el tiempo ! –suspirou fundo-Mi nombre es Francesca –a pequena balbuciou com um tom carismático-
-O meu nome é Fogaça –sorriu com tamanha sabedoria- Olha Francesca ...
-Fran,por favor –corrigiu-
-Fran –pigarreou o tatuado disfarçando o riso- Se eu fosse você,ficaria muito feliz quando te comparassem com a sua mãe,você já viu o quanto ela é bonita ? –falou empolgado com a menina,mas logo diminuiu a empolgação ao dar-se conta do que havia dito-
Paola arqueou a sobrancelha,deixou um riso escapar dentre os lábios,percebeu a sintonia que os dois haviam interligado,desviou o olhar por um momento ao lembrar-se do pai da sua filha e o quão ausente ele era.’’A maternidade assusta’’,murmurava toda vez que alguém indagava sobre a figura paterna.Lá no fundo,a argentina temia o momento em que a ausência do pai começasse a pesar na vida da pequena.
Logo retornou à realidade,ao ver Francesca entregar-se por completo no colo do tatuado.Os dois entreolharam-se mais uma vez,Carosella sorriu ao ser encarada por aquele abismo, imensidão que enfeitava o olhar daquele homem,era preta,assim como seus olhos.Mal sabia Fogaça,que preto era a cor favorita da argentina
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.