História Seele - 1 - Eu gosto das coisas complicadas

"Onde está seu martelo? Seu júri?
Qual é o meu crime dessa vez?"

(Ignorance - Paramore)

Estava achando aquele curso rápido de conversação em japonês um tédio. Já sabia um pouco do idioma, para que ele teria que ficar ali? Foi então que Victor se lembrou que só estava nesse maldito curso por imposição de Yakov. Desde que foi afastado da novela na qual atuava há três meses atrás, sua vida virou a mais pura chatice, na opinião dele. Ainda se encontrava com Eva, mas sentia que sua relação com ela estava indo para o buraco. Sabia que a ruiva só estava com ele por causa do status, mas o prateado nem ligava. Afinal, dela só queria mesmo sexo e nada mais. E ainda tinha Yuri. O menino não saía mais da sua cola, parecendo um cão de guarda. Aquilo lhe deixava bastante irritado, mas o que podia fazer contra o neto da amada falecida de seu agente? 

Pretendia dormir na aula... se não fosse o loiro atirando bolinhas de papel em sua cabeça. Yuri também estava no tal curso e sempre se sentava ao lado de Victor.

- Devo ter mijado na cruz pra ter que aguentar isso... pequeno tovarish, já estou prestando atenção agora na aula. Não precisa mais fazer isso. - forçou um sorriso e voltou a prestar atenção no que o professor do curso ensinava.

- Acho bom. Não quero ter que afundar minha carreira por sua causa. - o rancor pela perda da audiência de sua novela de estreia ainda estava vísivel no olhar de Yuri.

E como em um flashback torturante, Victor se lembrou de quando o menino e aquele velho rabugento invadiram seu apartamento. Antes que tivesse tempo para argumentar alguma coisa, o homem disparou de uma vez que havia um drama japonês em fase de produção final e que estavam precisando de dois atores russos para o cast. Yakov disse que indicou ele e seu neto postiço. E alertou que aquela poderia ser a chance de poder recuperar a carreira que estava por um fio, já que os escândalos se sobressaíam ao talento do prateado. 

"Essa é a sua última chance. Se eu souber que você aprontou alguma coisa no Japão, eu vou te perseguir até no inferno. Minha paciência se esgotou contigo, Nikiforov. Até onde você quer chegar, com todos esses escândalos? Eu não irei lhe resgatar do fundo do poço, entendeu? Não quero nenhuma objeção quanto a esse papel no Japão. Você e o Yuri estão matriculados em um curso rápido de conversação em japonês. Sei que é fluente nesse idioma, mas vai ter que ir nas aulas. É um jeito que arranjei para que a mídia não esteja em cima. Era só isso que eu tinha a dizer. Adeus, Victor. Só lhe verei agora em maio, quando o curso acabar e você ir embora."

Imaginou mais uma vez como seria esganar Yakov e fazer com que aquele velho parasse de lhe perseguir. Só que até lá, teria que dançar conforme a música. Desistiu de formular um plano contra ele ao lembrar que ainda tinha um cão de guarda adolescente chamado Yuri Plisetsky em seu encalço e aquele moleque era pior que a KGB inteira. Deu graças a Deus por aquela aula terminar. Saiu antes que o menor percebesse, já que ele estava distraído conversando com algumas pessoas. Foi até o Gorky Park*, somente com o intuito de tomar um pouco de ar fresco. Ficou aliviado ao chegar 20 minutos antes do pôr-do-sol, pois olhar tal fenômeno nas margens calmas do Moskva* o acalmava. E enquanto via o sol desaparecer por trás do Kremilin, começou a cantarolar uma desconhecida cantiga alemã, que ele nem sabia da existência.

Auf der Mauer, auf der Lauer
Sitzt'ne kleiner WANZE.
Auf der Mauer, auf der Lauer
Sitzt'ne kleiner WANZE.

Seht euch mal die WANZEN  an
Wie die WANZE TANZE kann.
Auf der Mauer, auf der Lauer
Sitzt ein kleiner WANZE...
  
Seht euch mal die WANZEN  an
Wie die WANZE LACHE kann.
Auf der Mauer, auf der Lauer
Sitzt ein kleiner WANZE...

- Monika... lembra quando sua mãe cantava isso quando tentava lhe ninar?

Foi o que saiu da boca do jovem após ter cantado aquilo. Como se lembrava dessa cantiga, se nem alemão sabia direito?

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"Quando algo estiver errado
Você se anima até os ossos"

(Right As Rain - Adele)

Estranhou que estivesse chovendo naquele dia. Por ser o mês de maio e ainda no auge da primavera, costumava ser quente em Tóquio. Queria dormir mais um pouco, afinal era o seu dia de folga. Mas se lembrou de que tinha que cuidar de um colega de apartamento doente de... ressaca. Yuri Katsuki já tinha reservado sua preciosa manhã para passá-la em Akihabara, comprando mais figure actions de Saint Seiya para a sua coleção. Porém, não contava com um Phichit Chulanont que tinha exagerado na bebida. Motivo? O rapaz com quem o tailândes estava saindo, um tal de Lee Seung Gil, que era um idol coreano bastante conhecido no Japão, havia lhe dado um fora. E que agora, estava com uma puta ressaca, que lhe deixava de cama o dia inteiro. O japonês pensou em deixar Phichit sofrendo sozinho, mas como o bom amigo que era, resolveu sacrificar aquela manhã. Levava consigo uma sopa de missoshiro, porque aquilo ajudava a curar bebedeiras. Ao entrar no quarto do mais novo, o vira chorando enquanto segurava o celular. Depositou a tigela com o líquido quente no criado-mudo. 

- Ele... ele postou uma foto com uma mulher e... - antes que terminasse de falar, o menor teve seu celular tomado por Yuri. O mais velho viu uma foto de Seung Gil beijando uma garota, provavelmente alguma idol.

- E você vai parar de chorar por quem não te merece. Phichit-kun... nem um namoro de verdade vocês tinham. Não fica assim desse jeito... - o mais alto não queria admitir que não gostava muito do coreano. Nunca iria esquecer do dia em que Seung Gil o chamara de japonês assassino e que ele pagaria pelo o que seus ancestrais fizeram com a Coreia. A guerra já havia passado há mais de 70 anos e os coreanos ainda nutriam ódio pelos nipônicos. 

- E o que eu posso fazer...? Yuri, ele era tão carinhoso comigo... 

- O que você vai fazer é tomar essa sopa. Já me basta o trabalho que deu ter que fazer você tomar banho. Depois eu venho verificar se você está melhor. Esquece esse cara e lembre que você ainda tem que fazer a preparação do seu personagem, Phichit-kun. - Phichit era ator e estava se preparando para um papel no mais novo drama que estrearia em meados de agosto. - Não deixe que uma decepção amorosa estrague o seu trabalho. 

Saiu do quarto do tailandês e já que a manhã de compras em Akihabara foi por água abaixo, iria assistir algo na TV. Esperava que Phichit ficasse melhor logo, porque poderia aproveitar o horário da tarde para comprar seus amados cavaleiros em miniatura. Resolveu que veria Sazae-san. Dessa vez, não teria o amigo lhe fazendo companhia. O rapaz amava ver Sazae-san e foi esse o motivo pelo qual saiu de seu país. Depois passaria no quarto dele para ver se a dor de coração partido cessou. Agradeceu aos céus por não ter namorado.

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"Nós temos algumas regras a seguir
Isso e aquilo, estes e aqueles"

(No One Knows - Queens of the Stone Age)

Aeroporto Internacional de Sheremetyevo

"Atenção senhores passageiros para a primeira chamada do voo SU026, com destino a Tóquio, embarque no Terminal D."

 Estava se livrando de Yakov por um breve período de tempo. Era final de maio e estava com o pequeno tovarish Plisetsky indo para Tóquio, onde a sua carreira seria salva. Sentia-se um pouco nervoso. Aquela não era a primeira vez que fazia um drama no Japão. No outro que fizera, conseguiu arrebatar público e audiência. Mas seus sucessivos escândalos fizeram sua imagem no país do Sol Nascente declinar um pouco. Ainda mataria Yakov por ter lhe colocado em classe econômica. Odiava viajar desse jeito porque suas pernas ficavam apertadas no pouco espaço entre um assento e outro. E odiava ainda mais ter que viajar pela Aeroflot, cujos atrasos já o fizeram perder a paciência uma vez em Sheremetyevo. Preferia ter pego em Domodedovo, mas o rabugento do seu agente não permitiu. Agora, teria que aguentar 9 horas e 20 minutos de voo em tudo o que mais detestava: a Aeroflot e sua classe econômica. 

Passou a maior parte do voo dormindo, só para não ter que aguentar Yuri o tempo todo. Mas não quis admitir que o adolescente ficava uma gracinha quando dormia. E naquele cochilo dentro do avião, havia sido a primeira vez que não sonhara com os tais Johann e Monika. Não sabia se era efeito da viagem ou porque sua mente estava cheia de preocupações, que não lhe permitiam ter sonhos com o jovem casal alemão da Segunda Guerra Mundial. Enquanto o loirinho dormia, resolveu assistir a um filme. Rezava para que o sistema de entretenimento daquela aeronave pelo menos prestasse.

"E se você se sentir
Um pouco deixado para trás
Nós vamos esperar você do outro lado" 

(Banquet - Bloc Party)