História Seele - 2 - Olhe para as luzes de Harajuku brilhando em cima de você

"Mesmo se você tentar alcançar meu coração,
Tão perdido que ele está, não lhe dará atenção."

(Bad Apple - Hatsune Miku)

Takeshita dori - Harajuku

Carregava duas sacolas cheias das mais variadas versões da Hello Kitty. Nunca imaginou que o amor de Yuri por tudo que tivesse um gato no meio chegaria a esse ponto... de querer adquirir uma coisa tão sem graça quanto aquilo. Era julho e já haviam começado há três semanas atrás as gravações do tal drama que poderia salvar a sua carreira. Claro que Victor não pediu por nada daquilo, mas esse era o preço que estava pagando por querer dar uma de irresponsável. Refletia consigo mesmo quando foi que as coisas em sua vida começaram a dar errado. Não adiantava dar uma de arrependido naquele momento. Todos os escândalos que cometeu não seriam coisa do passado que o prateado poderia esquecer porque faziam questão de lembrar sempre que cometia alguma mancada, principalmente se algum escândalo seu fosse semelhante a um anterior ou pudesse ser comparado com outro de mesma natureza, ainda que o dano fosse menor.

Saiu de seus devaneios quando ouviu a voz de Yuri lhe chamando. Viu o menino em frente a uma máquina de fotos, algo comum naquele pedaço de Tóquio onde se encontravam. A curiosidade do loiro era algo divertido de se observar, já que foi assim como ele quando tinha 15 anos. Não se conteve e acabara sorrindo, um gesto que para ele não estava sendo tão comum como antigamente foi. Quando ele era apenas Victor Nikiforov, um cara comum que não tinha câmeras apontadas em seu rosto apenas para garantir o melhor ângulo ou um bom clique. Um anônimo que foi achado por acaso nas ruas de São Petersburgo e que por um acaso do destino ou uma puta sorte, se tornou um dos rostos mais conhecidos e admirados de toda a Federação Russa.

- Gostaria de tirar algumas fotos, pequeno tovarish? - dissera, já entrando na máquina. - Venha. Você vai se divertir.

- T-tudo bem se eu tirar fotos com você? É que... não sei se as pessoas falariam de mim por estar contigo. Isso é... se já não estiverem falando. - sentiu as mãos de Victor lhe puxando. - Hey, тупица*!!! O que pensa que tá fazendo?

- Não liga pra opinião alheia. Aproveita que estamos longe da Rússia. Longe daquilo que nos atormenta. Quer escolher a decoração das nossas fotos? - sussurrou no ouvido do adolescente. Constrangido, Yuri escolheu o que pôr nas fotografias e logo em seguida, tiraram as benditas fotos, para o alívio do russo mais novo. 

Continuaram a andar por Harajuku, ainda carregando aquelas sacolas do menor. Pensou em comprar algo para si, mas achou que seria desperdício. Aquele bairro era um lugar para pessoas com a idade de Yuri Plisetsky, não para um homem com a carreira que estava quase no fundo do poço. Estava ali apenas para acompanhar aquele garoto nas folgas das gravações do tal drama, nada mais. Queria mesmo era que tudo isso terminasse e ele pudesse voltar para a sua amada Rússia. Se tivesse outra mentalidade, jamais teria tido a ideia de se rebelar e ter feito o que fez. 

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"Me pergunto como a vida seria mais fácil se eu me esquecesse desses tempos"

(Mind Brand - Hatsune Miku)

Naquele dia estava trabalhando com afinco, somente para esquecer do aborrecimento que seu colega de apartamento lhe fez passar. Tudo bem que um pouco mais de dinheiro não faria mal algum, mas colocar a moradia deles no AirBNB era demais. Yuri não iria aceitar nenhum estranho no quarto de hóspedes, onde ele guardava o seu maior tesouro: sua coleção de action figures, mangás, revistas e outros produtos relacionados a Saint Seiya. Teve uma discussão com Phichit sobre ele ter feito isso sem lhe consultar. E saiu do apartamento chateado, a ponto de nem se alimentar. Seu mau humor estava evidente. Nem mesmo seus colegas conseguiram acalmar um pouco Yuri Katsuki. A redação inteira da ViVi sabia o quanto o rapaz era instável e temperamental, sendo que uma vez viram ele quase perder a linha com um modelo a quem fotografaria no estúdio da revista. Yuri só não foi mandado para o olho da rua porque Takeshi Nishigori, chefe da redação e CEO da ViVi, era seu amigo de infância e colocou a amizade acima da quase falta de profissionalidade do moço.

Somente no horário da tarde, quando mandaram ele ir para Harajuku fazer um ensaio fotográfico de Riku Hasegawa, a rookie idol do momento, o moreno se acalmou um pouco. Iria apenas terminar aquilo e voltar para o seu apartamento. Falaria novamente com Phichit sobre a questão do AirBNB e fazer o tailandês mudar de ideia. Porém, o pouco humor que ainda lhe restava começou a se dissipar por causa das perguntas insistentes que a moça lhe fazia durante o ensaio, principalmente sobre as marcas visíveis em seu pulso esquerdo e no pescoço. Ele odiava quando as pessoas lhe perguntavam sobre tais marcas, como se ele fosse um bicho sendo exposto no zoológico ou um produto defeituoso em uma vitrine qualquer.

- Mais uma vez, Riku-san... eu nasci com essas marcas. Não foi nada de acidente ou reação alérgica permanente. Não gosto muito quando me perguntam sobre isso... - apertava a câmera entre suas mãos, para não demonstrar que estava irritado. Pensou em um momento que o restante do seu dia estava totalmente uma droga.

- Gomenasai! Eu... não sabia. Perdoe-me se eu fui indiscreta... - a loira cora, o que desarma Yuri por um instante. O moreno respira fundo antes de voltar a falar.

- Tudo bem, tudo bem... eu é que devia me desculpar por ter soado um pouco rude. Vamos continuar com o seu ensaio, sim? Ainda quero aproveitar essa luz da tarde aqui em Harajuku. Retome aquela pose de antes, ok? - e voltou a fotografar. Naquele momento, o timing estava perfeito. A iluminação natural ajudava a realçar um pouco mais o exótico figurino que a idol usava para o ensaio na ainda mais exótica Harajuku, o paraíso da moda de rua em Tóquio. 

Yuri às vezes não entendia como pessoas do tipo de Riku se devotavam a um estilo que na opinião dele, era algo passageiro. Mas ele não podia julgar alguém por seu gosto peculiar. Afinal, era fotografando idols, modelos e qualquer pessoa famosa do cenário pop japonês, que a revista onde trabalhava se mantinha. Por mais adverso que fosse a esse mundo, não podia reclamar de nada. Aquilo era quem garantia o seu sustento e a ajuda que dava a sua família, que ainda morava no interior.

Após terminarem a sessão de fotos, Riku decide convidar Yuri para comer. O fotógrafo protesta, mas o seu estômago roncando alto lhe denuncia. Não tinha colocado um pedaço sequer de comida na boca devido ao mau humor provocado pela atitude impensada de Phichit. Enquanto seguiam em direção a um restaurante na saída de Harajuku, já próximo a Omotesando, ambos ouviram duas vozes estranhas atrás deles. O rapaz não deixou de notar os risinhos de Riku, que achava engraçada a entonação na fala das duas pessoas que falavam naquela língua esquisita. 

- Я устал ходить, серьезно** (Eu estou cansado de andar, é sério). - a primeira voz dizia.

- Я не помню спросил ваше мнение, Виктор*** (Não me lembro de ter pedido sua opinião, Victor)! - a segunda voz parecia um pouco mais raivosa, pelo tom.

Os dois estranhos de fala esquisita passaram por Yuri e Riku bem rápido. Ao ver o mais alto, de costas, carregando algumas sacolas, o japonês de repente começou a sentir uma forte dor de cabeça. Praguejou baixinho, pois já fazia um tempo que não tinha as malditas dores em sua cabeça. Então, por que aquilo aconteceu? A loira em seu lado percebeu que havia algo de errado com o rapaz ao seu lado e o arrastou até a um ponto de táxi. Depois de muito insistir, ela conseguiu convencer Yuri a lhe acompanhar ao hospital. Estranhamente, a tal dor começou a cessar aos poucos. Mesmo que já estivesse melhorando, iria ver um médico. Talvez fosse por não ter se alimentado, mas queria ter a certeza. 

Desceram no konbini vizinho ao pronto-socorro e comeram algo antes de entrarem. O moreno não queria comentar com a idol que não foi somente a dor de cabeça que sentiu. Não contaria para ela que sentiu suas marcas de nascença latejarem, apesar de ter sido por um breve instante. Seja lá o que tenha sido, Yuri só queria mesmo saber o porquê daquelas coisas terem acontecido depois de ter visto o tal estranho da língua esquisita, mesmo que este estivesse de costas para ele. Era algo que o deixaria amedrontado por alguns dias. 

"Ele e todo mundo estão pendurados
Seus parafusos nunca estão apertados o suficiente"

(Abstract Nonsense - Kagamine Rin)