12 de março de 2008
Camila estava atrasada de propósito, enlouquecendo Shawn com sua procrastinação ao entrar de volta na casa. Primeiro, tinha que verificar se tinha desligado o aquecimento. Depois, quis se certificar de que havia tirado a chapinha de cabelo da tomada. Finalmente, voltou para ver se tinha ligado o alarme antirroubo, depois de tê-lo desligado nas últimas duas vezes.
Ela sabia que estava adiando o inevitável, mas isso não era um grande consolo.
– Tem certeza de que quer fazer isso? – Shawn tomou a mão dela, mantendo a outra firme na direção enquanto esperava dentro do carro, fora do apartamento dela.
– Na verdade, não – Camila engoliu uma sensação de náusea, lembrando-se de que já tinha enfrentado coisas muito piores do que aquilo.
– Não temos que ficar muito tempo. Vamos ver a cerimônia, beber o álcool de graça, e daí voltamos pra cidade e fazemos uma festa a dois.
Camila sorriu. Ultimamente, as festas deles resumiam-se a tomar uma xícara de chá assistindo ao noticiário. Alguns dias, sentia que tinha muito mais do que seus vinte e seis anos.
– Não vou decepcionar os Jaureguis, Shawn. Eu prometi uma celebridade no casamento deles, e eles vão ter uma.
As palavras fizeram Shawn dar uma olhada no espelho retrovisor. O SUV preto habitual estava seguindo-os, dirigido pelo chefe de segurança. Camila tinha se divertido muito quando conheceu Damon pela primeira vez, e sempre ficava citando frases de O Guarda-costas para ele. Seu maior desejo era ver Damon carregar Shawn para longe de alguma possível ameaça.
Aquilo faria o seu dia.
– Eles querem que eu tire a atenção deles – Shawn murmurou. A infinidade de câmeras de celular estava tornando sua vida miserável. Ele constantemente reclamava que “não podia nem ir ao banheiro sem parar no site de fofocas no dia seguinte”.
– Você vai ficar comigo o tempo inteiro, certo? – ela perguntou, inclinando-se para ligar o rádio e estremecendo quando a bateria e o baixo explodiram dos alto-falantes. – Jesus, como você aguenta ouvir esse lixo?
– Você preferiria que eu ouvisse um álbum do Fatal Limits? – Shawn parecia divertido. – Porque talvez eu tenha alguns no porta-luvas.
Camila virou-se para ele, estreitando os olhos.
– O novo?
– Você quer dizer a versão recentemente gravada, não editada e inédita? – Shawn ainda batia os dedos na direção no ritmo da cacofonia emanada do estéreo do carro.
– Não – Camila disse, sarcástica. – Só gosto de ouvir suas músicas velhas.
Dando um tapinha na perna dela, ele inclinou-se sobre ela e abriu o porta-luvas. Todos os CDs que havia enfiado lá desabaram sobre as pernas de Camila, alguns caindo no chão, e ela abaixou-se para pegá-los.
Ignorando as reclamações dela, Shawn pegou um CD em branco e colocou-o no estéreo, e as notas suaves de um piano tranquilizaram as orelhas de Camila.
Ele conseguiu esperar uns dois minutos durante a primeira música antes de perguntar o que ela achava.
Naquela altura, ela tinha enchido o porta-luvas de novo e fechado o compartimento, fazendo uma nota mental para nunca deixar aquilo ser aberto em sua presença outra vez. Era pedir para um acidente acontecer.
– É uma mudança do último álbum – ela sugeriu, a testa franzida enquanto se concentrava na música, notando que a banda de guitarristas estava usando muitos recursos eletrônicos. Uma base discordante parecia preencher todas as músicas.
– A gente queria experimentar algo novo – Shawn tentou dar de ombros, indiferente. Em seguida, notando a concentração de Camila, ficou quieto e deixou-a escutar.
Eles permaneceram em silêncio durante a viagem de uma hora. Camila estava tão focada em ouvir o CD que mal notou quando Shawn imbicou o carro na entrada e estacionou. Só quando ergueu os olhos percebeu que já estavam no local, prontos para ver o filho Jauregui mais velho casar com sua noiva de um ano.
Ela exalou lentamente, encarando o painel enquanto se lembrava de que tinha renunciado ao direito de se sentir daquele jeito três anos antes.
Lauren tinha toda razão em continuar a vida. Ela tinha praticamente implorado a ela que o fizesse. Tinha dito que não havia esperança para elas, e que não queria que Lauren ficasse esperando por ela.
Então por que ela se sentia tão mal?
– Pronta? – Shawn tirou a chave da ignição e inclinou-se para o espelho retrovisor, puxando os lábios sobre os dentes e esfregando-os com o dedo, como se estivesse procurando pedaços de comida no meio deles.
– Sim – Camila abriu a porta e virou-se para sair, alisando o vestido azul ajustado sobre as pernas. Os saltos dos sapatos enterraram-se no cascalho, e ela teve que fazer um esforço extra para atravessar a entrada.
– Pode tirar esse sorriso da cara, Mendes – ela rosnou, enquanto Shawn assistia seus esforços com diversão. – Senão vai ter que me carregar.
– Adoraria, mas tenho uma turnê mundial daqui a pouco. Não quero me machucar.
Eles foram guiados até o salão de baile principal, que tinha sido arrumado para a cerimônia de casamento. Camila e Shawn sentaram na última fileira de cadeiras, ambos esperando não ser notados – embora por motivos diferentes.
Os poucos minutos antes da cerimônia começar permitiram que Camila examinasse o salão sem ser olhada, e ela desfrutou do anonimato. Viu Michael e Clara sentados na primeira fileira, junto com Taylor e a mãe de Clara, que ainda estava firme aos noventa e três anos.
Então o coração de Camila começou a acelerar.
Na frente deles, Lauren e Chris estavam à direita do salão. Nenhum dos dois conseguia ficar parado, e ela viu Chris cutucar Lauren, que rapidamente respondeu com um tapa no braço. Clara inclinou-se e disse algo para eles e, o que quer que tenha sido, os dois explodiram em gargalhadas. Camila inspirou fundo quando Lauren se virou e ela viu seu perfil, a luz do sol que entrava pela janela criando um halo atrás da cabeça dela.
Ela ainda era tão bonita quanto ela se lembrava. Ela traçou a linha do seu nariz reto até os lábios e o maxilar forte.
Lauren inclinou-se e sussurrou alguma coisa para a mulher sentada ao lado de Lillian, e ela alisou seu terno. Camila prendeu a respiração enquanto Lauren olhava para a mulher, seu sorriso gentil e torto. Taylor já tinha falado a Camila sobre Meredith, a noiva de Lauren.
Antes que Camila conseguisse reagir à cena à sua frente, a marcha de casamento começou, e todos se voltaram para ver a noiva de Chris, Lucy, atravessando o salão no braço do pai, seguida por uma série de damas de honra. Quando se voltaram para ver a procissão nupcial, os convidados também foram alertados da presença de Shawn. Camila observou indignada que mais pessoas começaram a tirar fotos com as câmeras de celular, ignorando a noiva por completo.
Ela se perguntou se levar um cantor famoso a um casamento Jauregui tinha sido uma ideia tão boa assim.
– Parece que o segredo escapou – ela sussurrou. Shawn tentou parecer indiferente e ignorar os flashes. – Desculpe.
– Acontece sempre – Shawn respondeu, olhando por cima do ombro para um segurança tentando permanecer invisível no fundo do salão. – Não se preocupe, Camila. Estou aqui por você.
Eles tinham passado dias discutindo se ela deveria ir ao casamento. Primeiro ela pensara que o convite tinha sido enviado só por educação, na esperança de que ela o recusaria. Mas tanto Clara como Chris tinham ligado e insistido para que ela fosse, e prometido que não haveria nenhuma estranheza entre ela e Lauren. Clara até sugerira que Shawn fosse o acompanhante dela, sendo sem dúvida encorajada por Taylor, que mantinha uma devoção impressionante ao cantor.
Depois da cerimônia, eles foram para a sala de jantar para o café da manhã de casamento.
Ela e Shawn sentaram-se numa mesa no meio do salão cheia de jovens de vinte e poucos anos.
Camila não conseguia parar de olhar para a mesa principal, os olhos buscando Lauren e pousando sobre o rosto dela.
– Você precisa parar de olhar para lá – Shawn sussurrou para ela depois de um olhar particularmente demorado. – Uma hora ela vai perceber.
Camila corou e desviou os olhos de novo. Fixando-os no relógio, ela se perguntou como aguentaria o resto do dia. Não tinha certeza se conseguiria passar outras oito horas sem fazer um papelão.
– Lembre-me disso – ela respondeu, antes de se virar para o cara chamado “Mosh” que sentava à sua esquerda. Ele estava tentando contar uma anedota extremamente bizarra envolvendo Chris, uma escova de dentes esquecida e uma escova sanitária. Camila ficou contente por ter terminado a comida antes de ele começar a história.
Os brindes seguiram-se à refeição, e quando Lauren se levantou para fazer o discurso de madrinha, ela sentiu Shawn pôr o braço ao redor de seus ombros outra vez. Camila encostou-se nele, agradecida por ele estar lá para apoiá-la. Ouvir Lauren falar sobre amor verdadeiro era como ter uma faca sendo enfiada no coração, por mais bem-humorado e alegre que fosse o discurso. Seus lábios moviam-se suavemente enquanto falava, e de vez em quando suas sobrancelhas se erguiam para acentuar uma piada, fazendo os convidados rirem junto com ela.
A parte preferida dela foi quando ela fez o brinde ao casal feliz. Ela assistiu-a levantar a taça para tomar um gole, e pôde ver seu pomo de adão sob a pele esticada do pescoço.
À medida que o céu escurecia, os convidados voltaram ao salão de festas para o entretenimento. Uma banda se instalou num canto, e eles começaram a tocar músicas modernas e populares, o que divertiu tanto Camila como Shawn. Aos poucos, as pessoas foram para a pista de dança, energizadas pelo álcool e pela comida, prontas para começar a dançar.
Shawn foi ao banheiro, prometendo a Camila que voltaria o mais rápido possível. Ela dirigiu-se para o bar, pedindo uma cerveja, esperando que ela lhe desse um pouco daquela “coragem holandesa” de que as pessoas sempre falavam.
– Oi.
Camila virou-se e viu Lauren ao seu lado. Meredith estava com ela, sua figura magra de algum modo acentuando o peito largo de Lauren. A mente de Camila ficou momentaneamente vazia, e ela podia sentir o pânico começando a crescer enquanto tentava pensar no que dizer.
– Oi – não era muito, mas a fez parecer menos idiota.
– Camila, gostaria de apresentar Meredith Devries. Meredith, essa é Camila Cabello – Camila automaticamente apertou a mão da garota, surpresa com sua pele macia e seu pulso flácido.
– É um prazer, Meredith – Camila estava se surpreendendo com sua habilidade social. Era uma ação quase reflexiva, tão enraizada que falar as palavras era automático.
– Você também. Você é amiga de Lucy?
Lauren nunca falara com Meredith sobre ela? Camila achou aquilo interessante, e pela primeira vez voltou-se para Lauren. Seus olhos verdes encaravam-na diretamente, focados em seu rosto, mas não em seus olhos. Era como se ela estivesse encarando seus lábios, e por algum motivo Camila os umedeceu com a ponta da língua.
– Não, sou amiga de Taylor – era uma explicação razoável.
– Ei, o que eu perdi? – a voz de Shawn era como limonada gelada num dia quente, e Camila agarrou a mão dele.
– Lauren estava me apresentando a Meredith – Camila respondeu.
– Meu Deus, você é aquele cantor, não é? Minha irmã ama suas músicas! – o sorriso de Meredith iluminou-se em seu rosto, e Camila começou a listar todos os motivos pelos quais odiava mulheres americanas bonitas.
– Ah, obrigado. Você gosta de música?
Meredith inclinou-se e sussurrou de modo conspiratório:
– Quase não ouço música, pra falar a verdade.
As sobrancelhas de Camila ergueram-se como se estivessem tentando se fundir com seu cabelo. Ela tentou não parecer sarcástica, mas falhou. Seus olhos automaticamente voltaram-se para Lauren. Assim que Lauren olhou para ela, abriu um sorriso, que Camila se viu respondendo.
Nossa, aquilo era bom.
Apesar da mediocridade da banda, Camila e Shawn fizeram uma tentativa irônica de dançar.
Ela teve uma crise de riso quando ele começou a se lançar pela pista numa paródia de John Travolta, fazendo mais do que algumas câmeras conseguissem gravar. Ela não podia deixar de ficar grata a ele por acompanhá-la ao casamento, por se jogar na frente do ônibus só para fazê-la sorrir. Ele era um amigo de verdade.
Taylor juntou-se a eles depois de um tempo. Querendo lhe dar alguma coisa sobre o que falar quando voltasse para a universidade, Camila foi ao banheiro, deixando Shawn e Taylor dançando uma versão interessante de “Macarena”.
Estava ficando tarde, e os convidados tinham começado a ir embora. O banheiro estava vazio quando Camila entrou, elegantemente decorado com toalhas e sabonete Molton Brown – nada de secador de mãos e sabonete comum para os convidados na Chalkley Manor.
Depois de espalhar um pouco de hidratante nas mãos, ela abriu a porta e encontrou Lauren lá fora, seu rosto sério e os lábios numa linha fina. Suas sobrancelhas estavam franzidas.
– Posso perguntar uma coisa? – Lauren gentilmente a empurrou de volta para o banheiro, e Camila sentiu o coração acelerar quando a mão dela agarrou seu pulso. Ambas tinham bebido a noite inteira, e ela se perguntou se era Lauren ou a bebida falando.
– Sim – era a única resposta que veio à mente, e ela exalou-a como se sua vida dependesse daquilo.
– Você está trepando com Shawn?
As palavras fizeram seus olhos se arregalarem e o queixo cair. Por um momento, ela ficou com raiva pela intrusão e pela expressão rude. Mas sua expressão suavizou quando ela começou a se perguntar sobre as razões dela para lhe perguntar aquilo.
– Não, só somos amigos – ela viu a expressão de Lauren relaxar em alívio, e de repente sentiu raiva de novo, sabendo que ela tinha alguém novo e que ela estava sozinha.
Mesmo que fosse sua própria culpa.
– Na verdade, Lauren, já que perguntou com tanta educação, não trepo com ninguém há três anos – era óbvio: ela fora a útima pessoa com quem ela dormira.
Lauren aproximou-se até que seus corpos estivessem a centímetros de distância, e Camila sentiu-se tensa com a proximidade. Um passinho para a frente e os peitos se tocariam. Tudo que ela tinha que fazer era inclinar a cabeça e deixar que Lauren abaixasse a dela, até que seus lábios se encontrassem num beijo explosivo.
Camila tinha certeza que seria incrível. Pelo modo como estavam sem fôlego, elas estavam a segundos de se renderem à tentação.
– Por que não? – a voz de Lauren era tensa, e ela a viu fechar as mãos em punhos, como se estivesse tentando se impedir de tocá-la.
Camila hesitou. A resposta estava dançando nos seus lábios, brincando na sua língua, mas dizê-la seria revelar exatamente como ela se sentia sobre Lauren. Estaria pronta para aquilo?
Ela se viu se inclinando para ele e, embora estivessem ambos vestidos, sentiu-se completamente exposta. Os olhos de Lauren buscaram os dela, e Camila sentiu a necessidade de ser honesta, de se jogar na frente dela e admitir o que fizera.
– Porque sempre foi você.
Lauren enrubesceu, e a confusão em seu rosto deu lugar à completa raiva. Camila deu um passo para trás, temendo a resposta dela. Lauren soltou um rosnado furioso antes de se virar e esmurrar o espelho pendurado na parede do banheiro, quebrando-o em pedaços que caíram sobre a privada e o chão de azulejos.
Os segundos que se passaram pareceram horas enquanto ambas ficaram congeladas, incapazes de se mexer após a revelação de Camila e a reação dela. Lauren estava segurando o pulso, e Camila se moveu para tocá-lo, vendo sangue em seus dedos, querendo fazer algo para fazer sua dor ir embora.
A dor física, pelo menos.
– Você não pode fazer isso – o rosto de Lauren ainda estava feroz. Ela puxou a mão e ergueu-a até o queixo dela. – Não pode voltar pra minha vida e me dizer que sou a única pessoa que já quiz. Está mentindo, admita.
Camila balançou a cabeça, incapaz de atender à demanda.
– Porra, Camila! A mulher que eu pedi em casamento está sentada lá fora, e ela não tem a mínima ideia do que está acontecendo. Você espera que eu parta o coração dela, como você partiu o meu?
– Não – as lágrimas estavam caindo agora, e ela podia senti-las escorrendo pelo rosto. – Sinto muito.
Ela sentia mesmo. Por tudo.
Lauren estendeu a mão machucada e trêmula e passou-a pela bochecha dela, enxugando suas lágrimas, até chegar à sua boca. Seu dedão pousou nos lábios dela, tocando-os tão de leve que Camila mal podia sentir. Sabendo que Lauren estava no limite, ela ficou congelada, sem ousar se mover por medo do que ela poderia fazer.
– Vou sair agora, e vou tentar esquecer tudo que você disse pra mim – Lauren inclinou-se para ela e encostou os lábios no seu rosto úmido. Camila precisou de toda sua força para não se virar na direção do beijo e pressionar a boca na dela. – Por favor, não me siga nem tente falar comigo. Não sei se conseguiria me controlar.
– Ok – a voz de Camila era um sussurro, e ela ficou parada como uma estátua entre os cacos de vidro espalhados pelo chão.
Lauren afastou-se, sem desviar o olhar até chegar à porta. Depois de abri-la, ela se voltou para Camila uma última vez.
– Nunca vi você tão linda quanto hoje.
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