Havia feito um esforço tremendo para me manter funcional naquela aula de Economia pois não podia desperdiçar as intensas horas de estudo e aulas extra do dia anterior, mesmo estado fortemente ressacada. Laura decidira fazer a festa no apartamento onde vivo com minha irmã e uma vez que esta estava ausente, aquilo fora longo e havia metido demasiado álcool junto.
Saímos da sala e quase embati em Ryan e uma mulher diferente daquela com que o havia apanhado uma semana atrás; todos paramos no meio daquele corredor e nos olhamos à vez. - Pelo menos antes eras discreto. - Laura atirou mordaz.
Não estava certo eu ter que me deparar com aquele tipo de cena, eu esforçara-me para não encontrar Ryan pela Universidade e até havia conseguido, mas aquela fora bastante inesperada. - Vamos. - murmurei para a minha amiga e ao passar entre Ryan e a nova companhia, fui impedida por este, segurou-me pelo braço e obrigou-me encará-lo - Algum problema? - questionei sem animo na minha voz.
- Não pensei que tivesses sido tão afetada e que tivesse sido tão sério para ti. - ele falou com cautela.
- Fui a única que me deixei levar pela a imaginação, recordas-te. - suspirei e movi meu braço a fim de me soltar - Normal que não esteja a reagir bem, Ryan. - atirei já num tom mais alterado - Perfeitamente normal que me sinta um trapo usado, porque aparentemente eu fui a única que não se deu conta de como realmente as coisas se passam junto de ti. Criei demasiadas expetativas que agora se mostraram do mais fino cristal e se quebraram em milhares de pedaços. Sim, Ryan, tem me afetado demasiado.
Movi-me de um modo mais brusco e tentei retomar caminho mas só acabei por bater em alguém com as costas da minha mão direita perante tal movimento impaciente - Óh… - elevei olhar para encarar aquela pessoa mas pareceu-me logo reconhecer aquela blusa e casaco de cabedal negro - desculpa…Takashima. - pestanejei conforme confirmava e ver como o homem deslizava seus dedos pela bochecha, fez-me desejar ter ali um buraco para nele me atirar. Tinha batido, involuntariamente, no meu professor de Economia.
- Prefiro não provar um estalo real da tua parte, Brennam. - ele acabou por falar mas seu olhar foi-se centrar em Ryan e ele parecia perceber toda aquela cena constrangedora - Não falou em ir estudar com sua amiga, Brennam? - por fim encarou-me e eu anuiu atónita - Então… - afastou-se de mim e deslizou novamente seu olhar por Ryan até retomar seu caminho.
Ignorei os restantes e apressei passo atrás daquele homem - Peço realmente muita desculpa, Takashima. - falei para o silenciado professor, Laura surgiu mais a meu lado e observava-nos - Sério…não quis… - ele parou de caminhar e voltou a me encarar.
- Ouvi à primeira, Brennam. Não que me tivesse batido de propósito ou com real violência. Desculpas aceites. - apressou em terminar sua conversa e logo entrou para uma das salas destinadas a apenas docentes.
- Fizeste uma proeza e tanto, Rachel. - Laura brincou.
- Que…merda… - soprei impaciente - mil vezes tivesse esmurrado Ryan. - funguei a quase corri pelo corredor.
Era bastante errado eu estar ali, bastante errado mesmo. Era sexta-feira à noite e meu corpo e mente acabaram por me trazer aquele local, errado, muito errado. Voltei-me de repente, pronta a esperar o próximo bus e fui tomada pelo maior susto da semana - Óh meu… - guinchei e inclusive meu salto falhou o passeio e por pouco não perdia total equilíbrio e foi aquele braço firme a rodear-me pela cintura que me salvou, reagindo ao susto acabei por pousar minhas mãos sobre seu peito.
- Que fazes aqui, Rachel? - Kouyou questionou com suavidade.
- Ver-te. - aclarei minha garganta - Vim ver-te. - expliquei-me enquanto afastava as mãos do seu peito e este me soltava. Vi-o inclinar ligeiramente a cabeça, reparei no saco que trazia consigo e voltei a observá-lo.
- Porquê vir ver-me? - quis ele saber
- Senti que o aborreci devido ao meu…brusco movimento no final desta manhã.
Ele riu-se e afastou-se um pouco de mim - Não me aborreci, Rachel. Como disse, não me bateste com intenção e não me magoaste assim como julgas. Está tudo bem. - suspirou - Os teus amigos devem estar à tua espera, é hora de iniciar as saídas noturnas. Relaxa e tem uma boa noite.
- Só vim mesmo até aqui, não vou… - baixei meu olhar. Porque estava eu a falar aquilo para aquele homem? Inspirei profundamente e então vi um saco de compras surgir na minha linha de visão.
- Gostas de vinho, Rachel? - ele perguntou e aí eu voltei a olhá-lo nos olhos - É o que tenho para oferecer…e um simples jantar típico japonês.
- A sério? - inquiri perplexa ao que ele indicou na direção do seu prédio.
- Como quiseres, posso não ser curioso quanto à vida dos outros mas…uma vez que tu e a tua amiga se disponibilizaram em…socializar fora da Universidade. - encolheu seus ombros.
- Parece-me um bom plano, Kouyou. - sorri-lhe e logo me prontifiquei em segui-lo até sua casa.
Nunca havia experimentado muito da culinária japonesa mas estava bastante agradada com aquilo que havia sido meu jantar; estava pela segunda vez em casa do meu professor e embora ele fosse de poucas palavras, era eu quem acabava por falar imenso. Não fora apenas da primeira vez, era confirmado naquela noite, Kouyou passava-me uma sensação imensa de confiabilidade e eu deixava-me ir.
- Porque acabaste por vir para outro país lecionar noutro idioma que não o teu? - acabei por lhe perguntar quando decidimos ir para o sofá e aí ele começou a fumar e eu bebericava mais um pouco de vinho.
- Foi incrível a rapidez como atingi certas honras e sempre havia pensado em vir dar aulas para outro local que não no Japão. - ele informou-me.
- Existem colégios privados para estudar nos idiomas asiáticos. - recordei - Mas o teu interesse manteve-se afastado da tua área de conforto, não é? - olhei seu perfil e ele sorria suavemente, embora não me olhasse e se mantivesse focado em fumar seu cigarro, aquele homem continuava a me cativar.
- Estou bastante satisfeito e confortável nesta…área diferente. - disse e aí relançou-me um olhar curioso - Tu quem perdeu sua área de conforto nos últimos dias, não é assim Rachel?
Respirei fundo e recostei-me naquele sofá, fazendo com que ele não me pudesse olhar a não ser que se recostasse tal como eu ou girasse seu tronco e confrontar-me com seu olhar. Eu não podia permitir-me ficar à deriva em pensamentos pois poderia acabar por me fixar nele, tal como acontecera no dia anterior. - Já estive melhor sobre “área de conforto”. - admiti-lhe - Eu esforço-me por ultrapassar tudo mas parece que algo desconhecido conspira contra mim.
- Não irei dizer que aquele…Ryan Harison não tenha sido importante, claramente ele o foi mas eu acredito que tu consegues afastar-se corretamente. Que consegues desviar teus pensamentos de tudo o que envolva vocês dois. - disse e eu voltava a me fixar naquelas suas costas, a justa blusa que Kouyou usava naquela noite não estava a ajudar em nada nos meus devaneios quando perto de si.
De modo estúpido recordei a foto de fundo do meu telemóvel, continuava a ser Ryan num dos seus jogos de futebol e eu pensei que podia mesmo pagar por captar uma foto daquela imagem de costas do meu professor de Economia como substituta; seria interessante e por fora poderia não ter significado ou lógica aparente mas…aquela sensação de confiabilidade, aquele ar sedutor e inconsciente daquele homem japonês…seria uma bela de uma substituição - Tens alguma esperança na minha força interior, não é? - decidi quebrar o momento de silêncio naquela sala.
Surpreendentemente, Takashima moveu seu tronco a fim de poder encarar meu rosto. - Não deveria, Rachel?
- Ter essa esperança em mim? - quis confirmar com ele, ao que o vi afirmar com um gesto de cabeça - Depende, conheces-me ao ponto de criar mesmo essa esperança? - incentivei-o e acabei por me mover no sofá até ficar próxima de si e nossos rostos acabaram por ficar bem próximos.
- Bem, eu acabei por perceber o que se passava contigo nestes últimos dias, não foi? Acabei por te observar mas isso confirmei no outro dia em que aqui estiveste, Rachel. - relembrou-me.
- Não vais ser mais uma pessoa a me dizer: Eu conheço-te. Vais? - sorri-lhe
- Eu não te conheço a fim de afirmar isso na tua cara. Eu percebi algumas coisas e associei outras, mas eu não te conheço de um todo. - levou o cigarro aos lábios e eu acompanhei cada movimento, desde o pulso, dedos, forma como segurava aquele cigarro até irem ao encontro daqueles lábios masculinos. Havia começado algum jogo de insinuação por ato inconsciente? - Até que ponto gostas daquele Harison? - a sua pergunta quebrou minha atenção de seus lábios.
- Até ao ponto que criei expectativas que nunca tiveram dicas de que, sequer, existem nele. Entreguei-me sem retorno, apaixonei-me por uma imagem que eu desejava e não que realmente existisse.
- Para depois perceberes que foras…passatempo para ele? - concluía-me assim
- Basicamente. - suspirei e acompanhei seus gestos de levar o cigarro ao encontro do cinzeiro e ali o apagar.
- Se te deixas ser um passatempo, ficas mesmo como um. Mas como disse…eu acredito que consegues afastar-te corretamente, afastas o teu próprio mundo daquele que imaginaste com ele, voltas à origem do teu ser. - fora sua vez de suspirar.
- Não me pareço adequada para um passatempo? - quis perguntar-lhe - Afastar-me e voltar a essa origem…falas como amigo ou como professor, Takashima?
- Tu lanças perguntas e palavras sem grande lógica, Rachel Brennam. - gargalhou ele - Quando perceberes tudo no final, saberás que essas palavras tem mais impacto do que aquele que se imagina. Falo como amigo. - adiantou. Teria realmente começado alguma espécie de jogo com o meu professor? Como podia a minha mente estar tão confusa ao ponto de incentivar um homem daqueles?
- Pergunto-me se perdi o juízo. - suspirei minhas palavras.
- Caíste na realidade, coisa que é totalmente diferente. - olhou-me mas eu continuava atenta ao cinzeiro onde cigarros eram apagados várias vezes no dia daquele homem.
- Acho que desisto de criar expectativas. - acabei por dizer
- Algumas podem ser boas e serem a realidade. - intrometeu-se.
- Vou manter apenas a expectativa em conseguir passar o teu exame na próxima semana. - acabamos por rir.
- Já disse que tenho esperança em ti, Rachel. - gargalhou mais e voltamos a nos encarar e novamente nossos rostos ficavam muito próximos.
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