Término o resto do dia de trabalho preocupada.
Depois de refletir um pouco, não tenho mais certeza nenhuma que foi uma boa ideia ter deixado Kely ir encontar Ken...
Sim, ele ainda é a mesma pessoa, e sim, Keny sentiu falta de Kely, mas Ken está maior... Ele está adulto, me viu sofrer por Kely anos e não tenho mais certeza que ele vai reagir bem a surpresa.
Mas agora é meio tarde, tento falar pra mim mesma, porém continuo roendo as unhas e pensando nisso até chegar em casa...
Quando abro a porta Renan está jogado no sofá da minha sala assistindo TV, ele levanta a cabeça assim que me ouvi...
- Oi, Tia Kethy... - Me lança o sorriso lindo de sempre. - Keny quer falar com a senhora... - Diz apontando para o quarto, sorriso não diminui. Se ele estiver atuando, Oscar pra ele.
Meu coração se acelera um pouco enquanto solto minha bolsa no chão e sigo para o quarto.
Quando chego em frente à porta, tiro meus saltos e amarro o cabelo, antes de tomar coragem e finalmente bater.
As portas e as paredes aqui são anti-som, então não posso escutar nada, quando a porta se abre eu levo dois sustos.
Um, pelo fato de a porta se abrir tão rápido e tão de repente, e o outro é pelo lindo terno preto que Ken está vestindo.
Encaro seu rosto, e tem um sorriso lá...
Então meu olhos se enchem de lágrimas, tanto de alívio por ele não estar mal, quanto de nostalgia por perceber que em pouco tempo, Ken vai deixar definitivamente de ser meu garoto, e vai virar um homem.
E pensar num futuro onde ele pode não estar, me faz sentir uma solidão horrível.
- Tá tão ruim assim? - Brinca, vendo as lágrimas nos meus olhos. Me apresso em afasta-las com as costas das mãos antes de dá o primeiro passo pra entrar em seu quarto.
- Você está lindo, Ken! - Digo o medindo. - Que bom gostou... - Digo, já me pondo de frente ao assunto inevitável.
- Como conseguiu encontra-lo? - Me pergunta sem rodeios enquanto me encara. Estudo sua expressão, e não vejo raiva.
- Eu vou contar, juro, mas primeiro eu quero saber... como foi? - Ele assente, e aponta pra sua cama. Ando devagar até ela e me sento na beirada.
- Kethy, está tudo bem pra você falar sobre ele? - Pergunta, hesitante.
- Cl-laro... - Que não. Ele volta a assentir, nada convencido.
- Como foi? - Me pergunta se é isso que quero saber. Eu balanço a cabeça. - Foi... Ótimo. Ele tá diferente, né? Aquela barba legal, o carrão, as roupas chiques... Quase tive um infarto quando o vi, e no primeiro momento pensei que ele não fosse me tratar muito bem... Mais ele foi ótimo, Ket, foi como... se ele nunca tivesse ido embora. Conversamos um monte, sobre antes e sobre agora, ele me ajudou a comprar o terno... Acho até que pagou uma parte, e pareceu realmente feliz em me ver... Kethy... - Vem até perto de mim e se ajoelha na minha frente, as mãos no meu rosto. - Obrigado... - Sussurra. - Não sabe a quanto tempo me culpo, a quanto tempo penso que ele tem raiva de mim... Não sabe o que tirou das minhas costas deixando ele me ver. Foi o melhor presente de formatura... - Ele me abraça. E me sinto alegre por ele ter gostando tanto, e dói, só de pensar que eu não foi tratada tão bem assim...
Meu Deus, estou morta de inveja.
- Fico aliviada que realmente gostou de vê-lo... - Sussurro, também lhe abraçando.
- Agora... - Se afasta pra me encarar. - Como o encontrou? Eu tentei um monte de vezes, e nunca consegui... - Me olha com os olhos cheios de curiosidade e gratidão. Bato de leve ao meu lado na cama, pedindo pra ele sente...
E me ponho a contar, de forma um pouco melhor do que realmente foi, sobre o miserável dia em que comecei a trabalhar com Kely.
Depois do meu relato, e de algumas perguntas respondidas, Ken me pede para liberar o quarto para que posso tirar o terno novo. Mas antes que eu saia totalmente...
- Kethy... - Chama. E eu volto a me virar... - Eu... Convidei ele para a... formatura. Tudo bem? - Assinto, bem devagar.
- Claro... - E mais uma vez, Que não.
Saio do quarto e ando até a sala, Renan ainda está aqui... Mas a TV está desligada, parece pensativo.
- Ele ficou bonito? - Me pergunta quando sento no sofá a sua frente.
- Você não viu? - Estico minhas pernas em cima do sofá, e fecho os olhos.
- Não, ele disse que eu só poderia ver no dia... - Diz, se fingindo de irritado.
- Bom, quem sou eu pra estragar a surpresa? - Sorriu um pouco, mais volto a ficar seria. - Onde está sua mãe? -
- Ken não te contou? - Abro os olhos pra lhe encara. Balanço a cabeça negativamente.
- Minha vó está bem mal, não sei porque ela não quis me deixar vê-la, ou deixar que ela me visse, então me mandou de volta de ônibus... Mas ainda está lá, pensava que a senhora tinha ligado pra ela... -
- Há, Droga... Eu ia, mas meu celular está horrivel, posso pegar o seu? - Ele assente.
- Em cima do armário... -
Corro até a cozinha, e passo dois segundos olhando a foto de plano de fundo, onde Renan e Ken estão abraçados, antes de entrar no discador e ligar para Márcia.
Ela atendi na primeira chamada.
- Renan? Filho, a Kethy ainda não chegou? - Ela fala rápido, o tom calmo de voz enganaria bem Renan, mas não a mim.
- Márcia, sou eu, tá tudo bem? - Uns segundos de silêncio se seguem.
- Kethy... - Sua voz falha, ela perdeu parte do controle. - Kethy, ela está morta, Kethy... Minha mãe... Morreu... - Ouço um soluço abafado.
- Há, Meu Deus, Márcia... Quer que eu vá pra aí? Eu posso falar com o Kely, ele vai entender... e os garotos vão ficar bem... Eu posso ficar com você, posso sair agora mesmo... -
- Não, Kethy, quero que fique com os garotos... Eu vou ficar pra o en-nterro... Minh-a irmãs esta-ão vindo pra cá... Vai ser uma c-coisa pra fam-milia... - Ela puxa o ar bem fundo, contendo o choro. - Pode, por favor, não contar ao Renan? Eu não quero que ele queira vir pra cá... Eles se par-recem muito... Não quero que... - Ela não consegue terminar.
- Tudo bem! Eu vou cuidar dos garotos, não precisa se preocupar... - Sinto meus olhos lacrimejarem. - E Márcia, eu sei como é... Mas seja forte, tá? Você vai conseguir superar isso!!! - Tento usar toda minha confiança nessas palavras.
- Eu vou Te-entar... Obrigado, Kethy... - Aquela voz carinhosa e tão familiar invade o fone e então ela desliga.
Fico por mais alguns minutos encontrada na parede da cozinha, tentando não chorar mais. Não é tão fácil assim, toda vez que faço menção a sair da cozinha meus olhos esborram. Então em vez de sair, fico por lá e faço o jantar dos garotos... Quando término me sinto mais confiante.
Entro mais uma vez na sala, Kely e Renan estão juntos no sofá... Sorrindo um pro outro de uma forma que me deixa constrangida, e me faz querer morrer por saber que vou ter que mentir.
- Tudo bem com ela? - Renan me pergunta assim que percebe minha entrada. Mais não sai de perto de Keny...
- Tudo sim... - Abaixo o olhar, não consigo fazer isso o encarando. - Sua vó está... estável. Ela vai ficar lá por mais uns dias, suas tias também estão indo pra lá... Ela não vai demorar muito. - Ele assenti. A testa franzida. Começo a falar antes que ele me pergunte algo... - Eu vou pra casa. Tem comida na cozinha, não durmam muito tarde e juízo... - E atravesso a sala o mais rápido que posso, pegando minha bolsa no caminho, abro a porta e fecho em tempo recorde.
Tenho total consciência de que, quase parece que estou fujindo de um demônio...
E é quase isso...
Não consigo dormir nada bem a noite, e quando me acordo pela manhã uma chuva torrencial me espera atrás da janela... Quase desisto de me levantar, o sono quando me acordo está mais forte do que quando fui dormir!
Mas apenas Quase.
Dirigo mais devagar que o normal hoje, as ruas estão ensopadas, quando finalmente chego lembro que esqueci do guarda chuva e tenho que fazer uma corrida nada confortável, sob as minha plataformas, até a entrada do prédio.
Quando chego a recepção o veludo do meu casaco verde lodo está pingando, e estou com mais frio do que estaria se tivesse feito a corrida nua...
- Bo-om D-ia, Mil-lla... - Gaguejo passando para o corredor à frente.
- Deus, Kethylin... O que aconteceu? - Perguntou, me olhando de boca aberta.
- Esqueci o guarda chuva... - Digo com um sorriso amarelo, antes de seguir meu caminho.
Tento me esquentar por todo o caminho do elevador... Mas sinto o mesmo frio quando finalmente chego ao meu andar. Sra. Martins torce o nariz quando me vê, mas não fala nada.
Mas é quando entro na sala que tudo se acaba...
Nunca tinha percebido a potência do ar condicionado daqui antes. Mas agora, toda molhada e enrugada, tremendo de frio, minha garganta se fecha.
Kely não levanta a cabeça assim que entro, mas o faz bem depressa quando ouve o som dos meus dentes batendo...
Ele me estuda por alguns minutos enquanto percorro, devagar, o caminho até minha mesa...
- Porra... - Ouço ele murmurar antes de abrir uma gaveta da mesa e pegar algo de dentro. Ele caminha até onde estou colocando minha bolsa sobre a mesa. - Diabos, Kethylin, você está azul!!! - Me repreende, se colocando atrás de mim e retirando o casaco molhando de cima dos meus ombros. Ele o coloca sobre a minha mesa e o substitui pelo seu terno, que está quente por causa do calor do seu corpo. É maravilhosamente cheiroso, o mesmo cheiro de anos atrás. É quase como voltar no tempo.
E eu deveria sentir uma estranheza nessa situação, devia impedi-lo de fazer o que está fazendo, devia falar alguma coisa para para-lo. Mas não faço nada do que devia...
Fico calada enquanto ele me arrasta até o sofá em formato de L perto das estantes e aperta um botão do controle do ar que tem nas mãos, então um ar quente começa a ser despejado sobre o sofá.
E me contento em encostar minha cabeça no encosto do sofá, fechar o olhos, respirar fundo e aproveitar o calor.
Oučo a porta se abrir em um certo momento, e Kely saindo... Então acho que pego no sono, pós só volto a acordar quando sinto o sofá ao meu lado abaixando, a mão quente de Kely sobre minha testa...
Abro os olhos devagar.
Minha testa está formigando.
- Melhor? - Pergunta. A preocupação em seus olhos me esquentando mais que qualquer ar condicionado.
Faço que sim com a cabeça e não falo nada. Ele me estuda por mais uns segundos, como que pra ter certeza, e depois estende uma xícara pra mim. - Leite? - Sorriu e volto a assenti.
Pego a xícara das suas mãos dele e bebo o líquido quente. Queima um pouco na garganta, mas ainda assim é ótimo.
- Obri-igado... - Sussurro.
- Que ideia foi essa de ficar andando pela chuva? - Me pergunta, sério.
- O guarda chuva... Eu esqueci em casa... - Faço uma expressão de fatalidade.
- Devia prestar mais atenção, ou vai acabar morrendo de pneumonia... - Me olha dentro dos olhos enquanto diz. Eu nem ligo realmente para o aviso, mas vejo quando ele evidente treme com as próprias palavras.
- Eu estou bem... - Me vejo tentando consola-lo... - Uma gripe vai ser o máximo que eu vou tirar disso! - Garanto.
- Espero... - Diz. Mas não parece muito concentrado na conversa, continua encarando meus olhos... E por um segundo, enquanto ele delicadamente levanta a mão, num gesto íntimo de mais, e coloca atrás da minha orelha dois cachos que estavam caídos no meu rosto, eu tenho quase certeza que vejo a larva em seus olhos começar a derreter... E não sinto mais medo de encara-lo.
Então no outro segundo, Kely parece tomar consciência do que está fazendo e afasta a mão abruptamente do meu rosto, se levantando.
Não sei se me sinto decepcionada... ou esperançosa.
- Temos que ir pra reunião... - Diz, ajeitando a camisa que não está bagunçada e voltando a o tom frio e profissional.
- Cla-aro... - Digo e termino meu leite. Levanto e começo a tirar seu terno, quando ele da um passo a frente e levanta a mão para me impedir, mas não chega a me tocar antes de abaixa-la.
- Eu acho melhor que a senhorita fique... com ele por enquanto. - Quase solto um gemido alto de frustração com o " Senhorita".
- Tudo bem. Obrigado... - Sorriu de leve e vou até minha bolsa pegar as coisas que preciso.
Quando chegamos até a porta do elevador e começamos a espera-lo, o comportamento de Kely já é exatamente igual a todo dia... Só que mais preocupado, hoje ele não sugere a escada, diz que é melhor chegarmos o mais rápido possível para que ele possa aquecer a sala. O tom preocupado na sua voz é tudo o que preciso para permanecer quente, é o que eu não digo.
Assim que começamos a entrar no elevador pego meu celular e conecto o fone de ouvido.
Mais então, quando vou colocar a música a tela não acende. Tento liga-lo e pra minha total desgraça descubro que esqueci de carrega-lo.
Vou diretamente para o fundo do elevador e me encontro na parede fria, e o enjôo chega como sempre. Embrulha meu estômago, fecha minha garganta, enche meu corpo de tremores e faz minha cabeça lateja...
Sinto meu celular escorregando das minhas mãos subitamente encharcadas de suor, ouço ele cair no chão num baque que com certeza acabou com a tela. Mas sei que se eu abrir meus olhos agora, vou vomitar até minhas tripas.
Minhas pernas então começam a amolecer e não sei se consigo continuar em pé...
É nesse momento que sinto alguém perto de mim.
Por um segundo nada acontece, sinto o calor de alguém bem perto mais não se mexe... como um fantasma.
Então sinto quando se abaixa, provavelmente para pegar meu celular, e depois levanta novamente... Vem mais pra perto e coloca os braços ao redor da minha cintura.
Sinto Kely me puxando para seu peito, e não penso duas vezes antes de abraça-lo e esconder meu rosto no seu corpo quente.
Sinto seu queixo ao lado da minha cabeça, sinto sua respiração na minha orelha... Sinto meu corpo se acalmando imediatamente por causa do seu toque.
Sinto lágrimas fervendo no meu rosto.
- O que aconteceu com você, Ket? - Ele sussurra pra mim. E tem a voz torturada, como se sentisse minha dor.
E eu só consigo pedir aos céus, a Deus e todos os seus anjos, que me congelem bem aqui...
Nesse momento...
Em seus braços...
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