Gerard chamou o garçom com um movimento confiante do pulso. Achei impossível não olhar para seus lindos lábios arqueados, enquanto ele falava com o atendente. Ele poderia ter dito qualquer coisa e eu teria desmaiado com a melodia, a bela língua francesa rolando de seus lábios. A camisa social cinza-escuro valorizava seus olhos verde-oliva.
Olhos que eu tinha pensado serem para mim.
Não que eu não achasse Quinn atraente. Ele era um espécime perfeito de um homem com a boa aparência de uma estrela de cinema. Seu cabelo era loiro, e ele tinha lindos olhos e sorriso atraente. No entanto, algo a respeito dele era perfeito demais — pelo menos para o meu gosto.
A única coisa que Bert e eu podíamos fazer era tentar superar aquela situação potencialmente embaraçosa, embora a gente nunca tivesse passado por nada parecido antes.
No ensino médio, as coisas sempre funcionavam a nosso favor. Ele namorava um cara. Eu namorava o melhor amigo. Eu namorava um gêmeo. Ele namorava o outro. Depois de uma separação amigável, eu até arranjei as coisas para ele ficar com um dos meus ex. Ele o apelidou de beijador Pac-Man depois de uma sessão de amassos do tipo “vou engolir sua cara”, na qual ele quase deslocou a mandíbula de Bert. Boas intenções à parte, aquele caso foi de curta duração. Sim, os garotos tinham ido e vindo, mas a nossa amizade sempre tinha ficado em primeiro lugar, e nenhum garoto nunca quebrou nosso vínculo.
Resignado por nosso destino, sorri para Bert com um encolher de ombros. Ele retribuiu o sorriso. As coisas poderiam ter sido piores. Afinal, estávamos sentadas em um café não com um, mas com dois franceses bonitos em Paris. Quem éramos nós para reclamar?
Nosso garçom retornou com uma carta de vinhos e a entregou a Gerard.
— Vocês pediram alguma coisa para comer? — ele perguntou — Eu gostaria de harmonizar a escolha com o vinho.
Normalmente, eu era o tipo de garoto que falava a mil por hora, o tipo que adorava atenção, flertava com o melhor deles. Eu queria responder, mas estava tão nervoso que já era difícil falar inglês, que dirá francês. Estranho. Eu havia ficado pasmo num silêncio constrangedor.
— Nós dois pedimos o co… frango com molho de vinho. — disse Bert, vindo ao meu resgate mais uma vez — E vocês?
Sufoquei uma risada, certo de que Bert não queria pronunciar mal a palavra “coq” em coq au vin, para não parecer “cocô ao vinho”. Gerard estalou os lábios, como se quisesse dizer “sem problemas”.
— Já fizemos nossas refeições. O vinho é para vocês.
Ótimo. Eu não sabia se meus nervos iriam aguentar. Eles iam ficar vendo a gente comer? Ou eu tinha algum tipo de transtorno de ansiedade social, ou era o nervosismo dos primeiros encontros que me deixavam na borda da cadeira. Ele pensaria que eu estava comendo como um porco? Será que alguma coisa ia ficar presa nos meus dentes? Como um pedaço de espinafre? Ou pimenta do reino? Bert, por outro lado, ainda estava sorrindo como um bobo. O garçom bateu a caneta no seu bloquinho, impaciente. Com um floreio de movimentos de mão, Gerard apontou para algo no menu, e eu pude ver as palavras vin blanc. Vinho branco. O garçom, com um jeito tipicamente parisiense, revirou os olhos e disse:
— Bon choix. — boa escolha.
Gerard disparou uma piscadela sexy na minha direção.
— Acho que você vai gostar da minha escolha. — seus olhos me disseram o que os lábios não tinham dito: ele também sentia a conexão.
— O que traz vocês a Paris?
Seu olhar não deixou o meu. Bert aproveitou a oportunidade para paquerar Quinn; um ligeiro reposicionamento da cadeira, uma jogada de cabelo, e ele estava pronto.
Levei um segundo, mas consegui encontrar minha voz.
— Bem, minha família se mudou para Londres no ano passado, por isso Bert e eu vamos percorrer todo o caminho de trem da Eurail enquanto temos a chance. — fiz uma pausa. Para que ele não pensasse que eu era algum americano mimado, gastando dinheiro do papai, eu precisava deixar algo claro — Trabalhei em três empregos durante o verão para pagar a viagem: garçom e estágio.
— E quando você não está viajando pelo mundo, trabalhando de garçom, ou estagiando?
— Faço mestrado em artes na Universidade de Syracuse. Design de Publicidade.
— Ah, arte. Tem demais em Paris. Você já foi a algum dos museus?
— Bem, hoje, fomos ao Louvre, ao Musée de l’Orangerie, e ao Musée Picasso. Ontem, fomos a Notre-Dame, fizemos o passeio de barco pelo Sena num bateau mouche, visitamos a Torre Eiffel e…
— Como você pôde visitar todos esses museus em um dia? Só o Louvre precisa de uma semana para ser visitado.
Se eu me atrevi a contar que Bert e eu tínhamos corrido pelo Louvre em uma hora, passando direto pela Liberdade Guiando o Povo, de Delacroix, pelos Rembrandts, Caravaggios, Renoirs e Van Goghs, até a Mona Lisa, apenas para ficarmos decepcionados ao descobrir a pintura famosa exibida atrás de vidro blindado e cercada por turistas munidos de câmeras fotográficas? Ou que tínhamos passado uns bons quinze minutos imitando as esculturas gregas sem braços, enfiando nossos braços dentro das nossas camisetas? Não, algumas coisas ficavam melhores não ditas. Eu devia mostrar o meu melhor sapato de couro envernizado e fingir que eu tinha pelo menos um pingo de sofisticação.
— Você sabe como é. É a nossa primeira viagem a Paris. Tantas coisas para ver e fazer, tão pouco tempo.
Gerard me mantinha cativo em seu olhar.
— E você gostou do que viu?
Corando, assenti. Em vez de entrar no jogo com um gracejo sedutor, meu modo idiota entrou em ação.
— Fomos naquela roda-gigante enorme no Jardin des Tuileries ontem à noite. Foi incrível. Quando estávamos no topo, deu para ver Paris inteira. A Torre Eiffel parecia uma árvore de Natal, com todas aquelas luzes!
Meu Deus, eu parecia uma criança, tagarelando sobre uma roda-gigante e luzinhas piscantes. Logo eu provavelmente entraria em alguma diatribe sobre o quanto os mímicos perto do Louvre me assustavam, bloqueando o meu caminho com as caras pintadas, as camisas listradas, os suspensórios, e as boinas vermelhas.
— Ah, sim! Você escolheu o melhor momento para vir a Paris. É o Bicentenaire de la Révolution Française, uma festa que vai durar o verão todo. É uma pena que não estivesse aqui para o quatorze juillet. Fogos de artifício lindos iluminaram a noite. Tinha apresentações na rua, na Champs-Élysées.
Et voilà. Era hora de impressioná-lo com um pouco de conhecimento.
— Dia da Queda da Bastilha, certo?
— Oui, c’est ça (Sim, é isso) mas um muito especial. O bicentenário.
Talvez alguém tivesse sugerido que o Quinn devesse ensinar algumas frases em francês para Bert? Talvez os rapazes tivessem ido ao banheiro e trocado de assento depois de voltarem? Não importa como aconteceu, tinham feito uma dança das cadeiras e a situação esquisita havia sido corrigida. De alguma forma, eu me encontrei sentado ao lado de Gerard, com ele esclarecendo a história da Revolução Francesa, o que só achei interessante por causa do entusiasmo que ele tinha pelo passado de seu país. E porque ele era atraente.
Naturalmente, eu tentei impressionar Gerard, gastando meu francês mutilado, mais conhecido como franglês, o que o divertiu muito. De forma curiosa, ele insistiu em “praticar” o inglês dele, que já estava perto da perfeição. Já quanto a Bert, que não falava francês, salvo algumas palavras como bonjour (“bonjor”) ou au revoir (“orrivar”), e Quinn, que só falava um pouco de inglês, bem, a conversa deles foi um pouco mais animada — como no caso dos mímicos fora do Louvre, havia muitos gestos.
— Tenho de ser honesto. — disse Gerard — Encontrei coragem para vir falar com você depois de me aproximar primeiro do Bert. Você estava de costas para mim. E, ele, et alors, como eu posso dizer, pareceu mais amigável.
Meu coração falhou algumas batidas.
Olhando por cima da mesa, não pude deixar de pensar sobre quando conheci Bert, no meu primeiro ano do ensino médio. Quando ele se apresentou, estendeu a mão e disse:
— Sacode.
E quando estendi a mão para cumprimentá-lo, ele puxou a dele e sacudiu os ombros de um jeito bizarro. Seus olhos azuis encontraram os meus e ele disse:
— Você parece divertido. Sei que vamos ser amigos. — então ele se virou e desfilou pelo corredor como se não tivesse uma preocupação no mundo. Depois disso, tinha sido minha intenção evitar o garoto a todo custo. Mas acho que não consegui sacudi-lo de perto de mim.
Ri silenciosamente com a memória, me perguntando como Gerard havia conhecido Quinn.
Daí, perguntei.
— Servimos juntos no exército, oficiais em treinamento no Salon-de-Provence, no sul da França. — ele estufou o peito com orgulho e disse algo que pareceu com: — Eu era um tenan.
— Tem não? Pode soletrar, por favor? — perguntei. E ele soletrou — Aaaah, um tenente.
Então, você é um oficial e um cavalheiro?
— E doutor também. — ele riu — Mas não um doutor médico. Estou terminando meu doutorado.
Meu Deus, aquele cara era a fantasia suprema de qualquer um. Toda mãe no planeta aprovaria. A minha teria aprovado. Gerard passou a explicar como, com 26 anos, ele tinha chegado a trabalhar no equivalente francês da Nasa e falar quatro ou cinco idiomas diferentes, incluindo o russo. Sério, apesar de Gerard ser francês, meu avô, uma espécie de coronel aposentado de Grande Santini, Poppy, teria dado a Gerard seu selo de aprovação. Status de oficial superava qualquer coisa.
Eu estava andando nas nuvens. Até minhas inseguranças desabarem como um meteoro traiçoeiro.
Terra para Frank! Entre, Frank!
Eu me perguntava: Por que, em nome de Deus, Gerard estava perdendo tempo comigo?
Ele devia estar atrás de alguma coisa, certo? Afinal de contas, nós, americanos, tínhamos a reputação de soltar a franga quando viajavam pela Europa, tirando as roupas para qualquer estranho bonito que cruzasse nosso caminho. Sem nada melhor para fazer numa noite de segunda-feira, talvez ele e Quinn estivessem vasculhando as ruas com esperança de conseguir levar alguém para a cama.
— Então, você e Quinn têm o hábito de pegar americanos em cafés turísticos?
Um flash de entendimento despertou nos olhos de Gerard.
— Ah, mas esta é Paris no verão. Turistas tomam conta da cidade. Todos os museus, todas as ruas. Eles visitam até nossos esgotos. No café é seguro. — ele levantou uma sobrancelha e estalou os lábios — Só para seu conhecimento, você é o primeiro americano que já conheci.
— Ah, tá.
— É verdade. E agora eu não acredito no que eles dizem, os estereótipos.
— Que seriam?
— Americanos não têm educação.
— Estive no meu melhor comportamento. — sorri — O que mais?
— Não têm cultura.
— Tenho de te lembrar da garrafa de vinho com a tampa de rosquear?
— Você fala francês.
— Pas bien.
— Pelo menos você tenta. E tem uma paixão pela arte.
— É meu mestrado.
Gerard segurou minhas mãos.
— Você é diferente de qualquer outro que já conheci.
— Por favor, me diga que isso não é um insulto.
— Et alors, você não só é bonito, como é inteligente e divertido. É difícil encontrar as três características em uma só pessoa — intensidade e veracidade brilhavam em seus olhos — Vai ficar em Paris por quanto tempo?
Eu podia estar louco, mas estava passado. Engoli em seco.
— Vamos embora amanhã.
— Então, esta noite não pode acabar nunca.
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