História She's Dead - The rescue.

18:00 PM. Salt Lake City, Utah.

O retumbante som metálico das estacas das tendas penetrando o barro frio e resistente do inverno abafa os passos distantes, os intrusos ainda estão a uns bons 5 quilômetros de distância à sombra dos pinheiros que os cercam. Ninguém escuta os galhos estalando sob o ruído do vendo do norte, nem os característicos gemidos naturais. Ninguém detecta os traços do fedo de carne pútrida e mofo marinado em fezes. O forte odor da fumaça de maneira invernal e das frutas que apodreceram na brisa vespertina oculta o cheiro dos mortos-vivos.

Por um bom tempo, nenhum dos colonos do acampamento registra qualquer perigo iminente. A maioria dos sobreviventes está ocupada erguendo vigas de sustentação improvisadas originárias de objetos encontrados; pedaços enferrujados de figas, postes telefônicos e madeira molhada.

– Eles estão demorando demais, Phil – comenta com um suspiro exasperado a mulher esbelta com o cabelo preso em um rabo de cavalo, agachada desajeitadamente ao lado de um pedaço quadrado de lona da barraca salpicada de tinta. Ela treme dentro de seu volumoso moletom que cobre os jeans rasgados. As rugas de expressão e o semblante cansado em seu rosto denunciavam a exaustão que cobria cada centímetro do corpo de Casey.

– Eu estou começando a ficar preocupado também – diz o homem grande que observa tudo atrás dela. Casey olha para o marido, ele parecia tão preocupado quanto ela. Mesmo usando uma camisa de brim sem mangas e um colete acolchoado polido, Phillip Miller ostenta uma aparência imponente. Embora tenha o corpo que um jogador de futebol americano, a preocupação constante dos últimos dias pareceu levar consigo a juventude do homem de 38 anos.

– Você acha que pode ter acontecido algo? – Para Casey, as brasas do medo que ardem constantemente em suas entranhas explodem com o pensamento dos jovens Jauregui em perigo. A mulher tinha desenvolvido um instinto de proteção com as crianças depois que tudo o que vinha acontecendo. Casey e Phil eram vizinhos dos Jaureguis no subúrbio onde moravam, após a onda de transformações que engoliu a humanidade em questão de horas, os Miller ajudaram Lauren e Dan quando seus pais se transformaram. Eles já estavam migrando de bairro em bairro há uma semana e nesse pouco a confiança e o afeto já era notável no grupo.

– Não, os garotos sabem se virar – Phil força um sorriso. – De qualquer forma já está anoitecendo, vou organizar um grupo de buscas atrás deles – diz suavemente antes de se afastar em passos rápidos.

Nenhum dos outros sobreviventes do grupo, que já são quase cem e agrupam-se com relutância na tentativa de ali construir uma comunidade heterogenia, percebe a desvantagem inevitável daquele terreno rural abandonado no qual ergueram suas tendas improvisadas. À primeira viz, a propriedade parece ideal. Situada em uma área verdejante 80 quilômetros ao sul da cidade – uma área que, em média, produz milhões de alqueiras de pêssegos, peras e maças anualmente –, a clareira fica em uma bacia natural de capim seco e terra compacta. Abandonado por seus antigos proprietários – provavelmente donos de pomares próximos – o terreno do acampamento é tamanho de um campo de futebol. Estradas de cascalhos rodeiam a propriedade. Ao longo dessas vias sinuosas erguem-se paredes densas de pinheiros e carvalhos que se estendem pelas colinas.

Em novembro, após os primeiros contatos humanos com os cadáveres ambulantes, o pânico varreu o Sul e prejudicou a infraestrutura de emergência. Hospitais ficaram superlotados e depois fecharam, unidade do corpo de bombeiros ficaram incomunicáveis, as estradas foram obstruídas por veículos destruídos. As pessoas desistiram de encontras estações de rádios de pilha e começaram a procurar suprimentos para recolher, lugares para saquear, alianças para fazer e áreas para se abrigar.

O acampamento de Casey e sua família tem pouquíssimas armas de fogo, e menos munição ainda. Instrumentos de jardinagem, acessórios esportivos e equipamentos de cozinha – todas as amenidades da vida civilizada – servem como armas contra os mortos. Dezenas desses sobreviventes ainda estão montando suas barracas no chão frio e áspero, trabalhando diligentemente, correndo contra um relógio invisível e subentendido, todos inconscientes do perigo que se aproxima entre os pinheiros a norte.

O olhar de Phil atravessa o capim marrom achatado do pasto, passando por carros com capôs abertos, por bandos de mães e filhos sentados no chão contando as magras provisões de frutinhas silvestres e detritos de máquinas de salgadinhos. Por um instante, Phil trava o olhar com o grande sujeito negro a quase 30 metros de distância, perto do canto norte da propriedade. Ele era um dos colonos mais respeitados do grupo, um homem alto e esguio de trinta e poucos anos usando um boné de John Deere e uma jaqueta de couro, ele e Phil se tornaram bons amigos depois de trabalharem juntos na construção da cerca improvisada.

– Ei, Josh! – Phil chama ao se aproximar do homem que mantem a postura ereta e olhar perdido ao longe, como se procurasse algo.

– Nenhuma notícia das crianças até agora? – Ele pergunta sem desviar o olhar.

– Nada... – Phil suspira e encosta no tronco velho de uma árvore – Eu não deveria ter deixado eles irem, cara. Lauren é apenas e uma garota e Dan ainda é tão novo – Ele não pode deixar de se sentir culpado ao ter permitido que os irmãos saíssem sozinhos nesta manhã à procura de suprimentos.

Phil observa o amigo andar silenciosamente até picape 4x4, repleta com os únicos bens materiais do homem, e saca seu rifle de caça e uma pequena caixinha contendo as poucas provisões do grupo. – Vamos atrás deles! – Josh anuncia enquanto recarrega a arma.  

18:45 PM. Salt Lake City, Utah.

São quase 18:30h quando eles terminam de abastecer a picape. As portas se abrem e se fecham. Josh se põe ao volante. Phil fica no banco do passageiro e Nick se acomoda no bando de trás com a mala preta carregada com as armas e munição. O terceiro integrante do grupo é um garoto de apenas 15 anos, ele e Dan participavam do mesmo time de futebol no colégio, sua família foi uma das primeiras a chegar no acampamento. Phil tinha quase certeza que os pais do garoto não desconfiavam que ele estava ali, mas eles não possuíam mais tempo e qualquer ajuda era válida. É dada a partida, o ronco do motor ecoa na escuridão.

– Vai ser tudo muito rápido, gente – diz Josh entre os dentes, engatando com força a marcha a ré. – Segura aí. A inércia joga todo mundo para frente, enquanto a picape avança para trás, em direção as estradas.

O carro explode na direção da rua principal, esmagando três zumbis e fazendo-os voar para a estratosfera. A cada choque, os baques surdos irradiam pelo para-choque, assim como a gosma amarela que fica presa no para-brisa. No fim da rua, Josh vira o volante com força e canta os pneus na esquina, então acelera para o norte, em direção à cidade. Minutos mais tarde, Josh freia com toda força, jogando todo mundo para frente nos bancos do carro.

– Olhem só aquilo ali – Josh aponta para a única casa da rua abandonada que possuía as luzes acesas. Três carros estavam estacionados de qualquer maneira na entrada. Um dos carros, Phil reconheceu como o suburban velho em que Lauren e Dan saíram mais cedo.

Josh e Phil saem rápido do carro, munidos com seus rifles. Eles decidem que o melhor a fazer é deixar Nick no carro, caso fosse preciso realizar uma fuga rápida. No ar frio da noite, eles correm sobre o cascalho da estrada em direção à casa, os ouvidos hiperalertas e sensíveis a qualquer barulho. Josh escolhe um lugar logo a direita do portão de entrada, um lugar onde o muro de tijolos é tapado pelos arbustos. Ele leva o dedo aos lábios, em um sinal claro para que Phil ficasse quieto. Agora já era possível ouvir vozes, Phill contou quatro pessoas, mas não conseguiu identificar Lauren ou Dan entre eles. O medo tomou conta de seu corpo e fez seus ossos estremecerem. A situação era muito pior do que ele esperava.