História Sinestesia - Para Kim Minseok

                        Seul, Coreia do Sul, 19 de janeiro de 2015

Eu sinto demais, ouço demais, penso demais. É automático, como se uma voz suave me conduzisse a ter esse tipo de pensamento, mesmo que eu tente não tê-los.

Me lembro de te encontrar pela primeira vez em uma cafeteria que, muito ironicamente, tinha cor de café. Talvez por isso eu tenha me focado de forma tão intensa na sua figura inquieta, já que era você quem fazia aquele lugar ser assim. Isso não tinha nada a ver com o fato de ser uma cafeteria, e sim porque você tinha cor de café.

Ou será que café tinha sua cor?

Você pediu um americano, me lembro bem, mesmo hoje. Eu pedi leite com morango, também me recordo de você rir.

Leite com morango tinha gosto de infância. Acho que deveria ter me sentido ofendido, mas não nego que sua risada tão amarela e contagiante quanto o nascer do Sol tenha me cativado naquele dia.

A minha imaginação te via como uma pintura de Van Gogh, com o som do teu doce preferido que, mesmo com o passar do tempo, continua afirmando ser torta de limão.

Limão me lembra de você, do gosto da tua voz sussurrada quando conversava comigo naquela banqueta de madeira da cafeteria.

Você dizia não se importar com o meu comportamento estranho, já que era a coisa que mais apreciava em mim. Da minha capacidade de sentir e ver coisas muito além do que os outros viam.

Eu realmente me sentia especial, porque você me fazia parecer assim.

E o mundo finalmente parecia ter tido um pouco de paz, porque tudo o que você dizia me soava como um guia; de dia como brilhantes girassóis, e à noite como constelações iluminadas.

Você disse que se eu fosse um sorvete, com toda certeza seria o seu favorito.

Minseok, você também é o meu favorito. Acredite em mim, mesmo que te soe extremamente clichê. Mas eu gosto de clichês, você sabe disso, eles são como algodão doce.

Procuro me distrair, tentar me abster desse caos que minha mente vive, mas seria mentira te dizer que isso funciona. Meus sentidos apenas não mandam respostas certas.

Mas sabe, não é uma doença. São só formas de percepções diferentes, e eu sou uma pessoa que tenta ver outras perspectivas.

Quem disse que eu não posso tocar teu cheiro? Que não posso ver tua voz? Te garanto que posso.

Posso te dizer sobre cada uma delas, sobre qualquer uma de suas palavras que exercem um poder de calmaria tão forte quanto o azul. Posso dizer sobre os teus cabelos gosto de caramelo, ou sobre como seus olhos castanhos se derretem como uma xícara de chocolate quente no inverno.

Posso dizer que seu toque em minha pele é tão suave e fresco como menta e hortelã. E realmente é engraçado a forma com que você amava chupar balinhas dos dois tipos o tempo todo.

Falando em tempo, Minseok, você não acha que faz muito desde que nos vimos pela última vez?

Estranhamente ainda sinto teu cheiro. Acho que ele se impregnou em mim desde o dia em que me deitei em seu colo e você penteou meus cabelos com a ponta de seus dedos.

Mas tenho medo, sabe? Medo de você não ter mais o mesmo gosto, não ter mais a mesma cor de voz. Me perdoe por pensar assim, mas é impossível não pensar.

Não gosto de mudanças, não me dou bem com elas. Entretanto, você é livre demais para ficar estático no mesmo lugar por minha causa e das minhas manias.

Se você mudar, vou aprender a amar cada parte sua de novo com todos os meus sentidos desajustados. Vou redescobrir teu sabor, teu cheiro, teu som, teu toque.

Você está bem aí? Meu relógio diz ser seis horas da manhã, mas aí em Berlim são vinte e três da noite, não é? Deve ser por isso que estou escrevendo esse e-mail agora, porque sei que você só vai ler bem depois.

Você sempre esquece de checar o e-mail. Desatento e desorganizado.

Eu passo naquela mesma cafeteria, todas as tardes depois do trabalho, na esperança de achar tua cor em meio à tantas outras. Mas nenhuma é igual, nenhuma se compara.

Não sei se o que te falo faz parte de uma comparação, metáfora, sinestesia ou qualquer outra figura de linguagem. Pode ser que seja como todo o resto: confuso e com uma mistura de percepções.

Posso estar fazendo uma metastesia? Ou talvez uma sinesteção? Nunca se sabe, Minseok, tanto que comecei a inventar palavras.

Você sabe que eu odiava café, não é mesmo? Preferia bebidas doces, porque elas eram como o céu azul primaveril cheio de nuvens. As bebidas amargas me lembravam um pouco a terra, e elas me deixavam com um gosto ruim.

Acho que combinava muito mais olhar para cima e sonhar do que manter os pés no chão.

Mesmo que você fique bravo comigo, nos primeiros dias eu bebi e acabei muito mal por isso. Eu não tenho a mesma facilidade para lidar com álcool como você tem.

Então me disseram que café cura ressaca.

Agora eu tomo café todas as manhãs. Não esqueço nenhuma delas, porque você sabe como eu posso ser metódico com tudo o que faço. Porque incomoda se eu não fizer, porque preciso fazer.

Eu tomo café todos os dias Minseok, porque assim posso ter você aqui de volta. Não por completo, mas ainda um pedaço de você. Tomo café pra curar a ressaca que é a falta que a sua presença me faz.

A falta de você faz tudo voltar a estaca zero, porque eu sem você não faz sentido, assim como meus próprios sentidos não fazem.

Espero que um ano voe, espero que o planeta dê a volta muito mais rápido, apenas para saciar meu desejo. Espero que os aromas de verão, primavera, outono e inverno mudem em pouco tempo.

Enquanto espero, apenas vou tomar mais uma xícara de saudade de você.