História Sing me to sleep - Capítulo Único

Elas subiam aquelas escadas rumo ao topo a quase uma hora. Yezi já não aguentava mais; parou, puxou o ar e pôs as mãos no joelho e logo sentiu o olhar da namorada sobre si.

Ergueu o rosto encarando a bela mulher de feições delicadas que, apesar de aparentar inocência, nada inocente havia ali. Seus cabelos loiros claros balançaram por um instante, os lábios carnudos e rosados abriram, porém logo se fecharam. Ash se virou e prosseguiu.

Yezi praguejou.

— Fale algo, Ash.

Ela foi ignorada. Sentiu um nó em sua garganta e uma raiva logo em seguida. Respirou fundo e ficou reta, começando a andar novamente, tentando acompanhar os passos apressados da outra que parecia não se cansar.

— Eu quero ouvir sua voz, me lembre de como é a sua voz, Ash. – Sussurrou, em um pedido mudo. A loira parou e Yezi quase caiu, pois, a parada da outra havia sido brusca e repentina o que a assustou. — O quê...?

Ergueu o rosto, olhando para a mulher que se encontrava um degrau acima de si, porém, como aquela escada era defeituosa, a distância entre os degraus era grande, o que fez a menina ficar mais alta do que já era.

Aquele olhar intimidador de Ash a fez, mesmo que minimamente, se encolher. Ela odiava essa sensação que a outra vinha passando para si nos últimos tempos. Ela abriu a boca; disse algo, mas sua voz não saiu.

Novamente, o bolo em sua garganta foi formado. O olhar de pena foi direcionado a sua namorada e ele claramente foi percebido, uma vez que assim notou, virou o rosto, olhando para frente, pegou o celular e, de modo frenético, digitou.

“Não preciso de sua pena”

Um soco em si. Respirou fundo e sorriu.

— Continue andando, Ash.

Dito e feito. Continuavam a subir as escadas rapidamente. O sol estava no ápice, sentia-se tonta, mas não disse nada. A menina a sua frente continuava firme e forte subindo consecutivamente os degraus, como se nada a abalasse.

Já era possível ver o fim da andada.

— Porque estamos aqui?

O silêncio continuou e logo elas acabaram de subir a colina, tendo a vista privilegiada de uma pequena parcela da grande cidade que se estendia em frente a seus olhos.

A mais nova pegou o celular e digitou.

“Vivendo a vida, porque só temos uma escolha, Yezi”

Abriu a boca diversas vezes. O vento daquela área era forte e por isso frequentemente seus cabelos ficavam indo para seu rosto, pinicando, incomodando. Ela se mexia para retirar os cabelos, já Ash, não. Apenas permitia-se ter os cabelos em seu rosto.

Elas estavam paradas de frente uma para outra; Ash parecia mais distante do que nunca, olhava para o ambiente ao seu redor, até que olhou para cima.

— Que horas são? – Yezi perguntou em um tom quase inaudível.

A outra pegou seu celular, o ligou e esticou, mostrando para a outra. 15h32. Quando foi que havia ficado tão tarde?

O som do vento estava intensificando-se, o céu havia nublado, assim como a previsão disse.

— Vai chover. – O silêncio reinou novamente e apenas foi possível ouvir o barulho do vento. Ash pegou o seu celular e começou, dessa vez mais calma, a digitar. — O quê...?

Ela esticou o celular. Yezi arregalou os olhos e sentiu vontade de chorar. Mas ignorou isso e encarou, seriamente a menina a sua frente.

“Morra comigo”

— Morrer, Ash? Por quê? – A outra voltou a digitar.

“Eu não tenho mais nada”

Sorriu. — Você tem a mim, Ashie. – Disse o apelido que utilizava carinhosamente, enquanto se aproximava da mais baixa, logo estavam frente a frente. — Mas se é isso que você quer, eu farei isso com você. Eu faço qualquer coisa por você.

Ela deu uma risada inaudível. Voltou a digitar.

“Louca”

Yezi riu também. Acariciou o rosto da outra, que, aproveitando o afago, fechou os olhos.

— A melodia está aí, certo? Presa dentro de você, presa em sua mente. Eu sinto isso em cada respiração sua. – Ash abriu os olhos e sorriu, sôfrega. — Eu cantarei para você. Cantarei para você antes de dormir, como você fazia por mim.

Os olhos da outra brilharam. Ela queria chorar. —Não chore, amor. Eu estou aqui e você sabe que por você farei qualquer coisa, hm?

Ash deu um passo para trás, passando a mão sobre os olhos, enxugando qualquer vestígio de lágrima, enquanto balançava a cabeça, concordando.

“Cante para mim” ela havia digitado, calmamente. Yezi abre os lábios, sussurrando uma canção de ninar. A sua canção de ninar.

Ela sabia que a culpa não era sua mas culpava-se. Porque ela havia prometido cuidar de Ash, mas mesmo assim, não havia conseguido cumprir o prometido, não havia mais a voz baixinha de Ash porque ela se recusava a falar desde que soubera o que tinha e havia tomado consciência disso – mesmo que para tal feito isso tenha demorado.

Já fazia semanas desde que Yezi não escutava a voz de sua mulher, mas sabia o quão frustrante deveria ser não falar nada com nada.

— Eu gostaria de tirar isso de você. – Disse, baixinho, com os olhos fechados. Sentiu uma mão quente sobre sua bochecha. Abriu os olhos, viu o celular.

“A Afasia não escolhe quem quer. Doenças não escolhem para quem vão”

— Eu sei... – sussurrou e mordeu o lábio inferior, nervosa.

“Não diga mais uma besteira dessas”

— Desculpe...

“Pelo menos eu ainda posso digitar”

— Mas não pode mais falar, Ash.

Silêncio. Silêncio era o que dominava aquelas duas. Era tão irritante apenas ouvir a sua voz; ela queria ouvir a voz de sua amada, ouvir suas birras, seus escândalos, queria ouvir sua voz baixinha cantando, falando coisas obscenas em seu ouvido. Ela queria a voz e Ash de novo.

— Quando foi que eu me tornei esse ser tão melancólico? Eu me lembro que você me fez prometer que eu não me tornaria assim. Quando eu me tornei aquilo que você não pode abraçar? – Mordeu o lábio inferior com mais força, sentiu o gosto metálico em sua boca e logo uma boca sobre si; Ash sugou o lábio inferior e se afastou, digitando.

“Eu posso te abraçar”

Apagou e escreveu novamente.

“Cante para mim”

Yezi sorriu.

— Faço qualquer coisa por você.